Capítulo 9
2605 palavras
"Às vezes, o maior castigo não vem das ações dos outros, mas do silêncio que revela o quão insignificante nosso sofrimento pode parecer para aqueles que causam nossa dor."
Jean caminhava ao meu lado pelos corredores escuros do quartel. Nossos passos eram lentos, quase como se ambos estivéssemos relutando em chegar ao destino, querendo prolongar a noite indefinidamente. O ar estava frio e denso, carregado com o cheiro metálico das armas e o suor impregnado nas paredes, lembranças mudas das batalhas travadas ali. O silêncio entre nós era palpável, como se as palavras que não dizíamos estivessem à beira de romper, mas nenhum de nós se atrevia a quebrá-lo.
Quando senti o peso do olhar de Jean sobre mim, parei e me virei para encará-lo. Ele também parou, e nossos olhares se encontraram, os olhos castanhos dele refletindo uma tempestade de emoções – ansiedade, desejo, e talvez um pouco de medo.
— Meu quarto já fica no próximo corredor... Boa noite — minha voz saiu baixa, quase como um sussurro, enquanto tentava dissipar a tensão crescente entre nós.
Jean não respondeu, mas quando dei um passo para continuar, senti sua mão quente e firme agarrar meu braço. Ele me puxou contra seu peito com um movimento tão brusco e inesperado que quase perdi o equilíbrio. O choque foi como um raio, fazendo meu coração bater descontroladamente, enquanto uma mistura de medo e uma excitação proibida percorria meu corpo.
— Jean... — tentei protestar, mas ele interrompeu meus pensamentos ao sussurrar meu nome. Sua voz era suave, quase reverente, como se estivesse pronunciando uma prece.
— Amelie... — seus dedos roçaram meu rosto enquanto afastava uma mecha de cabelo. O toque era ao mesmo tempo terno e urgente, deixando um rastro de calor que contrastava com o frio do corredor.
Ele soltou meu braço apenas para envolver minha cintura, seus dedos pressionando minha pele com intensidade, sentida mesmo através do tecido fino do meu vestido. O calor de seu corpo irradiava, e um suspiro escapou dos meus lábios antes que eu pudesse conter. Jean sempre fora atraente, mas não era ele quem eu desejava. Esses olhos castanhos, cheios de necessidade, não eram os olhos cinzentos que invadiam meus sonhos. Não eram os olhos de Levi, com aquela frieza cruel e algo mais que eu nunca consegui entender.
— Jean, nós... — tentei falar, mas minha voz falhou, sufocada pela tensão entre nós. Ele, por sua vez, parecia lutar com seus próprios demônios, sua voz saindo baixa e carregada de dúvidas.
— Não podemos, Amelie? — sua pergunta soou mais como um lamento do que como um desafio, e a necessidade em sua voz era tão palpável que me fez hesitar.
Eu sabia que não deveríamos. Algo dentro de mim gritava que isso era um erro, mas outra parte, faminta e carente, desejava aquele momento. Um instante de fuga, de algo que eu não poderia ter. Fechei os olhos, afundando na tentação. Apenas um beijo, pensei. Não poderia causar tanto estrago.
Meus olhos se fixaram em seus lábios, tão próximos dos meus. Quando voltei a encarar seus olhos, a hesitação e a urgência eram espelhadas nos meus. O aperto de suas mãos na minha cintura aumentou, e meu coração martelava em resposta. Então, antes que pudesse repensar, seus lábios encontraram os meus.
No início, o toque foi suave, quase tímido, mas logo a urgência reprimida explodiu, transformando o beijo em algo mais profundo, mais desesperado. O gosto dele era familiar, tingido com a leve amargura do álcool que havíamos bebido no bar. O som de nossas respirações se misturava, criando um eco abafado no corredor deserto, enquanto o calor de nossos corpos afastava o frio ao redor.
Jean não hesitou em explorar meu corpo, seus dedos se movendo com uma determinação faminta. Uma mão subiu pela minha coxa, o toque firme e possessivo. A outra enredou-se em meu cabelo, puxando minha cabeça para trás para aprofundar o beijo. Meu corpo respondeu antes que minha mente pudesse protestar, o prazer se misturando com uma culpa cruel que latejava em meu peito. Eu sabia que ele não era Levi, mas por aquele breve e ardente instante, desejei desesperadamente que fosse.
