𝐈 ┇ a fuga do príncipe de telmar.
──────── CAPÍTULO UM
a fuga do príncipe de telmar.
— CASPIAN DÉCIMO, EU JURO que se você não se levantar agora, farei Cornelius dobrar suas lições de história! — foi o que Eris disse ao príncipe de Telmar, quando as criadas anteriores não conseguiram convencê-lo a levantar da cama.
Chamar a protegida de Cornelius para fazer o príncipe se levantar era um golpe antigo. Verdade seja dita, chamar a protegida de Cornelius para convencer Caspian a fazer qualquer coisa era uma tática bastante utilizada pela criadagem do castelo.
Não importava o que era: tomar uma sopa especialmente desgostosa quando estava doente, escolher a cor de seu traje para um baile — quando ele enrolava seu alfaiate há semanas —, ou até convencê-lo a sair da cama de madrugada para uma lição de astronomia... Eris conseguia persuadir o príncipe de Telmar a fazer qualquer coisa naqueles últimos sete anos.
— Bom dia para você também. — Caspian disse, a voz sonolenta. — Você está linda essa manhã, Eris.
Para o rapaz, Eris estava sempre linda: próxima de seus dezoito anos, ela tinha pele cor de oliva, cabelos escuros e olhos castanhos que pareciam estar sempre escondendo alguma coisa. Naquele dia, a garota usava um vestido marrom de criada e seu cabelo estava oculto por um lenço acinzentado. Ver Eris vestida daquela forma fazia com que Caspian se questionasse como seria vê-la usando joias, seda e as cores da nobreza.
— Pois você está péssimo, vossa alteza. — a jovem retrucou, impaciente. — Olha só esse cabelo, pelos deuses. Passo uma semana fora e você simplesmente desiste?
Caspian pôde ver o quanto as criadas à porta se esforçavam para não rir da pouca paciência da tutelada de Cornelius. Ela era praticamente a única pessoa do castelo que falava com o herdeiro do trono daquele jeito petulante e saia impune.
— Devo lembrá-la que sou o futuro rei de Telmar? — o rapaz brincou, fingindo indignação.
— Devo lembrá-lo das suas futuras lições de história? — Eris retrucou, enquanto abria as cortinas.
— Certo, certo. — Caspian se deu por vencido, chutando os cobertores para longe. — Estou levantando.
— Ótimo. — Eris disse, antes de se virar para as criadas. — Podem deixar que eu arrumo a cama. Vocês podem aquecer água para o banho?
A dupla acenou e logo desapareceu do recinto.
— Senti sua falta. — o príncipe admitiu, quando os dois se viram a sós. — Pensei que você fosse ficar apenas três dias fora. O que você tinha que fazer de tão importante mesmo, que te fez deixar seu melhor amigo para trás?
— Tinha alguns parentes de passagem na aldeia de Beruna. Fui visitá-los. — Eris mentiu, enquanto arrumava a cama do rapaz. — A visita acabou durando mais do que eu esperava.
A verdade é que ela havia combinado de ir à floresta ver Glenstorm, um majestoso centauro que havia se tornado uma importante liderança para os narnianos nos últimos anos. Quando, anos atrás, aquele inverno rigoroso passou e Eris decidiu permanecer no castelo com Cornelius, os seres da floresta acordaram que ela continuaria voltando à Narnia, contando sobre como estavam as coisas em Telmar.
Com o tempo, ela se tornou a espiã dos narnianos. Se arriscava pelo castelo, às vezes copiava cartas que o gabinete de Miraz mandava a outros reinos, ou mapas que encontrava... O fato de não ter sido pega em todos aqueles anos a tornava uma lenda viva entre seu povo.
Assim, sempre que possível ela escapava do castelo sob a forma de ave para passar informações. Conversava com quem fosse mais fácil de contatar: Caça-Trufas, Glenstorm, os faunos, roedores da floresta... Entretanto, quando algo extraordinário acontecia em Nárnia, ela mentia dizendo que iria visitar parentes distantes e passava uma semana ou mais na floresta.
Cornelius endossava tudo. É sua família paterna. Não tenho contato com eles, ele dizia, quando tentavam descobrir mais sobre os supostos parentes.
Naquela semana, algo extraordinário havia acontecido: Glenstorm sonhou que uma grande mudança estava para acontecer e Eris logo foi chamada para visitá-lo e contar tudo o que estava acontecendo em Telmar, para que ele pudesse analisar os fatos.
— Você e seus parentes misteriosos. Sempre fala que vai passar pouco tempo com eles e depois some por tanto tempo que eu quase mando missões de busca para encontrá-la. — Caspian brincou, embora não parecesse estar realmente brincando. Sempre ficava chateado quando Eris partia.
