Capítulo 27 - Lady Marsalla
A menina se encolheu como se tivesse sido estapeada. De repente os olhos ficaram avermelhados e brilharam, molhados com lágrimas de sangue vivido, e ela fugiu da sala, soluçando. Johanne deu um passo para segui-la, mas resolveu não ir atrás da menina.
Estava se envolvendo demais com ela. Não lhe devia explicações, não tinha nenhuma responsabilidade sobre a criança. Apesar de encantadora, a menina já exibia alguns daqueles traços possessivos e autoritários que via nos vampiros do clã Brishen adultos. Seria bom ela aprender bem cedo que nem tudo podia ser como queria.
Por que então Johanne se sentia tão culpada de ter, involuntariamente, magoado a criança?
Decididamente, Johanne afastou a lembrança da menina chorando e foi para o seu quarto. Escolheu para levar um conjunto de roupas que combinavam entre si, para não ter de carregar muita bagagem, uma vez que não sabia direito o que ia fazer em Marlóvia. Sorriu da ironia desse pensamento. Já estava fechando a mala quando se lembrou de que não estava levando nenhuma camisola. Com dedos trêmulos escolheu uma que era muito fina, na cor Marsalla, a saia ampla saindo de um corpete de renda transparente e estendendo-se até o chão. Apesar de dormir sempre sozinha, Johanne adorava roupas íntimas, talvez porque o tecido macio e sedoso das camisolas acariciando seu corpo nu compensassem a falta de outras carícias. Sabia que estava embarcando em apenas uma aventura com Drake. Nada mais que a satisfação recíproca de suas necessidades. Não era amor. Ela não queria mais saber de amar. O amor machucava e doía. Mas, fosse o que fosse, sabia que ia ser glorioso.
Na grande cama de dossel ela se entregou aos mais fantásticos sonhos e, ao despertar na manhã seguinte, chamada pela serva seu rosto brilhava de excitação. Tomou o café e vestiu-se rapidamente, a boca curvada num sorriso secreto, pensando nos próximos dias. E noites.
Seu sorriso só murchou quando, ao entrar na Carruagem, descobriu que já havia outro passageiro lá.
— Surpresa! — Disse Morgana, sorrindo. — Ella me disse que você ia passar alguns dias em Marlóvia, então resolvi vir junto. Preciso de um vestido novo para o baile. Ella também me deu permissão e me fez uma lista enorme de itens que a mesma está precisando para o baile.
O corrente prateado, Johanne notou de seu lugar na carruagem, não era nada prateado, mas sim de um verde que beirava a uma pedra de safira, como a maioria dos rios que cruzam as cidades grandes do reino de Marlóvia. Mas aquela decepção parecia combinar bem com seu estado de espírito. Já estava deprimida desde o castelo, quando entregara a mala de volta para a criada, dizendo, envergonhada, que não tinha compreendido bem os arranjos da viagem.
A curta viagem do reino de Aneone até Marlóva passou depressa, com Cinisia a seu lado mergulhada na leitura de um manuscrito de artes marciais e Johanne tentando enxergar alguma coisa através das gigantescas árvores que dominavam quase todo o percurso.
Devia ficar emocionada por estar a caminho de um reino cujo simples nome era sinônimo de requinte, onde tinham vivido grandes líderes. Mas, em vez disso, sentia-se frustrada por ter interpretado mal o convite de Drake. Pelo menos, podia evitar que ele soubesse de seu erro. O que é que ele não iria pensar se ela chegasse obviamente preparada para passar a noite com ele?
Ao descerem da carruagem e caminharem pelo centro da cidade, Morgana ficou um pouco para trás, brigando a tira das suas botas, e Johanne foi empurrada pela fila, forçada a seguir adiante. Ao chegar ao final da escadaria olhou em volta, confusa pela multidão agitada e a babel de línguas de várias criaturas faladas ao mesmo tempo. Seus olhos escuros procuravam ansiosos por Drake e ele de repente apareceu, mais alto que todos, caminhando em direção a ela com um ar de autoridade latente que fazia as pessoas abrirem caminho para ele. Johanne chegou a notar alguns olhares femininos invejosos que o acompanharam. Pois haviam muitas vampiras, ninfas, elfas e fadas guerreiras.
Drake parou diante de Johanne e nada disse, mas seus olhos azuis brilhavam em boas-vindas. Ele pousou as mãos de leve nos ombros dela e ela sorriu.
— Olá... — Murmurou.
— Olá, humana Johanne. Estou contente que tenha vindo. — Ele sussurrou, inclinando a cabeça e beijando-a rapidamente nos lábios.
Estavam absolutamente alheios à multidão que os rodeava. Johanne inclinou a cabeça para trás e levantou a mão para tocar o rosto dele.
— Aqui não... — Ele suspirou, relutante, pegando os dedos dela carinhosamente e dando-lhe o braço.
— DRAKE, JOHANNE! Esperem por mim! — Gritou Morgana, correndo para eles.
Johanne sentiu o corpo de Drake ficar tenso de raiva. Ele olhou por cima do ombro.
— Tem tanto medo de mim que precisou trazer companhia? — Perguntou baixinho, duramente, olhando para Johanne.
Ela tentou balbuciar uma desculpa, mas Cinisia chegou até eles, vivaz e risonha. Risonha demais, pensou Johanne, como se não estivesse segura de ser bem recebida.
— Oi, Milorde Brishen! — Ela sorriu, beijando-o no rosto. — Espero que você não fique bravo por eu ter me convidado também para passar o dia com vocês. Ella achou que era uma boa oportunidade para eu comprar meu vestido para o baile. Tenho estado tão ocupada que...
— Então veio só para passar o dia? — Interrompeu Drake.
— Claro... — Ela respondeu, na defensiva. — Nossa carruagem de volta sai às meia-noite.
— Nossa? — Repetiu Drake, apertando os olhos. — Entendo. Bom, então temos pouco tempo. É melhor irmos andando.
Johanne tinha de correr um pouco para manter o ritmo dele, mas Morgana, pendurada no outro braço de Drake, não tinha esse problema, com suas pernas mais longas e agéis de vampira.
— Tem bagagem? — Perguntou Drake quando chegaram ao fim do corredor.
— Não! — Ela respondeu, lembrando da mala que tinha deixado arrumada. — Não trouxe nada. Afinal, para um dia só...
Caminharam depressa até a saída e Drake estacou de repente, voltando-se para Morgana.
— Tem dracmas suficiente? — Perguntou.
— Tenho algum. Ella me mandou pôr o vestido na conta, mas acho que tenho o suficiente para levar Johanne ao...
— Pode deixar que eu cuido de Johanne! — Cortou Drake, tirando do bolso a carteira e entregando a Morgana moedas de valor alto. — Tome. Já cumpriu sua função de acompanhar Johanne até mim. Está livre de maiores obrigações. Pode passar o seu dia na cidade sem a amolação dos parentes. Depois de encontrar o vestido que quer pode ir ao centro de pesquisa da cidadela ou a alguma guilda de caçadores que você tanto gosta. Pode ir onde quiser, com a condição de que esteja em meu palacete a tempo de voltar na nossa carruagem. Onze e meia está bem?
— Mas como é que eu chego até a cidade? — Perguntou Morgana, absolutamente surpresa com a atitude de Drake. — Não posso ir com vocês?
— Não!... — Drake disse friamente. — Preciso voltar à alguns assuntos particulares muito depressa e não tenho tempo para levá-la.
Pegue um dos cochês da linha de Marlóvia. Vai deixá-la onde desejar, use de preferência a segurança da guilda dos nobres caçadores Dimitrescu. Conforme você mesma sempre diz, é uma vampira adulta absolutamente responsável e estou certo de que saberá cuidar de si mesma. Até mais tarde, Morgana.
Antes que a garota pudesse protestar, Drake empurrou Johanne pela porta e caminharam em silêncio para o outro lado da cidade de Marlóvia.
— Tem certeza de que não quer que Morgana venha conosco? — Perguntou Johanne antes de chegarem a outra carruagem do outro lado.
— Claro que não! — Disse Drake. — Você quer?
— Mas uma vampira como ela, sozinha num reino tão grande e...
— Isto é Marlóvia, humana Johanne. — Ele observou secamente — Não é Cartana ou Azkar. Ela vai estar bem. Morgana é uma vampira e não uma humana!...
— Pensei que...
— Acha mesmo que a convidei para passar apenas o dia comigo? — Perguntou ele, parando no meio da pista.
— Eu... eu não sabia o que pensar. — Respondeu Johanne, corando e mordendo o lábio. — Você pediu a Ella para cuidar das coisas e ela...
— Vamos continuar a conversa dentro da carruagem real, o imperador fez questão de me deixar aos cuidados de seus guardas reais, então eu vou aproveitar bem a sua hospitalidade... — Disse Drake, levando-a pelo braço até a carruagem escura.
Ela se sentou e Drake mandou que se acomodasse com segurança. Johanne obedeceu, observando a carruagem ser cercada por oito garanhões e oito caçadores vestidos com suas armaduras de guerra.
— Ainda não confia em minha raça? — Disse, impaciente. — Aqui em Marlóvia cheiro de seu receio fica mais forte ainda. Peço que mantenha a calma, pois posso ouvir o seu sangue correr rapidamente em suas veias e eles também. Indicou os demais vampiros que mesmo de longe poderiam estar até ouvindo os seus batimentos cardíacos.
Drake curvou-se sobre ela aspirou o perfume de seu pescoço e então, subitamente, os dedos dele se fecharam em torno do pescoço dela, imobilizando sua cabeça, e ele pressionou os lábios ferozmente contra os dela. Surpresa com a violência dele, Johanne não conseguiu corresponder. Quando ele finalmente se afastou, os olhos azuis estavam sombrios e vermelhos como o próprio sangue.
— Por que deixou que atrapalhassem nossos planos? — Ele perguntou, duro. — Por que não disse que não ia voltar hoje à noite? Por que permitiu que Ella enviasse Morgana?
— Mas eu não sabia, até o último instante, que seria uma viagem curta. Então achei... achei que eu é que tinha entendido errado o que você queria.
— Ah, você sabia muito bem o que eu queria, não se faça de inocente humana Johanne. — Disse ele, rindo ironicamente e ordenando que a carruagem se pussesse em movimento. — Tenho mesmo de voltar ao castelo imperial. Se soubesse que sua visita ia ser tão curta, teria arranjado as coisa de outra forma.
Rodavam pela estrada e Drake ordenou e todos obedeciam, ele apontou um desvio que levava fora do centro de Marlóvia, os famosos bosques de vermelhos de Vivica.
— Achei que ia ter tempo de levá-la ao castelo imperial da imperatriz Scarlett. — Ele lamentou. — É um dos costumes mais gostosos de Marlóvia, ir visitar os canteiros de rosas negras da imperatriz. Veja quando uma casa de vampiros coloca na porta um ramo de rosas negras, quer dizer que estão servindo aos desígnos de nossos soberanos. Todo mundo senta em longas mesas tomando sangue humano, comem, conversando, ouvindo música e depois vão se unir. É tudo muito relaxante, muito... mágico.
— Tudo em Marlóvia é muito mágico, não é, Drake?
— Tudo menos o vento e a neblina densa, é o que dizem. E o vento só sopra porque tudo é tão mágico. E a neblina encobre os amantes nessa época de lua cheia.
— Não vi nenhum vento... — Respondeu Johanne, rindo.
— Ele parou de soprar em sua homenagem. Ou talvez sobre as minhas ordens ele volte antes da meia-noite para tocar em sua pele de veludo. — Ele sorriu, olhando para ela.
Atravessaram o canal do Dimitrescu, que era realmente escuro, ali. Cruzaram ruas estreitas e vielas tortuosas onde a arquitetura dos castelos variava desde o estilo renascentista até o contemporâneo. Passaram pela rua da antiga guilda de Marlóvia, onde toda a família real morou um dia quando ainda eram crianças. Os seres sobrenaturais eram bonitos e sorridentes. E quando Johanne e Drake atravessaram a rua a pé para ir a um dos castelos, ela era capaz de jurar que um élfico passara por eles assobiando um trecho de uma canção escrita a muito tempo pela imperatriz Vivica.
O interior do castelo Brishen era todo em tons neutros, com iluminação indireta, um cenário perfeito para os objetos surrealistas dependuradas nas paredes que os humanos haviam feito a séculos atrás que agora os vampiros colecionavam. Drake apresentou Johanne a seus servos e ela ficou olhando, interessada, enquanto ele resolvia os problemas que cada um deles apresentava. Drake era respeitoso, mas firme, ouvindo cuidadosamente o que diziam e tomando decisões que todos pareciam aceitar sem hesitação. Depois de algum tempo ela começou a olhar os quadros coloridos, mostrando estranhas fantasias de um mundo fantásticos.
— Gosta? — Perguntou Drake, num tom meio risonho.
— Não sei. Não entendo muito.
— Precisa de alguém que lhe explique as pinturas. Talvez o próprio artista. Ele costuma estar aqui a esta hora.
Drake desapareceu um minuto nos fundos da sala e retornou com uma vampira mais ou menos da idade de Johanne se fosse uma humana e que, apesar da aparência rebelde, comportava-se muito de acordo com o antigo reinado de Aneonne.
Curvou-se e beijou a mão dela. Johanne arregalou os olhos, surpresa. Era a primeira vez que alguém beijava sua mão. Ela tentou achar uma resposta adequada, mas a vampira imediatamente começou a explicar as pinturas, falando rapidamente e de maneira até um pouco fria. Incapaz de interromper o monólogo absolutamente incompreensível, Johanne procurou Drake com os olhos, mas ele tinha se retirado para os fundos da sala onde conferenciava com um caçador e duas elfas negras que deviam ser caçadoras também.
Suspirou e tornou a acompanhar o discurso interminável da vampira.
— Você fez de propósito, não foi? — Protestou, quando finalmente Drake veio em seu socorro. — Sabia que eu não ia entender nada.
— Claro!... — Disse Drake, rindo, sem se arrepender. — Assim você se distraiu enquanto eu estava ocupado. E mesmo que ela falasse em termos que você soubesse, seria capaz de não entender nada mesmo. O Realismo Fantástico é incompreensível em qualquer área para uma humana que não a própria raça incompressível para ver os demais seres. Calma, calma, humana Johanne não se enfureça. Eu agora estou livre para o resto do dia e quero lhe mostrar tudo o que puder. Não, de carruagem não... O que quero dizer que Lyara, tentou apenas lhe revelar a beleza de outros seres sobrenaturais. Mas isso, os seus olhos humanos não é capaz de enxergá-los... Sua raça nos vê simplesmente como monstros!... — Ele disse, quando ela caminhou para a carruagem. — Tenho em mente algo... especial.
2350 Palavras
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro