Não nos deixeis cair em tentação
Ângelo chorou amargamente por vários minutos, do fundo do peito. Derramou todas as dores de uma vida inteira: os momentos de solidão, medo, tristeza, incerteza, injustiças e desesperanças. Não tentou parar. Transbordou tudo que acumulava no coração até estar vazio e só restar o eco da dor, até que os pensamentos não lhe cortassem mais.
Ariel havia saído da cadeira e sentou na cabeceira da maca, com a cabeça do homem em seu colo, acariciava seus cabelos enquanto sentia toda sorte de emoções negativas esvaírem-se com o choro. Entoou uma prece, baixinho, consolando sua alma, lembrando-a de que tempos melhores viriam, de que o Pai (esperava sinceramente que sim) a levaria para junto de seus amados, para casa, quando chegasse sua hora, dizia que a despedida seria breve. Angelo adormeceu e em meio a sua oração, Ariel refletia enquanto retirava as mechas castanhas dos olhos do moreno: a vida dos seres humanos era um sopro quando comparada a existência da criação, a sua própria, mas proporcionalmente era igual... aquele homem recebeu tão pouco e muito cedo lhe foi tirado, por que ele não se revoltara? Seria justificável, ele tinha menos compreensão. Tinha questionado o Pai, presenciou, mas a aceitação veio em seguida. Ângelo se sentia sozinho e triste, mas não traído... no que era diferente de si? O humano se sentia compensado pelo Pai por conta de sua presença ali? Ariel era a diferença?
Suspirou. Isso era o que esperavam dele? Que sofresse brevemente e aceitasse? Tinha conhecimento demais para as compensações, mas não se importaria caso o Pai lhe desse alguma. Por que não aceitava? Dia após dia, o sacrifício dos seus, por que não ficava mais fácil? Antes conhecia a humanidade, mas não os indivíduos que tantos diziam amar, talvez Ângelo fosse um deles? Alguém por quem valia a pena lutar, e Martha, possivelmente a criança do hospital, a irmã morta na rua... Ainda assim, a aceitação não vinha, seu peito não acalmava. Por quê?
Correu a mão levemente pelo pescoço do homem, ele tinha se virado de lado, tiras gelatinosas estavam grudadas ali e desciam por toda a extensão das costas, era quente. Ele havia se machucado tanto, ainda tinha tubos ligados aos seus braços. A isso ele chamava de presente? Por isso ele dizia que deveria agradecer? Tocou, gentilmente, cada ferida em suas costas com as pontas dos dedos, depois subiu para o braço, ombros. Ajeitou novamente o emaranhado castanho e deslizou o dígito pelos arranhões na testa e bochecha. Ângelo era bonito? Não sabia. Toda a criação era bela, estava acostumado a ver beleza nas matas, rios e peixes multicoloridos, na diversidade das penas das aves e nos infinitos tons do sonar das baleias. Como as nuvens que corriam soltas pelo céu e a explosão dos vulcões, o rosto humano também podia ser belo? Seus ossos eram marcados, as sobrancelhas largas e os lábios bem desenhados... isso era beleza também? Um burburinho começou perto da porta da sacristia, ela abriu e bateu.
- Lamechial! - padre Antônio chamou, escorando a porta. Precisava de ajuda!
Era a voz do padre, estava estridente, ôfega e desesperada. Ariel se moveu para levantar, mas ao sentir a intenção, a mão de Ângelo agarrou seu joelho. Olhou para ele, ainda de olhos fechados, estava dormindo ou acordado?
- Fique aqui. - sentiu a hesitação dela - Por favor. - não tinha um bom pressentimento.
Ariel não enxergava sobre as cortinas, mas o padre não se aproximou, sua respiração era pesada. Olhou Angelo novamente, confuso. Tinha algo acontecendo, devia ir ver.
- Ariel - Angelo disse, baixo, se virando no colo dela, ficando de costas. Ela lhe encarava, insegura. Seria egoísta dessa vez, se o padre estivesse morrendo, ele que entrasse na fila. - Você é mesmo um anjo, né?
Ariel respirou fundo, o tagarela lhe olhava de uma forma diferente, havia brilho em seus olhos, como se eles espelhassem as estrelas. Parou o movimento e o olhou de volta. O chamado do padre soou de novo.
