A SAGA DO SAMBA DO CRIOULO DOIDO
Um meteorito caiu na capital pernambucana trazendo um gás tóxico, que de forma aleatória fez mudanças genéticas nos animais, os tornando híbridos. Meio feras e meio homens.
As mulheres não foram afetadas.
E para os homens a inalação do gás é fatal.
No sertão, devido a seca, as mutações nas animarias foram as piores e as mais rápidas.
Um exército de híbridos se levantou numa guerra infernal contra as cidades de Pernambuco, derrubando a resistência e tomando o controle da capital: Recife.
A população que sobreviveu fugiu para o sertão e criou uma frente de batalha contrária à Ordem dos Viventes.
Os homens quando estavam escavando as terras áridas, para construção de uma fortaleza, encontraram uma caixa com mais de mil contos, que contavam através da literatura de cordel, os feitos de Lampião e seus cangaçeiros.
Com a ajuda das mulheres, eles mesmos começaram a forjar suas roupas de guerra, e dali surgiram os novos gibões e chapéus de couros, que juntos com as máscara de gás, lembravam os cangaçeiros do passado.
Os homens do cangaço começaram a se chamar de:
Lampião 3000.
Com suas metralhadoras subatômicas e seus exércitos de caranguejos, os homens estavam com um plano infalível para invadir Recife. Porém foram acertados na veia.
Hoje o dia está anoitecendo com uma tristeza profunda.
O capitão dos homens do sertão pernambucano, foi assassinado pela Perereca-de-Capacete, mulher do líder da Ordem dos Viventes. O Urubu-rei.
O corpo de Esquerdinha está sendo velado dentro de uma tenda improvisada no meio da Caatinga.
Ao lado do defunto estão seus melhores amigos e também cangaçeiros: Tião, Jurandir e Salário Mínimo.
O ano é 4.938, do dia 28 de Julho.
O homem sem vida e em cima da pedra, tem esse apelido porque foi através da mão esquerda dele no gatilho, que mais se matou urubu e teju até à data de hoje.
Ele lutava há dez anos contra o mutante Urubu-Rei.
O trio da vanguarda dos novos cangaceiros está esperando alguém chegar, enquanto bebem o defunto.
— Eita demora da peste! Cadê o infeliz que foi buscar a danada da benzedeira? — Pergunta Tião para Salário Mínimo que está do lado esquerdo do líder morto.
— O que vamos fazer agora com o Esquerdinha morto? — A voz de Salário Mínimo é triste e lamuriosa.
Os três cangaçeiros estão olhando para o corpo do matador mais temido do Nordeste, que jaz morto sobre uma pedra branca.
— Quem você mandou chamar a macumbeira? — Pergunta Tião impaciente para Jurandir.
— O mangote. — Responde Salário Mínimo no lugar de Jurandir, que está bebendo cachaça numa cabaça.
— Oxente! Quem pelo amor de Nosso Senhor, dá um nome desse ao próprio filho?
— Foi a parteira! Segundo a mãe do desgramado, essa foi a expressão usada pela parteira ao ver a tripa do menino pendurada, quando ele nasceu.
— Eita gota serena! Então já sei de onde surgiu o nome Salário Mínimo! — Os três amigos gargalham na frente do corpo de Esquerdinha, para depois voltarem à seriedade que o momento exige.
— O que vocês querem de mim? chega a benzedeira perguntando invocada por a terem acordado.
— A senhora como é macumbeira, Já devia saber que é para ressuscitar o Esquerdinha. — Responde Salário Mínimo.
— Oxe! Eu não sou macumbeira não! Sou benzedeira. — Explica a pobre mulher assustada ao ver o homenzarrão morto.
— Deixe de rezar na vela mulher! Eu soube que a sua oração sobe até defunto! E o que é isso que está aqui na nossa frente? — Pergunta Tião apontando para o corpo do líder.
