Capítulo 8
2332 palavras
"Às vezes, os escombros que criamos na raiva revelam as lembranças que tentamos enterrar em silêncio."
O tempo passou rapidamente desde aquele dia no campo de treinamento. Agora, aos 21 anos, olho para trás e vejo o quanto tudo mudou. Após minha vitória sobre Mikasa, minhas habilidades em combate melhoraram significativamente. Dediquei-me com uma determinação feroz para aprimorar minha técnica, e logo me tornei a melhor da turma. Até o comandante Levi foi forçado a reconhecer meu valor, embora relutante.
Minha persistência e habilidades não passaram despercebidas. Depois de um tempo servindo como soldado, Levi me nomeou capitã, uma promoção que trouxe tanto responsabilidade quanto honra. Lembro-me claramente do dia em que ele me entregou um presente em seu escritório: uma adaga elegante, com um cabo simples adornado por uma joia verde-esmeralda. A lâmina era reta e afiada, um símbolo de poder e letalidade. Desde então, essa adaga nunca saiu do meu coturno, sempre ao alcance da minha mão.
Supervisionar meu próprio esquadrão — Jean, Armin, Eren, Sasha, Mikasa e Connie — era uma responsabilidade que me enchia de orgulho. Todos se destacaram e se tornaram os melhores da turma, formando uma unidade sólida e eficiente.
Contudo, mesmo com nossas habilidades aprimoradas, o vírus Khaos1 que devastava a humanidade continuava sem solução. Os testes de cura tornaram-se escassos, e as quarentenas se mostraram inúteis. Os infectados nunca sobreviviam. Tentávamos salvar pessoas a todo custo, mas isso apenas acelerava a propagação do vírus. Para evitar um contágio em massa e poupar os poucos recursos restantes, recebemos ordens para eliminar os possíveis infectados. As execuções eram realizadas dentro dos muros que cercavam o quartel. A grama outrora verde agora refletia as mortes que ocorriam ali, e uma estrutura de concreto foi construída para empilhar e incinerar os corpos, gerando uma fumaça negra que caía como neve sobre a paisagem macabra. Para a população, mentíamos, dizendo que seus entes queridos seriam levados para a quarentena, quando, na verdade, os estávamos levando para a execução.
Lembro-me com uma clareza perturbadora de uma garotinha, com não mais de 10 anos. Ela era magra e frágil, seus grandes olhos assustados refletiam uma pureza que contrastava com a crueldade ao seu redor. Sua mãe, desesperada, implorou por ela, jurando que a filha não estava infectada.
— Vamos levá-la para a quarentena. Ela vai ficar bem — menti, minha voz baixa e firme, sabendo que aquela mulher nunca mais veria a filha.
Enquanto caminhávamos com a menina, suas pequenas mãos agarradas a um urso de pelúcia sujo, um peso esmagador se alojou em meu peito. No entanto, quando chegou o momento, fui eu quem ficou encarregada de sua execução. Não havia espaço para hesitação; ordens eram ordens. No local isolado, encarei a menina, seus olhos fixos nos meus, talvez implorando por uma piedade que eu não podia oferecer.
Apontei a arma para sua cabeça. Minha mão tremia levemente, mas minha expressão permanecia dura e implacável. Apertei o gatilho. O som seco do disparo estourou no silêncio, reverberando no vazio. A cabeça da menina explodiu em um espiral grotesco de massa encefálica e sangue. O buraco na parte superior de sua cabeça se transformou em uma cratera escura e cavernosa, da qual brotaram fragmentos de osso e tecido cerebral, se espalhando pelo chão. O urso de pelúcia escorregou de seus dedos e caiu na poça de sangue que rapidamente se formava ao redor do corpo frágil. O cheiro metálico do sangue fresco se misturou ao fedor acre da pólvora queimada, preenchendo o ar de forma nauseante.
A visão da cabeça estourada e o estilhaçamento da massa encefálica ainda se espalhando pelo chão permanecem gravados em minha mente. O rosto da menina ficou congelado em uma expressão de terror e surpresa, um lembrete cruel do preço do nosso desespero. A cena me assombrou por dias, me perseguindo nos raros momentos de descanso. Mas essa era a realidade que enfrentávamos agora, e eu tinha ordens a seguir.
Após quatro dias exaustivos em busca de sobreviventes e suprimentos, sem sucesso, decidi que era hora de retornar a Sina com o esquadrão. Estar fora dos muros era um risco constante. Já havia perdido membros do esquadrão para grupos de humanos traiçoeiros e para o próprio vírus, que era ainda mais letal e contagioso fora dos distritos. A sobrevivência de nosso esquadrão até agora era pura sorte. Embora eu soubesse que essas expedições eram inúteis e perigosas, o líder do Distrito Sina, Erwin Smith, não me deu escolha. Ele nos enviou com belas máscaras respiratórias, mas todos sabíamos que isso era apenas um gesto de falsa segurança, uma cruel ironia daquele maníaco.