- Sim, eu sou. - apoiou a outra mão em seu abdômen.
- Você é imortal?
Ariel sorriu, finalmente as típicas perguntas. Mas precisavam ser naquela hora?
- Não como você pensa, mas não pereço como os humanos.
- Lamechial, alguém!! Pelo Senhor! - o padre gritava. O som de algo quebrando lá fora, alarmou Ariel ainda mais.
Ariel se contorceu tentando enxergar algo por cima do ombro e da estrutura de metal. Angelo suspirou, ela não estava segura então. Não queria que ela fosse novamente, não queria que ela saísse dali, do seu lado. Isso devia ser tão errado, mas... esticou o braço e acariciou a bochecha rosada. Ariel voltou o rosto, surpreso, as sobrancelhas do moreno estavam franzidas e seus olhos ainda marejados.
- Você conhece Deus, então?
- Sim. - Ariel conhecia, mas Ele não era mais o mesmo. A mão de Ângelo era quente em sua face, reconfortante. Precisava se levantar dali, mas lhe partia o coração deixar o humano.
- E ele é amor, como dizem? Que tudo perdoa?
Ariel não respondeu, não podia afirmar. Não, Deus não perdoa tudo, o inferno existe por isso, mas ele é amor, a questão é que esse conceito foi deturpado pelos seres humanos, o amor de Deus, da natureza não é o mesmo da humanidade.
- Ângelo, não é exatamente assim...
Após um chamado externo, a porta foi aberta e fechada novamente, com um baque. Aquele momento estava terminando, Ariel e Ângelo sabiam disso.
Ângelo deslizou a mão pelas bochechas e lábios macios de Ariel, não via agora o poder que a garota já havia demonstrado, os olhos estavam carinhosos e não queimando sua luz, ela parecia frágil e normal, mas sabia que não era assim. Torcia para não ser assim.
Os olhos de Ariel estavam perdidos e sua respiração ofegante, o coração havia acelerado e ele tentava entender o motivo. Gritos soaram na nave central e estrondos de madeira partindo. A porta lateral da sacristia abriu.
- Ariel, eu quero ajudar, me deixa te ajudar. - sussurrou Ângelo.
- ARIEL! - Lamechial gritou.
~*~
Quando saiu da igreja, Lamechial resolvera dar um tempo, estava estressado com a rápida evolução de Ariel e com a enchente de fieis, sua cabeça não parava de pensar e nada lhe dizia que as coisas iam dar certo. Tinha fé e seguia o plano, mas seu irmão era inconstante demais, tinha variáveis demais. Sentou na praça ali perto e ficou observando os humanos, passando atrás de suas vidas, indiferentes a tudo o que acontecia. Alguns acreditavam ser melhor compreender os planos do Pai... não faziam ideia da benção da ignorância. Lamechial, por vezes, carregava o peso do caminho da criação nos ombros. Se permitiu descansar alguns minutos até aquela sensação lhe incomodar. Haviam sido descobertos.
Correu até a rua em frente a igreja e permaneceu na esquina, três arautos entraram pelas portas duplas. A igreja entrou em rebuliço, a missa ainda não havia terminado. Eles clamaram por Ariel e ordenaram sua presença. O Arcanjo tinha mesmo chamado atenção demais, temia que aquela evolução repentina tivesse alertado os soldados de Mikhail e estava certo, novamente. Precisava tirar Ariel dali, depressa. Correu de volta para a entrada lateral da igreja.
~*~
O chamado de Lamechial foi urgente, Ariel olhou Ângelo uma última vez e se levantou, abrindo as cortinas.
- O que está acontecendo? - viu o irmão entrar correndo, alarmado.
- Estão aqui, precisamos sair, agora! - Lamechial se adiantou e agarrou o pulso do Arcanjo.
- Sabe que não farei isso. - sua face estava séria diante do ímpeto covarde do irmão.
Lamechial bufou, não tinham tempo para aquilo!
- Ariel, por favor, precisamos de tempo para pensar num plano, nossas chances não são boas agora... - houve um baque alto na nave da igreja e toda a estrutura estremeceu.
- São melhores do que antes e já tenho minha espada.
- Você nem ao menos sabe como a convocou, Ariel, você precisa estar livre para lutar - puxou-lhe o pulso novamente, mas ele estava irredutível - me ouça!