— Ave Maria é um defunto! Mas seu cangaceiro, o defunto que levanto é outro... Entendeu?
— Não! Pra mim defunto é morto... Não tem diferença de um para o outro não.
Salário Mínimo chega do lado de Tião, e lhe fala ao ouvido:
— O defunto que ela levanta é o que morre no meio das pernas dos véios.
— Eita carai de asa! Ela ressuscita é Rola? É isso mesmo Macumbeira?
A bruxa meio que balança a cabeça para os lados, como quem diz: "É isso mesmo".
— Responda logo de uma vez mulher, isso é verdade mesmo? — Grita Jurandir.
— O véio que tomava conta dos caranguejos, foi meu cliente. — A mulher fala olhando para Esquerdinha.
— O que morreu em cima da quenga Rapunzel? — Jurandir arregala os olhos ao perguntar.
— Ele mesmo. Aquele zefinliz! — Responde a benzedeira tirando um rolo de fumo do bolso.
— Então Dona Moça, se a senhora conseguiu levantar o defunto que estava no meio das pernas do véio do caranguejo, você vai conseguir levantar esse aqui. — Tião aponta para o corpo de Esquerdinha.
A pobre da benzedeira, que insistem chamá-la de Macumbeira, começa sua reza e enche o local baforando o fumo.
A noite segue, o sol vai nascendo.
Tião olha para os amigos que estão dentro da tenda e balança negativamente a cabeça para eles, insinuando que foi tempo perdido.
A mulher desesperada começa a apelar, rezando até para o Padre Cícero.
— Pode parar de rezar mulher. Ele não vai voltar do lugar que está.
Os três viram-se para confabular, quando escutam a benzedeira gritar e cair nos pés deles desmaiada.
— O QUE ESTOU FAZENDO AQUI? — Pergunta o cangaceiro assassinado, que está sentado olhando para suas mãos e diz: — Eita peste, diacho e Ave Maria! Eu estou com a cabeça e dois olhos!
— Esquerdinha! — Tião grita o nome do amigo .
— Homem me diga logo como voltei a vida? O que faço nesse corpo?
— A macumbeira o trouxe dos mortos — Responde Jurandir, enquanto o ex-defunto olha para o chão, vendo o corpo da mulher desmaiada.
— Oxente homi! Esse corpo é o seu! Explica Salário Mínimo.
— Eita peste. Diacho. Ave Maria. Meu nome não é essa não... Eu me chamo Virgulino Ferreira, o Lampião!
— Jurandir, o que está acontecendo? Que mal-assombro da peste é esse? — Tião assustado pergunta a Jurandir.
— E tu vem perguntar pra mim, homi de Deus? Pergunta pra macumbeira que você mandou chamar! — Jurandir responde sem tirar os olhos do ressuscitado, que ainda está sentado.
— Esquerdinha, você não se lembra de nada? — Tião se aproxima com cuidado.
— Eu vou puxar sua tripa gaiteira pelo furico, se você me chamar de Esquerdinha novamente. Eu sou Lampião, o cabra mais macho do sertão!
— Jurandir, o Esquerdinha não falava assim não!
— Não falava mesmo não.
— Eu já sei... Isso é obra do meu "Padim Ciço"! — Reclama Lampião.
— Quem?
— Ave Maria, diacho e eita peste! Num conhece meu Padim Ciço não? Ele é meu protetor. Aquele que cuidou de mim até no inferno.
— Então foi ele quem te ajudou a escapar de lá!
— Foi ele mesmo, será que cheguei no purgatório? E que raio de cicatriz é essa no meu braço?
— O senhor não sabe? — Pergunta Salário Mínimo.
— Eita peste, diacho e Ave Maria! Ô tamborete de zona, se eu soubesse não estava perguntando.
— O senhor foi feito na Jurema.
— Se o antigo dono desse corpo, tinha o corpo fechado, então como foi que mataram ele?
