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Venha a nós o Vosso reino







Ariel acordou de sobressalto, abrindo os olhos e puxando o ar violentamente, tanto que seu tronco arqueou. Parecia ter voltado de uma imersão profunda e demorada, arfava. A primeira coisa que percebeu foi a dor. Sua cabeça doía, os olhos estavam desfocados, as costas latejavam tão intensamente que era penoso estar deitado, seus membros pesavam e não conseguiu mexer um dos braços. Por sinal, onde estava? A última coisa de que se lembrava, era ter sido atingido por um raio em meio à batalha e agora estava em um estranha cela quadrada azul-sujo, meio apertada e baixa. A visão prejudicada atrapalhava, mas acreditava ter uma janela por onde entrava a luz e uma passagem pequena, fora alguns móveis. O lugar onde fora deitado também era estranho, rígido e o tecido fazia sua pele coçar, sem contar o calor. Meu Deus, mas que calor infernal era aquele? E por que estava todo molhado?

Tentou mover o corpo, mas a dor em suas costas era insuportável. Teria sido apanhado pela tropa de Mikhail? Preso, talvez? Mas não havia nada assim na Cidade de Prata. Precisava sair dali. Rodou a cabeça em busca da corneta, havia algo de brilho metálico sobre uma mesa, encostada à parede. Moveu a perna numa nova tentativa de se levantar, mas esbarrou em algo que foi ao chão. De imediato uma caixa preta se iluminou e passou a berrar impropérios. Era uma fera da Besta? Esticou o braço para o cinto, apesar de saber que, certamente, não portava mais sua espada. Estava muito lento.

A porta então se abriu. Ariel viu uma mulher entrar, carregando algo como uma bacia.

— Ah, olá, minha querida! Que bom que acordou — sorriu ela e apoiou a bacia na mesinha ao lado da cama.

Ariel não podia enxergar sua face com precisão, mas sabia que se tratava de uma humana. Havia ido parar na esfera mortal com aqueles seres carniceiros.

— Deve estar confusa, isso é normal. Você bateu a cabeça com muita força — completou ao ver que a mulher lhe encarava sem nada falar. — Lembra-se de alguma coisa? Tem alguém pra quem queira ligar e chamar? — A estranha continuou calada, com a testa franzida, parecia desconfiada. Oras, era ela quem devia estar desconfiada, afinal. Afundou um pano limpo na bacia, mas ao tentar aproximá-lo dela, viu-a recuar, assustada.

— Calma, está tudo bem — sorriu com ternura. — Não vou te fazer mal. Sua cabeça está machucada e teve febre durante a noite, só quero refrescá-la um pouco. — A expressão da mulher não suavizou, tentou se aproximar de novo e, dessa vez, apesar da cara desconfiada, ela não recuou.

Aquilo não parecia certo à Ariel. E o que era febre?

A mulher era uma senhora frágil, mesmo ferido, tinha certeza que a derrotaria em dois movimentos, por isso a permitiu se aproximar. A senhora pôs um pano frio em sua fronte e com outro lavou seus braços e tronco, exalava um aroma maravilhoso que fez sua cabeça pesar e nublou seus olhos. De repente, toda raiva que sentia desapareceu, as dores amainaram e foi englobada por uma doce neblina.

Quando despertou, novamente, sua situação havia mudado. A cabeça já não doía tanto e a vista entrara em foco, apenas as costas e o ombro enfaixado incomodavam. Sentou-se. Era noite lá fora e não sabia por quanto tempo dormira. Mikhail devia estar à sua procura e, na verdade, já deveria tê-lo encontrado.

O calor continuava terrível. Levantou-se e o cômodo girou, derrubando-o na cama novamente. Levou a mão à cabeça, mas o que era isso? Tentou novamente, mais devagar dessa vez, e conseguiu ficar de pé. Andou pelo quarto com dificuldade, o cenário ainda estava instável, mas precisava partir. Abriu a porta.

A casa era pequena e simples, toda num tom de amarelo feio e, para sua infelicidade, tinha dois andares. O fato dos degraus não se manterem parados foi um obstáculo, agarrou o corrimão para o caso de cair.

— Hei, Bela Adormecida, o que está fazendo?