- Eu estou ouvindo desde que chegou.
- Não está, não! Eu estou tentando lhe ajudar, mas estamos perdendo um tempo precioso! - a porta principal da sacristia começou a vibrar e Lamechial viu os olhos de Ariel indecisos entre a porta e o humano. Antes ele queria o fim da humanidade, mas justo agora tinha descoberto sua lealdade, que ótimo.
- Ariel, escute - mas ele não o olhou - ESCUTE! - viu os olhos irritados focarem em seu rosto, bom - Eles não farão nada aos humanos, estão atrás de você.
Ariel puxou o pulso da mão do outro, não fugiria, não estava mais ferido e seu objetivo era terminar a guerra que começou, não conseguiria aquilo ali, muito menos correndo dos soldados de Mikhail.
- Sabe tão bem quanto eu que isso não é verdade, os infieis que se colocarem contra as ordens do Príncipe, cairão.
Angelo ouvia a discussão e toda a destruição na frente da igreja, porque só podia ser isso que acontecia, todo o prédio tremia e havia uma pressão no ar, como quando uma gigantesca tempestade se aproxima. Os outros irmãos dela estavam ali? Então ela devia fugir, concordava com o 'boi lambeu', mas se ela fosse, talvez nunca mais a visse de novo. Era óbvio, mas doía, gostaria de ficar todo o tempo que pudesse com ela. Irritado, puxou os tubos e agulhas, não queria ser um inútil como fora toda a vida, e se surpreendeu ao levantar e não sentir dor. Na verdade sentia-se muito bem!
- Ariel, vai embora, eu vou ganhar tempo aqui pra vocês. - se levantou e colocou a mão no ombro feminino.
Lamechial disse a si mesmo para não se surpreender ao ver o humano de pé, atrás de Ariel, já tinha visto isso vindo, o Arcanjo havia curado o humano (e chamado ainda mais atenção, era mais fácil esconder um farol à Ariel) e esse se colocava de prontidão. Mas o ruivo apenas balançou a cabeça numa negativa.
- Não vou a lugar algum e isso vale para os dois. - olhou para o irmão - Se quiser fugir, Lame, vá agora e leve Ângelo com você.
- Você é maluca? Eles querem te pegar, não a mim! Daí você diz que vai ficar e me manda embora?
- Você já sofreu o suficiente por toda essa confusão Ângelo, não tem necessidade de v-
- Ah, calem a boca! - Lamechial queria xingar os dois por toda aquela palhaçada, pelo amor de Deus - Se apenas eu vou ser útil aqui, fiquem quietos para que eu possa pensar! Ariel não vai durar um segundo e você sequer vai ver de quem tomou a surra, além do mais isso aqui vai desabar - fechou os olhos e respirou fundo, toda a estrutura estava frágil, mas se saíssem seriam presas fáceis. Abriu os olhos, sair pelos fundos colocaria todos que ainda estavam na igreja em perigo e isso ia contra seus princípios. Seu raciocínio não durou mais que alguns segundos, a ofensa ainda estava estampada na cara do Arcanjo e do humano. - Ariel!
- O que foi? Não é para eu calar a- - foi cortado.
- Vá lá enfiar a porrada neles.
Oi? O Arcanjo não acreditou no que ouviu, o irmão perfeitinho tinha dito mesmo aquilo? Lamechial não era acostumado com embates, a adrenalina deve tê-lo deixado doido, era trágico e cômico.
- Como assim? - foi Ângelo quem reagiu, o plano não era tirá-la dali?
Ariel era lento e não tinha tempo para explicações, Lamechial virou para o irmão, levantou o punho fechado e o sacudiu no ar, aumentando o moral. Ângelo não estava entendendo absolutamente nada, como de repente o plano de fuga e sobrevivência tinha virado suicidio?
- Pegue a espada e acabe com eles, agora. - disse Lame. Viu o sorriso bélico de Ariel aparecer e seus olhos queimarem, ótimo. O Arcanjo correu para a porta. Se aproximou do humano. - Agora você vai lá e ajude ele, com a espada e tudo o mais. - empurrou tão forte as costas do moreno que ele tropeçou nos pés três vezes, até acompanhar Ariel, quando ele lhe olhou por cima do ombro, voltou a sacudir o pulso num "vai lá". Para pessoas sem profundidade de pensamento e momentos drásticos (e tinha os dois), gestos e onomatopeias eram melhores do que discursos.