— Ele, digo você, morreu envenenado pela boca. — Explica Tião.
— Ave Maria, diacho e eita peste. Que dia é hoje?
— Vinte e oito de Julho do ano Quatro mil novecentos e trinta e oito.
— Eita peste, diacho e Ave Maria! Faz trêz mil anos que morri!
Lampião levanta-se da pedra e corre para fora da tenda.
As pessoas param estataladas, vendo que o defunto realmente ressuscitara.
Eles passaram o dia e noite, celebrando a volta de Esquerdinha dos mortos.
Depois de dormir três dias e três noites, os homens vão na tenda que Lampião está hospedado.
Quando chegam lá, o percebem olhando para o teto.
Eles explicam para o homem de três mil anos, os avanços tecnológicos que ocorreram desde sua morte até os dias atuais.
Os cangaceiros falaram também sobre a queda do meteorito, e o inicio da guerra.
— Eita peste, diacho e Ave Maria. É muita coisa que aconteceu nesse tempo todo.
— E agora estamos aqui. Precisamos de uma vitória para dar moral a tropa.
— E onde os febrentos dos ratos?
— O exercito do Urubu-rei está há uns dez quilômetros daqui. Eles estão de tocaia no Morro da Cobra Mansa.
— Então homens, me mostrem o que temos de armas.
O grupo com dez cangaceiros vai até a caverna onde estão escondidas todas as armas.
— Eita peste, diacho e Ave Maria... O estrago vai ser grande.
— Capitão! — Lampião olha para o homem que tem expressão cheia de temor: — O exército do Teju está se aproximando.
— Tragam meu cavalo que vou partir inté eles!
— Não temos cavalo não capitão!
— Valei-me meu Padim Ciço! E vou como?
O exército do Teju vem marchando a passos firmes... Num ritmo alucinado e sedento por sangue.
E para surpresa deles, lá no alto do morro, duas figuras insólitas, armadas com metralhadoras subatômicas e máscaras de gás, observam tudo.
O da direita com patente de capitão, usa um chapéu de couro diferente, contendo três estrelas.
Os gigantes Tatu-Bolas, montarias dos também monstruosos Teju, param ao sinal do general do Urubu-rei.
Ao lado dele, há uma mulher montada num Tatu-Bola amarelo.
— Eita gota serena! — Grita Salário Mínimo.
— Que foi homem? Parece que viu um fantasma!
— Capitão, a mulher que matou o senhor envenenado está ali!
Lampião pega o binóculo laser com super-high-tech-power-zoom de aproximação, e franze o cenho.
— Eita peste, diacho e Ave Maria de morena. É pra botar para rimar, e ela botar pra gemer. Ela é humana! Por que vocês a chamaram de Perereca-de-Capacete? E como Esquerdinha foi envenenado?
— Perereca de Capacete! — Salário Mínimo mostra com um gesto na mão, que o sexo da mulher era grande igual um capacete.
— Diacho homem! Isso tudo? É um moio então!
— Capitão... O senhor que o diga, que morreu enterrando a boca nela.
— Eita peste, diacho e Ave Maria... Quem vai dizer que ali guarda veneno e não mel?
Lampião desce até uma pedra pintada de amarelo.
O exército inimigo se alvoraça pela impávida e insólita presença do cangaceiro.
— Qual o seu nome? — O general Teju pergunta com arrogância.
— Quem quer saber? — Lampião está há uns doze metros e meio dele.
— Eu sou o Coronel Bezerra!
— Grande Merda! E num é que o destino nesses três mil anos faz mais um samba do crioulo doido. Você tem o nome do caboclo que me matou.
— Você ainda não disse seu nome.
— Meu nome? Pouco importa. Mas num se preocupe não, que vou corta sua cabeça fora, para que o enterro seja com o paletó de madeira fechado!
— Você não é o primeiro a dizer que vai fazer isso.
