Capítulo 28 - Lady Marsalla
Drake a levou pela mão pelo grandioso jardim, onde um mosaico do teto da catedral brilhava em desenhos pretos, brancos e dourados, como uma jóia ao sol do meio-dia. Johanne olhava fascinada os ramos de diversas rosas brancas e negras se entrelaçarem por entre as fissuras do mosaico e Drake tocou seu rosto de leve. Diante deles estava parado um outro tipo de carruagem feita de madeira entalhada pintada de vermelho-brilhante, puxado por dois cavalos cinzentos. O cocheiro era jovem, resplendentemente vestido de casaco de veludo e calças de couro preto, com um sobretudo encobrindo o seu rosto que escondia tatuagens mais escuras que as rosas do jardim... Só poderia ser um Elfico que fez uma profunda reverência, convidando-os a subir.
— Esta carruagem faz parte do cenário dos jardins sombrios do castelo desde o século XVII... — Explicou Drake, enquanto se acomodavam. — E ainda é a melhor maneira de passear pelo centro do labirinto de rosas negras.
Ele passou o braço pelos ombros de Johanne e puxou-a. Ela se arrepiou ao sentir o contato do corpo forte de Drake contra o seu, o cheiro másculo excitando-a. Drake percebeu a perturbação dela e estudou seu rosto, os olhos sombrios e inescrutáveis brilharam de satisfação.
— Vamos esquecer o passeio e ir para o meu local secreto? — Ele murmurou.
Johanne baixou os olhos, o coração disparado no peito. Então tinha chegado afinal o momento. Tudo o que tinha a fazer era dizer sim e, em questão de minutos, estaria na cama de Drake Brishen, vibrando com os carinhos dele, deixando que ele a ensinasse o que era ser uam fêmea de verdade. Tornou a olhar para ele, os olhos brilhando, mas, quando abriu a boca para falar, ele a silenciou com o dedo.
— Não!... — Disse. — Eu retiro a pergunta. Hoje não é o nosso dia. Podia ter sido, mas a interferência de outras criaturas estragou tudo. Nosso momento chegará quando não tivermos mais de esperar por nenhuma interrupção de Morgana. Ou quando você não tiver de se levantar e partir às pressas depois de umas poucas horas.
Um sorriso levemente irônico aflorou aos lábios dele quando viu a decepção se estampar nos olhos de Johanne.
— Eu sei... — Ele disse, beijando-a de leve nos lábios. — Eu também não gosto da frustração, mas você, e eu não estamos tão desesperados a ponto de precisar aproveitar qualquer momento livre, como jovens adolescentes. Vamos esperar até o momento certo. Depois que eu voltar ao castelo... — Beijou-a na ponta do nariz. — Devia ter trazido um chapéu, vai se queimar de novo. Esqueceu que humanos são frágeis diante do sol e da lua do reino de Marlóvia.
Drake fez um sinal ao cocheiro, que começou sua canção elfica, com forte sotaque do reino da terra, apontando os lugares de interesse com o chicote. O balanço da carruagem pequena, o ruído das patas do cavalo no calçamento de pedra, tudo se encaixava com perfeição numa atmosfera mágica, de outros tempos.
Às seis horas, pontualmente, chegaram ao castelo do clã Brishen. Ele abriu a porta e Johanne entrou, rindo e cantarolando baixinho uma valsa humana que fez Drake sorrir também.
— Oh, Drake, que dia maravilhoso! — Ela disse. — E que arquitetura mais linda!
A sala era ampla e aberta, carpetada de branco-negro, prata e vermelho, com móveis baixos e simples dividindo-a em vários ambientes. Depois da opulência florada do castelo, aquela simplicidade parecia quase árida.
— Parece que foi decorado por alguma fada travessa! — Comentou Johanne.
— Errado!... — Disse Drake. — Eu o decorei. Precisava de coisas bem simples, para realçar minha coleção de abstratos. Como deve saber eu gosto de muita coisa que sua raça consome.
— Lindo e estranho também!— Repetiu Johanne.
— Meu bem, você está bêbada? — Sorriu Drake, diante da alegria de Johanne.
— Não, não estou, não! — Ela protestou. — Você sabe que só bebi o vinho no almoço. Estou tonta com tanta beleza. Tudo é lindo: os jardins imperiais, a antiga floresta sombria, a guilda de caçadores... — Ela bocejou. — Nem sei como ainda estou de pé.
— Pois então sente-se. — Sugeriu Drake, levando-a para um dos sofás.
Ela se deixou cair no estofamento macio, ainda cantarolando, e Drake, sorridente, ajoelhou-se diante dela, tirou suas botas e começou a massagear seus pés.
— Hum... que bom! — Ela suspirou satisfeita, fechando os olhos. Ria de cócegas, tentando controlar a sensação erótica que as mãos dele lhe despertavam. Se não estivesse tão cansada...
— Coitadinha da pobre humana Johanne. — Disse Drake. — Eu a cansei demais. Devia ter pensado que seria impossível mostrar Marlóvia inteira num só dia. Agora descanse, que vou fazer café. É essa a bebida que vocês humanos bebem para se sentirem revigorados durante o dia, não é mesmo?
Ela tentou dizer que queria o seu sem creme, mas sua voz não saiu. Mergulhou num cochilo gostoso, sentindo-se segura e quente... E de repente acordou e pôs-se sentada.
— Que horas são? — Perguntou confusa, quando conseguiu focalizar os olhos em Drake, sentado na poltrona diante dela, a obseravndo imóvel.
— Sossegue... — Ele disse. — Você só dormiu meia hora. Seu café ainda está quente.
— Desculpe... — Disse, sacudindo a cabeça e pegando a xícara fumegante da mesinha. — Pensei que tinha perdido a carruagem de volta a propriedade. Morgana já chegou?
— Não!... — Disse Drake irritado. — Só vai chegar no último minuto. É claro que não vai se arriscar a perder a carruagem, mas vai aproveitar ao máximo, pois a mesma sabe o quanto é difícl de manter Ella longe.
— Morgana é uma vampira estranha. — Comentou Johanne.
— Mimada, um pouco irresponsável isso sim. — Drake fez uma careta. — Ella faz tudo o que ela quer. Mas nem consegue notar que o que a garota mais deseja é a liberdade que Ella nem cogita em lhe dar.
— Não sei, não... Ella é só um pouco... — Disse Johanne, lembrando as coisas que a Morgana lhe tinha dito sobre a irmã que se fazia de sua mãe adotiva.
— Ella a vive recriminando e lhe dando sermões intermináveis sobre aquela obsessão idiota de andar junto das bruxas verdes. Na minha opinião Ella pega pesado com a Morgana, a garota é curiosa e parece deter um grande fascínio pela magia.
— Bom... eu sei que não é da minha conta... — Retrucou Johanne. — Mas...
— Pessoalmente, eu acho que a insistência de Ella em fazer Morgana estudar algo de útil é bastante razoável. Acho também que ela tem todo o direito de exigir que Morgana a ajude no trabalho dentro da propriedade. É claro que Morgana não pensa assim, mas creio que é natural, pela maneira como foi criada. Cortou o raciocínio de Johanne.
— O que quer dizer?
— Tenho certeza de que Morgana lhe contou a triste história da família, especialmente sobre o pai, um brilhante caçador que morreu antes de atingir os píncaros da glória dentro do reino de Morlóvia, não foi? Não, não me olhe assim, Johanne. É claro que foi uma tragédia para as duas perder o pai. Mas ele não era o herói que Ella diz ter sido. Na verdade, ele era quase criminalmente irresponsável, malbaratando a própria vida e o futuro de suas herdeiras em busca de um sonho que era evidentemente incapaz de alcançar.
— Então... — Perguntou Johanne. — Jusley não era um caçador e nem um nobless promissor?
— Promissor? Ele não chegava a ser nem de segunda classe. Era um relês vampiro brilhante, mas como caçador arriscava demais e não levava a sério as precauções mais rotineiras dentro de nossos domínios. Ele morreu por causa de um inimigo que subestimou. Jusley não conseguiu nem a proteção de nenhum dos líderes dos outros reinos para as suas duas últimas caçadas. Teve de financiar sua própria equipe, gastando nisso todo o seu capital e ainda fazendo dívidas. Morgana não sabe, mas Ella e Damon já estavam pagando os estudos dela muito antes de o pai morrer. Eu mesmo usei os meus contatos dentro do reino de Marlóvia para conseguir que Morgana entrasse na academia real.
— Nesse caso, pelos deuses, por que é que alguém não conta a Morgana? Será que ela não teria mais... consideração com Ella se soubesse quanto lhe deve?
— Não sei. Talvez... Mas... — Continuou Drake. — Mas Ella é a tutora dela e se recusa a contar. Acho que... Ella perdeu os pais muito cedo e não quer que nada de negativo possa pesar sobre a memória do pai de ambas. Nesse caso acho que ela está cometendo um grave erro, pois a garota obviamente se ressente com as exigências da irmã. Mas eu não quero interferir. Na medida do possível, tento não interferir na vida delas. Nem elas na minha. O fato delas terem alterado os seus planos de viagem foi muito estranho. Vou ter de falar com as duas a esse respeito quando voltar.
— Não entendo por que fez isso... — Disse Johanne, corando.
— Não? — Perguntou Drake. — Bom, talvez daqui a uns vinte anos você entenda.
Os olhos dos dois se encontraram e mais uma vez Johanne sentiu por todo o corpo a intensidade com que reagia ao tácito desejo de Drake. Por um breve instante ela achou que ele ia avançar e tocá-la, mas ele desviou os olhos e consultou a ampulheta de areia dourada sobre a escrivaninha.
— Você toca piano para mim, humana Johanne? — Ele disse, respirando fundo. — Eu nunca a ouvi.
Ela foi até o piano, caminhando com os pés descalços pelo tapete. Deslizou os dedos pelas teclas, experimentando o instrumento. Era um piano um pouco mais moderno do que o que estava no castelo, mas de excelente qualidade, apesar de não poder ser comparado àquela maravilha da sala de música.
— Comprei esse para Aurora também. — Explicou Drake. — Pensei em trazer o piano grande do castelo, mas achei que seria um crime colocar em risco um instrumento tão perfeito.
— Seria mesmo! — Concordou Johanne. — Ele é simplesmente perfeito naquela sala cheia de pinturas e artefatos antigos. — Ela sorriu, depois ficou séria. — Drake, posso dizer uma coisa sobre Aurora? Acho que é importante. Ouvi sua filha tocar e realmente acredito que ela tem talento, mas... mas acho que a professora não é adequada. Claro que não sei nada sobre a mesma. Deve ser competente, mas parece não estimular Aurora adequadamente. Ela precisa de alguém que a faça entender que a base que está aprendendo agora não é apenas um estágio cansativo, mas sim os primeiros e mais importantes passos para chegar ao alto...
— E você acha que a professora de minha filha não faz isso?
— Não sei... — Continuou Johanne com cautela. — Não estou sugerindo que a mande embora, mas talvez, se você falar com ela, ela entenda as necessidades especiais de Aurora. Ou então... — Johanne hesitou um momento.— Ou então, por que não a ensina você mesmo?
Imediatamente Johanne sentiu que tinha corrido o risco de enraivecê-lo. Durante algum tempo ele nada disse, olhando Johanne com olhos profundos. Depois baixou os olhos para a mão ferida, acompanhando a cicatriz branca contra a pele pálida.
— Você seria um ótimo professor, Drake. Sabe disso. A música está em seu sangue. É parte de você mesmo. E sempre será. O fato de não poder mais tocar não muda nada.
Drake prosseguiu em silêncio por um tempo tão longo que Johanne pensou que seus nervos iam estourar.
— Não! — Ele disse de repente, a voz rouca. Caminhou até a grande janela e ficou olhando a bela cidade, de costas para ela. — Sei que tem boa intenção, humana, e aprecio seu interesse. Vou realmente procurar um professor mais adequado para Aura. Mas devo lhe pedir que não se preocupe mais com os sonhos e ambições dos quais eu desisti antes de você nascer.
Johanne fraquejou, tocada pela enorme frieza dele. Tinha estragado tudo! Com algumas poucas palavras, bem-intencionadas, mas absolutamente desastradas, tinha rompido a crescente aproximação entre eles.
Tinha feito um inimigo. Ou, na melhor das hipóteses, não mais um amigo. Devia ter entendido antes que o orgulho de um nobre vampiro nunca admitiria que uma estranha mencionasse algo tão complicado.
Pensou em desculpar-se, mas achou que podia piorar ainda mais as coisas. Era melhor calar-se e esperar que ele voltasse a ser gentil com ela outra vez. Olhou-o, rígido, duro, silhuetado contra a janela ensolarada e, suspirando, tornou a fechar a tampa do piano. Morgana chegou exatamente no momento certo, falando alto, cheia de novidades sobre o encontro com algumas bruxas e sobre o vestido que tinha encontrado numa loja indicada por uma delas.
Durante o longo caminho até a estação de carruagem Drake esteve calado e introvertido, reagindo com pequenos sinais de cabeça ao discurso interminável de Morgana e aparentemente alheio ao silêncio de Johanne.
Mas quando as duas já estavam na fila para embarcar, ele pareceu abrandar.
— Obrigada por um dia inesquecível, lorde Drake. — Disse Johanne, estendendo a mão hesitante para ele.
Para sua surpresa, Drake agarrou-a pelo pulso e puxou-a para si, beijando-a com ardor.
— Desculpe-me por ser tão... irredutível, humana Johanne. — Ele murmurou. — Acho que tantos os vampiros como os homens, como crianças pequenas, ficam sempre emburrados e manhosos quando não conseguem o que querem.
Johanne sentia ainda nos lábios aquele beijo forte quando se sentou em seu lugar na carruagem.
— Você não está se apaixonando pelo lorde Drake, está? — Perguntou Morgana, examinando-a com olhos agudos, sentada a seu lado.
— O quê? — Johanne piscou, surpresa. — Não. Não estou, não.
— Ótimo!... — Falou Morgana, levantando as sobrancelhas como Ella fazia. — Porque não iria dar certo, você sabe disso. Uma humana e um vampiro, jamais conseguiram ficar juntos, a diferença é gritante. Minha irmã me contou que faz mais de três séculos que houve uma transformação perfeita entre a sua raça.
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