Lamechial suspirou quando passaram pela porta, no mesmo momento libertou suas asas e subiu, atravessando, intangível, o teto.
~*~
Na nave, dois homens entraram pelas portas abertas interrompendo a missa, eram muito altos, usavam túnicas longas e era difícil encará-los, ninguém conseguia definir suas feições, muitos filmavam e tiravam fotos. Pararam no meio do corredor central e pediram a presença de alguém, mas suas vozes eram estranhas, metálicas e assustadoras, poderosas, fez todos os presentes estremecerem, alguns se ajoelharam. O padre os questionou, mas eles não responderam e após repetirem seu pedido pela terceira vez, bateram com algo no chão, o tinir fez os celulares apagarem e os ouvidos zumbirem tão forte que vários fieis desmaiaram, após isso veio a ameaça.
- Viemos em nome do Príncipe da Milícia Celeste, bem aventurados aqueles que se prostram às ordens do Pai, pois seu temor e obediência os salvará da ira de Deus. - disse um dos arautos.
- Sacerdote, entregue o procurado. - continuou o outro.
Padre Antônio sabia que havia algo estranho desde que aqueles dois chegaram, depois ouvindo a história ele não acreditou, nem mesmo agora, vendo com os próprios olhos. Havia estudado o suficiente para entender o que via, mas sua maturidade atrapalhava a fé. Era impossível, mas deixando isso de lado, o que iria fazer? Tentou ganhar tempo, as pessoas passavam mal e não sabia do que aqueles seres eram capazes, porque aquela história de 'anjinho da guarda' era apenas para a catequese, qualquer teólogo conhecia quão assustadores eram os anjos de Deus.
Após a ameaça, aqueles que não haviam apagado ou estavam de joelhos, tentaram fugir, o padre aproveitou para pedir ajuda, mas não foi atendido. Voltou e os arautos fecharam as portas da igreja, temia que tudo desabasse. Aquilo tinha saído de sua alçada, estava perdido e não sabia o que fazer. As luminárias principais da igreja chacoalhavam.
Ariel abriu a porta e encontrou tudo revirado, pessoas ao chão e várias se escondendo atrás das colunas, padre Antônio estava perto do altar, rezava de joelhos e no centro da nave dois anjos de pé lhe encaravam.
- Bora lá! Eu vou te ajudar - não fazia absoluta ideia de como, com aquela camisola ridícula mostrando sua bunda e dois terços pendurados no pulso, poderia ajudar um anjo a lutar com outros dois. Talvez peidasse na cara deles. Deus! Viu Ariel virar para olhá-lo com espanto - Nem adianta, não saio daqui e para de perder tempo que aqueles carinhas estão vindo pra cá. Como eu te ajudo com a tal espada? - Foi isso que Lamechial dissera, não foi? Para ajudar com a espada.
Ariel queria mandá-lo embora, mas os dois soldados já caminhavam até eles e talvez fosse mesmo precisar da ajuda de Angelo.
- Ok, escute, vá para algum lugar seguro - viu a cara amarrada do outro - olha, eu não estou te mandando embora, você quer ajudar, certo? É assim que vai. - estufou o peito e encarou seus adversários - Fique fora da linha de ataque e reze.
- Não preciso sair daqui pra isso. - eles estavam mais perto.
- Angelo, preciso que acredite em mim - Ariel não tirava os olhos dos arautos.
- Eu acredito, Ariel, e é justamente por isso que não vou sair - agora podia vê-los de perto, não se pareciam com Ariel e o irmão, eram estranhos, como duas estátuas vivas, sem expressões. - Você vai vencer, eu não duvido.
Bem, talvez fosse daquela teimosia que Lamechial sempre reclamava, Ariel pensou, e ele tinha razão, tentaria ser menos teimoso, mas agora não podia lidar com isso.
- Então não duvide, Ângelo, nem mesmo se eu ou você estivermos no chão. - o Arcanjo fechou os olhos e sentiu, ouviu as preces de quem estava na igreja, no hospital e a fé do humano, se alimentou de todas.