— Mas serei o último ou não me chamo Lampião! — O capitão tira seu facão de dentro do gibão de couro. — E depois eu vou beber uma cachaça olhando sua cabeça pendurada na minha parede.
— E como você vai fazer isso? Você é somente um.
Lampião abre um sorriso sarcástico, e anda para trás.
Ele assobia como quem chama um cavalo.
Os guerreiros do exército do Coronel gargalham.
— Não pode ser! — Exclama um dos Teju transformado, que agora se encontra perturbado.
— O homem que comandava esses bichos está morto! — Grita o Coronel, olhando para a montaria que aparece para Lampião subir:
Um caranguejo gigante com mais de dois metros de altura, largo que nem um carro e com patolas gigantescas!
— Ô Perereca-de-Capacete, você num disse que ele bebeu do veneno na fonte? — Pergunta Coronel Bezerra.
A morena ainda espantada responde:
— Impossível! Ele bebeu a água de chibiu!
— Então, se é impossível... Por que estou vendo o Esquerdinha controlando os caranguejos gigantes? Por que somente ele quem poderia fazer isso!
Lampião desce o morro imponente, guiando o gigante que tem a cor de um colorau.
— Coronel! — Grita Lampião. — Eu quero uma luta entre nós dois!
— Se você não percebeu, aqui você não tem voz para querer nada.
Lampião faz um som de sagui, seguido por um assobio imitando um galo-de-campina.
Caranguejos dos mais variados tamanhos, brotam de baixo da terra onde estão os exércitos de Tatu-Bolas com os Tejus caindo de cima deles.
O coronel ainda sem acreditar no que está vendo, aparecem na sua frente, os cangaçeiros fortemente armados e montados pelas centenas de caranguejos.
O Teju se vendo cercado, não tem outra opção senão lutar.
Ele com um pulo mágico, dá três cambalhotas no ar caindo em pé.
A calda dele se mexe maliciosamente, e ele sorrindo lambe os lábios.
— Hoje você vai servido na moda de carne fresca. — Dito isso o Coronel Bezerra tira sua foice do cinturão.
Lampião é descido gentilmente pelo caranguejo gigante. Ele segura seu facão, que de tão amolado, corta até o vento despreparado em dois.
Os rivais partem com armas em punhos.
Lampião defende-se duas vezes, rola por baixo do Teju, e desfere um golpe.
Os presentes veem Lampião para um pouco mais a frente, girar o facão limpar no braço e guardar.
O Teju está sorrindo. Salário Mínimo, Tião e Jurandir não entendem o porquê da expressão.
Os fatos do Teju caem por baixo dele.
Ele despenca dividido.
O lado direito cai para o lado esquerdo, e o lado esquerdo despenca para o lado direito.
— Quem nasceu para ser lagartixa, nunca vai ser um jacaré!
Os cangaçeiros vibram e Lampião com o facão riste igual um porta estandarte continua:
— Esses montes e vales e rios
proclamando o valor de teus brios,
reproduzem batalhas cruéis. No presente és a guarda avançada, sentinela indormida e sagrada, que defende da Pátria os lauréis (Essa é uma das estrofes do Hino de Pernambuco).
Os homens sentados nos caranguejos, gritam alucinados para Lampião que continua com seu facão levantado.
Os Tejus dão meia volta ao verem o seu líder dividido em dois, e disparam montados nas costas dos Tatus-bolas.
Mas eles ainda escutam Lampião gritar:
— Eu nasci do bucho dessa terra e sem destino eu vaguei, mas minha sina agora sei! Eu vou cumprir minha missão e dessas pestes livrarei meu sertão!
Os caranguejos batem as patolas num barulho ensurdecedor, e os homens gritam alucinados atirando com suas metralhadoras subatômicas para o céu azul, sem nuvem.
Lampião deixa o choro cair por dentro da máscara, olhando para estrada, que o levará à Capital, terminar a saga de sua vida... A Saga do samba do crioulo doido.
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