O Pão nosso de cada dia
Lucas saiu da igreja e foi a um dos hospitais onde trabalhava, não fazia muitos plantões ali, por isso tinha poucos conhecidos, mas era o mais próximo. Era cirurgião traumatologista, famoso nas emergencias e, graças a isso, tinha bastante acesso e pouca gente perguntando. Já havia conseguido alguém pro seu plantão, com a urgência, ofereceu metade a mais, mas fazer o quê?
O IMIP tinha uma estrutura colonial antiga misturada à moderna, parecia um labirinto, às vezes. Foi até o Centro Cirúrgico, a hora do almoço era perfeita para isso, estava vazio, pegou morfina, suturas, adrenalina e enxertos, mais material descartável e muitos curativos hidrocoloides. Já estava saindo quando lembrou das garrafas de soro! Fez uma parada na enfermaria e foi lá que ouviu aquela estranha história que lhe chamou a atenção.
~*~
— Então, você propõe não me ajudar? — estava irritado com o plano de Lamechial.
— Não estou propondo, seu cabeça dura, estou afirmando que você vai ser trucidado pelas tropas de Mikhail se voltar agora. — já estava de pé, gesticulando! ele, gesticulando! Como podia ser tão difícil aquela criatura entender que esperar não significava desistir!
— Você já disse que sabe como voltar, não adianta me enrolar agora!
— Dizer que eu sei como nos levar de volta não significa que vou fazê-lo, Ariel, e não vou! — segurou-lhe pelos ombros. Aquela altura já haviam saído da nave principal para não chamar a atenção, estavam em uma capela lateral. As sobrancelhas do ruivo se encontravam no meio da testa, franzidas.
— Meu irmão, eu sequer posso te levar de volta, assim. Entenda! — respirou fundo, precisaria de toda a sua didática e paciência — Você não é humano, nem se tornou um, tampouco perdeu seus poderes ou foi despojado deles, nenhuma dessas suas teorias infantis são verdade e, por isso, eles não vão reaparecer magicamente quando voltarmos — enquanto falava, analisava os olhos de Ariel, procurando uma fagulha de compreensão — Você acredita que o Pai observa cada um em sua individualidade, esperando, com um caderninho de punições e prêmios, e quando nada acontece, significa que ele resolveu especialmente ignorar você! Eu nem acredito em como isso consegue funcionar na sua cabeça! São oito bilhões de seres humanos, Ariel, oito! Isso sem contar com todo o resto da criação.
Os braços de Ariel estavam cruzados no peito, respeitava Lamechial, mas ele não cairia nessa, apesar do número ratificar sua tese de que humanos eram uma praga corroendo a criação, haviam mais de 20 quatrilhões de formigas no mundo e elas nunca haviam chegado perto de causar o apocalipse por isso. Bufou, impaciente.
— Eu vou te ajudar, vim aqui para isso, pelo amor de Deus, mas não assim. — sacudiu o ruivo quando ele rolou os olhos — Você estava ferido, ainda está, para ser sincero, e sem preparo quando caiu. Sua energia foi esgotada para lhe proteger e precisa dela de volta. Suas armas e proteção precisam ser reconjuradas e apenas você pode fazer isso, Ariel. — o Arcanjo agora lhe olhava com interesse, finalmente! Soltou-o, devagar. — Então, o que eu proponho é focarmos nisso em vez de tentarmos suicidio. Você concorda? — falou devagar o final, quase sílaba a sílaba.
— Lamechial, meu velho, você sabe que temos todos a mesma idade e que não sou uma criança? — angulou a cabeça para o lado e cravou os olhos no rosto a sua frente, mas ele não fez nada além de conter um sorriso de ironia — Esse seu tom me irrita e sim, eu concordo, até porque não pretendo me matar ou perder, mas exatamente quanto tempo isso vai demorar?
— Eu não sei, Ariel, nunca me joguei aqui embaixo como você fez! — pontuou, erguendo os braços, que ficasse claro que o louco ali não era só ele! — Conheço algumas histórias e podemos nos basear nisso, mas, basicamente? Será tentativa e erro, depois que se recuperar.
O Arcanjo esperava que não fossem muitas as tentativas, doía seu coração pensar em seus irmãos, sozinhos, contra a fúria de Mikhail. Começavam a argumentar contra o fato de que havia se jogado, quando uma das beatas veio lhes chamar.
