juntos /06/
Momento atual
Aqui estou eu no topo da imensidão escura observando as nuvens negras desaparecerem na meia-noite pela janela, o avião se movimenta rápido nos deixando próximo de algo novo, estou tão perto das estrelas...
Mal posso esperar para acabar.
Estamos chegando, estamos chegando aguente mais um pouco essa conexão.
Acordei mais uma vez e depois que papai me ajudou a comer e ir ao banheiro fiquei apenas deitada em seu colo ouvindo sua voz doce cantarolando uma música para me acalmar, funcionou por um bom tempo, pois não queria dormir e voltar para a podridão crua dos meus pesadelos, aquela corrente de medo de um lugar novo, de me perder, o sofrimento interminável.
Lágrimas escorriam dos meus olhos quebrados, mas logo a enfermeira chegou com um pouco mais de sedativo, me examinando para vê se estou boa para mais uma dose. Antes de começar a injetar, Appa a contradiz pedido algo:
— Não Shyu, primeiro traga os remédios dela, está na hora.
Pegando em seus braços fortes imploro a Appa, por um descanso.
— Não Appa, por favor. Eu não quero tomar os remédios agora, toda vez que os tomo, meus pesadelos ficam mais fortes. Por favor Appa...
Ele acaricia meus fios e fala susurrante:
— Poppy você sabe que isso é inegociável, acha que eu não sei que você teve uma recaída em seu quarto? Pensa que pode esconder algo de seu Appa, neo ttal?
A vergonha e consciência de que ele sabe o que eu fiz me cala, e logo depois eu imploro por seu perdão, eu só queria ser boa para ele, eu só queria que ele se orgulhasse de mim.
— Perdão Appa, perdão eu juro que não queria, mas...
— Poppy, você precisa dos seus antipsicóticos, você sabe disso. Não é algo que se possa parar da noite para o dia minha pequena. Você não quer ter um surto no meio do baile, quer? Não quer que as pessoas pensem que você é uma menina fraca ou maluca, certo? Minha Poppy é forte, e vai conseguir se recuperar. Você está avançando em seu tratamento, eu estou aqui para você sempre.
Confirmando com a cabeça eu recebo meus remédios, e os bebo pedindo a Deus que eles não me levem mais profundo na escuridão. Kang acaricia minhas mãos e fala baixinho em meu ouvido trazendo calma ao meu corpo tenso:
— Estamos chegando Poppy, você irá amar a Escócia e quem sabe não queira nem voltar para a Coreia. Eu te conheço minha menina.
Sorrio para ele e não vejo a enfermeira chegar ao meu lado, somente sinto a agulha me levar para o lado feio da minha mente.
Fargus estava tão certo, por mais que eu tente, nunca vou conseguir fugir dele, nunca vou escapar.
Nos primeiros minutos fui embalada por trevas amortecidas...
O vazio era saboroso, mas não ficou por muito tempo, a imersão vazia chegou me lembrando do que sou, do que eu era, mas dessa vez não durou tanto tempo.
Desembarcamos no aeroporto às dez horas da noite no horário de Edimburgo e pegamos um carro empolgados por finalmente chegarmos em terra firme, Appa e Joon me mostravam durante o caminho alguns pontos deslumbrantes de Royal Mile que visitariamos em nossa estadia.
Eu não podia negar pelo pouco que via que fiquei curiosa através das vistas reveladoras tiradas de um conto de fadas, as ruas da cidade eram mais que convidativas, a cada esquina que olhava havia castelos, construções antigas, galerias de arte, cada detalhe parecia apaixonante, ainda sim fiquei temerosa por estar em um ambiente desconhecido.
Paramos para jantar em um restaurante privado, Andrew Fairlie o único com duas estrelas Michelin, onde Joon disse ser reservado somente para nobres ou membros da alta elite Escocesa. Kang aprovou o lugar já que o mesmo tinha salas privativas para seus clientes, conferindo privacidade aos usuários. Appa é criterioso com os lugares que frequentamos e muito mais com comida, ele diz que o que ingerimos nos transforma, mas eu nunca disse a ele o motivo de ser assim hoje, mas acredito que seja porque comi muitas vezes as minhas fezes em minha vida.
Fujo desses pensamentos e aprecio o lugar estiloso, com paredes altas em um estilo britânico mais intimista e com luzes baixas. As cores são mais escuras e conferem um ar de segredos aos murmúrios baixos pelos quais escutamos ao chegar em nossa ala. Comemos pratos elaborados da culinária escocesa, e papai aproveitou para fazer suas últimas ligações e falar um pouco do país:
— Edimburgo é localizada entre grandes morros de pedra e o mar, sua geografia irregular é o que contribui para o charme daqui. Não faltam construções antigas em topos de colinas, e a maior e mais incrível de todas elas está no centro da cidade velha: o castelo de Edimburgo, uma construção deslumbrante que vigia a cidade do alto. E com certeza as inúmeras propriedades do Conde MaCay. Além dos castelos e das demais construções antigas da cidade, Edimburgo ainda conta com inúmeros parques nacionais. O Princes Street Garden, o jardim botânico da realeza Royal Botanic Garden, as colinas de Calton Hill. Um lugar excelente para ver o pôr do sol em dias de céu aberto, são apenas algumas das opções localizadas no centro da cidade que se tudo for como esperamos iremos visitar em breve.
— Você já esteve aqui antes Appa? — pergunto apreciando mais um pouco do meu prato.
— Algumas vezes querida, mas Joon com certeza esteve mais e já ficou com muitas escocêsas, não me admiraria se uma aparecesse agora estapiando a cara do ordinário.
Dou risada e Appa fala sorrindo ao me ver alegre:
— Minha pequena, tenho certeza que amará esse pais, e se quiser podemos passar alguns períodos do ano aqui, o que acha?
Meus olhos se enchem de lágrimas por ele pensar que posso ser normal desse jeito, mas não consigo, seria torturante entrar em um avião e todas as vezes ser dopada para isso. Lendo meus pensamentos ele segura a minha mão e fala tranquilamente com sua voz macia.
— Poppy neo ttal, não precisamos vir de avião caso queiramos passar as férias, podemos vir de trem bala. Só precisamos usar o jato porque minha reunião estava marcada para uma data que não nos permitia usarmos esse transporte. Você sabe que eu comprei um vagão para que tenha privacidade durante as viagens e sei que ama trens.
O ar começou a voltar para meus pulmões e um alivio liquido correr por minhas veias, na mesma hora Kang sorriu com meu conforto. Ele tinha razão eu amava trem, o seu balanço suave e a visão da paisagem passando rapidamente me dava a sensação que não estava parada no tempo. Também havia os barcos, eu amava os barcos de Appa. Ali no mar eu não poderia ser encontrada por coisas ruins, e estava protegida por meu Appa de tudo e todos.
Entretanto uma coisa me incomodava e sei que ele poderia brigar comigo por isso, mordi os lábios para não demonstrar meus pensamentos, mas mais uma vez ele me leu como se estivesse lendo seus próprios pensamentos.
— Diga neo tall, o que está prendendo em sua mente? Quero que diga! — ele disse imperioso e não tive como negar seu pedido.
— Aqui tudo é muito lindo e limpo, acho que não me adequo a esses castelos e jardins de princesas, meu lugar é em casa com você Appa.
Ao dizer as palavras o vi pegar o talher com mais força e seus olhos estreitarem em uma leitura da minha alma quebrada, eu não queria que ele olhasse demais, tinha medo que me jogasse fora se visse o quão suja eu sou. Entretanto ele não parou de me olhar com intensidade e falou calmo e polido me assustando.
— Poppy quem disse que você não combina com esse lugar neo ttal? Quem falou isso?
— Mas.. — sou cortada por sua fala e seus questionamentos.
— Tenho reparado que você anda mais enclausurada em seu quarto e cada vez mais evita sair para os jardins da mansão. Você sempre amou os jardins e inclusive as Rosas de Saron e as Azaleias. Porque não faz mais os seus passeios minha pequena, os jardins são fechados para você.. Alguém lhe fez mal ou se aproximou de você Poppy?
Tento falar mas a gagueira vem como anuncio do meu nervosismo. Não sei como um simples comentário o fez chegar ao centro do meu desconforto nos últimos meses. Abaixo a cabeça e lágrimas escorrem por meu rosto. Sinto a presença de Joon ao meu lado e o mesmo revela tomando minhas palavras:
— Kang eu tenho reparado que as filhas de Nakashuro perambulam bastante pelos jardins, como são apenas garotas da idade de Poppy e como você disse que não havia problema delas interagirem levemente com ela, não me envolvi em nenhum momento, mas tenho que dizer que não gosto dessas pequenas enguias.
Segurando o choro, tenho meu rosto içado pelos dedos do meu Appa, e seus olhos castanhos profundos me encaram em um questionamento mudo e afetado. Por fim cedo aos meus medos e justifico minha ultima humilhação.