A algumas horas de viagem do distrito, seguimos em direção ao caminhão que nos levaria de volta. A tensão no ar era palpável, cada um de nós em alerta máximo, cientes de que qualquer som ou movimento suspeito poderia ser uma ameaça mortal. As folhas secas estalavam sob nossos pés, enquanto o vento cortante assobiava entre as árvores desfolhadas. Jean, ao meu lado, liderava o grupo comigo, seus olhos sempre atentos aos arredores. Armin estava logo atrás, sua mente trabalhando incessantemente, analisando cada detalhe do terreno. Eren e Mikasa, sempre em sincronia, seguiam próximos, prontos para o combate. Connie e Sasha cuidavam da retaguarda, garantindo que não fôssemos surpreendidos.
Esses quatro dias fora dos muros foram não apenas fisicamente exaustivos, mas também emocionalmente desgastantes. Cada ruína abandonada que explorávamos trazia memórias do mundo que perdemos, das vidas abruptamente ceifadas. O cheiro de podridão era constante, misturado ao ar frio e denso, que parecia pesar mais a cada passo. Sabíamos que a sobrevivência dependia não apenas de nossas habilidades e coragem, mas também de uma sorte que parecia cada vez mais escassa.
O sol começava a se pôr, tingindo o céu com tons de laranja e vermelho, como se o próprio mundo estivesse sangrando. A luz diminuía rapidamente quando finalmente avistamos o caminhão militar. Um suspiro de alívio escapou de meus lábios; estávamos todos vivos e, finalmente, voltando para casa.
Quando os imponentes muros de Sina apareceram à vista, o portão se ergueu diante de nós, e a presença dos guardas trouxe um raro conforto. Cruzar o portão era como soltar um peso que vinha esmagando meu peito. Mais uma missão concluída, mais um retorno seguro
Ao chegarmos no quartel, o som dos nossos coturnos ecoava pelos corredores, misturando-se com o vento que passava pelas janelas, trazendo consigo o aroma da noite que caía. O silêncio confortável que reinava entre mim, Sasha e Jean foi interrompido quando Jean, visivelmente nervoso, resolveu quebrar a calmaria.
— Então, Amelie... Vamos a um bar na cidade hoje — ele falou, coçando a cabeça de forma nervosa.
Parei e olhei para ele com uma expressão confusa.
— Isso deveria ser um convite? — perguntei, colocando as mãos na cintura.
— Gostaríamos que você viesse também. Você precisa sair mais — Sasha acrescentou, com um sorriso tímido.
Olhei para eles, ponderando. Talvez eles estivessem certos; uma pausa poderia ser exatamente o que eu precisava. Revirei os olhos e sorri de lado.
— Tudo bem.
Sasha soltou um gritinho de alegria, e Jean me lançou um sorriso satisfeito.
— Estaremos te esperando às 20:00 no portão. Não se atrase.
Eles se afastaram, e eu segui em direção ao meu quarto, ansiosa por um banho. Enquanto caminhava, meus pensamentos vagavam e acabei trombando em alguém no corredor. Ao olhar para cima, vi que era Floch Forster, um rapaz ruivo que trabalha na sala de comunicação. Não o conhecia bem, ainda não tinha formado uma opinião sobre ele.
— Oi, desculpe, eu não vi você — falei, ajustando a postura.
— Tudo bem, que bom que voltou — respondeu ele, visivelmente tímido.
Estava prestes a seguir em frente quando ele falou novamente.
— Você está muito bonita, capitã.
Observei-o, notando o rubor crescente em seu rosto.
— Obrigada — respondi, tentando manter a polidez.
— Você gostaria de sair comigo algum dia?
A pergunta direta levou um segundo para processar; ele foi mais ousado do que eu esperava. Antes que eu pudesse responder, o comandante Levi apareceu atrás de nós, como uma sombra implacável.
— Você não tem trabalho a fazer, Forster? — A voz dele, fria e cortante, fez meu coração disparar. Floch parecia surpreso e assustado.
— Si... sim, senhor.
Ele se afastou rapidamente, desaparecendo na escuridão do corredor. A presença de Levi, sempre imponente, parecia quase palpável.
— Está se divertindo? — A voz de Levi era tão cortante quanto o gelo.
Olhei para ele, confusa, enquanto seus olhos penetrantes brilhavam com algo que eu não conseguia decifrar.
— Eu não entendi, senhor.
Levi se aproximou, sua presença pesada e intimidante.
— Você acha que agora é o momento para flertes e conversinhas? No meio do corredor?
A insinuação fez meu estômago se revirar de nervoso.
— O que você está insinuando? Floch é um colega. Não vejo problema em conversar com ele, seja onde for — falei, cruzando os braços e encarando seus olhos indecifráveis.
— Estou insinuando que talvez você devesse se concentrar mais no seu trabalho e menos em distrações inúteis — sua voz baixa e ameaçadora fez meu coração acelerar.
— Comandante, eu sempre cumpro meu dever. Se há algo mais que queira discutir, seja claro.
Ele me observou por um momento, avaliando minha reação.
— Vá para o seu quarto. Agora.
Sem esperar por uma resposta, ele virou as costas e se afastou, deixando-me sozinha no corredor, consumida pela confusão e pela raiva. Fui para o quarto, batendo a porta com força. Por que nada do que eu faço parece ser o suficiente para ele? Anos de esforço e ainda assim, ele só vê o que quer ver. A frustração borbulhava dentro de mim, um tumulto de raiva e impotência. Em um acesso de fúria, chutei a cadeira de madeira ao lado da escrivaninha, que caiu com um baque surdo. O retrato do meu pai despencou junto com outros objetos, espalhando-se pelo chão. Respirei fundo, tentando me acalmar. Peguei o retrato, segurando-o com cuidado.
— Me desculpe, pai. — sussurrei, tentando conter a tempestade dentro de mim. Eu ainda tinha um compromisso com Sasha e Jean, e não deixaria que Levi arruinasse minha noite. Tomei um banho quente, a água escorrendo pelo meu corpo e levando parte da minha frustração. Escolhi um vestido simples de mangas curtas e decote reto, em um tom verde-claro que contrastava suavemente com minha pele. Calcei meus coturnos, cujos sinais de desgaste contavam histórias de inúmeras batalhas e desafios. O relógio marcava 19:50 quando saí em direção ao portão, decidida a aproveitar a noite, apesar de tudo.
O vento frio da noite fazia meus cabelos voarem, e eu tremia, arrepiada. Talvez um casaco tivesse sido uma boa ideia, mas já era tarde demais. Encontrei Sasha e Jean me esperando no portão do quartel. Ambos sorriam ao me ver, uma expressão de acolhimento que me pareceu um raro consolo. Seguimos em direção ao bar, uma construção de madeira simples com luzes amareladas que piscavam de maneira irregular. A música alta, abafada pelas janelas, misturava-se com o cheiro pungente de álcool e fumaça de cigarro.
Ao entrar, a visão era um turbilhão de movimentos e sons. Algumas pessoas conversavam com o barman sobre seus problemas, enquanto outras, mais solitárias, afundavam suas mágoas em copos cheios. O ambiente parecia uma bolha de escapismo, uma tentativa desesperada de esquecer o mundo lá fora. Seguimos Jean até uma mesa vazia. Sasha se sentou ao meu lado, enquanto Jean ocupava o lugar de frente.
— Onde estão os outros? — perguntei, observando o local, tentando encontrar alguma familiaridade.
— Mikasa, Armin e Eren estavam exaustos demais para vir, mas Connie já deve estar chegando — respondeu Sasha, sua voz transmitindo uma leveza que parecia quase forçada.
Assenti, tentando esconder a decepção de ver apenas parte do grupo. Não era exatamente a noite perfeita, mas qualquer desvio da rotina já era um alívio. Logo, o garçom trouxe três copos grandes de chope, o líquido dourado espumando suavemente. Aceitamos sem uma palavra a mais, e ele se afastou rapidamente.
A banda no canto estava animada, e a música começou a contagiá-los. Algumas pessoas levantaram-se para dançar, movendo-se ao ritmo frenético e desinibido. Pouco depois, Connie chegou, seu entusiasmo inconfundível.
— Olá, pessoal! Esta noite parece promissora — exclamou, sua voz cheia de vivacidade.
Sasha, sempre cheia de energia, puxou Connie pela mão. — Vamos dançar, Connie! — disse ela, rindo, como se a simples ideia de dançar fosse uma cura para todos os males.
Os dois partiram para a pista de dança, mergulhando na animação como crianças livres. Jean e eu ficamos na mesa, observando a cena com um misto de melancolia e alívio. Jean me olhou com um sorriso leve, um gesto que parecia tanto reconfortante quanto inquietante.
— Você está linda esta noite, Amelie — disse ele, e suas palavras, inesperadas, fizeram meu coração dar um salto.
— Obrigada, Jean. Você também está muito bonito — respondi, tentando manter a leveza na voz, embora uma sombra de insegurança pairasse sobre mim.
Ficamos em silêncio por um momento, apenas nos olhando, a conversa fluindo lentamente como o chope em nossos copos. Então, Jean se levantou e estendeu a mão para mim, um gesto simples que parecia carregar um peso invisível.
— Quer dançar? — perguntou ele, a oferta pairando no ar.
Hesitei, o desconforto de não saber dançar me engolindo. — Eu não sei dançar, Jean.
— Vamos lá, Amelie. Eu te ensino — insistiu ele, ainda com a mão estendida, um convite que parecia ao mesmo tempo uma promessa e um desafio.
Acabei cedendo, a mão dele oferecendo um apoio inesperado. Ele me conduziu até a pista de dança, e, no início, senti-me desajeitada, cada movimento mais uma tentativa incerta de encaixar-me no ritmo frenético da música. Mas Jean foi paciente, seus passos guiando os meus até que a tensão inicial se transformasse em risos e diversão.
A música alta, o calor das pessoas ao redor, os cheiros de bebida e cigarro misturavam-se em uma atmosfera de fuga temporária. Meus pensamentos se misturavam em uma confusão de melancolia e alegria, uma estranha sensação de estar viva e ao mesmo tempo distante de tudo. Eu sabia que a felicidade aqui era apenas uma sombra do que poderíamos ter. Mas, por enquanto, era um alívio, uma pausa na luta constante pela sobrevivência.
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