~*~
Lucas tinha voltado, conferido Ângelo que agora contava com uma nova bolsa de soro, medicação e um monitor de sinais vitais. Além disso, também teve tempo de comer e contar uma história para padre Antônio. Estavam de pé do lado de fora da cortina, que, agora, separava um pedaço da sacristia quando os dois jovens entraram.
A expressão de Lucas estava confusa, ele ainda não se decidira entre ficar zangado ou frustrado com o padre, que, desde que contara o que ouvira, encarava o chão com os olhos arregalados. Ele acreditava mesmo naquilo?
— Mandou nos chamar, Padre? — foi Lamechial quem falou primeiro e sim, ele havia notado que algo estava errado. Por cima do ombro pode perceber que Ariel notara o mesmo, mas ao contrário dele, já estava na defensiva.
Antônio subiu o olhar para eles, mas não respondeu, seus olhos estavam marejados.
— Sim, ele pediu. — disse Lucas, estendendo a mão e recebendo o aperto amigável do outro — sou Lucas, filho do padre. Não nos falamos muito até agora, mas precisamos conversar sobre sua amiga — e seu olhar, sério, se dirigiu a jovem.
— Minha irmã. — corrigiu, enquanto sentia a tensão em Ariel aumentar — Eu agradeço sua ajuda, o padre disse ter alguém de sua confiança e o observei desde que chegou, é notável e um homem bom. — sorriu — Fico feliz por ter feito bom uso dos seus dons.
A fala desconcertou Lucas, não condizia com a pessoa para quem olhava. À sua frente estava um jovem de uns 20 anos? talvez mais, mas não dava para precisar. Os cabelos desciam, lisos e escuros, até a metade das costas, parte lhe cobria a testa, a pele era clara e os olhos azuis, estranhos. Tinha quase sua altura, 1,82 cm talvez, mas não podia dizer que era forte, nem magro demais. Quando chegara, ele e a tal irmã já vestiam as túnicas de cerimônia da igreja, mas pôde ver suas roupas amontoadas num canto da sacristia: calças jeans rasgadas, moletons sujos de sangue e detritos. Podia dizer que eram da milícia? Não sabia exatamente, mas existia algo sobre aqueles dois, quase hostil, perigoso e... encantador. Era simplesmente assustador.
— Não precisa me agradecer, eu estou ajudando o padre e, além do mais, é o meu trabalho. — balançou a cabeça, a conversa não era aquela — Mas eu gostaria de saber se eram vocês no hospital.
Lamechial demorou uns segundos, havia localizado Ariel no Mercado Público, não sabia o que tinha acontecido antes.
— Que hospi-
— Por que quer saber? — Ariel se adiantou até o lado de Lamechial e o viu se retesar. Não sabia porque o outro se preocupava tanto, o que ele achava que faria? Engoliria o outro?
Lucas mudou o foco do olhar e deu um passo atrás, não teve como evitar, apesar de bem menor e ser uma mulher, claramente mais nova e incrivelmente linda, ainda era como se um predador se aproximasse dele. Só a tinha visto dormindo ou de longe e agora, ali, tão perto, era hipnotizante de um jeito esquisito: queria se afastar, mas não podia parar de olhá-la. Meu Deus! Pigarreou, tentando se recompor, porque o padre não dizia nada? Não conseguiu olhar para o lado, para Antônio, então puxou os ombros para trás, diziam que a postura ajudava a mente, tentou parar de babar e tremer, e continuou.
— E-Eu estive hoje no hospital e ouvi uma história estranha. — que merda, havia gaguejado! Aquilo não era racional, não tinha explicação! "Pare de ser idiota Lucas, não é a primeira vez que vê uma mulher bonita!" — Não é Padre? Padre? — nada, e o magnetismo da garota ainda aprisionava seu olhar — Bem...
— Por que pensou em mim? Acaso sou estranho? — Ariel não estava de bom humor, em nenhum momento esteve, aliás, estivera discutindo, lutando, fugindo e caindo, estava frustrado e preso, mas ainda assim não lhe agradava ver o humano ser encolher em sua presença, havia sido de grande ajuda, apesar de desconfiado. Descruzou os braços do peito e respirou fundo. — Está tudo bem, diga-me que hospital era esse? — disse mais calmo e macio.
Lamechial tinha as mãos em triângulo, com os dedos juntos, apertados contra a boca e o nariz, tenso, apertar o pescoço de Ariel não ajudaria em nada, ainda sim deveria ser prazeroso.
Lucas pensou seriamente em se enfiar atrás do padre que batia no meio do seu peito! Na verdade, pensar não era uma coisa que estivesse fazendo naquele momento, só estava reagindo e assim que a voz da garota mudara de tom, um sorriso infantil brotou em seu rosto. Seu cérebro gritava que aquilo era uma palhaçada tremenda, mas a tensão diminuíra e suas reações malucas àquilo tudo acompanhavam o tom da jovem.
— Ele fica aqui perto, eu passei para pegar remédios e ouvi algumas enfermeiras conversando sobre um tal milagre, mas virou uma discussão. Ontem a noite, uma das enfermeiras passou mal e o filho dela chegou com uma garota cacheada e ruiva (omitiu a parte do estonteante e divinamente linda), depois dessa parte todos começaram a discordar. Alguns disseram que a mulher tinha morrido e a ruiva a ressuscitou com magia, que havia luz; outros disseram que ela tinha matado a enfermeira, pois impediu a ressuscitação. Parece que alguns desmaiaram e teve gente que falou em enxofre, rituais e exorcismo! Depois todos concordaram que a garota e o filho destruíram meia ala do hospital, enquanto fugiam, e se jogaram da janela do 5 andar! Falaram em terrorismo e chamaram a polícia, mas eles não estavam mais lá. O nome da enfermeira era Martha e a descrição bate com você e o homem ferido. — Lucas contou, mais uma vez, esperando o padre reagir em algum momento. — Olha, se vocês mentiram para o Pad-
— O nome era Martha? — Ariel o cortou — O que houve com ela?! — sua voz saiu hostil.
Ariel não ouvia a narrativa com muito interesse até o homem dizer que, para alguns, havia matado Martha. Como podia, se saíra da sala com ela viva? E, por fim, ele falou nela no passado, como se não mais existisse. Um zumbido fino soava em seus ouvidos e o homem à sua frente não respondia.
— DIGA! — o comando foi como um trovejar e as luzes da sacristia piscaram.
Lucas estava congelado no lugar, em pavor, sua voz não saia, agarrava o pulso de padre Antônio enquanto o homem encarava a garota estarrecido. A voz da mulher parecia ter alcançado seu coração e sua alma, queria se ajoelhar e chorar, implorar por perdão. Ela era linda e aterradora. Estava doido e ia morrer, essa era a sensação.
A explosão de Ariel alertou Lamechial, mas antes que ele pudesse impedir, o Arcanjo deu as costas e correu para a porta da sacristia.
— ARIEL! — correu junto — ESPERE!
Mas não adiantou, o anjo já estava no meio da nave.
— ONDE VOCÊ ESTÁ INDO?! — Lamechial gritava, mas nada o fez parar ou diminuir. Tinha que alcançá-lo.
— LAMECHIAL! — uma voz gritou da sacristia — SEU AMIGO ACORDOU!
Lamechial estava no para-vento quando lhe gritaram.
"Justo agora, Pai?" correu até a porta da frente e ainda pode ver os cachos do irmão balançando com a corrida. O que faria? Ouviu uma comoção vir da sacristia e metal caindo no chão.
— LAMECHIAL — gritou o padre, da pequena porta.
O anjo olhou o padre e voltou os olhos novamente para as ruas, não podia mais ver Ariel. Era isso, então? Respirou fundo, o peito pesado, tinha medo pelo Arcanjo, mas confiava no Pai, era necessário ali e Ariel devia ter algo a cumprir, sozinho. Caminhou para dentro da igreja, novamente, arrastando os pés. Os humanos diziam não ouvir os chamados, não enxergar os sinais, não entender as mensagens, diziam que Deus não os ouvia, mas nada disso era verdade. A verdade é que nunca houveram as tais linhas tortas por onde Deus escreve certo, a verdade é que seguir o caminho que o Pai apontava não era fácil e nem sempre era o que eles desejavam de verdade. Eles pediam direção, mas nunca deixavam de olhar para onde seus desejos queriam. Deus sempre foi claro, os homens é que sempre O ignoraram.
Rezou pela proteção de Ariel, por juízo e bom senso e pela infinita compaixão de Deus, antes de entrar de volta na sacristia. Lá dentro estava caótico, o homem havia realmente acordado e derrubara todos os equipamento à sua volta na tentativa de se levantar, lutava contra as beatas enquanto o médico, ainda assustado e tremendo, devido a fúria incontida de Ariel, preparava algo em um seringa. O padre lhe esperava na porta e a única coisa que sabia sobre aquele ser humano era seu nome.
— Ângelo? — chamou, enquanto se aproximava da mesa, abriu caminho entre as duas senhoras e, gentilmente, tomou seus lugares. Elas também estavam assustadas e agradeceram por se afastar.
A última coisa que Ângelo lembrava era de ver Ariel andar até o meio da praça, ferida e determinada, não queria que ela fosse, mas sentia tanta dor que não era possível se levantar dali. Depois um clarão, a eletricidade e mais nada. Mas a voz dela o havia acordado, tinha certeza! No fundo da inconsciência a ouvira gritar. Onde estava? Não era um hospital, apesar do monitor e cortinas, reconheceria um só pelo cheiro e, acima de tudo, onde estava ela? Tentou se levantar, mas assim que se sentou, o mundo girou e acabou jogando tudo no chão na tentativa de se segurar e agora, aquelas vózinhas empurravam seus ombros de volta. Não ia se deitar novamente!
A voz grave chamou sua atenção, como ele sabia seu nome?
— Quem é você? — nunca vira aquele cara antes, olhou de cima a baixo, certeza. Sua memória era boa. E apesar de não ter nada a ver com Ariel, ele, de certa forma lembrava ela, e a voz... era familiar.
— Meu nome é Lamechial, sou irmão de Ariel. — ergueu as mãos e se aproximou mais, devagar, o rapaz estava acuado, claro, e mencionar o Arcanjo não havia tido o efeito que esperava, agora ele estava irritado — Eu sei que deve estar confuso e vou explicar tudo, mas, por favor, se deite, ainda está muito ferido. — do outro lado da mesa Lucas ainda lutava com os frascos, seringas e a tremedeira.
— IRMÃO?! — gritou, e isso fez desencadear uma crise de tosse, sua garganta estava seca — Então você é um dos filhos da puta que vieram pegar ela? — apoiou a mão na mesa e tentou sentar novamente, tudo girou e suas costas queimaram, que merda — Eu não vou deixar, ouviu? Não vou! — claro, e ia fazer o que, mesmo? Cair morto na frente deles? Talvez os atrasasse um pouquinho.
Lamechial respirou fundo, não podia ser um dos tranquilos? Não, não podia, Ariel tinha que ter encontrado um teimoso e, pelo visto, leal... era raro, essa última qualidade.
— Acalme-se, você entendeu errado, por favor, se deite! — colocou a mão no ombro do rapaz, ele parecia prestes a cair, mas lhe afastou com um tapa o que aumentou o desequilíbrio. Ia precisar de um pouco mais de firmeza — Angelo! — disse mais alto — se deite, agora!
Angelo deitou, não porque quis, mas porque a outra opção era cair. Estava emburrado de dor e irritação.
— Lucas! — chamou o médico, o lençol abaixo do homem começava a manchar de sangue.
— E-eu, e-eu já, já vou... — atrapalhava-se com as mãos, duas seringas já estavam cheias, faltavam mais duas. Seu coração corria no peito e o ar não entrava nos pulmões, era uma crise de pânico?! Nunca mais tivera uma, desde as noites posteriores ao acidente.
— O que eu entendi errado? Quem é você, ai... — gemeu — e cadê a Ariel.
O humano tinha lhe chamado a atenção, novamente.
— Sou irmão de Ariel, mas vim ajudá-lo e não... — semicerrou os olhos — O que você sabe a esse respeito?
— Ela me contou a parada da revolta, ser um anjo e tudo o mais, ai... — tentou ajeitar a posição na cama, mas doía cada vez mais. Se o cara tinha vindo ajudar, não sabia, mas se ele tivesse a intenção de o matar, não estaria ali, no soro.
— Claro que contou. — revirou os olhos e suspirou, o que faria com Ariel?
— Eu não acreditei, ta? Achei ela doida, sei lá, esse papo de anjos e... ai... — gemeu — ...tudo, mas tinha alguma coisa atrás da gente, cara! Explodindo tudo! Eu não conseguia ver nada, mas acho que ela sim... assim, se ela fosse esquizofrênica ou alguma coisa do tipo, não era pra eu tá no mesmo surto, sabe? — respirou fundo e não foi boa ideia, suas costas latejaram mais com a expansão dos pulmões, estava enjoado. — Acho que ela tentou lutar contra aquilo, arremessaram ela e a gente correu — atropelava as palavras e tinha lágrimas no olhos — Ela ajudou minha mãe, eu não sei como, mas salvou ela e... — fungou — eu tentei fazer alguma coisa, qualquer coisa, mas eu não via nada... — as lágrimas agora desciam direto — Por favor, diz que ela está bem... por favor...
O homem chorava em dor e desespero, a mão agarrou a manga da túnica branca que Lamechial usava. Lamechial sorriu, e cobriu a mão com a sua. Ariel que desprezava os humanos havia despertado tanto amor em um deles, o Pai era infinito em sua sabedoria.
— Não se preocupe, Ângelo — seu sorriso aumentou ao perceber o detalhe no nome do rapaz, até nos detalhes Ele estava. — Ariel está bem, ao menos o máximo que ele consegue estar. — ouviu o médico, finalmente, se aproximar com os medicamentos. As mulheres já haviam posto tudo no lugar. — Esse é Lucas, ele é médico, você esta ferido e ele foi de grande ajuda, não precisa ter medo. — abriu espaço para que o moreno se aproximasse, sem soltar a mão do rapaz.— E estamos em uma igreja, seguros. "por enquanto"
Angelo mantinha a mão firme na manga da túnica enquanto o rapaz de jaleco aplicava-lhe algo na veia, as lágrimas ainda desciam, uma angústia no peito que não passava.
— Você tem certeza, tem certeza que ela está bem? Ela tá aqui? — choramingou, o líquido queimava em seu braço, mas não pior que a angústia.
Lamechial não sabia o que dizer agora. Ariel não estava ali e não podia garantir que o irmão estava bem, não sabia para onde ele fora e seu peito ainda estava pesado por não ter podido acompanhá-lo. Tudo o que podia fazer agora era rezar e estar atento.
— Nossa, ele deve ser muito resistente, a quantidade de sedativos que estou administrando apagaria um cavalo em segundos — estava atônito com aquele cara, conversando, depois de tanto midazolam, aliás, nem era para ele ter acordado.
— Não me pôe pra dormir, porra, não faz isso! — a visão estava embaçada pelas lágrimas e pela medicação, puxou a manga que agarrava.
— Você confia em Ariel? — perguntou, suave, e viu o homem balançar a cabeça em positivo — Então feche seus olhos e acalme seu coração. Meu irmão ficará bem se tiver fé nele. Tenha fé nele.
Keep holding on
Continue aguentando
'Cause you know we'll make it through
Porque você sabe que conseguiremos
We'll make it through
Nós conseguiremos
Angelo fechou os olhos, mas as lágrimas não cessaram, a angústia estrangulava seu coração, tinha algo errado, sabia disso, sentia isso. Ariel não estava ali ou teria ido vê-lo, lembrou-se do pedido dela, para depositar nela, sua fé e, agora, o irmão pedia o mesmo. Por que estavam em uma igreja? Com a outra mão tateou o bolso, era difícil se mexer.
— Meu terço... — procurou devagar, os sentidos apagando — cadê, meu terço...
Lamechial o ouviu dizer, baixo e balbuciado. Um terço? Ele procurava um terço. Olhou em volta e não viu nenhum, não gostaria de se afastar neste momento. Fechou a mão em punho e um brilho fraco surgiu por entre os dedos, discreto. Alcançou a mão do homem, que tateava, e deixou um terço cristalino em sua palma. Angelo o agarrou e sussurrou um agradecimento, enquanto levou a mão ao peito. A oração foi muda, mas Lamechial a sentiu, pura, forte e sincera. Não sabia quais eram os planos do Pai, mas ele estava dando a Ariel toda a ajuda possível.
Angelo rezou, com toda sua fé e determinação, para que Deus a protegesse, os protegesse e para Ariel, para que ela vencesse e voltasse, que enfiasse a porrada em qualquer um que entrasse em seu caminho. Orou até que não mais o fizesse conscientemente, seu cérebro apagou, mas sua mão continuou trancada no terço e sua alma focada.
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