Ariel ergueu a cabeça ao ouvir a voz grave, um homem estava de pé no fim da escada, abraçado com volumes. Era alto e de boa constituição física, o cabelo desgrenhado lhe caía no rosto e estava sujo, cheirava a álcool e vícios. Mais uma vez a mão de Ariel voou para a espada perdida. Trincou os dentes e pensou em correr, mas no primeiro passo, seu pé vacilou.

Ângelo tinha acabado de chegar quando viu a garota no alto da escada, assustada, mas determinada. Apesar de toda estropiada, ela parecia valente e burra, pois, pelo visto, decidira que estava boa o suficiente para sair correndo e iria rolar a droga da escada. Largou os pacotes do mercado no chão e correu, a alcançou antes que ela passasse do segundo degrau, mas perdeu o equilíbrio e quem terminou todo ferrado, lá embaixo, foi ele, com a baixinha sobre si.

— Mas que beleza — disse Ângelo, jogado no chão. Verificou se não tinha quebrado nada e se sentou. — Você está bem, garota?

O mundo de Ariel ainda girava e o ombro pulsava em ondas de dor. Droga, só queria ir embora e agora devia algo ao humano.

— Sinto muito pelo inconveniente — respondeu, sentando-se também. Sua voz estava estranha.

— Inconveniente? — Desatou a rir. — Cê 'tá de sacanagem, né? Me fazer rolar a escada é uma desgraça, não um inconveniente, garota. — Conteve a gargalhada e enxugou os olhos, as costelas doíam um pouco. Tomara não tivesse quebrado nenhuma. — Mas 'tá tranquilo, pelo menos descobri que você sabe falar. Minha mãe já tava achando que era muda. — A cara da menina estava engraçada, ela o olhava como se fosse uma vaca de pijamas. — Ok, linda, vamos pro quarto. — Levantou-se e fez menção de erguê-la no colo.

— Não quero voltar, preciso ir embora e não admito que me toque — disse, autoritário.

Ângelo levantou a sobrancelha, como era?

— Garota, olha só, você está pior que estopa de mecânico e com a camisola da minha mãe, não vai pra rua assim. Até que esteja boa ou que alguém apareça pra te buscar, vai ficar no quarto. Porque não passamos essa semana inteira cuidando de você para que dê uma de maluca e jogue todo nosso esforço fora, ok? — Ergueu-a sobre o ombro e a carregou escada acima, as costelas da esquerda latejavam..

Uma semana?!

— Me ponha no chão! — Dormira por sete dias?! Precisava se apressar, como estaria a batalha sem ele para liderar?

— Já disse que não. — Terminou de subir, abriu a porta do quarto e a colocou na cama. — Pronto e nada de se revoltar, ok?

A palavra caiu como uma luva para Ariel e ela deu um sorriso irônico.

— Não posso prometer, sou bom em me revoltar. — Manteria a dignidade, já que suas forças, pelo visto, ainda não haviam voltado. Do contrário, aquele humano jamais o prenderia ali com sucesso.

— Verdade? — Ângelo sorriu também e cruzou os braços. — Pois eu sou muito bom em persuadir esquentados. Agora fique quieta aí um instante que vou trazer sua comida.

Disse e saiu do cômodo.

Ariel estava frustrado. Mikhail não o havia vencido, mas o tirara da luta. Não podia tocar a corneta em busca de ajuda, pois se Mikhail e seus anjos a estivessem procurando, encontrá-lo-iam em segundos.

Levantou-se e foi até janela, era apertada, não conseguiria passar por ela com suas asas. Então não tinha jeito, teria que esperar suas feridas curarem para voltar e rezar para que seu exército aguentasse até lá. Rezar? Mas para quem? O Pai nunca o tinha ouvido. O pesar se abateu sobre ele e o sentimento de solidão quase o sufocou.

— Voltei com o rango — disse Ângelo, escancarando a porta, e a viu apoiada no batente. — O que agora? Vai pular da janela? — riu.

— Pensei nisso, mas ela é pequena demais — respondeu automaticamente.

Ariel o olhou, ele trazia uma bandeja com três pratos. Por que aquele homem continuava tentando manter uma conversa? Seria por sua condição? Saberia ele que era um anjo e o levaria em algum culto fanático no qual beberiam seu sangue em nome do Pai? Já havia ouvido algo do tipo entre os Anjos da Guarda. Ah, adoraria que o fosse, pois os degolar, um a um, iria acalmá-lo.

Ângelo ficou sem saber se a garota estava brincando ou não, sua expressão era séria e triste. Talvez fosse maluca.

— Tudo bem. — Colocou os pratos na mesa e se sentou. — Posso comer com você? — perguntou enquanto ela ainda o olhava de maneira estranha. — Não gosto de comer sozinho e quase nunca tenho companhia.

Ariel estreitou os olhos. Já ouvira falar que eles eram extremamente carentes, mas, no momento, devia a vida àquele humano. Sentou-se em silêncio.

Ângelo a olhou de esguelha, ela analisava o prato.

— A mulher que está cuidando de você é minha mãe, Marta. Ela disse que você é muito forte e teve sorte, podia ter morrido. — Deu uma garfada e olhou para a garota, não viu reação nela. — Ela cuida de você de dia, porque à noite faz plantão no hospital, é enfermeira; e por isso eu fico de olho à noite. Agradeça-me por vir sempre fechar a janela, ou os mosquitos a teriam levado. — Riu, mas ela não o acompanhou.

O silêncio pesava. Algo na atitude da mulher incomodava Ângelo, ela parecia estar tão longe que tinha dúvidas se poderia tocá-la ao estender o braço.

— Eu encontrei você, sabe? Estava caída perto do Mercado Público e já era madrugada. — Garfou, mastigou e engoliu. — Tava toda ensanguentada e rasgada. De início achei que estava morta, mas quando eu te chutei, você gemeu. — Ela o encarou sob as sobrancelhas. — Ow, ow, foi de leve, ok? Só pra me certificar — ratificou com as mãos para cima, ela era um anão, mas por algum motivo aqueles olhos lhe davam calafrios. — Daí te trouxe pra casa. Precisava ver a cara da minha mãe, quase tomei uma surra aquele dia, depois de burro velho.

Apesar de não compreender a necessidade de falar daquele homem, a informação que ele dera fora válida. Quando foi atingido pelo raio, devia ter sido arremessado para fora do portão, mas e suas coisas? Sua armadura e espada?

— Você precisa comer — disse Ângelo ao terminar seu prato e ver o da outra intocado. — Não vai melhorar se não comer. — Recebeu um olhar frio e autoritário. Quem quer que fosse essa baixinha, ou era prepotente ou importante, talvez os dois. — Me pareceu que tinha algum lugar pra ir, não vai chegar lá sem comer. — Isso pareceu convencê-la e a viu segurar o garfo. Ângelo sorriu.

Aquilo era esquisito, não se parecia com nada que jamais comera. Tinha um cheiro rançoso, era gorduroso, o prato estava manchado, rachado, dava nojo. Mas se fora arremessado pelo portão, saiu da Cidade sem a benção de Mikhail e o ritual, haveriam consequências, mesmo sendo ele um Arcanjo. Ele o esperou terminar e recolheu tudo.

— Trago seus remédios mais tarde, descanse um pouco. — Sorriu, novamente, e saiu.

O homem tinha razão quanto ao fato de que precisava se fortalecer caso quisesse ir embora. Olhou o céu antes de se deitar e fez uma prece rápida: "Pai, proteja meus irmãos, seus filhos, não deixe que caiam mais que o necessário, o mínimo. "

Após a prece o sentimento sufocante arrefeceu.

                                                           ~*~

Mais tarde, Ângelo subiu com os remédios e encontrou a garota dormindo. Depositou tudo na mesa e puxou uma cadeira para perto da cama. Ela era estranhamente incrível. Assim que a achou, ficou sem saber se era homem ou mulher, mas que era bela, ah, era. Seu rosto tinha traços delicados, porém marcantes. As maçãs eras altas e arredondadas, o queixo bem delineado e forte, o nariz fino e empinado. A tez clara lembrava o mármore bege de seu trabalho, do qual nunca lembrava o nome e sabia que era caro. Os lábios rosados em botão e os fartos cachos acobreados o faziam lembrar aquelas pinturas que vira nas galerias de arte e em museus quando era criança, em seus passeios de escola. Mas apesar de toda a beleza delicada, algo em sua estrutura transpirava virilidade, dava aquele arrepio que se sente quando os grandes líderes e cavalheiros faziam seus discursos motivacionais antes das batalhas épicas, nos filmes.

Desde que a garota chegara ali o clima da casa mudara. Sua mãe, que tinha problemas em dormir por causa do trabalho, ressonara feito bebê na última semana e até ele próprio se sentia mais leve, livre, protegido... Era uma sensação estranha que se intensificava com a proximidade da mulher. Não sabia quem ela era, mas graças a Deus que a encontrara. Ela era especial e, exatamente por isso, sabia que estava encrencado. Nessa vida injusta, pessoas especiais sempre são caçadas, coagidas e exploradas de alguma forma e aqueles que as tentavam salvar, se fodiam. Fato.

Bem devagar, tirou um cacho que teimava em prender-se aos cílios da garota e a encarou com ternura. Deslizou os dedos por sua bochecha. No dia seguinte descobriria seu nome.

                                                     ~*~

Ao acordar, Ariel se inteirou da rotina. Marta entrava em seu quarto de manhã cedo e lhe banhava e, percebeu, agora tinha seios, era uma fêmea humana e eles eram desconfortáveis. Descobrira o motivo de seus sonos serem tão relaxantes, tinha Alfazema fresca na água. Na Cidade de Prata eles cultivavam campos de Alfazema, era uma erva poderosa e sagrada, um presente do Pai à Terra, para que seus filhos pudessem se aproximar dele sempre que necessitassem. Seu poder purificador era ampliado de acordo com a pureza da alma de quem usava, com os anjos, podia salvar vidas. Após o banho, recebia pequenas pedras amargas que aliviavam a dor e pesavam em seu espírito, nublavam os sentidos, então vinha a refeição e se deitava. Era acordado por Marta para nova refeição e lhe deixavam disponível a "TV", a tal caixa que gritava impropérios. À tarde recebia um lanche e a mulher se despedia para o trabalho, algumas horas depois chegava o homem tagarela.

Ariel só interferiu nas pedras amargas, não lhe faziam bem, pediu que não mais as trouxessem, eles insistiram e ele não tomou. Três dias, disso, se passaram e ele entendia cada vez menos. Cortou a conversa com o homem, que disse se chamar Ângelo, que ironia. Ele lhe trazia a janta, comiam juntos e ele o despachava do quarto.

Por que aqueles humanos o tratavam com tanta caridade? Já ouvira de seus irmãos sobre a tal bondade e solidariedade humana, mas nunca a tinha visto. Via humanos se aproveitarem dos mais fracos, os usarem como pedras para sua subida. Por isso aquela experiência lhe estava sendo tão estranha, em nenhum momento tentaram lhe manipular ou usufruir de seus dons. Na verdade, agora duvidava de que soubessem a verdade.

Naquele dia, quando Marta saiu para trabalhar, Ariel quis vasculhar o ambiente. Saiu do quarto e encarou as escadas, ficariam para daqui a pouco. Andou pelo segundo andar, havia mais dois cômodos, um estava trancado e o outro devia ser o quarto de Marta, uma pesada cruz de madeira fulgurava na parede sobre a cama.

Desceu as escadas devagar, como imaginava, suas pernas já estavam firmes o suficiente. O andar de baixo também era simples e o que mais chamava atenção era uma enorme imagem da Virgem Santa na única parede que não estava abarrotada de quadros, relógios e penduricalhos. No centro da mesa de 6 lugares, que ocupava quase todo o espaço da sala, ficava um jarro com Alfazemas e trigos. Sorriu, e pegou um ramo. Apenas o aroma já a revigorava.

Aquela família era cristã, amavam o Pai e parecia verdadeiro, não apenas uma fachada para suas ações hipócritas. Contudo, se baseava no fundamento da fruta podre na cesta, mesmo que aquela família tivesse fé verdadeira, em algum momento seria corrompida.

Foi durante esse pensamento que Ângelo chegou carregando seus pacotes. Percebera que o homem sempre trazia a comida para o dia seguinte.

