Assim na terra como no Céu
— Venha comigo, agora! Não temos tempo!
Não era capaz de ver nada, mas a mão em seu pulso era forte e tinha determinação. A voz lhe era familiar, mas ele não seria tão irresponsável...
— Ande logo!
O puxão lhe arrancou do lugar, não tinha mesmo um plano, apenas precisava pegar Angelo. Resistiu, enquanto tentava localizar o chafariz com a memória, tinha excelente senso de direção. O puxão lhe fez voltar a andar.
— Já tenho o humano, só corra!
Não foi preciso dizer mais nada, a trombeta soou novamente e um raio deve ter despedaçado o chafariz, pedaços de concreto voaram em todas as direções, alguns acertaram a perna de Ariel, fazendo cortes. Seu condutor não permitiu que diminuísse a marcha e lhe guiou pelo que devia ser o interior do mercado. Ariel fechou os olhos para que pudesse se orientar melhor. Pelos sons, haviam anjos na praça, 300 metros atrás deles e se distanciando. Por que não estavam em perseguição? Era um irmão quem lhe guiava, sabia, mas quem faria isso?
Depois de virarem à esquerda e à direita muitas vezes, ouviu som de metal arranhando e foi puxado para o interior de algo que balançou, com sua entrada, e depois de um baque, tudo escureceu.
— Fique quieto.
A voz era clara, límpida, apesar do quanto correram, enquanto a sua saia em chiados, esbaforida.
(sussurros)
— Eu... não acredito em você... Lame? — o outro riu baixo e fez um "shiii" — Como pode... ser tão... louco?! — disse, com pouco fôlego.
— Louco? Por vir atrás de você?
— Não era... aqui que deveria estar, no meio disso tudo...
— Meu amigo, eu estou aqui por ser exatamente onde devo estar. — sacudiu a cabeça, Ariel tinha o raciocínio limitado. — Agora fique quieto.
Algo farfalhou do lado de fora, e as lufadas de vento sacudiram a escuridão em que estavam, caixas rolaram por cima deles. Tateou em busca de Ângelo e o protegeu dos objetos, ele estava desacordado. O lugar era gelado e fedia, numa mistura de cheiros e mofo. Eles estavam rondando, procurando. Lamechial não soltara sua mão.
Durou pouco e as lufadas cessaram. Eles não foram descobertos. Como? Ficaram em silêncio mais um tempo, para garantir. Quando mais nada pode ser ouvido lá fora, Ariel respirou fundo, já havia se recuperado da corrida.
— Agora pode me explicar o que esta fazendo aqui? Mikhail sabe de sua traição?
— Traição? Eu não estou mancomunado com você Ariel, acho tudo o que fez, incompreensível! — melhorou sua posição e apoiou as costas na parede gelada — mas isso não significa que eu concorde com Mikhail.
— Só existem dois lados, e, ainda assim, ter me ajudado fará de você um traidor. Mikhail pensa assim.
— Não, Ariel, existem lados e existe os desígnios do Pai. — apertou mais a mão do amigo — Eu já lhe disse que não cabe a nós entender, era aqui que Ele me queria e aqui eu estou, a despeito de ser traidor, louco o que seja. — riu — Posso ser o que você quiser, mas ficarei ao seu lado.
O Arcanjo realmente gostaria de entender, o irmão falava tranquilamente sobre tudo aquilo como se já fosse esperado, como se seguisse algum roteiro do qual sabia o fim. Lamechial era da segunda hierarquia angélica, uma Virtude, teoricamente conhecia os planos do Pai, mas somente quando O interessava deixar saber. Lame era mais de pensar, Ariel era mais de fazer, talvez por isso o amigo lhe parecesse doido. Riu também.
— Esta bem, Lame, fico grato, mas esses desígnios não interessam a Mikhail e isso faz de você um procurado, também — olhou em volta, na escuridão — Agora que já explicou sua loucura, pode dizer onde nos enfiou e como escapamos?
Lamechial riu novamente, ia ser o louco, tudo bem.