— Atrapalho? — uma voz cortante interrompeu o momento, fazendo Jean se afastar tão rapidamente que quase me fez perder o equilíbrio. A voz era inconfundível, fria e carregada de desdém. Levi.
A vergonha me envolveu como uma nuvem sufocante, e meu estômago se revirou ao vê-lo ali, nos observando. O rosto de Levi era uma máscara de impassibilidade, seus olhos cinzentos, gélidos e afiados como lâminas, cravados em mim com uma intensidade que fazia meu coração parar. Não consegui sustentar seu olhar, desviando-o rapidamente para o chão, minhas mãos tremendo de nervosismo.
— Foi para isso que te fiz capitã, Moreau? — a voz dele era cortante, carregada de reprovação, cada palavra pesando como chumbo.
Meu estômago afundou e meu peito se apertou de dor. Balancei a cabeça, tentando afastar as lágrimas que ameaçavam cair, mas elas vieram de qualquer maneira, queimando minhas bochechas.
— Não, senhor — murmurei, mal conseguindo manter a voz estável.
— Para o seu quarto, agora, soldado. Amanhã tomarei as providências necessárias — ele ordenou, sua voz tão dura quanto o aço. Ouvi os passos de Jean se afastando rapidamente, enquanto eu permanecia congelada no lugar.
— Para meu escritório, Moreau — Levi disse, sua voz firme e intransigente, e eu não tive escolha a não ser seguir em silêncio.
O caminho até o escritório dele parecia uma eternidade. Cada passo que eu dava aumentava a sensação de sufocamento, como se uma mão invisível estivesse apertando meu pescoço. Quando chegamos, o cheiro familiar de chá me atingiu, uma ironia cruel, considerando a situação. Ele se sentou atrás da mesa, me observando com um olhar que parecia penetrar até meus ossos. Seu silêncio era insuportável, o peso de sua desaprovação quase me esmagando.
— Comandante, eu... sinto muito. Aceitarei a punição que me der, mas por favor, diga alguma coisa — implorei, minha voz se quebrando sob a pressão. Levantei o olhar para ele, buscando qualquer sinal de misericórdia, mas tudo que vi foi frieza.
— Eu mandei você falar? — ele rosnou, levantando-se da cadeira e caminhando em minha direção, cada movimento dele carregado de uma raiva contida que parecia prestes a explodir.
Tentei me controlar, mas meu corpo tremia levemente. Ele parou à minha frente, sua figura dominadora me fazendo sentir pequena e insignificante. Inclinei a cabeça para olhá-lo, seu rosto estava tão próximo que eu podia sentir o calor de sua respiração misturado com o aroma familiar de chá.
— Foi para isso que se alistou? Foi para isso que te fiz capitã? Para você agir como uma... vagabunda... — A palavra saiu de sua boca com tanto desprezo que me atingiu como um soco.
A raiva explodiu dentro de mim, quente e indomável. Antes que eu percebesse, minha mão se moveu por conta própria, acertando um tapa em seu rosto. O som ecoou pela sala, e por um breve segundo, o tempo pareceu parar. Mas a resposta dele foi imediata e brutal.
Levi me empurrou contra a parede com uma força avassaladora, arrancando o ar dos meus pulmões. O choque percorreu meu corpo, a dor se misturando ao medo e à raiva que me consumiam. Fechei os olhos com força, tentando me preparar para o que viesse a seguir, mas tudo o que senti foi a pressão esmagadora de seus braços me cercando, prendendo-me contra a parede, sem deixar espaço para escapar.
— Olhe para mim, Amelie — ele ordenou, sua voz um sussurro ameaçador.
Relutante, abri os olhos e encontrei os dele, tão próximos, tão intensos que quase me afoguei naquele mar tempestuoso de ódio e desprezo. O rosto de Levi estava a centímetros do meu, sua respiração quente contra minha pele, seus olhos cravados em mim com uma fúria contida que fazia meu coração acelerar descontroladamente.
— Não me bata novamente, você entendeu? — ele murmurou, sua voz baixa, mas carregada de ameaça.
— Você não tem o direito de me chamar de vagabunda, senhor — minha voz saiu trêmula, mas havia uma determinação feroz por trás dela, a raiva borbulhando junto com a humilhação.
— Tenho todo o direito, principalmente quando pela segunda vez no dia te vejo se comportando como uma vagabunda — ele repetiu a palavra com ainda mais desdém, as palavras cortando fundo como lâminas afiadas.
Minha raiva transbordou. Empurrei seu peito com força, tentando afastá-lo, mas ele não se moveu, nem um centímetro. Levi agarrou meus pulsos com força, seus dedos firmes o suficiente para me imobilizar, mas não para machucar. As lágrimas começaram a rolar pelo meu rosto, a frustração e a humilhação me consumindo.
— Por que você está fazendo isso comigo? Por que se importa? — minha voz quebrou, misturada com as lágrimas que eu não conseguia controlar. Por que sempre tão cruel? Me comparar com uma vagabunda... isso dói demais. Eu preferiria ter levado um chute seu ao invés de suas palavras venenosas.
— Olhe para mim, Amelie — ele repetiu, sua voz mais suave agora, mas ainda implacável.
Neguei com a cabeça, sem querer que ele me visse assim, tão vulnerável. Mas ele não aceitou minha recusa.
— Olhe para mim — Levi insistiu, sua voz firme e inegável, cortando minha resistência.
Finalmente, cedi. Levantei o olhar, e o que vi em seus olhos me deixou sem palavras. A raiva ainda estava lá, mas havia algo mais, algo mais profundo, mais sombrio. Sua mão soltou meu pulso e subiu até meu rosto, seus dedos enxugando as lágrimas que ainda caíam.
— Pare de chorar — ele ordenou, mas seu tom agora era quase um pedido, a agressividade dando lugar a uma confusão latente.
Fiquei em silêncio, tentando processar a mudança repentina em sua atitude. Levi suspirou, como se estivesse lutando contra algo dentro de si. Seus olhos vasculhavam os meus, procurando respostas que eu não tinha.
— Eu quero te beijar, Amelie — ele disse de repente, seu olhar descendo até minha boca, como se a própria confissão fosse um veneno que ele não conseguisse mais conter.
Fiquei paralisada, o choque da confissão inesperada me atingindo com a força de uma maré avassaladora. Meu coração disparava, batendo freneticamente contra o peito. Levi se aproximou, seu olhar penetrante e impiedoso, e quando seus lábios tocaram os meus, o beijo foi tudo menos suave. Era uma explosão de urgência e possessividade, uma combinação de raiva e desejo que parecia reivindicar-me de uma maneira quase visceral.
Cedi ao beijo, permitindo que o calor entre nós queimasse através de mim, derretendo qualquer resistência. A sensação de seus lábios quentes e exigentes contra os meus era ao mesmo tempo extenuante e intoxicante, como se a paixão que nos envolvia fosse uma chama que consumia todas as dúvidas e medos, deixando apenas uma brasa ardente.
Quando nos afastamos, Levi ainda estava com os olhos fechados, sua respiração pesada e entrecortada misturava-se com a minha, criando uma atmosfera carregada e elétrica. O ar ao nosso redor parecia pulsar com a tensão e o desejo que tinham dominado o momento. Eu estava atordoada, imersa em um turbilhão de emoções que eu mal conseguia entender.
— O que foi isso, Levi? — minha voz saiu como um sussurro trêmulo, carregada de confusão e uma sensação que eu lutava para reconhecer. O beijo significava algo profundo para mim, mas o que era para ele?
Levi hesitou por um momento, seus olhos suavizando brevemente antes de endurecerem novamente com uma frieza cortante. A mudança foi brusca, como um borrão que se dissolve na água.
— Foi um beijo — ele respondeu, a voz fria e impessoal, enquanto soltava meu pulso e se afastava. Colocou as mãos nos bolsos, mas ainda mantinha uma aura de controle, como se quisesse garantir que eu permanecesse vulnerável e desamparada. — Vá embora, Amelie.
As palavras dele caíram sobre mim como um balde de água gelada, a euforia do momento se desvanecendo rapidamente, deixando um vazio gelado em seu lugar. Levi voltou para sua mesa, mergulhando na sua indiferença, enquanto eu permanecia ali, sozinha e confusa.
Saí sem pronunciar uma palavra, o turbilhão de emoções me consumindo. Cada passo até meu quarto parecia uma jornada interminável, a confusão me envolvia em seu abraço opressor. Quando finalmente desabei na cama, toquei meus lábios, ainda sentindo o gosto e o calor dele. Um sorriso amargo escapou, rapidamente substituído por um sentimento de desolação, uma dor aguda de saber que, para ele, o momento parecia ter sido apenas uma efemeridade.
Deitei-me, tentando forçar o sono a vir, mas as memórias da noite continuavam a me assombrar. O cheiro dele, o toque intenso, as palavras cruéis que ele usou... tudo girava incessantemente na minha mente, impedindo qualquer descanso. Era evidente que seria uma longa noite de insônia.
Na manhã seguinte, arrastei-me da cama, exausta e desorientada. O relógio marcava 5:00 da manhã, e eu sabia que precisava me preparar para enfrentar o dia. Coloquei meu uniforme mecanicamente, cada movimento pesado e automático, e fui para a cantina, na esperança de encontrar algum conforto na rotina.
Ao chegar, vi Miche Zacharius, um dos melhores soldados. Ele coordenava a sala de controle e também era excepcional em combate. Já estava tomando seu café da manhã. Sua presença, gentil e acolhedora, trouxe um alívio momentâneo.
— Bom dia, capitã — disse ele, sorrindo enquanto terminava seu café.
— Bom dia, Miche — respondi, forçando um sorriso e tentando ocultar o cansaço evidente.
Miche me observou com uma expressão de preocupação, seu olhar penetrante revelando uma preocupação genuína.
— Você parece um pouco cansada. Está tudo bem?
— Sim, só uma noite mal dormida — menti, tentando manter uma fachada de despreocupação. — E você?
— Sempre bem — ele respondeu com um sorriso caloroso. — Hoje vou treinar cadetes recém-formados na sala de controle.
Assenti para ele, sorrindo de volta.
Conforme falávamos, a cantina começou a encher. O barulho das conversas e o cheiro de café fresco misturado ao pão recém-assado preenchiam o ambiente, criando uma atmosfera que deveria ser reconfortante. No entanto, tudo parecia distante, como se eu estivesse observando de fora, imersa em uma sensação de desconexão.
De repente, o clima mudou abruptamente. Levi e Jean entraram na cantina, e o ar ao meu redor pareceu congelar. Meu coração acelerou, e uma sensação de frio percorreu minha espinha. Levi se dirigiu diretamente à mesa dos oficiais e se sentou ao meu lado. Jean hesitou, seus olhos encontrando os meus por um breve momento antes de se juntar a um grupo de soldados próximos. A tensão era palpável.
Levi não disse nada, mas sua presença ao meu lado era um peso insuportável. O cheiro de sua colônia, fresco e revigorante, com notas de hortelã, envolvia o ar entre nós, fazendo meu estômago revirar. Não era nojo, mas uma excitação indesejada que eu lutava para controlar.
Parece que Miche percebeu a tensão ou sentiu o cheiro do desconforto com seu olfato aguçado.
— Bom, vou indo. Até mais tarde, capitã — disse ele, levantando-se rapidamente.
— Moreau, você cuidará dos relatórios hoje — Levi ordenou, a punição disfarçada de trabalho.
Assenti, incapaz de articular qualquer resposta, sentindo a humilhação de um trabalho extra imposto como uma forma de retaliação.
O café da manhã prosseguiu em um silêncio opressivo. Levi não disse mais nada, e eu continuei a comer mecanicamente, o gosto do alimento quase inexistente em minha boca. Quando ele finalmente se levantou para sair, a tensão em meu corpo diminuiu, mas o desconforto persistiu como uma sombra indesejada.
Enquanto Levi se afastava, uma pergunta ecoava em minha mente: o que mais o dia traria? As memórias da noite anterior estavam ainda frescas, e o beijo que Levi me dera, carregado de confusão e raiva, deixava uma marca difícil de ignorar. Mas, no fundo, eu sabia que para ele, aquele momento não significou nada. E esse pensamento, mais do que qualquer outra coisa, era o que mais doía.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro