você nunca vai fugir! |Part 03
Corro de volta para casa, em fuga desesperada, ainda que saiba que é em vão. Estamos praticamente isolados.
Os pés se emaranham, tropeçando em arbustos, enquanto galhos quebrados retalham minha pele. Minha visão turva dificulta a percepção do caminho, e minha respiração ofegante ecoa como um lamento. As lembranças, cruéis e avassaladoras, ressurgem. Que tormenta!
"É nosso segredinho", ecoa a voz dele, ecoa na minha mente desde a infância. Antes obscurecida pela névoa do esquecimento, agora revela-se nítida e lancinante; lembro-me com precisão o dia que fiquei mocinha. Appa não estava em casa naquele dia. Joon, com sua crueldade inominável, ceifou uma vida diante dos meus olhos, marcando-me para sempre com a violência de seus atos. Ele me deu banho...
***
Chego à casa, adentrando a varanda em estado de agitação extrema, chorando tanto que mal consigo enxergar. Surpreendentemente, esbarro em Jiinwoon, cuja presença me passara despercebida.
— O quiiii' foi querida? — pergunta com uma voz balbuciante, carregada de deboche, enquanto suas sobrancelhas se erguem em maldade.
"... Tem algo melhor que a boquinha dela?"
Sem hesitar, lanço-lhe uma cusparada no rosto, um gesto de repúdio visceral que silencia e faz cair até mesmo o queixo da empregada na soleira. Sem proferir uma única palavra, corro em direção ao quarto, buscando abrigo contra o vendaval de emoções que me assola.
Meus passos são tão rápidos que, assim que alcanço meu objetivo, arremesso a porta com toda força, evidenciando meu isolamento. Meu corpo fraco desaba no chão. A mente parece uma montanha-russa desgovernada, subindo e descendo, girando e fazendo curvas. Debruçada no tapete, vomito, expelindo tudo do estômago, inclusive o sangue.
Meu bebê, eu sei que ele está bem, eu sei que está, mas a única coisa que me dilacera é a distância de Dale. E depois que o corte foi aberto, essa é definitivamente a prova que eu precisava.
Mas se não fosse isso, quando conseguiria expulsar toda essa ansiedade?
Respiro fundo. Inspiro e expiro, tentando acalmar o tremor em minhas mãos. Tiro os olhos do vômito amarelado e vermelho e me levanto. Encaro a janela a centímetros de distância, a luz da tarde passa pelas cortinas e reflete na cama. Sopro todo o ar dos pulmões e quando penso que estou alcançando a calma, ouço um pequeno barulho, um som terrível.
Click.
A porta é trancada. Alguém me aprisionou.
Giro a maçaneta freneticamente, bato na porta.
— Sanchon! SANCHON?!! YOONA??
Nada. Silêncio.
Ando de um lado para o outro, impotente. Solto um suspiro sem saber o que fazer, tomada pela raiva.
— Eu quero sair!!!!! EU QUERO SAIR! — grito, agarrando a maçaneta e sacudindo-a com força. Nenhuma resposta, apenas sussurros do lado de fora. Encosto a orelha na porta e ouço uma voz masculina repetindo várias vezes "ppaleun - rápido, rápido."
Grito com todas as minhas forças, exigindo que me soltem, mas depois de um tempo, percebo que é preciso economizar energia. Afinal, sei que em algum momento Joon, com sua mente doente, tentará me subjugar novamente. Pelo menos, foi o que pensei antes de horas se passarem e a tarde dar lugar à noite. Observo pelas janelas que se abrem para o barranco, onde o rio deságua, as cores do céu mudarem gradualmente até que o pôr do sol se transforme em uma noite sem estrelas.
A cada segundo que passa, minha ansiedade aumenta, começo a procurar ao redor por utensílios que possam servir como armas em um momento oportuno, decidida a nunca mais me colocar na posição de vítima em situações de perigo, em nome do meu filho e do meu marido. E não pretendo me render. No entanto, meus pensamentos são interrompidos por barulhos estranhos.
Sinto e ouço uma agitação ao meu redor, um nó na garganta se forma e um suor gelado percorre minha espinha. Gritos ecoam, ressoando por todo o quarto e, para minha surpresa, fazendo as paredes tremerem. Um estrondo, uma explosão... Seguidos por gritos furiosos e uma correria no corredor ao lado, atrás da porta.
Paralisada no lugar, impulsionada pelo instinto de sobrevivência, eu vou para o banheiro adjacente ao quarto quando o tiroteio em massa tem início. Cada som aumenta minha tensão, deixando-me ainda mais expectante e alerta, sem saber o que esperar a seguir.
De repente um grande blackout de luz preenche o ambiente, mergulhando tudo em trevas absolutas.
O silêncio se instala, denso e opressivo, aumentando a sensação de perigo e vulnerabilidade ao redor. É como se a escuridão engolisse qualquer esperança, deixando apenas um vazio ameaçador.
É impossível distinguir o que está acontecendo; porém, para proteger a vida do meu bebê, tranco a porta do banheiro. Sob a claraboia aberta no teto do cômodo, ouço um pouco mais do que a sucessão de tiros agora à distância e os sons bruscos de corpos se chocando uns contra os outros... Meu coração dispara, meus nervos estão à flor da pele e o medo toma conta de cada partícula ao meu redor. É como se a fúria nebulosa me comprimisse, me reprimisse diante do caos. Mas eu sei, estou absolutamente certa de que a guerra iniciou.
Estou perto dele. Estou perto dele.
Não, não sinto o cheiro do meu leão, nem ouço a sua voz no meio desta confusão, mas sua energia bárbara irradia no ar. Meu coração começa a bater de um jeito diferente, posso afirmar que até mais acelerado. Meu filho se remexe, e meu corte do pacto arde como ferro e brasa. É ele! Ele está aqui, sinto isso dentro de mim.
Dale veio me buscar e o inevitável irá acontecer. Ele e Sanchon irão se enfrentar, da maneira que tanto temi.
"James!??? James!???? ONDE ELE ESTÁ?"
Reconheço a voz e os gritos de Margareth. São as únicas palavras que consigo identificar no vozerio.
Levo as mãos ao peito. E meu coração quer sair do meu corpo e ir em direção ao seu dono, isso é irrefutável. Com esperança, eu brando o mais alto que posso:
— DALE!!!! DALE!!!! ESTOU AQUIIIII!!!!! ESTOU AQUI!!! Meu amor eu estou aqui!!!
Cada batida do meu coração avisa que estamos próximos, e tentando uma saída, vejo formas de subir até a claraboia para fugir daqui. Gemo de dor, ao perceber que minha mão queima de maneira descomunal. E isso é um sinal de que meu marido está chegando como se fosse um demônio vivo, rompendo barreiras, derrubando muros e dizimando exércitos para vir ao meu encontro.
Eu não me importo, realmente não me importo com o resultado. Eu só quero estar nos braços dele, então eu grito e grito com todas as minhas forças pelo meu leão. Entretanto, os pelos da minha nuca se arrepiam quando os armários brancos atrás de mim, que cobriam parte da parede do banheiro, vêm abaixo num estrondo ensurdecedor.
Me viro esperando ver Dale, quando identifico os olhos amarelos eu estremeço. Esse andar poderia ser... Mas não é o do meu esposo. O homem que sai de um corredor estreito, da passagem secreta... Não é nem de longe belo, na verdade, ele é o que o mundo tem mais próximo de maligno. O grito que escapa dos meus lábios não cessa, e quase me fazem perder a voz.
O rosto envelhecido, salpicado de rugas, os cabelos brancos e o cheiro que ainda me assustava em pesadelos, e aqueles olhos, os mesmos olhos, os olhos que trazem de volta aquele terror visceral, o estado de estupor. Estupor. Tudo é desligado. Zumbidos incoerentes.
— Tsc Tsc. Cachinhos dourados.
Eu dou passos para trás, a vista embaçada. É um pesadelo, não é real.
— Fargus?
Ele sorri. Por mais velho que ele esteja, sujo em todos os sentidos, ainda está bem vestido. Vestido como um mafioso coreano, na mais pura seda.
— Ahhh que bom, não esqueceu meu nome. Já faz alguns anos. Sentiu minha falta? Eu disse Cachinhos, disse que você nunca fugiria de mim... Você nunca fugiu de verdade.
Pisco os olhos, deixando as lágrimas caírem. Acordo desse estupor e minha ação é ir até a porta com pressa, com o intuito de girar a chave para escapar, até consigo tentar, os dedos se atrapalhando, mas sem pressa ele vem até mim e puxa-me pelos cabelos, acerto-o com um chute e ele gargalha.
— É uma pena que você cresceu, cachinhos... Mas vou te fazer lembrar como é ser minha.
Minha. A palavra me dá nojo.
— Eu nunca fui sua!!!! EU NÃO SOU SUA!!!!
Bato com o cotovelo na barriga dele, consigo me soltar, no espaço limitado do banheiro me movo jogando tudo que posso agarrar: meus cosméticos, vidros de perfume e até mesmo um vaso decorativo. Mas nada o para, ele me agarra pela mão, tenta acertar meu rosto e eu me esquivo... Fraca como estou, não sou pareia para uma rasteira, sou jogada no chão acertando a cabeça na quina da banheira.
Sangue. Tontura.
Eu luto quando ele vem para cima de mim, rindo e batendo na minha cabeça com socos.
— Sua putinha burra, acha que pode comigo?????
Nesse instante de dor, é como se um raio de memória me atingisse com força total, e estou novamente na murada do forte com Margareth.
"...você é uma sobrevivente, mas está acostumada à eterna posição de vítima."
"... Seu filho não precisa de uma vítima e sim de uma sobrevivente que está disposta a fazer tudo por ele, até mesmo matar!..."
"...Uma mãe sempre luta pelo bem-estar e segurança do seu filho. Sempre! ..."
Com meu peito em chamas e minha visão turva, o meu corpo ganha uma chama que nunca senti antes, a chama da preservação. Ele pode ter me sujado antes, mas hoje, nessa noite, eu sobreviverei. Ele não me condenará novamente, por meu filho...
Cega de raiva, em meio aos socos, desfiro um golpe abaixo das suas costelas, onde Dale me ensinou. Eu coloquei todo o meu ódio nesse golpe, e vou colocar toda a minha ira em cada um, para escapar.
— Putinha, sua maldita putinha. Você vai ver! EU VOU TE MOSTRAR QUEM É SEU DONO.
Sem hesitar, eu chuto a lateral da sua tíbia, fazendo-o cair, e levanto rápido, esquecendo a minha fraqueza anterior. Sem pestanejar, corro para a porta, e quando ele vem em meu encalço como esperado, viro rápido no último segundo e lhe dou um soco no meio do seu peitoral, fazendo-o ofegar. Porém, não esperava o golpe a seguir:
— Sua maldita, pensa que virou uma lutadora, cachinhos dourados. — ele diz, me dando uma chave de braço com o propósito de quebrar ou deslocar o meu ombro direito.
Minha mente não está no pânico, e sim na solução. Lembro dos movimentos de desarme de Krav Magá, que tanto treinei, e uso meu pé para fazer força de apoio em seu joelho e jogo minha cabeça com tudo para trás, estourando o seu nariz.
— Sim, verme desgraçado! Eu não sou uma lutadora, eu sou uma sobrevivente e não me renderei!!!! — Grito com força, como se estivesse invocando a minha canção de guerra essa noite.
O momento que escuto seu nariz quebrando, o primeiro sorriso em dias preenche os meus lábios machucados. E sei que esse sorriso é sádico, porque esse filho da puta doente merece. Fargus aperta com força o nariz e rosna de raiva. Entre os seus dedos o sangue verte, e visão remexe algo desconhecido, é quase como se tudo fizesse sentido e que meu destino é machuca-lo até ele se transformar em uma poça de lixo tóxico. Sinto os pequenos movimentos em meu ventre, e uma concordância mutua de que meu bebê também deseja isso, alimenta minha força e determinação.
