
Parte II
Sinto a ventania dispersar, meu corpo é jogado sobre um emaranhado de galhos secos. Ao erguer os olhos, não consigo acreditar na paisagem que se descortina à minha frente.
É assustadoramente obscura e, ao mesmo tempo, fascinante. Ao longe, destacam-se imensas formações rochosas. Contudo, à minha volta, não há nada além de árvores com galhos ressequidos, sem qualquer vestígio de vida. Todo o entorno, até onde a vista alcança, encontra-se envolto por uma névoa branca e espessa.
Uma dor profunda em meu braço esquerdo, seguida por um sono incontrolável, me impedem de explorar qualquer coisa naquele ambiente. Antes de perder a consciência, sinto algo envolver minha cintura. Enquanto minha mente se apaga, meus pés são erguidos do chão.
*
Assim que abro os olhos, um grande alívio toma conta de mim, toda a cena do guarda roupas foi apenas um sonho.
Contudo, após piscar algumas vezes identifico a presença de algumas ilustrações no teto. Concluo que comemorei demasiadamente cedo. Esse não é o meu quarto.
- Você acordou! - uma voz masculina sussurra.
Por impulso, me encolhi na cama.
- Calma, está tudo bem. - O rapaz afirma, mas sua convicção deixa muito a desejar.
- Quem é você? Que lugar é esse? - disparo.
- É... Deixe-me ver como começar... - ele desvia o olhar e corre as mãos pelo cabelo. - Meu nome é Uriel, estamos no reino de Erebrum. Eu... encontrei você mais cedo, perto do portal que separa o mundo mágico do mundo humano...
- Mundo mágico? Portal? Minha Nossa, eu enlouqueci de vez! - cubro o rosto com as mãos, enquanto balanço a cabeça freneticamente, tentando acordar desse pesadelo.
"Sou Nirelle Walasque, estou terminando o terceiro semestre do curso de química e perdi meu pai recentemente. Essas são razões muito plausíveis para se desenvolver alucinações."
Procuro convencer-me que é apenas isso: uma série de alucinações. Entretanto, Quando encontro coragem para reabrir os olhos, percebo que os problemas são um pouco mais sérios e tenho certeza de que meu fim está próximo, ao lado do rapaz há uma fera monstruosa.
- Não precisa se assustar, esse aqui é meu amigo, Fagulha. - Afirmou, enquanto acariciava a criatura de pele acinzentada.
- Você tem um dragão como amigo?!
- Na verdade, ele tentou me fritar quando nos conhecemos, mas ainda era um filhote e não obteve muito sucesso, conseguiu soprar apenas algumas faíscas, praticamente inofensivas. No final das contas, acabamos nos afeiçoando um ao outro.
A fera faz um ruído e "sorri", mostrando cada um dos seus dentes enormes, como se concordasse com o rapaz.
- Eu garanto que ele não oferece perigo, senhorita... Qual é mesmo seu nome?
- Nirelle.
- Interessante! "Nirelle" significa luz, no antigo idioma de Élany.
Lembro-me que mamãe afirmava algo parecido quando lhe perguntavam sobre a inspiração para meu nome excêntrico:
"Significava 'luz', no idioma de uma civilização bastante antiga."
Essa recordação desencadeia uma ideia insana: Será esse o segredo por trás do mistério que cerca minha família? Um reino mágico?
- Élany? - questiono meu estranho anfitrião.
- Sim, era o reino dos feiticeiros da luz. Mas... atualmente encontra-se tomado pela escuridão.
Diante do meu olhar interrogativo, ele continua:
- Tudo começou há algumas décadas, quando os feiticeiros da escuridão, líderes do reino de Erebrum, se rebelaram. Essa é uma história, bastante comprida, e... envolve a sua família.
Não consigo encontrar nenhuma explicação lógica para a completa mudança em minha forma de encarar o que está se passando; porém, não restam mais dúvidas de que tudo isso é real. Somente aqui encontrarei as respostas pelas quais minha alma tanto anseia.
- Minha família? O que sabe sobre eles?
- Você é filha de Laura Walasque, sua família era responsável por proteger o portal e intermediar os contatos entre o mundo humano e o mundo mágico. Há quinze anos seus avós e sua mãe foram convocados para lutar ao lado dos reis de Élany na batalha final. O governante de Erebrum desejava tomar para si todo o poder da luz, almejando tornar-se o ser mais poderoso do universo mágico. Por meio de ideias um tanto controversas, ele convenceu seus súditos de que era uma guerra por justiça e quase alcançou seu objetivo. Contudo, no último instante, antes que ele pudesse receber a corrente de luz que vinha em sua direção, sua mãe e a rainha de Élany surgiram, colocando um pequeno cristal entre o governante da escuridão e o feixe luminoso, até que esse último fosse completamente absorvido pelo objeto...