De certa forma, só tinha ela: sem pais, sem amigos de sua idade, sem parentes que o amavam... Quem ele tinha, além de sua melhor amiga?
— Por que você não os trouxe para o castelo? — perguntou ele.
— Por que eu traria? — retrucou a garota, terminando de arrumar sua cama.
— Para me apresentar, é claro. Você é a melhor amiga do príncipe de Telmar, isso não é algo que eles gostariam de ver de perto? — Caspian questionou, recebendo um dar de ombros da garota. Se ele soubesse...
— Não sou tão importante assim, para sair me apresentando como a melhor amiga do príncipe. — disse Eris. — E não é como se isso fosse um grande feito. Só sou sua melhor amiga porque não tinha nenhuma outra criança no castelo além de nós dois.
O telmarino a encarou, quase ofendido, mas a garota lhe lançou um olhar que o desafiava a contrariá-la. E ele não daria aquele gostinho à ela.
— Certo, o que faremos hoje? — o príncipe mudou de assunto.
— Bem, nós não faremos nada. Mas você pode começar o dia tomando um banho, para variar. Tenho quase certeza que você não tocou em uma barra de sabão desde a minha ausência. — Eris provocou e o rapaz fez uma careta, o que lhe arrancou uma risada. — Depois, você vai receber a visita de seu alfaiate, para fazer os ajustes em suas novas roupas. Após o almoço, vai até a biblioteca real. Cornelius separou alguns livros para você ler.
— Não ficarei com os dois hoje? — Caspian perguntou.
Eris negou com a cabeça.
— Temos alguns compromissos. — explicou ela. — Vamos catalogar alguns pergaminhos antigos que ele recebeu enquanto eu estive fora. Deve nos tomar o dia inteiro.
O príncipe ficou um pouco decepcionado. A semana em que Eris se ausentou foi um tanto solitária e agora que ela estava de volta ao castelo, ele esperava passar pelo menos algumas horas com ela e Cornelius, nem que fosse para eles estudar um texto lírico antigo, enquanto Eris bordava a barra de um vestido ou lia algum livro, distraída.
A garota percebeu a expressão do príncipe e se aproximou, colocando a mão sobre seu ombro.
— Pedi para Martha fazer uma torta de maçã para você hoje. Podemos comê-la à noite, enquanto você me conta o quanto chorou na minha ausência.
Caspian sorriu, brincalhão: — Será uma longa história.
UMA HORA APÓS O jantar, Eris retornou ao quarto do príncipe com uma travessa de torta ainda quente e uma garrafa de vinho que ela surrupiou da adega do castelo.
— Pelos deuses, o cheiro está ótimo! — Caspian exclamou, assim que a amiga entrou no quarto. Ele pegou a travessa para ela, que agradeceu a ajuda. — Isso é vinho?
Eris sorriu, divertida: — Se perguntarem, diga apenas que é suco de uva.
— Adoro quando você comete crimes em nome do príncipe. — Caspian brincou, enquanto os dois se sentavam no chão de seu quarto. — Não sei como nunca te pegam.
— É sempre uma honra servi-lo, alteza. — disse Eris, fazendo uma reverência profunda com a mão sobre o peito, como um nobre cavaleiro, conquistando uma risada do príncipe.
A jovem se sentou e retirou o lenço que escondia seu cabelo, revelando suas longas mexas escuras. Caspian sorriu, tímido pela visão, e os dois repartiram a torta, cada um dando uma mordida em seu respectivo pedaço, antes de tomar um gole do vinho, direto da garrafa.
— Isto é o paraíso. — o telmarino comentou, depois da primeira fatia.
Era uma piada entre os dois: qualquer coisa boa, para Eris, era o paraíso. Esse licor é o paraíso, esse livro é o paraíso, esse clima é o paraíso, dizia ela, até o príncipe começar a imitá-la.
— Você se lembra do meu aniversário no ano passado, quando convenceu Martha a fazer torta de amora? — ele recordou. — Nem era época de amora. Não sei como conseguiu.
A garota sorriu com a lembrança.
— Martha passou uma semana inteira falando que eu era capaz de controlar a natureza. — comento ela.
— Eu não duvido. Você faria o sol nascer à noite, se quisesse.
— Talvez. — Eris disse, com um olhar cheio de malícia. — Mas vamos, diga-me como foi viver na minha ausência. Chorou muito? Ficou sem fome? Encarou a lua se perguntando se eu a encarava também?
— Com toda certeza. Precisaram chamar criados para secarem as minhas lágrimas do chão. Fiz uma poça enorme e tenho quase certeza de que vi um peixe nadando lá dentro. — o rapaz brincou.
Eris gargalhou: — Só uma poça? Eu mereço no mínimo um lago.
— Bem, acho que você merece muito mais. — Caspian disse e a forma como encarou a garota fez seu rosto esquentar.