Ariel deu um passo à frente e ergueu a mão direita, sua espada se materializou, pronta. Abriu os olhos e encarou os dois anjos.
- Irmãos, por que tudo isso? Não é preciso que me cacem, desejo voltar para terminar a luta. - disse, sua voz reverberando mais alta.
- Não há luta a vencer, Arcanjo, você está preso e vira conosco para seu julgamento - disse o anjo mais alto, de lança na mão.
Ariel franziu as sobrancelhas.
- Não irei cativo e sim de minha vontade, retornem e avisem Mikhail. - seu tom era de aviso.
- Você e todos aqueles que lhe ajudaram serão punidos, não está em posição de ordenar nada. - o olhar do arauto pousou brevemente em angelo.
Isso foi o suficiente para o Arcanjo ter certeza do que havia dito a Lamechial, dependia dele, agora, salvar toda aquela gente e Angelo, principalmente Angelo. Depois faria Mikhail engolir toda a sua arrogância e estupidez. Sussurrou um "sinto muito" e se impulsionou para o irmão da lança, era dele a arma de maior alcance, precisava neutralizá-la. Ele não esperava um ataque, levantou a lança para defesa e quando as armas se chocaram, o som foi terrível. Angelo tapou os ouvidos com força, as pessoas na igreja gritaram.
A espada de Ariel forçou o anjo para trás, quando o outro arauto investiu contra ele, ficando entre os dois. Precisava ficar perto daquela lança. Trocaram três golpes de espada, até sentir uma estocada do lado do rosto, por milimetros escapou. Girou para a direita e atacou o flanco do lanceiro, um bom corte em sua cintura, mas nada muito profundo pois o guerreiro de espada intercedeu. Lutavam juntos, droga.
O guerreiro avançou e, no segundo contato, Ariel viu uma brecha, virou a espada e, com o punho, golpeou, com força, a lateral da cabeça do anjo, uma, duas vezes, ele tonteou. O lanceiro estocou contra seu peito, por cima do ombro do guerreiro, esquivou, mas a ponta da lança lhe atravessou o ombro. Antes que perdesse a oportunidade, o Arcanjo cortou fora a mão da espada de um dos anjos e segurou firme a lança cravada em si. Dessa vez ele não iria se distanciar.
Ângelo conseguia enxergar o que acontecia, estava borrado, mas via os anjos lutando e viu quando a lança a perfurou. Não era justo! Ela era uma e eles dois, e um tinha uma lança, caramba! Cadê o equilíbrio do universo nessas horas? Correu até o grandão e pulou em suas costas num mata leão, trancou os dentes em sua orelha direita, como um cão faminto. Trabalhava numa boate, achavam que não sabia se defender?
Então algo caiu pelo teto com um estrondo, trazendo junto vigas e o lustre central. O som do vidro se dividindo em milhões de pedaços no chão reverberou pelo silêncio nascido do choque. No centro da nave havia um demônio de pé, sua pele era branca como leite, usava uma túnica dourada e preto e segurava firmemente uma longa lança prata contra o pescoço do anjo caído aos seus pés. Suas enormes asas negras se fecharam e ele verificou o outro anjo, entre as vigas, o rabo chicoteou atrás de si, só depois ele levantou a cabeça.
Ariel chutava o guerreiro atônito, com a falta da mão, para o lado, enquanto segurava a lança quando o teto veio abaixo. Angelo agarrou-se mais ao lanceiro, entre ver o que acontecia e saírem daquela situação, bem, preferia sair daquela situação. Mas o lanceiro se virou, aliás, todos se viraram e Ângelo viu o choque no rosto de Ariel, devia estar assim também. Quem era aquele cara?
Os cachos dourados e curtos ainda reluziam e o sorriso que o demônio abriu também era o mesmo, caloroso e amigável. Mas seus olhos eram brancos e suas pupilas em cruz, no centro de sua testa também havia uma. Era alguma piada? Sob os olhos havia lágrimas douradas queimadas na pele.
- Rahatiel...
Ângelo virava a cabeça do cara para Ariel, de Ariel para o cara e agora, ela tinha dito um nome. Quem era esse tal Rahatiel?