O monstro vem como um touro furioso em minha direção, jogando-me de encontro ao espelho na lateral da banheira. A moldura não suporta nosso impacto e a superfície espelhada quebra em milhares de pedaços. Ele tenta esfregar a minha cara nos cacos partidos, mas nesse momento em que ele aproxima o rosto do meu, eu lembro o que Dale disse.
"Você luta para sobreviver, então use sua raiva e todo seu corpo e o que tem a redor para vencer..."
Pensando nisso, nem considero duas vezes, quando ele tenta pegar meu pescoço, agarro o dele e ele gargalha na minha cara.
— Tem que ser mais forte MINHA putinha....
Eu fecho os meus braços ao redor do seu pescoço como um abraço e isso o surpreende, gerando o fator surpresa que eu precisava. Viro meu corpo de lado, para fugir do alcance da sua boca e meto o meu rosto na lateral da sua cabeça mordendo com tudo sua orelha.
Fargus grita, e usa meu corpo como uma gangorra para ser prensada sobre os cacos de vidro. No mesmo instante, mordo com mais força e penso que não quero parar, eu irei arrancar um pedaço dele, eu vou desmembra-lo se assim for necessário. Cravo meus dentes de um jeito mais profundo, e puxo com tudo entre os meus dentes sua pele e cartilagem. Sinto um frenesi com o ato, e juro que minha visão fica tubular de tanta adrenalina. E como desejado, recebo a recompensa entre seus gritos e tentativas de me arremessar para qualquer lugar longe dele, o som reconfortante da cartilagem sendo fragmentada e a carne rasgada para fora do seu todo.
— AHHHHHHHHHHHH...... — Seu grito e rugido perturbado, faz o sorriso gotejante e escarlate no meu rosto crescer. — FILHA DA PUTA!!!!!!! — Ele berra em plenos pulmões sentido a dor de ter maior parte da orelha arrancada por mim.
Eu não paro, e enfio minhas unhas agora na sua cara segurando o seu rosto, enquanto ele vê com horror parte de sua orelha entre meus dentes. Descontrolado, ele usa uma força absurda e arremessa meu corpo para o outro lado do banheiro me fazendo colidir com as costas no azulejo frio. Eu cuspo a sua orelha nojenta no chão. E enquanto ele grita como um doido, segurando o resto de orelha na lateral da cabeça e gemendo como um cachorro sarnento eu não paro. Levanto cambaleante, mas movida por algo desconhecido, em acelero os meus passos e corro para o canto do espelho e pegando rapidamente o maior caco de vidro que avistei entre meus dedos com força. Pouco me importo para o corte que domina o centro da minha palma.
— MINHA ORELHA SUA MALDITA, MINHA ORELHA CARALHO!!! VOCÊ MASTIGOU E CUSPIU A MINHA ORELHA SUA VADIA SUICIDA!
Sem ao menos respirar, corro com toda a minha fúria para cima dele, e salto em suas costas em tempo hábil, fazendo-o arfar de surpresa. E como uma mulher movida pelo inferno e sentindo o cheiro do sangue podre dele como incentivo, desfiro os golpes rápidos com o caco de vidro em suas costas repetidamente.
— MORRE MALDITO, MORRE!!!!!! EU VOU SAIR DAQUI SEU VERME, VOCÊ VAI MORRER!!!! — Eu não sinto cansaço e o medo está abaixo de qualquer instinto de destruição que me move agora.
— EU NÃO VOU MORRER CACHINHOS, MAS VOCÊ VAI DESEJAR ESTAR MORTA! — Nesse instante, ele corre dando passos para trás e usa seu corpo grande para me bater contra os azulejos do boxe.
O barulho e o impacto são tão grandes que arrancam meu fôlego. Tento recuperar o ar, já que perdi o agarre sobre seu pescoço, e nesse momento ele tenta socar minha barriga, mas eu me defendo evitando o golpe, mas não rápido o suficiente para que ele me dê um soco potente na lateral da cabeça.
Isso me faz cair dentro da banheira, e ele puxa meus cabelos rindo, da minha tonteira e meus movimentos trocados.
— Ahhhhh, não fique assim, filhinha, juro que serei tão bom quanto meu filhinho. Até porque, só papai sabe cuidar de você!!!
— MENTIROSOOOOO!!!! VOCÊ NÃO É MEU PAI!
— Ahhh não??? Tem certeza??? Porque até onde me lembro, fui eu que enchi a boceta da Wendy até o ponto dela estar tão cheia de porra que alguns meses depois você apareceu naquele chiqueiro que você chamava de lar. Eu nunca levei em consideração, até que você tentou fugir e eu fiz as contas Siena...
Meus olhos queimam e suas palavras cortam minha mente.
— Olha só, não é que você chegou a pensar diferente. — Ele gargalha e lambe minha cara machucada. — Aposto que seu irmãozinho não te fode como o papai.
Fecho os olhos e tudo se torna vermelho. Movo meu joelho e subo em direção ao meio de suas pernas. Em segundos, ele cai com seu corpo sobre o meu em agonia. Eu o jogo de lado e saio cambaleante da banheira. Sinto-o agarrar minha roupa, mas grito me libertando.
— VOCÊ É UM PORCO MENTIROSO, E SEU DESTINO É APODRECER NESSE LUGAR!
Dou alguns passos mancos pela pancada na cabeça que levei. Abro a porta rapidamente, mas ele vem de novo, e como arma pego a escova na pia e a arremesso com toda a força em seu rosto. Ele cospe sangue, mas com a sua mão direita me desfere um tapa, ao mesmo tempo em que levanta a mão esquerda com uma seringa tirada de um bolso falso.
— NÃO!!!!! — Grito, desviando no último instante, fazendo sua mão passar por poucos centímetros do meu braço.
Chuto a junta dos seus joelhos e ele cambaleia, me fazendo segurar sua mão com a seringa para arrancá-la dos seus dedos. Caímos no chão e rolamos em uma briga que, nesse caso, é injusta aparentemente para mim, mas mordo sua bochecha com toda a força, num ato de desespero. E ele afrouxa a mão. Pego a seringa e a arremesso debaixo do armário, num canto escuro e estranho daquele túnel secreto.
Ele xinga e me dá uma cabeçada. Corre em direção ao túnel, mas eu corro em direção aos cacos de vidro no chão, pensando que preciso acertar seu coração ou olhos para conseguir fugir por onde ele entrou. Quando pego o caco de vidro, ele ainda está procurando a seringa. Eu mais que depressa perfuro ainda mais suas costas e ele luta comigo, batendo meu corpo nas paredes duras desse túnel do terror.
Quando penso que irei furar seus olhos, uma dor aguda na minha coxa me faz gritar. Ele achou a seringa. Eu não penso, só faço. Pego sua mão que está começando a injetar e puxo com tudo, evitando que todo o líquido entre em mim.
Ele gargalha, mas não espera a minha reação. Pego a seringa e a enfio em seu ombro, já que a tontura começa a tomar meu corpo rápido demais e evita que eu perfure seu pescoço na última hora.
Fargus vira rápido seu corpo, aproveitando o início da minha letargia, e acerta meu rosto com um soco forte e depois tapa minha boca, sufocando-me.
Flashs
Correntes em volta do meu pescoço. Dedos em carne viva, unhas quebradas numa tentativa fracassada de escapar, agarrando-se às paredes estreitas do túnel.
Aquele assobio irritantemente falso, aquelas lembranças de abusos no porão da minha casa. Memórias de violência crua, cadáver e o pior gosto do mundo, o gosto da prisão, da condenação.
Lutei, gritei, bati nele e o machuquei, mas fraca demais para me libertar, fraca demais para impedir Fargus de me levar mais uma vez para a escuridão.