- Então minha mãe está viva?!
- Infelizmente não, as duas gastaram toda a energia que lhes restava para que o cristal fosse guardado no interior de Gaia, a árvore que abriga a fonte de toda essa magia.
Ele encerra sua narrativa ao perceber que gotas salgadas molham meu rosto.
- Por favor, não se entristeça! - suplica com os olhos escuros cravados nos meus.
- Eu não devia estar aqui. - digo, quebrando o silêncio constrangedor que havia se instaurado por longos segundos.
- Pelo contrário! Você é um lampejo de esperança em meio ao caos, desde que soube da sua existência aguardo sua chegada. Inclusive, há cinco anos, instalei um sistema para que sinos soassem em minha mente assim que o portal fosse aberto.
- O quê?!
- Eu não podia permitir que meu pai te encontrasse antes de mim.
Minhas sombracelhas se erguem, demonstrando a grande confusão instaurada em minha mente. Sem outra opção, ele baixa os olhos e explica:
- Sou filho do rei de Erebrum, o temido senhor Kardama. - fala com desprezo. - Ele ordenou que houvesse, constantemente, um guarda de plantão no local onde o portal se abre, para capturar você no mesmo instante que pisasse no solo mágico. Entretanto, consegui derrubá-lo, manipulando uma das flechas de sua própria aljava, assim ele provou um pouco do próprio veneno e pude resgatá-la, com a ajuda de Fagulha.
- Por que concederam tanta atenção a minha possível vinda? - pergunto, enquanto pressiono o ombro esquerdo, ainda dolorido.
Compreendo que uma das flechas envenenadas me atingiu e, não fosse por Uriel, estaria numa situação muito pior. Porém, quando ia agradecer, ele tomou a palavra:
- Porque apenas você pode resgatar o cristal e a magia de Élany.
Sei que meu semblante estampa uma confusão ainda maior. Por isso, ele prossegue:
-Desde a última batalha, por uma decisão unânime entre os guardiões da floresta, os habitantes de Erebrum foram proibidos de entrar em Gaia. O povo de Élany, por outro lado, perdeu sua essência mágica, tudo naquele reino assumiu uma tonalidade mórbida e desbotada. Até mesmo os olhos dos feiticeiros da luz perderam o brilho e a vitalidade tornando-se cinza e opacos. Atualmente eles são meros escravos das sombras, incapazes de enfrentar os desafios que resguardam o coração da floresta.
- O que te faz pensar que eu seria capaz? - questiono boquiaberta.
- Você é a última gota de esperança para nós. - afirma enquanto abre um livro grosso que repousava sobre um baú ao pé da cama.
Meu coração chega a doer quando o som de uma página se rasgando invade meus ouvidos. Em seguida, ele me entrega o pedaço de papel, trata-se de um mapa.
- De acordo com esse livro, o cristal precisa entrar em contato com uma fonte de luz externa à Gaia para que as coisas voltem ao devido lugar.
- Eu posso escolher simplesmente voltar para casa e fingir que tudo isso foi apenas um sonho? - pergunto covardemente.
- Meu pai trancou o portal, o único jeito de reabrí-lo é libertando o mundo mágico do seu controle. Confie em si mesma! Há uma magia poderosa dentro de você, posso sentir.
Ele mira meus olhos, suas íris, profundamente escuras, carregadas por uma certeza inabalável. Permaneço presa naquele olhar por um tempo muito maior do que considero como seguro.
- Nunca vi nada que tivesse uma cor tão viva assim antes. - ele solta, abrindo um sorriso de lado.
Revirei os olhos. Como eu gostaria de esconder esse cabelo cor de cenoura, ao menos de vez em quando. Entretanto, ele não olhava para os fios rubros quando falou...
- Definitivamente, eu não conhecia esse tom de verde.
Compreendo que ele se referia aos meus olhos, sinto o rosto queimar.
- Por que está me ajudando? - decido que é melhor mudar o rumo da conversa.
Ele passeia com uma das mãos por seus cachos cor de ébano, um gesto que parece comum nas situações que o deixam deslocado.
- Porque o equilíbrio precisa ser restaurado. Caso contrário, muito em breve, o mundo mágico sucumbirá.
Nesse momento, um grito furioso, seguido por passos perigosamente próximos do quarto onde estávamos, fizeram com que ele estremecesse.
- Você precisa ir! Agora!
◇1415 palavras◇
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