— Sayore e Sakura dizem que sou uma oegugins ( estrangeira) que está sujando o nome da sua dinastia. Elas falaram que as flores choram e murcham com meu cheiro de pyeongmin (plebeia) e minha balgwang ( loucura) é ouvida por toda a mansão, fazendo que seu nome caia em desgraça com minha presença. - respiro fundo e tomo forças para falar meus pensamentos depreciativos. — Appa elas viram a minha sujeira por baixo das roupas de grife e todo o cuidado que tem comigo, e você sabe que não sou merecedora do seu carinho. Não quero humilha-lo com minha presença e nem sei se poderia estar em lugares como esse, por isso evito com forças sair do quarto, não quero que sinta vergonha ou me abandone.
Minha mão é apertada com mais força e vejo Joon e meu Appa me olharem com algo que beira a frieza e descontentamento, meu sangue gela porque acho que enfim eles estão tendo consciência de quem eu sou.
Meu Appa, não é somente o chefe da Yacuza, ele também é o chefe de governo do nosso país e faz parte da família real extinta na Coreia, ele é do clã Yi de Jeonju, a antiga família do Império Coreano. Muitas das vezes minhas supostas primas de algum grau de parentesco, me disseram que meu Appa nunca deixaria sua fortuna e poder para uma oegugins, mas isso nunca me incomodou, o que me entristece é não poder estar e nem conseguir estar ao seu lado em eventos importantes como esse. Isso está sendo um desafio para mim.
Fugindo dos meus devaneios, Kang aperta meus dedos com carinho e afirma muito sério me puxando para seu colo:
— Neo ttal, você é preciosa e nunca a deixarei. Aqueles jardins são seus e de mais ninguém, e quando voltarmos as filhas de Nakashuro entenderam isso. Ninguém fala com minha Poppy desse jeito e sai impune. Entenda, ninguém.
— Appa, não quero causar problemas. Por favor não faça nada, eu lhe imploro. - rogo com minha face quente pela vergonha de revelar o que as pessoas pensam sobre mim.
Sinto seus dedos em meu rosto e ele fala calmo.
— Você é a minha neo ttal, e como membro da dinastia Yi, você é uma princesa como tal. E para isso lhe comprarei o mais lindo castelo aqui nessas terras verdes. Sei que irá amar! E não quero reclamações, faremos as viagens de trens até você estar curada e poder viajar com mais frequência de jatinho.
Respiro lentamente me sentindo cansada dessa conversa, e concordando com a cabeça para sua narrativa. Joon que observava tudo, estava calado analisando a situação como um todo. E logo chamou meu Appa para o bar fora de nossa sala privada.
Naquele momento sozinha refletindo sobre nossa conversa penso que preciso ter forças para conseguir estar mais tempo com Appa nesses eventos sociais. Quem sabe assim eu posso esquecer um pouco do meu passado?
Levantando da cadeira rumo ao banheiro informado por um dos seguranças, mas sou chamada atenção por um grupo de senhoras e jovens que cercam um homen no final do corredor. Não querendo dividir o toalete com muitas pessoas, me apresso a ir até ele e limpar o meu rostos, mas sou interpelada por Joon que diz que precisamos ir para o hotel, porque Appa tem negócios que não podem esperar.
Fazemos a saída por um caminho privado e pelas portas laterais discretas do recinto. Entro no grande carro blindado e Appa já nos aguarda em meio a uma ligação.
Depois de deixarmos a pequena viela lateral do belíssimo restaurante, finalmente seguimos para um dos prédios mais lindos que vi em toda minha vida. Na verdade é um dos hotéis mais elitista de Edimburgo, The Witchery by the Castle, é na verdade a mais pura arte convertida em sonhos de quartos. Tudo é requintado e inspirada a realeza. Appa me apresentou ao andar de alta segurança e proteção na Escócia, com quatro suítes, que deixam os quartos reias no chão. Tudo é tão surreal que fico maravilhada com o ambiente que parece remeter a uma era de ouro e glamour dos grandes castelos ingleses.
Tive que passar minhas impressões digitais para entrada da suite e mais outros requisitos de reconhecimento, assim que terminamos beijei seu rosto deixando claro meu desejo de tomar um banho:
— Preciso de um banho agora Appa, o senhor se importa?
— Claro que não Poppy, mas antes, já que estamos todos aqui quero reiterar bem... Estarei cheio de afazeres nessas duas semanas, principalmente antes dos meus homens chegarem para a assembléia em um dos castelo do Conde que acontecerá em dois dias, não poderei estar tão presente minha menina, dessa forma... Joon a fará companhia e protegerá você com unhas e dentes.
— Pode deixar eu estarei cuidando perfeitamente de Poppy, hyeongje (irmão)
— Sei disso Appa, estou em boas mãos.
Sorrio e beijo o rosto de Appa. Indo aproveitar o máximo a banheira da suíte deslumbrante que mas se assemelha a uma grande porcelana banhada a ouro.
Embasbacada com os revestimentos nobres, cheio de espelhos e principalmente com a grande banheira espaçosa com água quente, uso meus sais aromáticos de frutas e papoula. Sempre os uso, foram os primeiros cheiros agradáveis que escolhi carregar em minha vida. Despejo o shampoo de papoula do Himalaia e meus dedos e massageio meus fios em busca do conforto que o cheiro sempre me trouxe.
Assim como a mansão que tenho vivido na Coreia, assim como as roupas e joias, não sei porque estou aqui.
A tentação de arrancar uns fios começou a surgir levemente, entretanto eu seguro fortemente dentro de mim, não quero que Appa pense que sou tão fraca para ter uma segunda recaída em tão pouco tempo. Entretanto as reflexões e questionamentos na minha mente não param.
O que eu estou fazendo aqui? Era pra eu estar morta a tantos anos, mas estou aqui, Appa me salvou e está curando o vírus dentro de mim, certo? Sim ele está. Eu devo agradecer a ele.
Fechei os olhos, mas podia escutar os zumbidos... A ofegação daqueles velhos tentando me abusar, enchendo meu rosto de esperma...
Começo a me esfregar com todas as forças, sentindo o peso das minhas lágrimas, mas não deixando cair dessa vez, lembro onde estou, lembro do presente, do agora... Da pessoa que me salvou e que eu devo toda minha vida:
Appa.
Saio do banho e visto meu pijama de seda chinesa aconchegante, chegando ao quarto arrumo meu cabelo para que não seja notada as novas feridas feitas em meu couro cabeludo, eu caminho até a bela sacada descalça e a única coisa que me recebe são as estrelas e a linda lua.
— Como o céu pode ser mais lindo nessa parte do mundo? — murmuro sentindo a brisa refrescante, mas sou supreendida pela voz de meu Appa que estava sentado em uma espreguiçadeira confortável na varanda lendo um livro.
— Há lugares no mundo em que as belezas naturais prosperam minha pequena Poppy. Veja como você floresceu em nosso lar? Mesmo que esteja ainda ferida por dentro, ainda sim floresceu..
Eu absorvo suas palavras e energia de poder e calma para meus nervos. Ele docemente me chama para seu colo.
— Poppy, Poppy... Está se sentindo melhor?
Afirmo com a cabeça sentindo-o alisar meus braços agora cobertos pela seda do meu pijama.
— Ohhh eu imagino que esteja sendo difícil, mas estou aqui com você e estarei a vida toda, amanhã uma grande estilista escocesa virá tirar suas medidas e preparar um belo vestido único para você.
— Por que Appa?
— Meu amor, é uma assembléia entre lideres e um baile oficial no castelo do Conde e, eu quero que todos vejam o quão preciosa e bela você é.
— Eu não acho... Não sei se consigo ir em algo tão grande...Terá muitas pessoas Appa, você sabe que não consigo estar entre muitas...
— Shhiiii — ele pressiona um dedo em meus lábios me calando e encostando meu rosto em seu ombro — você sabe que preciso introduzir sua presença nesse eventos importante neo ttal. Este é um muito importante para todos os meus negócios, preciso que saiba que não deve ter medo, sempre estaremos juntos... E depois neo ttal, ninguém encostará um dedo em você. Estará segura, como sempre esteve ao meu lado. Quem toca-la encontrará a morte pela minha katana.
— Appa tenho medo que essas pessoas estranhas não lhe obedeçam, se isso acontecer irei apagar no meio de todos e isso irá lhe envergonhar.
Ele me encara e alega em sua voz profunda.
— Todos irão me obedecer minha Poppy, até mesmo porque todos eles sabem do que sou capaz e até onde eu posso ir pelos meus. E você neo ttal, é minha, minha ttal e dessa forma é uma pessoa intocável para qualquer um. — ele diz tranquilizando a minha alma e me fazendo suspirar de alívio. — Agora vamos, vou te dar seu remédio e colocar você na cama, temos um longo dia amanhã e não a quero mais pensando em algo no qual eu nunca permitirei que aconteça. Vamos minha pequena, dessa vez seus sonhos serão mais leves e menos obscuros..
Sendo conduzida ao quarto de uma princesa e sempre protegida por um grande dragão chinês, meus sonhos pela primeira vez nos últimos dias não se fazem presente, e minha mente só é absorvida pelo cansaço de carregar uma dor maior que a carne.
Capítulo editado pela @Jennifferfelix86
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