— Seu amigo ajudou. Eu já tinha te localizado, Ariel, mas os Anjos de Mikhail também, só esperava uma brecha. E não fomos vistos porque não estou aqui na sua condição, além de ter poderes que desconheces, esquentadinho. — riu novamente, a cara do Arcanjo era um misto de interesse e petulância, era engraçado. Não havia escuridão para seus olhos. — Estamos em um caminhão frigorífico, o humano disse que poderia ajudar, e ajudou.
Um caminhão frigorífico? O que era isso? Ser gelado devia ser uma de suas características, mas por que isso ajudaria? A temperatura não incomodava Lamechial, mas Ariel e, principalmente, o humano sentiam frio, seria perigoso ficar ali por muito mais tempo.
Os anjos em perseguição já haviam se afastado há tempos, Lamechial mexeu-se e girou a fechadura, o sol brilhou dentro do caminhão, já era dia, pulou para fora. Ariel apertou os olhos, incomodado com a luz repentina, aqueles reflexos eram estranhos. Passou Ângelo sobre o ombro e o arrastou para fora. Era cedo, mas o mercado abria antes do nascer do sol, então já havia muita gente ciente da destruição da noite anterior, não era bom chamar a atenção.
— Lamechial, vamos. - disse Ariel, atravessando a rua, de cabeça baixa. Havia uma confusão de carros, grossos cabos pretos, vozerio e sirenes na praça principal, não sabia o que era, mas não queria se meter naquilo. - Precisamos sair daqui.
Lamechial seguiu Ariel por algumas ruas, ele chamava atenção, suas vestes estavam rasgadas, seus cabelos com sangue e carregava alguém. Algumas pessoas pegaram seus telefones. Passaram em frente a uma igreja, as portas estavam abertas.
— Ariel, espere - segurou seu pulso, parando-o — Vamos entrar aqui.— Indicou com a cabeça.
Olhou para o lado, uma igreja? Lame procurava abrigo?
— Mas estamos indo para a casa de Ângelo, não fui encontrado lá, será seguro.
— Mas não dará tempo — fez um meneio com o queixo e uma deixa com os olhos. — Você está chamando atenção demais.
Sim, estava, Ariel reparou, todos que passavam cochichavam sobre o sangue, sobre Angelo, apontavam e falavam com uma pequena caixa colorida...
— Esta bem. - Ajeitou o homem no ombro e subiu as escadas com Lame.
A igreja era linda, branca e dourada, anjos enfeitavam o teto, paredes e colunas, o enorme para-vento estava fechado e isso os ajudou. Foram pelo corredor à esquerda, a igreja estava em missa, mas mais da metade de seus assentos estavam vazios, era triste. O altar dourado guardava uma gloriosa imagem da Mãe do Senhor, parou por um momento, a estátua reluzia e um sorriso brotou em seus lábios, como podia aquela igreja estar assim, vazia?
Lamechial, que ia na frente, percebeu a demora, as pessoas os encaravam, não era momento para se encantar, agarrou, novamente, o pulso de Ariel e puxou. A sacristia devia ser por ali, e de fato, depois de 3 nichos, havia uma modesta porta de madeira, grossa e antiga. Verificou, estava aberta. Duas mulheres os olhavam, mas estavam ao lado do padre, não deviam vir agora, deixariam o sacerdote sem assistência, tinham alguns minutos. Entraram.
A sala era infinitamente mais simples que a nave principal, mas possuía pinturas incríveis, uma mostrava a Mãe e um Arcanjo, móveis antigos e pesados cobriam todas as paredes. Uma grande mesa central estava parcialmente vazia, Ariel afastou os objetos e deitou Angelo nela, sentando-se em uma das cadeiras disponíveis, estava cansado.
Lamechial passou direto em direção ao armário, tirou de lá duas túnicas, blusas e um punhado de toalhas, na mesa lateral pegou uma bacia que encheu de água, na pia. Voltou e pôs tudo na mesa, ao lado de Angelo.
— Se limpe e troque, eu cuido do humano. — disse a Ariel e passou a retirar a camisa destruída de Angelo. A queimadura em suas costas estava bem feia, o Arcanjo havia estancado a hemorragia, mas não melhorara muito.
— Voce parece saber bem o que esta fazendo. — disse, suspirando, ao ver Lamechial rodar pela sala, recolhendo itens. — Quantas vezes já precisou fugir? — disse irônico, levantando a sobrancelha e a bunda da cadeira.
— Eu riria da sua gracinha agora, se eu tivesse tempo, mas não tenho - Lamechial respondeu sem deixar as mãos pararem, partes do tecido estavam aderidas a carne do homem, ele precisava de um hospital.
O estado de Ângelo era grave, Ariel sabia, Lamechial sabia, e não poderiam curá-lo, não sem dar sua localização ao exército de Mikhail, mas não deixariam o humano morrer. Não por culpa de Ariel, não depois dele ter se sacrificado e dito a ele que o amava. Não agora.
Ariel se despiu enquanto um coro cantava Hosanna Filio David, lá fora, usou a bacia e toalhas para se lavar do sangue, enfiou a túnica pela cabeça e amarrou na cintura com uma faixa. Se livrou da água suja e trouxe uma fresca, usou as toalhas para limpar todo o torso do homem. Lamechial procurou algo nas pequenas gavetas de um armário de parede inteira e voltou com um pequeno frasco de vidro, que virou inteiro em cima da queimadura, e espalhou.
Uma comoção lá fora os avisou que a missa tinha terminado, minutos depois o sacerdote abriu a porta e entrou seguido das mulheres, mas, quando viu o homem seminu na mesa, as barrou na porta e mandou sair, sob seus protestos.
— Mas o que, por Deus, significa isso? Quem são vocês?! — o homem estava chocado! Duas figuras haviam entrado na sacristia durante a missa e pensou em assalto ou furto, mas elas não só haviam ficado lá dentro, como tinham deitado um moribundo na mesa, vestido suas túnicas e zoneado tudo!
— Padre, sou Lamechial e esse é meu irmão Ariel, precisamos de sua ajuda. — disse, terminando de espalhar o óleo — Ariel, pegue mais toalhas e água limpa. — levantou a cabeça em direção ao sacerdote — Preciso de remédios, agora.
— Vocês vão sair daqui ou chamo a polícia! — gritou o padre, estupefato, andando em direção à mesinha ao lado da porta.
Lamechial bufou, não queria perder tempo, nem eles, nem o humano tinham isso, mas a cara de Ariel de muitíssimo poucos amigos lhe dizia que era melhor intervir. Entregou o frasco na mão Ariel e esfregou as mãos na toalha, já suja.
— Continue espalhando, Ariel. — falou e saiu de trás da mesa, parando em frente ao padre, que se encolheu junto à mesinha.
— Senhor, venho à casa do Pai convocar direito de asilo, tenho uma pessoa machucada e preciso de ajuda. — disse sério, mas suave.
O padre encarava a figura diante dele, incrédulo. Direito de Asilo?! Mas em que século aquele homem achava que estavam? Sua mão buscava na gavetinha da mesa, seu celular, chamaria a polícia para aqueles baderneiros, mas algo cutucou sua mente... o rapaz a sua frente tinha um semblante tão gentil, tão novo, porém com tanta responsabilidade na fala. Achou o celular. Olhou sobre os ombros do homem e a mulher não havia parado de socorrer o ferido, se haviam vindo roubar, por que pedir asilo? Aliás, como uns fanfarrões conheceriam essa lei da igreja?
O sacerdote encarou fundo os olhos azuis profundo do homem à sua frente, viu verdade neles, compaixão e engoliu uma repentina emoção, sua garganta fechou com a vontade de chorar. Abaixou os ombros e a guarda, não sabia quem eram, mas sabia que era sua missão ajudá-los. Podia estar gagá, também, mas achava que não era tão velho ainda.
— Tudo bem. Me chamo Antônio e vocês são bem-vindos na casa do Senhor. — olhou para o homem deitado na mesa e as toalhas sujas de sangue. — Mas preciso entender o que esta havendo, vocês estão sendo perseguidos?
Ariel observava irritado e a atitude final do padre o surpreendeu, primeiro ele tentava impedir que um filho procurasse ajuda na casa do Pai, mas ao confrontar Lamechial, algo mudou, o coração do homem fora tocado. Lame fizera algo ou aquilo sempre estivera guardado dentro do humano? Checou Angelo, ele respirava pesadamente e sua temperatura estava alta. Lembrou-se de Martha e pegou as toalhas ao redor, a bacia, limpou-as na pia, encheu de água fria e trouxe para fazer compressas no homem.
— Sim, estamos, meu irmão precisa de abrigo e o homem de cuidados. Não pretendemos ficar por muito tempo. — Lamechial respondeu honestamente.
Mais uma vez o sacerdote não sabia o que pensar. Então eles haviam, mesmo, se metido em confusão. Estaria se pondo em risco e a todos ali, se aceitasse aqueles três? Temia pela igreja, pela congregação e por si mesmo, se fosse preso, a arquidiocese o afastaria!
Lamechial observou o temor nos olhos do padre, era um homem de meia idade, baixo e magro, não parecia ter particularmente nenhuma vocação, nenhum elo especial com o Pai, apenas trabalhava, mas tão pouco era ruim ou mau. Ergueu a mão e a pousou em seu ombro, viu o humano se retesar.
— Tens minha palavra que serás salvo e os seus, vou protegê-los, mas escolhestes este caminho e tens o compromisso de honrá-lo, foste abençoado, bom homem, alegre-se.
A pele da mão do jovem irradiou calor por seu corpo e o bolo na garganta se intensificou. O que era aquela sensação? Havia luz dentro das íris índigo, por um momento havia luz em toda a sacristia.
— Lame! Não podemos ficar aqui conversando! — Ariel interrompeu, já havia feito as compressas na cabeça e costas do rapaz, mas o lado de seu peito e sua cabeça também estavam feridos, precisava curar-se, não havia tempo a perder com questionamentos vãos.
A voz imperativa quebrou o momento, Lame baixou o braço, acenou com a cabeça para o padre e voltou à mesa. Antonio demorou alguns segundos, algo aconteceu ali, algo que não entendia. Sacudiu a cabeça e ligou o celular.
— Vou ligar para alguém de confiança, não saiam daqui. — disse e abriu a porta para a nave, mas não conseguiu sair, as duas mulheres que lhe escoltavam antes, irromperam sala adentro.
Como já não era possível fingir que nada estava acontecendo, Antonio resumiu como assuntos da arquidiocese e as beatas ofereceram prontamente ajuda, juraram segredo e correram a pegar as mais diversas ferramentas pela igreja. O padre as deixou com eles e saiu. Quando voltou, havia cancelado as missas e compromissos do dia e trazia consigo mais alguém.
Na sacristia já estava montado um pequeno centro de tratamento, uma das beatas era enfermeira aposentada e isso ajudou. Ariel descansava em uma cama improvisada com bancos e tinha o tronco enfaixado. O sino bateu a nona hora da manhã.
~*~
Quando Lucas recebeu o telefonema do padre, estranhou, pois ele não tinha o costume de ligar. Sua família frequentou a igreja de NSa. de Santanna por muito tempo e se lembrava de quando o padre assumiu, era pequeno. Depois do acidente de carro, órfão, tinha mudado de cidade e ido morar com a tia, a contragosto. Fugira e, sem saber para onde ir, se escondera na igreja. Foi difícil, sofrera muito e, claro, arrumara uma bela confusão para padre Antonio, mas ele ficara ao seu lado. Graças a ele não fora parar em um orfanato, foi coroinha, estudou e se formou médico. Depois disso o vira poucas vezes, ia à missa quando dava, nos natais e talvez na páscoa.
Então, quando ele ligou pedindo que aparecesse com urgência, paramentado, sem explicações e nem perguntas, não titubeou. Agora, quase se arrependia de não ter questionado um pouco mais. Na sacristia da igreja havia 2 pessoas feridas e um rapaz que parecia cochilar no banco. Sua expressão devia ter lhe entregado, porque o padre lhe deu tapinhas amistosos nas costas.
— Eu sei, meu filho, mas preciso da sua ajuda. Por favor, veja o que pode fazer. — apontou o homem mais magro, na mesa — Dona Catarina era enfermeira, você lembra? Ela cuidou da mulher, não é tão grave, mas o outro...
Lucas entrou com sua mala, sob os olhos de Lamechial, o rapaz era especial, usava seu dom para retribuir a graça que havia recebido, era bom. O anjo sorriu. Merecia a confiança do padre. Ariel dormira e em breve estaria recuperado, precisavam estabilizar o estado do humano, porque, por algum motivo, seu irmão se conectara a ele, não fora coincidência achá-los juntos, em tudo havia o Pai. Não podia falhar com nenhum deles.
~*~
Lucas trabalhou em Ângelo por toda a manhã, as beatas banharam o homem, cobriram a mesa e ele debridou suas costas, fez os curativos e o medicou. Estava feio e tinha um formato estranho, aquele homem tinha muita sorte, pois ,pela sua experiência, ele poderia estar morto. Os sinos do meio dia já haviam tocado há um bom tempo.
— Padre Antônio — chamou Lucas, retirando as luvas e jogando na grande lixeira que havia virado a cesta de ofertas, o padre havia sentado, ao lado do rapaz suspeito, com uma aparência cansada. Ele levantou quando o chamou — Vou deixar ele no soro, tem antibiótico, analgésicos e um sedativo forte, ele não pode acordar no estado em que está. — continuou enquanto arrancava o capote de tnt e esfregava na testa antes de arremessar na lixeira.
— Tudo bem, meu filho, obrigada e me desculpe por isso. — disse de cabeça baixa. Sabia que em algum momento iria ter que explicar algo a Lucas, mas não sabia o que dizer.
Lucas balançou a cabeça e sorriu. Colocou as mãos nos ombros do sacerdote.
— Padre, o senhor nunca vai precisar pedir desculpas para mim e nem explicar nada — viu o senhor levantar a cabeça e encará-lo — Eu posso não saber o que está acontecendo, mas sei que o senhor sempre está ajudando, então eu vou ajudar o senhor. — terminou dando um beijo na testa do sacerdote.
Padre Antônio concordou com a cabeça, emocionado.
— Eu vou ao hospital pegar algumas coisas e já volto — apontou, com o queixo, a pessoa que dormia no banco — ela está mesmo bem?
— Sim, filho. Dona Catarina disse que foram escoriações, somente.
Lucas acenou com a cabeça, pegou a mala e saiu. Não tinha tempo a perder e precisava arrumar alguém pra cobrir seu plantão.
~*~
Ariel foi acordado por um aperto suave no ombro. Havia se deitado um pouco, o corpo estava pesado e sentia-se drenado, mas parece que dormira.
— Menina, precisa comer, venha, sente.
A senhora à sua frente segurava uma bandeja com pão e uma tigela fumegante, aceitou cordialmente e ela se retirou. Lamechial não estava na sala e o sol entrava por um ângulo diferente. Passara-se muito tempo? Angelo continuava na mesa, mas agora estava coberto com panos finos e transparentes, e presos à seu braço havia cordinhas. Ele não parecia melhor. Fechou os olhos e se concentrou: Lame estava lá fora, mas fora ele, não haviam mais anjos ou demônios por perto. Tranquilizou-se e comeu.
Depois da refeição, foi checar Angelo, tudo aquilo parecia-se com o Hospital onde o rapaz o havia levado, aquele local nefasto e triste. Balançou a cabeça em negação, Martha ainda resistia? Quanto tempo demorasse, menores eram as chances dela, se é que ainda havia chances. E aquele lugar? Se afastou do humano, olhando novamente o ambiente, transformado, os móveis empurrados, adaptados, lençois, travesseiros e roupas, duas cadeiras onde as mulheres montavam vigília. Era uma igreja, afinal, podia esperar compaixão dos mensageiros do evangelho, certo? Mas não fora isso que ocorrera, fora Lamechial, ele fizera algo com o padre, senão não teriam podido ficar. Humanos erguiam lugares tão belos para o Pai, e o enchiam de dor, pecados e mentiras. Era triste, mas suas vidas, pelo que via, eram tristes.