Havia uma verdade que ninguém ousava mencionar perto de Eris: estava claro para todos que o príncipe de Telmar desejava cortejá-la. Ele não podia, é claro. Era o futuro soberano do reino e ela, uma criada sem posses, tutelada de um intelectual sem título alguma.
Mas isso não impedia que, vez ou outra, Caspian a encarasse como se já tivesse a beijado no escuro de um jardim, como se houvesse sussurrado seus segredos mais profundos.
Pareciam amantes, mas não podiam ser. Em Telmar, Eris era uma criada e uma espiã ao mesmo tempo. Em Nárnia, Caspian era o futuro rei do povo inimigo. E a narniana tentou se lembrar daquilo para sobreviver àquela noite.
Os dois continuaram comendo e conversando, o rapaz contando o quanto Cornelius era vinte vezes mais severo na ausência da garota, como se estivesse inconsolado, e Eris rindo de tudo aquilo.
Eles poderiam ter vivido uma vida inteira naquela noite. Eris poderia ter confessado sua verdadeira identidade, revelado as verdades estranhas sobre a floresta que cercava o reino de Telmar. Tudo poderia ter sido diferente, se Cornelius não tivesse aberto a porta silenciosamente, com urgência em seu olhar.
— Professor, o que está acontecendo? — o príncipe perguntou, sem entender o que o mentor fazia ali. Será que alguma criada tinha fofocado a presença de Eris em seus aposentos? Não seria a primeira vez.
— Sua tia deu a luz... — o tutor começou. — A um menino.
Caspian e Eris se levantaram ao mesmo tempo, ambos conscientes do que aquilo significava: Miraz, o tio do garoto, era um homem ambicioso e sem escrúpulos. A única coisa que havia o impedido de encomendar o assassinato do príncipe até aquele momento era a falta de um herdeiro homem para sua linhagem.
Agora que ele tinha conseguido esse herdeiro, a vida de Caspian podia estar por um fio.
Assim, enquanto o jovem tentava pensar no que poderia lhe acontecer, Eris e Cornelius agiam rapidamente, escondendo a travessa e a garrafa de vinho debaixo da cama e fechando as cortinas do dossel da cama, como se tentassem fingir que o príncipe estava dormindo por lá.
Eris apagava as velas que iluminavam o cômodo, enquanto o professor abria as portas de um armário, que na verdade era a entrada para uma antiga passagem do castelo, construída muito antes da família de Caspian entrar no poder. O príncipe foi o último a entrar na passagem, dois segundos antes da porta do quarto ser aberta de supetão.
Aquele que deveria ser o futuro rei de Telmar só teve tempo de ver, pela porta semiaberta do armário, os soldados de seu tio entrando no quarto, cada um atirando três flechas de suas respectivas bestas na cama do rapaz, onde ele deveria estar dormindo, se não fosse pelo mentor e sua protegida.
Assim, minutos depois do que deveria ter sido seu assassinato, Caspian havia surrupiado um uniforme de soldado para substituir seu pijama e ele, Eris e Cornelius se esgueiravam até os estábulos reais, prontos para sua fuga.
O príncipe mal teve tempo de processar o que estava acontecendo: em um momento, ele estava sentado sobre o chão de pedra de seu quarto, conversando com Eris como se eles tivessem todo o tempo do mundo, no outro, sua cabeça estava em prêmio.
Um arrepio gelado subiu sua espinha, quando o rapaz se deu conta de que, se Cornelius não tivesse entrado no quarto, talvez ele e Eris tivessem sido assassinados a sangue frio.
— Posso levá-lo até a floresta. — Eris anunciou de repente, quando o trio conseguiu pegar Destro, o garanhão de pelos negros de Caspian, para a fuga.
— Eris, você nem conhece o lugar. — Caspian disse. — Isso não vai dar certo.
O olhar estranho que a criada lançou ao rapaz lhe causou arrepios.
— Acredite em mim — disse ela —, eu conheço.
Ela empurrou o príncipe na direção do cavalo e como ele não sabia como rebater seu comentário, acabou subindo no dorso do animal, seu coração batendo contra as costelas pela possibilidade de ser morto naquela noite.
— Tem certeza? — o mentor perguntou à sua protegida. Pareciam estar falando sobre algo que ia muito além de ajudar o príncipe em uma fuga perigosa.
— Tenho quem pode nos ajudar. — a jovem respondeu. Caspian a assistiu abraçando Cornelius com força, antes de subir no cavalo, colocando-se à frente do príncipe e tomando as rédeas.
O rapaz sequer teve tempo de protestar, porque Cornelius puxou sua mão, colocando um objeto pequeno que ele não conseguiu distinguir no escuro.
