Capítulo 02
01/04/2018
Quase um mês naquele lugar. Quase um mês sem ver os filhos, a mãe, o marido. Todo esse tempo sem andar descalça no gramado de casa, todo esse tempo sem sentir felicidade.
Chorar já era parte da rotina dela. Eram raros os momentos que ela não lamuriou. Os sorrisos eram ainda mais escassos. Naqueles quase trinta dias presa, se sorriu cinco vezes, ainda era muito.
Estava olhando o céu azul através da pequena abertura da cela. Observava um pássaro voando, livre. Como ela queria estar.
— Catarina — Raquel, uma das agentes penitenciárias, a chamou —, tem visita hoje, mulher.
Raquel não era daquelas severas, que a olhavam severamente, que a julgava. Se tinha alguém que acolheu os sentimentos de Catarina, que não condenava a mulher, esse alguém era Raquel.
— Liberaram visitas para mim? — Catarina perguntou, animadamente.
Coisa que Raquel nunca tinha visto. A mulher, de cabelos longos e encaracolados, que há um mês eram muito mais bonitos, empolgada era a maior novidade.
A agente apenas assentiu, sorrindo. Catarina pulou da cama que estava sentada, correndo em direção a porta da cela.
— Quem que está aí? — ela perguntou, enquanto era, gentilmente, algemada.
— Não sei bem, só sei que disseram que liberaram suas visitas e alguém veio.
— Vai ser bom conversar com alguém — ela concluiu, enquanto era encaminhada a sala de visitantes.
— Ei, você sabe, Catarina, sempre que precisar, você pode me chamar.
— Sei disso, mas você sabe muito bem como as pessoas aqui agem. Não quero te causar problemas.
Nesse instante, Catarina viu, no meio da sala lotada, seu marido. Arthur estava lá. Em pé, olhando ansioso por onde ela entraria. Quando a porta se abriu, ela não esperou Raquel e nem ser solta. Simplesmente correu, com os braços presos para trás, desequilibradamente até o marido.
Arthur não sabia se esse era o comportamento mais adequado, e nem se importou com isso, simplesmente, agarrou a mulher, passando as mãos pela cintura, apertando-a, selando seus lábios em um beijo apaixonado, cheio de saudade.
Raquel aproximou-se do casal, esperando o beijo de reencontro terminar, e tirou as algemas da Catarina assim que se distanciaram.
— Tenham o tempo que precisarem para conversar, mas, por favor, não façam nada que prejudique Catarina. — Retirou-se de perto deles, ainda observando o amor dos dois.
Raquel não era casada, na verdade, estava em processo de divorcio depois de ter sido esposa de um policial — abusivo e corrupto. Não conhecia o amor no seu mais puro sentido. Nem sabia se um dia já tinha sido amada. Era bom ver o amor de Catarina e o marido. Era bom ver que pelo menos um homem prestava, trazia esperança que, talvez, um dia seria amada.
A realidade na prisão feminina é muito diferente do que as pessoas imaginam. Cenas como a que Catarina vivia naquele momento são praticamente inexistentes. Um homem comete um crime, a mulher fica ao lado dele, visita toda semana que pode, faz de tudo para livrá-lo dali. Uma mulher comete um crime, e a família some. Quando muito, a mãe vai visitar vez ou outra. Era bom, para Raquel, ver que pelo menos uma mulher tinha tudo aquilo que todas mereciam. Por mais que fossem criminosas, por mais que um assassinato tivesse sido pelas mãos daquela mulher, ela não merecia morrer sozinha.
Catarina, alheia de todas as pessoas que estavam naquele ambiente, abraçou o marido, e mesmo que o choro — que nunca a abandonava — atrapalhasse, ela inspirava profundamente, sentindo o cheiro de casa, sentindo o cheiro da família. Sentindo como se estivesse em seu lar. E, de certa forma, estava. Arthur era o que a fazia sentir que ainda tinha uma morada.
— Que falta você me faz — ela falou baixo.
— E você não tem noção da falta que você nos faz.
Os dois conversaram por todo o tempo da visita. Falaram das crianças, de como estavam as coisas nas escolas — resumindo, nada boas. As crianças mal comiam, os colegas de Melina estavam excluindo a menina, as mães olhavam com nojo para a criança. Gustavo, o mais novo, só sabia chamar pela mãe. Na creche, tinha parado de brincar como antes, o brilho dele tinha sumido.
Arthur tinha se reunido algumas vezes com os advogados, mas o fato de Catarina ter sido a única presente na cena do crime quando os policiais chegaram, dificultava todo o processo. Nenhum juiz queria dar autorização para nada que pudesse ajudar na defesa de Catarina.
Quando o tempo acabou, Raquel aproximou-se, lembrando que Catarina tinha que voltar para a cela.
— Cat, eu te amo — Arthur disse, relutando para soltar a esposa.
— Eu também te amo, querido — ela tentou sorrir, tentando convencê-lo (ou a si mesma) que tudo ficaria bem.
— Moça, cuida bem dela, tá? Essa mulher é a minha vida. — Ele falou para Raquel.
Raquel apenas assentiu, saindo da sala com Catarina, sentindo inveja da detenta, pela primeira vez.
22/01/2013
Catarina achava loucura elas comemorarem a formatura do curso de secretariado em uma chácara, mas Alana insistiu. Era tradição da família Martins, como Alana dissera. E, como ela era a formanda, poderia chamar quem quisesse.
Alana era muito festeira, mas gostava das coisas mais íntimas, por isso, só chamou familiares e poucas amigas, somente os mais próximos mesmo.
Catarina tinha planejado chegar junto com a amiga, mesmo que fossem separadas, só que o taxista atrapalhado acabou atrasando. O que fez a planejada entrada discreta dela fosse por água abaixo. Principalmente quando entrou pelo portão, procurando a amiga e sem olhar para a frente — sua mãe sempre disse que acabaria tropeçando caso andasse sem olhar para onde iria — e trombou com um poste. Um poste humano.
— Desculpe — ela pediu, enquanto virava o rosto e o encontrava.
Catarina era, de fato, muito inteligente, mas não precisava usar nem um pouco de sua inteligência para saber que ali estava um dos irmãos de Alana. Mesmo que não tivesse visto fotos — principalmente nas inúmeras vezes que as duas estudaram juntas para alguma prova do curso na casa de Alana —, saberia que ele era irmão da amiga. Não o conhecia pois ele estava morando fora para alguma pós graduação.
Ela sabia que era Arthur, o irmão do meio, já que André — o mais velho — era diferente da amiga. Arthur, era idêntico. A não ser pelos bons centímetros a mais, a barba crescendo e o cabelo curto. A única coisa que diferenciava Arthur e Alana eram os traços masculinos.
— Então temos uma atrasada? — ele perguntou.
— A culpa é do taxista, que não sabe seguir o GPS — ela falou, perdida nos olhos castanhos e profundos dele.
— Me diga seu nome...
— Catarina. E você é o Arthur, certo?
— Olha, Atrasadinha, já sabe o meu nome...
— Atrasadinha não, por favor — ela pediu, o fazendo rir.
— Tudo bem, Catarina, só vou aceitar porque minha irmã tem razão.
— Razão no que? — estava intrigada, o que Alana tinha dito sobre ela para os outros?
— Pelo jeito, o que você tem de beleza, tem de brava. Melhor não cutucar onça com vara curta — ele riu.
— Ah, finalmente você chegou — Alana gritou, vindo em direção aos dois, sem deixar Catarina responder Arthur. No fundo, ela estava grata pela intromissão da amiga. Pela primeira vez, ela não tinha palavras para um homem.
Podia ser pela beleza dele, que era desconcertante, podia ser por ainda estar carregando todas as suas malas pesadas, ou só por cansaço. Mas, ela não tinha resposta, não dessa vez.
— Vamos, você vai ficar no meu quarto comigo.
Arthur pegou as malas, por mais que ela insistisse em levar, e seguiu as duas, enquanto a irmã tagarelava sobre a chácara e todas as atividades que tinham por ali, só querendo saber mais sobre a mulher de pele escura e radiante que estava caminhando calmamente a sua frente.
O resto do dia transcorreu tranquilo. Cheio de trocas de olhares e sorrisos entre Catarina e Arthur.
— Só fique sabendo que eu aprovo — Alana sussurrou em um momento para Catarina.
— Aprova o que, sua louca?
— Você e meu irmão.
— Não estou procurando relacionamento, você sabe.
— Você não está procurando relacionamento, mas pode ser que ele esteja te procurando. Sem contar que você sabe que já é da família, meus pais te adoram.
Catarina só sorriu. Não queria namorar naquele momento, mas ficar com Arthur por alguns dias não seria nada mal.
01/02/2022
A viagem de carro era longa, e as crianças estavam com fome. Além disso, Sueli, sua mãe, queria proporcionar o melhor primeiro dia de liberdade que a filha poderia ter. Pararam em um restaurante na estrada mesmo.
Catarina estava grata, iria aproveitar o momento para ver se conseguia conversar com os filhos, além de perguntar sobre a pessoa que estava faltando.
Quando se sentaram para a refeição, Catarina não sabia o que escolher. Não que tivesse passado fome no presídio, mas sentia falta de comida, de escolher o que poderia comer. Até de cozinhar ela sentiu falta. Acabou pedindo um macarrão à bolonhesa.
O silêncio era incômodo, mas ela não sabia como puxar conversa, então, decidiu partir para o assunto "mais fácil".
— Mãe, e o Arthur?
— Ele tinha um compromisso hoje.
— É — Melina começou a falar —, ele até queria que eu e o Gu fossemos juntos no ultrassom já que pode ser o último, mas achou melhor virmos com a vovó.
— Ultrassom? — Catarina questionou, com as sobrancelhas erguidas.
— É, nós vamos ter um irmãozinho.
Catarina sentiu o coração pesar. Por mais que já imaginasse que Arthur tinha abandonado o barco, não imaginou que ele formaria outra família sem falar nada para ela.
— Mãe, porque a senhora não me falou? — ela perguntou, segurando as lágrimas nos olhos. Tinha chorado muito na prisão durante todos aqueles anos. Nem sabia como ainda tinha lágrimas guardadas.
— Porque o Arthur me falou que queria conversar com você pessoalmente.
— Ah, então agora ele quer falar comigo? — ela estava indignada. A história dos dois foi construída sempre em cima de diálogo e confiança, mas, aparentemente, o laço firme que tinham construído era só ilusão.
— Vovó, pode me levar no banheiro? — Melina pediu.
— Melina — Catarina chamou —, será que você se importaria de eu te levar?
— Tudo bem — ela levantou da cadeira e esperou a mulher, assim que Catarina chegou ao seu lado, ela deu a mão para a mulher e sorriu.
Talvez, nem tudo estivesse perdido.
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