Um trovão ribombou no céu e isso despertou a todos. O guerreiro correu até sua espada e o lanceiro jogou Ângelo no chão, mas Ariel não se mexeu. O demônio saltou sobre os bancos, planou e acertou um chute na cabeça do lanceiro, que foi ao chão, arrancando a lança do peito de Ariel, com o demônio sobre ele. Ariel se moveu e enfiou a espada no tornozelo do anjo guerreiro, enquanto o demônio fincava sua lança na coxa do abaixo de si.
- Ariel, vem, temos que sair daqui, estão vindo mais.
A voz também era a mesma, mas havia um eco estranho, como se o ouvisse à distância.
O estranho agarrou o pulso do Arcanjo e encarou o humano, Ângelo já tinha se levantado, numa concordância mútua, ambos correram para a porta da sacristia, carregando Ariel. A porta foi arrancada do batente, com a força que foi aberta, e a corrida continuou até a parte de trás da igreja e além.
Aliás, como aquele cara corria rápido! Ângelo se esforçou, mas estava ficando para trás, o som de mais partes da igreja vindo abaixo o fez usar as últimas forças, Ariel e o esquisito já haviam virado a esquina, quando conseguiu também, não os viu. Rodou no lugar, sem ar, tinham prédios e casas, onde teriam ido? Outro trovão soou e um flash de luz ofuscou o sol, aquilo não era boa coisa. Se arrastou pelas casas, pensou ter ouvido uma explosão seguida de uma gargalhada, era o circo dos horrores! Onde eles estavam?
- Psit! Aqui!
Ângelo ouviu e sentiu algo quicar na parte de trás de sua cabeça, tinha vindo da janela de uma das casas. Se aproximou, mas não viu nada, antes que pudesse fazer algo, uma mão fantasmagórica agarrou sua camisola e lhe puxou pela janela. Só teve tempo de fechar os olhos.
De alguma forma Ângelo havia entrado, e na sala da residência estava Ariel e o estranho, ele não via, mas lá também havia mais gente.
Ariel ainda estava catatônico, com os olhos arregalados, de pé, em frente ao estranho. Seu peito sangrava, mas ele não se importou. Ergueu a mão, hesitante, tocou-lhe os cabelos e apoiou-a em seus ombros. O outro sorriu, mas Ariel queria chorar, a vontade lhe apertava a garganta, mas nada saia de seus olhos secos. Já havia pranteado Rahatiel, havia dado a ele sua última lágrima.
- Não faça essa cara, Ariel, não está feliz em me ver, apesar de tudo? - sorriu de canto. Sabia que o amigo devia estar arrasado e entendia. - Melhor assim que morto, não acha?
Não, Ariel não achava. Apertou mais o ombro do outro, queria puxá-lo para um abraço, mas não abraçaria um demônio. Por que aquilo havia acontecido?
- Vamos lá, Ariel, sabe que te conheço desde sempre, sei que quer um abraço, vem cá - abriu os braços - Pode vir, eu não mordo... - abriu e fechou as mãos num gesto caricato - ... maaaas posso sair correndo a qualquer momento - riu, era assim que agia e o amigo sempre fora inflexível demais, devia estar lutando agora, em contradição.
Como o Arcanjo não se mexeu, Rahatiel lhe agarrou pelos ombros, prendendo-o num abraço de urso, e o girou para um lado e para o outro, balançando Ariel como uma criança, deixando escapar um ou dois gemidinhos fofos, do tipo que aparecia nos teletubbies.
A cara de Ângelo poderia ter virado o meme do século, naquele momento.
~*~
Oie, gente!
Alguém apareceu, surpresos? rs
Dessa vez vou fazer uma contagem do nosso fan-clube, o que acham? Tenho pena de Ariel kkk
Quem é seu favorito até agora?
Ariel, nosso Arcanjo, gato e muito louco? Deixe um comentário aqui.
Lamechial, nossa Virtude centrada e responsável? Comentário aqui.
Rahatiel, nosso lindo anjo (caído ou não), meigo e engraçado? Comentário aqui.
Astaroth, nossa demonia misteriosa? Comentário aqui.
Mikhail, nosso príncipe da milícia celeste, corretíssimo? Comentários aqui (ele pode ver, viu?)
Ângelo, nosso humano com mais fé que certos anjos? Comentários aqui.
Vamos ver no que vai dar isso tudo, ne?
Já escolheram seu lado?
3982 palavras
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