— É o tesouro mais sagrado de Nárnia. — falou. Claro que ele falaria sobre Nárnia: desde a infância, antes mesmo de Eris chegar, Caspian ouvia lendas sobre aquele reino fantasioso que supostamente existiu antes de Telmar. — Quem a tocar receberá um misterioso auxílio. Fique com ela... Mas só a utilize quando estiver em grande dificuldade.
— Cornelius... — Eris começou, apressada, embora seus olhos estivessem sobre o cinto em que Caspian enfiara seu presente.
— Vão, meus amigos. — o mentor disse, por fim, encarnado o príncipe. — Alteza, você precisará de coragem. Mais coragem que teve em toda a vida. — ele se virou para sua protegida e segurou suas mãos. — E você, minha querida Eris... Confio o destino de Caspian em suas mãos. E agradeço todos os dias por tê-la tido em minha vida. Em pouco tempo você poderá voar em liberdade.
O príncipe pode ouvir a voz de Eris trêmula, quando ela perguntou:
— Nós ainda nos veremos?
— Espero que sim, minha esperança. — o mentor respondeu, antes de beijar as mãos de sua protegida com afeto. Ele se afastou e acenou para a dupla com um olhar confiante e Eris agitou as rédeas do cavalo, que partiu em alta velocidade.
Chegar até a floresta não foi fácil: a dupla precisou enfrentar os soldados que perceberam sua fuga e atravessar um largo rio para escapar.
Mesmo que o príncipe tivesse ficado incomodado por Eris tomar as rédeas de Destro como se fosse um cavaleiro, o fato dele ter estado de mãos livres foi de grande utilidade: na correria, o jovem conseguira um enorme bastão que utilizou para derrubar vários soldados, até perdê-lo na água corrente.
Quando os dois embrenharam na floresta, Eris guiou o cavalo por entre as árvores como se soubesse para onde ir, deixando Caspian cada vez mais confuso. Como diabos uma criada do castelo conhecia a floresta tão bem?
O príncipe poderia continuar se questionando sobre aquilo, mas não teve tempo: uma flecha se aproximou dos dois em alta velocidade e Eris largou as rédeas do cavalo para fazer um gesto que ele mal pôde visualizar.
Aquele estranho gesto teve duas consequências: a primeira era que o jovem foi poupado da flecha, que parecia ter desaparecido na escuridão, e a segunda foi o cavalo parando subitamente, derrubando os dois sobre o chão da floresta.
— Destro! — a garota gritou pelo corcel, enquanto o mesmo galopava para longe da dupla, assustado.
Foi aí que as coisas ficaram ainda mais complicadas. De um lado, Caspian pôde ver os soldados de Miraz se aproximando, enquanto de outro, das raízes altas de uma árvore saíam dois anões: um de barba e cabelo negros e outro ruivo, ambos portanto espadas afiadas.
O ruivo foi com tudo na direção de Caspian, erguendo sua lâmina, enquanto o príncipe tentava pegar a sua própria, quando Eris entrou em sua frente.
— Trumpkin, não! — ela gritou e o anão congelou seu braço no ar.
— Eris, é você? — o anão perguntou, parecendo surpreso. — O que está fazendo aqui?
— Não dá pra explicar agora. Mas ele não é o inimigo. — ela disse e Caspian podia jurar ter visto uma pontada de afeição nos olhos do anão, antes de desviá-los para o objeto que Cornelius dera ao príncipe, que caíra no chão, separada de seu novo dono.
— Com trinta diabos, criança... — ele começou, antes de ver os soldados telmarinos se aproximarem mais. — Cuida dele. Eu vou dar um jeito.
E então ele brandiu sua espada e avançou contra os soldados de Miraz. Foi naquele momento que o outro anão, de olhar menos amistoso, foi na direção do presente, que Caspian finalmente identificou: era uma trompa.
Antes que ele pudesse agir, o telmarino pegou o objeto e encarou Eris. A jovem assentiu com a cabeça e o príncipe fez aquilo que mudou os rumos de Nárnia e Telmar para sempre: ele assoprou a trompa.
Dois segundos depois, o anão de cabelos negros aproximou, irado, e atingiu a cabeça do príncipe com o cabo de sua espada.
E tudo escureceu.
── NOTAS.
UM. ︴oi pessoal! espero que tenham gostado do primeiro capítulo!
DOIS. ︴no começo a narrativa não é muito voltada para a eris, mas ao longo dos capítulos, o narrador vai se voltando mais para os pensamentos dela, então é como se estivéssemos nos tornando mais íntimos pouco a pouco. tomara que vocês a amem como eu amo!
TRÊS. ︴não deixem de votar e comentar. é muito importante para mim. até o capítulo dois 💕
©︎DEVILEVIE, 2021.
────── evie.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro