𝐗𝐕𝐈 ┇ uma nova tripulante.
─── CAPÍTULO DEZESSEIS
uma nova tripulante.
QUATRO DIAS JÁ haviam se passado desde que o Peregrino da Alvorada havia deixado a Ilha Felimate para trás, e a Rainha Artesã permanecia abalada por não ter conseguido usar seus poderes quando seu grupo estava em perigo.
Sentia-se uma fraude: as histórias sobre a Revolução Narniana a descreviam como uma poderosa artesã, que se transformava nas mais ágeis aves, dava a ela e seu amigo a aparência de lordes telmarinos e conseguia até mesmo transformar flechas com pontas de ferro enquanto elas ainda estavam em movimento. Mas então, lá estava ela, três anos mais tarde, em uma sala cheia de sinos e simplesmente não conseguia se transformar.
A vergonha que sentia por toda aquela situação vinha lhe dando dores de cabeça fortes e pesadelos terríveis: seus agradáveis sonhos foram todos substituídos por cenas esquisitas dela mesma entrando em situações cada vez mais perigosas, e seus poderes falhando quando ela mais precisava. Você não é uma feiticeira de verdade, a própria Jadis havia lhe dito em seus sonhos. E nunca será uma rainha.
Naquela manhã não havia sido diferente: a artesã despertara de mais um sonho com a Feiticeira Branca, daquela vez, ela usando sua magia para mostrar que até seus feitiços mais simples eram infinitamente mais poderosos do que os de Eris.
A rainha havia cedido sua cabine para Lúcia, usando a cabine de Caspian para si — o jovem rei faltou simular a própria morte quando a feiticeira lhe disse que eles não dividiriam aquele quarto —, e logo deixou sua cama para subir ao convés. Sentia que, se fosse envolvida pela brisa marítima, se sentiria muito melhor.
Eris suspirou, tentando afastar aqueles pensamentos, a brisa marinha beijando seu rosto enquanto ela se inclinava sobre a amurada do navio para observar o horizonte. Precisava superar aquilo, antes que aquelas inseguranças se tornassem fatais.
— Já de pé? — uma voz perguntou atrás de Eris, que sorriu para a dona dela, Lúcia.
— Sim. Gosto de ver o Sol nascer. — respondeu a feiticeira, como sempre dizia a lorde Drinian.
A Pevensie mais nova se pôs ao lado dela, observando o horizonte.
— É uma visão e tanto.
— As cores são o que mais me cativa. — revelou a artesã. — Nunca consegui reproduzi-las com tinta...
...Apenas com magia, ela pensou, mas não disse em voz alta. Não queria colocar sua falha magia em discussão, mas não importava: Lúcia deveria ter entendido o que ela iria falar, porque lhe lançou um olhar empático.
— Ainda está chateada pelo que aconteceu em Felimate?
— Estou envergonhada, na verdade... — ela suspirou, chateada. — Minha única utilidade é relacionada à minha magia, e eu não consegui usá-la quando mais precisávamos.
— Isso não é verdade. — disse Lúcia. — Você pode não ter usado sua magia, mas manteve Eustáquio e eu seguros durante toda aquela noite no mercado.
— Por favor, se eu tivesse mantido vocês dois realmente seguros, não teríamos passado a noite no mercado. — devolveu Eris.
A mais nova suspirou.
— Olha, eu sei que essas coisas parecem diferentes para você, porque você cresceu com a sua magia, mas quero te contar uma coisa: na última vez que eu e meus irmãos viemos aqui, você encantou a todos nós, porque era diferente dos outros artesãos que havíamos conhecido nos Anos de Ouro. Todos eles usavam magia como entretenimento, não para lutar. Mas você não. Você usou toda a magia que sabia fazer para defender Nárnia, e essa coragem fez com que eu a admirasse muito mais do que pelo fato de que você conseguia mudar a forma das coisas.
— Lúcia... — a rainha tentou começar, mas a menina não deixou.
— Estou falando sério. Você não precisou de magia para ajudar o Conselho de Guerra, para manter a ordem entre Caspian e Pedro, e também não a usou na batalha de Monte Aslam ou em Beruna. O que você teve foi uma mistura incrível de inteligência, força e coragem. Coragem é a verdadeira magia, e de todas as pessoas que eu conheço, você é quem mais a possui.
Eris sorriu, sentindo seu coração se aquecer pelas palavras da amiga. Precisava daquilo mais do que imaginava. Ela envolveu os ombros de Lúcia em um abraço.
— Obrigada, Lúcia. Eu também admiro sua coragem.
— Fico feliz em saber. — disse a garota, porque era verdade absoluta.