******
Sem estampidos de armas, sem tiroteio ou o caos da guerra, apenas o som de carro na estrada. Meu corpo balança, preso a muitas correntes que chiem. Eu conheço essa sensação de estar drogada, paralisada... Só que desta vez não há uma venda em meus olhos.
Vejo um borrão, uma silhueta gorda em cima de mim. Jiinwoon.
A mão dele fecha no meu pescoço.
— Será que Joon sairá vivo dessa? Fomos pegos de surpresa.
O automóvel onde estou deitada balança outra vez. Não escuto a resposta de Fargus.
— Acreditam que ela cuspiu na minha cara? — Jiinwoon ri, indignado.
— Você viu o que ela fez no meu rosto e na minha orelha? Eu não estou conseguindo escutar direito. Ela me furou todo e ainda por cima deixou meu saco roxo com um chute! — Fargus rosna e diz sombrio. — Ela cuspiu na sua cara, e no meu caso, ela cuspiu a minha orelha no chão. Essa cadelinha vai me pagar.
— Quem mandou colocar a orelha onde não deve? — Jiinwoon gargalha.
— Ela estava com meu filho, meu filho. O mundo dá voltas. — Fargus diz cheio de orgulho jocoso, vislumbrando um futuro.
Jiinwoon dá risada.
— Você não tem mérito nenhum sobre o Marquês, mas... está certo. Estamos com a Marquesa, mulher do Marquês e Conde Escocês, embora ela sempre fosse parte nossa, parece tão mais valiosa. Tem ideia do quanto ela vale agora? Castelos, palácios, condados inteiros em nossas mãos.
A voz me causa repúdio. Abro o lábio machucado e tento falar, mas não sai nada além de resmungos indecifráveis, sem força, apenas lamentação.
Jiinwoon fica mais próximo, sua barba mal-feita pinica meu rosto quando ele me cheira, a mão aperta meu pescoço. Tenho vontade de me mexer, tenho vontade de arrancar os olhos dele e decapitá-lo.
— Acha que o chefe vai deixar eu comer o rabo dela de novo? Sinto saudades dessa boquinha.
Fargus estala a língua, Jiinwoon continua:
— Eu sempre quis comê-la sem a venda nos olhos... Ela está grande agora, mas ainda é gostosa como a mãe.
O maldito sabe que estou escutando.
— Quando o efeito da droga vai passar?
— Você se esqueceu? Vai durar algumas horas. Vamos ter que aplicar a segunda dose. Mas não faça nada, nada até o avião... — a voz rançosa de Fargus declara.
Avião? Lágrimas escorrem dos cantinhos dos meus olhos, tento me mexer. Meu medo de aviões, todos os meus medos e terrores personificados. Eu não fui forte o suficiente e estou falhando com meu bebê, mesmo jurando que lutaria por nós dois.
Jiinwoon cospe na minha cara, aperta meu pescoço e sussurra contra meu ouvido:
— Vamos ter uma longa viagem, docinho. E depois... Depois vamos nos divertir muito, por horas. Vai ser uma grande revanche.
***
Um dia, no lotado aeroporto de Illinois, perto do Natal, poucos dias depois do meu aniversário de 11 anos, Fargus me disse aquelas palavras que me assustaram pelo resto da minha vida "tenha medo... Isso mesmo, porque você nunca vai fugir ."
E passei anos, anos tentando fugir da loucura, do medo, da dor, do passado... E só por um tempo, uma estação preciosa... consegui escapar, consegui a felicidade e parte dela floresce em meu útero.
Prometi a mim mesma no dia feliz que Dale me deu a notícia de que estava grávida: eu não deixaria esse bebê conhecer a escuridão, não deixaria, mas o que fazer? Se agora sinto no fundo, sinto no âmago, as raízes negras crescendo e se enrolando em volta, a escuridão me preenche.
Sou a filha indesejada de uma prostituta.
Um aborto que sobreviveu.
Faço parte das trevas, talvez esteja condenada a ser para sempre a última das trevas, seja assim ou não, nunca mais deixarei de ser Siena, uma criança como tantas as outras que foram destruídas, uma mulher que vai lutar até o fim.
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