— Nossa, olá! — disse, depositando os sacos de papel sobre a mesa e abrindo-os. — Achei que estava me ignorando, com sucesso.

O encarou, ele estava novamente sujo e desgrenhado, cheirando a álcool e vícios.

— Não o estava ignorando. — Uma curiosidade repentina o acometeu. — Onde estava?

— Como? — Ângelo parou o que estava fazendo na mesma hora. A garota não era de conversar, o ignorara por dias e de repente vinha lhe pedir satisfações? — Estava trabalhando. Por quê? — Voltou a desempacotar os mantimentos.

— E em que trabalha? — Cruzou os braços, ao menos ele não chafurdava na escória apenas por prazer, ainda assim era irrelevante.

Ângelo a olhou novamente, a pose da baixinha quase a deixava maior, com o peito inflado e os cachos jogados nos ombros.

— Eu é que pergunto, por que está tão interessada na minha vida, assim, de repente? — disse, abraçando os vegetais e indo para cozinha.

— Não estou interessado na sua vida, só não entendo. — Remoeu um pouco suas dúvidas, seria incompreensível para os mortais?

— O que você não entende? — gritou do outro cômodo.

— Sua família é abençoada, sua mãe e você tem fé verdadeira, mas apesar disso e de todo o amor que lhe é oferecido você vai a antros diariamente, escolhe a corrupção. — A frustração transpareceu em sua voz e não foi uma pergunta. — Por quê?

Ângelo acabou de guardar os vegetais e fechou a geladeira com um baque. Voltou a sala e se escorou no portal.

— Do que você está falando, garota? Do que acha que sabe? – Seu tom foi amargo e hostil, ele estava ciente disso. Aquela maluca perdida não lhe daria lição de moral, ninguém tinha esse direito, muito menos alguém como ela.

Ariel se calou, viu a expressão sempre sorridente do homem se alterar para uma mais violenta, raiva e incompreensão passaram por seus olhos castanhos. Ele estava revoltado?

—Sim, somos cristãos! Sei lá se temos fé verdadeira ou não, mas depois de tudo, não deixamos de acreditar. Isso deve valer de alguma coisa. — Seu rosto se entristeceu e os ombros caíram. — Trabalho no bar de dois clubes noturnos que também funcionam como inferninhos, mas minha mãe não sabe disso. Ela acredita que sou auxiliar de cozinha em um restaurante no outro bairro. — Desencostou do portal e ergueu a cabeça, encarou a garota com confiança. — Mas não faço nada de errado! Posso servir bandidos, traficantes, assassinos e ladrões, mas isso não me faz um deles e não me venha com discurso moralista! É assim que alimento minha família, dinheiro é dinheiro!

Ariel esperou a fúria dele passar, havia entendido errado, quase pode ouvir seu amigo falando por suas costas.

— Não pretendo fazer qualquer discurso, ou julgá-lo. Só queria entender. — Suavizou a voz e a expressão, já se sentira acuado e não faria o mesmo com o homem que vinha cuidando dele.

Ao ver os traços decididos da garota assumirem um ar terno, sua ira assentou e então veio a melancolia.

— Me desculpe — disse, sentando em uma das cadeiras. — Eu não deveria ter me alterado, você não tem nada com isso. Vou explicar melhor. Senta aí. — Puxou a cadeira ao seu lado, para ela.

Ariel hesitou, mas achava que devia isso a ele, seu julgamento precipitado o magoara. Apesar de que jamais se imaginara sentado, conversando com uma daquelas criaturas.

— Há dez anos, morávamos em outra cidade, eu, mamãe, meu pai e meu irmão mais novo, Felipe. — Começou depois de Ariel se sentar. Cruzou as mãos sobre a mesa e deixou o corpo pesar nos cotovelos. Ainda não sabia o porquê de estar tendo aquela conversa com alguém que mal conhecia. — Éramos felizes e tudo corria bem. Mamãe não trabalhava ainda, ficava em casa cuidando da gente, até que um dia meu pai sumiu. Procuramos por ele por meses, os familiares e amigos ajudaram, mas só tivemos notícias quatro meses depois, quando um grupo de marginais apareceu na porta de casa, cobrando o dinheiro que meu pai devia e notificando sua morte.

O relógio da sala despertou às 8 horas da noite, momento do jantar de Ariel.

— Depois disso, minha mãe adoeceu de preocupação. Não tínhamos dinheiro algum e a dívida era muito alta. Não tivemos tempo para o luto por meu pai. O grupo voltou dois meses depois e avisou que nos matariam se, na próxima vez, não entregássemos o dinheiro. — Ângelo fazia pausas entre uma sentença e outra, como se digerisse cada uma delas. — Uma tia disse para fugirmos e conseguiu um lugar seguro para ficarmos por algum tempo. Fomos de ônibus e fizemos várias baldeações, para dificultar se nos procurassem, minha tia disse ser necessário. Ficamos na casa de um conhecido dela, por um ano, sem sair daquelas paredes até que minha mãe resolveu ser seguro voltar a viver.

Ariel olhou para os quadros, havia várias fotos nas quais aparecia um menininho de cabelo escuro e encaracolado, com bochechas gordinhas.

— Mamãe comprou essa casa e foi uma festa quando nos mudamos, até meu irmão desaparecer. Foi num dia de verão, estávamos no parquinho quando aconteceu. Achei que mamãe morreria. Dois dias depois, Felipe apareceu na porta de casa, sozinho. Foi muito estranho, mas só pensávamos em agradecer até que ele adoeceu. Os médicos não descobriram o que ele tinha e meu irmão, de 5 anos de idade, agonizou por quatro meses, morrendo aos poucos. Ele estava irreconhecível no fim. — Lágrimas escorriam por seus olhos. — Eu tinha 12 anos na época e achei que alguém tinha feito algo com ele, pensei em vingança por muito tempo. Minha mãe entrou em depressão e minha tia quis que eu fosse morar com ela. Não fui. Desde então eu me esforço para cuidar do que restou dessa família.

Agora Ariel entendia menos ainda. Porque uma família de fé tão forte passara por tudo isso? Por que o Pai não os auxiliara?

— Mas... — fungou e limpou o rosto com o braço — minha mãe não deixou de crer em nenhum momento. Ela rezava fervorosamente e dizia que tudo tinha um propósito, que Deus zelava por nós e que tudo daria certo se confiássemos nele. Apesar de nada ter dado certo até agora, ainda confio. Realmente não sei o porquê e não entendo isso que você disse, de sermos abençoados. Não somos. Pode ser apenas ingenuidade minha ou talvez seja melhor pensar que existe mesmo um plano por trás de toda essa merda, que vai dar em alguma coisa boa. É melhor do que acreditar que sofremos por sofrer e ponto.

A boca de Ariel estava aberta.

O telefone tocou e Ângelo correu para atender. Enquanto ele falava, Ariel estava estupefato, como o discurso dele podia ser tão parecido com o de seus irmãos? Os filhos adorados do Pai possuíam sua total atenção, as guerras e pestes eram frutos de seus atos egoístas, mas uma vez corretos, eram protegidos e salvos.

O cheiro de enxofre interrompeu os pensamentos do anjo. Ariel os sentiu chegar, 4 ou 5. Levantou-se e lamentou novamente pela espada, precisavam fugir dali, mas antes que chegasse até Ângelo, ele veio e seu rosto era uma máscara de desespero.

— Preciso ir! — gritou ele, agarrando uma coisa pendurada num prego e dando às costas porta a fora.

Ariel não podia permitir que ele saísse sozinho agora.

— Espera! Eu vou com você!

— O que?! — Ele parou com a porta aberta.

— Quero ir com você, não posso deixá-lo sozinho. — Disse adiantando-se a ele na saída.

— Mas garo-

— Ariel. Meu nome é Ariel. Eu já não estou mais tão ferido, nem com a camisola de sua mãe e de nenhuma forma vou lhe abandonar neste momento. — Marta havia lhe dado um vestido quando negara umas calças estranhas e azuis, mas ainda que estivesse com aquela tal 'camisola' iria escoltá-lo. Se demônios estavam a persegui-lo, o culpado era apenas ele.

E era num momento como aqueles que descobria o nome dela.

— Está certo, Ariel. — Bateu a porta e trancou.

3974 palavras

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