As duas ficaram em silêncio por um momento, até a mais nova se virar para a artesã e começar, hesitante:
— Posso admitir uma coisa?
Eris acenou com a cabeça: — Claro.
— Queria que nós tivéssemos sido mais próximas na última vez que vim aqui. Acho que sua amizade com Edmundo acabou me intimidando para me aproximar de você também. Vocês pareciam ser uma pessoa só às vezes, e eu tinha medo de parecer uma intrusa.
— Você nunca seria uma intrusa. — assegurou a feiticeira. — Ed e eu temos uma conexão especial, porque somos parecidos de muitas formas, mas isso não tiraria o carinho que tenho por você. Cada amizade é especial ao seu jeito. Fico feliz por termos uma segunda chance para construirmos a nossa.
Lúcia sorriu, contente por encontrar uma amiga como Eris. Amava seus irmãos, mas às vezes se sentia excluída por ser a mais nova. Pedro e Susana haviam embarcado em uma nova fase de suas vida, e mesmo antes, quando estavam em Nárnia, eles às vezes se pareciam mais seus responsáveis do que amigos. E Edmundo tinha adentrado seu próprio universo de garoto colegial, no qual a garota não conseguia (e nem queria) penetrar.
A garota estava se voltando para aqueles pensamentos, quando Eris soltou uma exclamação alta, como se tivesse se dado conta de alguma coisa verdadeiramente chocante, e Lúcia se virou para ela:
— O que foi?
— Acabei de perceber que, tirando aquele episódio em que eu deixei a sua pele vermelha e dourada sem querer, eu nunca a transformei em nada. — Eris revelou. — Já transformei Ed em pássaro e Caspian em dezenas de espécies diferentes. Você está em uma desvantagem terrível.
Lúcia abriu uma expressão curiosa.
— Você está dizendo que...
— Que eu não posso permitir que aqueles dois possam cantar vantagem para cima da rainha mais épica de Nárnia, é claro. — disse a artesã, em um tom falsamente sério. — A gente precisa fazer algo enquanto há tempo.
Então ela encarou a Rainha Destemida como se esperasse por uma resposta.
— E então? — questionou.
— E então o quê? — Lúcia questionou de volta.
— No que você quer ser transformada?
A Pevensie arregalou os olhos: — Você está falando sério?
— Eu estou sempre falando sério, por que as pessoas ficam me perguntando isso? Vamos, me diga o que prefere: nadar ou voar? Andar está fora de questão.
Lúcia pensou por alguns segundos, sendo divertidamente pressionada pelo olhar de Eris.
— Acho que voar. — disse ela, por fim, com medo dos mistérios que poderia encontrar no oceano (embora eles também a atraíssem).
— Ah, voar. Um clássico. — disse Eris. — Não sei porque vocês humanos são tão obcecados por isso.
— Nós humanos? Você está sempre se transformando em aves! — retrucou a garota.
— Sim, porque é mais fácil para mim. Todo artesão tem afinidade com um tipo de transformação. Acho que tem algo a ver com o tipo de função que teríamos se de fato vivêssemos no Mundo Imperfeito. — revelou a feiticeira. — Minha mãe tinha afinidade com cores, e me contou que meu avô tinha com plantas. Conseguia mudar a espécie de uma árvore para outra, com a facilidade que a minha mãe teria em transformar o azul do céu em vermelho. Eu tenho com animais, e as aves são as que menos consomem minha energia.
— Eu não sabia disso. — disse Lúcia, mas logo se lembrou dos poucos artesãos que conhecera nos Anos de Ouro: alguns se dedicavam a aperfeiçoar a aparência de seres, enquanto outros preferiam simplesmente transformar a decoração dos lugares ao seu redor. Fazia sentido.
Isso também fez com que ela se perguntasse como seria o Mundo Imperfeito. Será que Eris se sentia mal por não ter podido ir para lá? Aslam poderia tê-la oferecido a chance, no fim da Guerra de Telmar...
Mas a garota não teve tempo de pensar naquilo, pois a feiticeira logo se virou para uma marinheira que fazia suas tarefas diárias em um canto do convés, e, após cumprimentá-la com um sorriso gentil, disse:
— Guinebra, por favor, caso lorde Drinian ou algum dos reis apareçam procurando por Lúcia e eu, avise-os de que nos transformamos para dar uma volta.
A mulher acenou com a cabeça: — Farei isso, majestade.
Então, ignorando o nervosismo de tentar se transformar desde o fiasco em Felimate, Eris ergueu a mão e, com apenas um gesto, transformou Lúcia e ela em duas enormes águias, e a dupla logo alçou o voo.
A volta que Eris e Lúcia deram no céu foi o suficiente para marcar a Pevensie para sempre: a sensação de que seu corpo era a coisa mais leve do mundo, o vento sob suas asas, a imensidão do horizonte azul... Ela nunca mais se esqueceria daquilo.
De repente, ela se deu conta do porque a artesã parecia tão selvagem e livre: parte dela sempre permaneceria como uma ave majestosa que cruzava o céu, e Lúcia não pôde deixar de sentir uma pontada de inveja por aquilo. Queria ela ser daquela forma, livre e poderosa e tão espontânea.
O passeio das duas não pôde ser muito longo: a artesã temia que elas acabassem se deparando com a terrível Névoa, e quinze minutos depois a dupla já pousava sobre a popa do Peregrino da Alvorada, onde Caspian e Edmundo esperavam por elas.
Assim que Eris voltou para a forma humana, abriu um sorriso brilhante para a dupla, se aproximando de Caspian para cumprimentá-lo com um beijo rápido. Edmundo fez uma careta engraçada para os dois, arrancando uma risada de Lúcia.
— Como foi o passeio? — questionou o Pevensie, seu cabelo escuro espetado para todas as direções, e o rosto ainda amassado pelo sono. Devia ter acordado há poucos minutos.
— Incrível! — exclamou Lúcia, que tinha um sorriso brilhante no rosto, além da respiração ofegante. Se o irmão parecia sonolento, então ela deveria estar acordada pelos dois. — Essa deve ter sido a coisa mais maravilhosa que eu já fiz na vida, e eu morei em Nárnia por mais de uma década!
Eris sorriu satisfeita, antes de passar a mão pelo cabelo de Ed, tentando arrumá-lo. O Pevensie sorriu, abraçando seu ombro de forma fraternal, e a amiga logo retribuiu abraçando sua cintura. Apesar de Eris ser cinco — quase seis — anos mais velha do que Edmundo, ele era alguns centímetros mais alto do que ela, de forma que ele parecia um irmão mais velho abraçando uma de suas irmãs. Eram basicamente aquilo mesmo.
— Que bom que você gostou, Lu. Pensarei em mais seres para nos transformar... Desde que você não vista cota de malha neste navio, poderemos nos divertir bastante. — ela terminou de falar encarando Caspian com uma careta feia, o que fez seu noivo rir, malicioso.
Ela se referia ao golpe que ele lhe dera para conseguir torná-la sua noiva, e aquele deveria ser o assunto favorito do telmarino.
— Isso é uma indireta, feiticeira?
A jovem lhe abriu um sorriso inocente: — Por que seria, milorde?
Eles fizeram caretas um para o outro, até Ed intervir:
— Aposto que Eustáquio não usa cota de malha. Você poderia tentar transformá-lo. Tenho vários animais peçonhentos em mente, embora ele já me pareça peçonhento por si só...
— Edmundo! — exclamou Lúcia, arrancando risadas do grupo.
— Estou brincando, é claro... — Ed bocejou longamente. — Lu, por que você não me conta mais como foi virar um pássaro com a Eris enquanto me acompanha em uma busca por café? Eu não dormi nada bem esta noite, porque alguém não parava de se mexer na rede ao meu lado, tentando escrever naquele diário ridículo no escuro...
Ele estava falando de Eustáquio mais uma vez. Quando caíram no oceano de Nárnia, o garoto tinha um diário de capa mole escondido na canela de uma de suas meias — ninguém sabe ao certo o que motiva uma pessoa a esconder diários em meias, mas como tocar no assunto? — e o objeto havia secado milagrosamente quando ele entrara no navio.
Edmundo e Caspian, que dormiam em redes próximas à do menino, tiveram que aprender a lidar com seus surtos de inspiração durante a noite. Só Aslam deveria saber o que ele registrava naquele diário... Planos para dominação mundial, talvez?
Logo os dois Pevensie deixaram o casal, em busca por um café da manhã descente, e Caspian se virou para a feiticeira com um sorriso doce no rosto.
— Estou feliz por te ver voltando a se transformar. — disse ele. — Você parecia um tanto desanimada com sua magia desde que deixamos Felimate. Estava preocupado.
Eris deu de ombros: — Só estava cansada.
O rapaz a encarou seriamente.
— Você sabe que não precisa fingir comigo, passarinha. — disse. — Nos conhecemos bem o suficiente para que eu saiba quando está mentindo. Você não precisa falar sobre isso, se não quiser, mas não precisa mentir também... Só saiba que estou aqui para apoiá-la.
A artesã não o respondeu. Não em palavras. Apenas envolveu a cintura do rei com os braços, e o abraçou com força, apoiando a cabeça no ombro dele. Caspian retribuiu o abraço, passando a mão pelo cabelo da jovem, que pareceu apreciar o gesto.
— Estou sonhando com Jadis novamente. — confessou a feiticeira, em algum momento. Ela disse novamente, porque, nas primeiras semanas após os Pevensie deixarem aquele mundo, tanto a narniana tanto o telmarino foram atormentados por pesadelos ligados aos seus traumas de guerra.
A Feiticeira Branca poderia ter desaparecido fisicamente de Nárnia, mas parecia lutar para continuar existindo na mente de Eris. E às vezes conseguia.
— É por isso que você anda tão melancólica? — questionou Caspian.
— Sim... E, não sei, estou envergonhada por Felimate.
— Você não tem nada do que se envergonhar. — garantiu o rapaz. — Você é uma feiticeira lendária, e uma guerreira notável. Um acidente não vai mudar isso.
A rainha suspirou, grata por estar com alguém que a fizesse se sentir bem consigo mesma. Já não bastava a pressão que ela punha sobre si mesma, não suportaria se Caspian a visse com maus olhos.
— Amo você, príncipe Caspian. — sussurrou ela, chamando o telmarino por um título pelo qual não era chamado por mais ninguém havia anos, e ele sorriu, seu coração batendo forte como sempre batia ao ouvi-la dizendo aquilo.
Não é como se ele não tivesse certeza do amor de Eris, mas ela era discreta quando se tratava do que se passava em sua mente — ou coração. Aqueles quase oito anos que ela passara como espiã dos narnianos lhe educaram bem, e era por isso que Caspian valorizava cada vez que ela se abria.
— Eu também amo você, mestre-espiã. — sussurrou ele de volta, antes de Eris se por nas pontas dos pés para alcançar os lábios dele.
Pelos deuses, como era possível amar tanto uma pessoa como ela o amava? Como era possível que ele a amasse tanto? Havia tirado a sorte grande, Eris se deu conta, no dia em que se transformara em pássaro para espiar o castelo de Telmar.
Os dois poderiam ter ficado daquela forma até o sol desaparecer no horizonte, mas logo foram atraídos por uma movimentação à meia-nau*. Os dois se separaram, e, curiosos, foram até a fonte do som. O que eles encontraram era inacreditável, o tipo de coisa que só se encontrava em Nárnia: o rato Ripchip tentando iniciar um duelo de espadas com ninguém mais ninguém menos que Eustáquio Mísero!
Foi quase como um instinto: Eris precisou procurar Edmundo com os olhos pela multidão, e os dois imediatamente trocaram um olhar de divertimento absoluto. Aquilo era mais cômico do que transformar aquele menino loiro e pálido em algum inseto.
— Eu adoro este navio. — murmurou Caspian ao lado da feiticeira, enquanto observava Eustáquio correndo pelo convés segurando uma faca afiada em uma das mãos (Eris se lembrou de alguma coisa sobre não deixar crianças correrem com objetos afiados, mas já era tarde demais para intervir), tentando fugir de um rato provocador.
— Eu adoro este mundo. — retrucou a artesã, observando Ripchip alcançar o menino correndo sobre a borda da amurada.
— Tentando fugir? — ele gritou para o Mísero, antes de agarrar a ponta de uma corda de um mastro, e a usando para se lançar sobre um barril no meio do convés, parando justamente na frente de Eustáquio. O rato apontou seu florete prateado para o menino: — Estamos em um barco, sabia? Não há escapatória.
— Não podemos conversar? — pediu o pobre menino, aterrorizado.
Caspian fez o som de quem segurava uma risada alta, e Eris o cutucou entre as costelas, fazendo-o ficar em silêncio.
Enquanto isso, Ripchip desferia a ponta afiada de seu florete contra a camisa do Menino Histérico, soltando um de seus botões, antes de cravar a ponta de sua arma onde deveria estar o abdômen do menino, arrancando, do interior de sua camisa, uma laranja!
Eustáquio Mísero tinha uma laranja escondida na camisa, e ninguém além do rato percebera. Foi a vez do telmarino de impedir que Eris gargalhasse alto.
O rato jogou a laranja para lorde Drinian, que a agarrou no ar, e então ele soltou alguma ofensa inadmissível contra o menino, que, indignado, tentou usar seu facão contra a espada do inimigo: o que se seguiu foi um duelo estranhamente cômico, como tudo o que envolvia Ripchip — ou Eustáquio — costumava ser.