Seus pensamentos foram interrompidos.
— Ariel? — chamou o padre, vendo-a virar a cabeça. Sua beleza era incrível. — Pode vir comigo?
Ariel caminhou até a nave da igreja, que tinha lhe impressionado antes, Lamechial estava sentado nos primeiros bancos. O padre apontou o anjo e entrou de volta na sacristia. Continuou até se sentar ao lado do irmão.
— Voce quer saber o que eu vou fazer ou quer me dizer o que fazer? — perguntou, cruzando os braços, enquanto observava.
— Nenhum dos dois, Ariel, só quero entender seu próximo passo. Você planejou algo, certo? — rezava para que sim, mas com aquele ali, duvidava que fosse mais do que um correr e pegar.
— Na verdade, o plano era parar Mikhail pela força, colocar algum bom senso em sua cabeça e... — parou de falar ao ver a cara chocada do irmão — ... claramente não deu certo, mas daria! Foi um imprevisto. — segurou o ombro, lembrando-se do raio.
— Ariel, isso não é um plano, é uma vontade. — acusou, virando-se para ele.
— Estava bom para mim, o perfeccionista aqui é voce.— defendeu-se.
— Ok, Ok, mas e desde que chegou aqui, não pensou em nada? — se exaltou um pouco. O pensamento de Ariel era simples, sabia, mas ele estava exagerando. Ô Pai, ajudai.
— É claro que pensei! Em voltar e terminar a batalha. — disse o obvio, mas a expressão de Lame fazia parecer que era nada obvio.
— Voce fala serio? Como esperava voltar? E nesse estado?
— Eu não sei como eu ia voltar, mas eu ia, Lamechial! Voce achou realmente que eu ficaria aqui em baixo descansando, enquanto meus irmão travavam a minha batalha?! Enquanto morriam? Como um desertor? — apertou os punhos com força — Minhas asas não deflagram e não tenho minha espada, mas acharei um caminho para casa, seja como for! — rosnou a ultima parte. A frustração e a raiva de estar preso ali há dias, quase transbordava e alimentava as ideias perigosas que tinha.
Lamechial observou a fúria do amigo, sua aura vermelho fogo, crepitando. Ouvira a conversa anterior à sua chegada, na praça, com o caído. Ariel era um anjo de atitudes impensadas e extremas, era justo e leal, mas não era muito inteligente e suas emoçãos o moviam. Não temera o Príncipe da Milicia Celeste, a punição, nada o impedira de lutar por seus princípios e nada o impediria de continuar, nem Deus ou o Diabo. Estava claro, agora, o motivo do Pai tê-lo mandado ali, Ariel era um leão preso e independente de quem abrisse a jaula, ele iria sair.
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Olá gente! Começarei a colocar umas notas aqui.
Fun fact: Voces sabiam que a igreja utiliza 3 óleos diferentes nos seus sacramentos? E que um deles, o da Crisma, tem bálsamo? Ele é medicinal e usado para feridas. É esse o frasco que o Lame usa.
Espero que estejam gostando da história. Na sinopse eu expliquei que "Lágrimas de Sangue" era originalmente um presente para uma amiga, mas fora cortado abruptamente por falta de tempo. Então, a partir desse capitulo a história se desenrola. Na original, pulava do capítulo anterior para o fim.
Eu sei, é péssimo. Rs
E aí esta nossa Ariel, tal qual os humanos a vêem, e claro, isso inclui Angelo. Essa não é sua real aparencia, mas ela é linda, né? A arte é original.
O que acharam do Arcanjo mulher?
Também se apaixonariam por ela?
E de Angelo?
3762 palavras
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