— Eu já assisti você se transformar em uma águia um milhão de vezes, e mesmo assim eu não sei se meus olhos estão vendo isso de verdade. — comentou Edmundo, tentando sobrepor a sua voz aos gritos e gargalhadas da tripulação, enquanto se punha ao lado do casal de soberanos.
— A sensação que eu tenho é que este menino não é de verdade. — disse Caspian, enquanto o trio observava Ripchip e Eustáquio duelarem, com o rato sobre a amurada do navio, para ficar na mesma altura que seu oponente.
O Mísero fez um movimento ousado, tirando o equilíbrio do rato, que pareceu — pareceu — cair da amurada, e o menino arfou, surpreso, se inclinando para encontrar o corpo do animal em meio às águas do mar. Eris e Caspian, entretanto, nem se preocuparam, porque já assistiram outros duelos de Ripchip naquele navio, e sabiam que era mais fácil derrubar uma montanha do que tirar seu equilíbrio.
O rato não demorou a reaparecer, se dependurando nas cordas emaranhadas bem ao lado do menino, e usou a ponta de sua cauda para cutucar o ombro mais distante do menino, que se virou, ficando de costas para a amurada, procurando quem havia o cutucado.
Foi a oportunidade que Ripchip precisava para usar todo o peso de seu corpo para pular sobre as costas do menino, o empurrando com tudo. Eustáquio caiu sobre um grande cesto de palha, cuja abertura era tampada por uma lona clara, que — tão surpreendentemente quanto assistir o duelo entre um rato e um menino — soltou um gritinho feminino, antes de rolar sobre o chão.
Lúcia, que observava toda a cena do outro lado do convés, se aproximou do cesto hesitante, bem a tempo de ver uma mão pálida puxar a lona para o lado, e uma menina de pele clara e cabelos castanhos engatinhar para fora do cesto.
Era a menina cujo novo marinheiro do navio, Rhince, havia deixado para trás, na ilha Felimate.
— Gael? — chamou o homem, surpreso. — Como veio parar aqui?
Ela não respondeu, parecendo amedrontada pela possível punição que iria receber, mas tudo o que o pai fez foi puxar a filha para um abraço.
Aquilo fez com que Eris perdesse um pouco da desconfiança que havia criado com Rhince, ao vê-lo deixando a menina tão facilmente para trás. No fim, parecia que ele só temia que a filha sofresse os perigos de uma viagem em alto-mar.
Todos pareciam contagiados pelo afeto daqueles dois, mas logo ficaram tensos, ao ver lorde Drinian se aproximar com seu olhar sério. O capitão encarou a menina.
— Parece que temos uma nova tripulante no navio. — ele disse simplesmente, estendendo a fruta que Ripchip havia lhe jogado e arrancando um sorriso aliviado de Rhince.
Os marinheiros logo se dispersaram, e Eris e Lúcia se aproximaram da menina, que ainda estava tímida, seus ombros envolvidos pelo braço de seu pai.
— Bem-vinda a bordo. — disse Lúcia.
Gael encarou as duas jovens lado a lado, e fez uma reverência: — Majestades.
A Rainha Artesã sorriu: — Pode nos chamar pelo nome. Esta é Lúcia, e eu me chamo Eris. E você se chama Gael, certo?
— Sim. — respondeu a menina, parecendo contente por aquela figura bela e poderosa saber seu nome.
Lúcia envolveu o ombro da menina.
— Vamos. Eris e eu lhe mostraremos o navio, e encontraremos algo para você comer.
— É ótimo ter mais uma garota por aqui. — comentou a artesã, enquanto o trio deixava o convés. — Nos divertiremos muito, nós três.
Gael sorriu, contente. Sabia que estava cercada por duas das jovens mais lendárias da história narniana, e não estava errada.
── NOTAS.
UM. ︴*meia-nau: parte do navio que fica entre a proa ("ponta da frente" do navio) e a popa ("ponta de trás"). no caso da história, se tratava do centro do convés do peregrino da alvorada.
DOIS. ︴feliz 2022! sobrevivemos a 2021, e parte da minha sobrevivência é graças à vocês! eu quero aproveitar o espacinho que tenho aqui para agradecer por todas as leituras, votos e comentários que eu tive com a história em 2021! toda vez que eu vejo alguém lendo e votando um capítulo atrás do outro fico toda bobinha sem acreditar que tem alguém gostando do que eu escrevi, muito obrigada por isso 🥺❤
TRÊS. ︴ não deixe de votar e comentar na história, é muito importante para mim! 🤧❤
©︎DEVILEVIE, 2022.
────── evie.
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