Capítulo 5
2598 palavras
"Nos momentos em que o corpo se curva sob o peso da dor e da frustração, é no silêncio das noites solitárias que a verdadeira transformação acontece."
Acordei com o som de passos apressados ecoando pelo dormitório, indicando que os recrutas já estavam se preparando. Abri os olhos e vi que muitos já estavam se arrumando. Levantei-me rapidamente e vesti o uniforme que me foi entregue: uma blusa branca de mangas curtas, uma calça cargo preta cheia de bolsos e um par de coturnos robustos. Troquei-me às pressas e segui para o refeitório.
Ao entrar, deparei-me com várias mesas ocupadas por recrutas que já estavam comendo. Em uma mesa maior, avistei o Comandante Levi e Hange, acompanhados de outros militares, provavelmente oficiais. O ambiente estava agitado, com o barulho das conversas e dos talheres ecoando pelas paredes. Observei discretamente o Comandante Levi; como alguém pode ser tão bonito e cruel ao mesmo tempo? Balancei a cabeça, tentando afastar esse pensamento.
Procurando um lugar para me sentar, vi Jean acenando discretamente de uma mesa mais afastada.
— Amelie! Aqui, venha se juntar a nós — chamou Jean, levantando a mão para indicar onde estava sentado.
Agradeci mentalmente por sua iniciativa e me aproximei da mesa. Jean me apresentou aos outros. Ao lado dele estavam Mikasa Ackerman, uma jovem de cabelos negros que emanava uma aura de determinação, e Sasha Braus, com cabelos castanho-avermelhados presos em um rabo de cavalo e um sorriso contagiante enquanto devorava seu café da manhã. Do outro lado da mesa estavam Connie Springer, com olhos cinzentos e cabelo castanho raspado, e Eren Yeager, com um rosto angular e olhos verde-azulados expressivos, focado no prato à sua frente.
— Prazer em conhecê-los — disse eu, sentindo-me um pouco mais à vontade na presença deles.
Nesse momento, um jovem se aproximou com um sorriso tímido, seus grandes olhos azuis percorrendo a mesa enquanto ele se sentava ao lado de Jean.
— Armin Arlert, esta é Amelie Moreau, a nova recruta — Jean apresentou, e Armin assentiu com um aceno amigável.
— Prazer em conhecê-la, Amelie. Espero que esteja se adaptando bem — disse Armin com sua voz calma e acolhedora.
— Sim, estou tentando me acostumar com tudo isso — respondi, agradecendo pela recepção calorosa.
Armin manteve seu olhar fixo em mim, como se estivesse reunindo coragem para formular a pergunta que parecia incomodá-lo. Depois de um breve silêncio, ele finalmente falou, sua voz gentil carregada de curiosidade:
— Amelie, você é a garota que foi resgatada fora dos muros dos distritos, certo? Parece que todos estão comentando sobre isso.
Fui pega de surpresa pela franqueza dele. Um silêncio desconfortável se instalou ao redor da mesa, enquanto todos aguardavam minha resposta. Meu coração acelerou, e percebi os olhares atentos. Encarei Armin, que me olhava com uma combinação de empatia e interesse genuíno.
— Sim... — murmurei, lutando para manter a voz estável, tentando afastar as lembranças dolorosas. — Eu e meu pai vivíamos isolados na floresta antes de sermos encontrados.
Armin acenou levemente com a cabeça, seus olhos azuis transmitindo compreensão e uma curiosidade cautelosa.
— Deve ter sido... muito difícil sobreviver fora dos muros por tanto tempo — ele disse, sua voz suave revelando preocupação. — Como vocês conseguiram se manter seguros?
Respirei fundo, sentindo um nó se formar em minha garganta. As memórias não eram fáceis de encarar.
— Nós nos adaptamos... mas foi tudo menos fácil. — Minha voz falhou por um momento, e precisei reunir forças para continuar. — Quando meu pai... não estava mais lá, tive que seguir sozinha. Mas, no fim, fui encontrada.
Armin ofereceu um sorriso reconfortante, percebendo que o assunto era sensível.
— Você deve ter uma força incrível para ter passado por tudo isso e ainda estar aqui, pronta para lutar. Isso é algo raro — disse ele, com um olhar caloroso, mas que me fez sentir uma mistura de desconforto e um peso indesejado. Eu não queria que minha história me definisse como alguém a ser apenas admirada ou, pior, vista com pena.
Percebendo a tensão, Sasha se intrometeu de forma despreocupada, tentando aliviar o ambiente:
— E agora você está conosco! Nada mais de caçar com as próprias mãos ou viver de raízes! — disse ela, com a boca cheia de comida, arrancando risadas e quebrando o clima pesado.
O comentário de Sasha trouxe um breve alívio, e acabei sorrindo junto com os outros, embora por dentro eu me sentisse incomodada. Não queria que minha história fosse um motivo de comoção, nem causar essa sensação de piedade nos outros. Armin me lançou um último olhar, como se quisesse ter certeza de que eu estava bem, mas aquela preocupação implícita só reforçava o desconforto.
Apesar de tudo, havia algo reconfortante em estar ali. Mas, no fundo, não podia evitar o receio de que minha história me mantivesse prisioneira, como uma cicatriz sempre à mostra.
Após o café da manhã, seguimos diretamente para o campo de treinamento, um vasto espaço com uma pista de corrida ao redor e arquibancadas vazias que se estendiam pelo perímetro. O sol brilhava intensamente, lançando sombras longas pelo campo. O calor era sufocante, mas o ar fresco trazia o aroma das árvores ao redor, criando uma atmosfera paradoxalmente revitalizante. O Comandante Levi já nos aguardava. Seu olhar momentâneo sobre mim foi seguido por um breve exame no relógio. A expressão séria e mal-humorada em seu rosto deixava claro que ele não acreditava que eu fosse capaz de chegar sequer no horário. Soltei um suspiro, determinada a provar que ele estava errado. No entanto, não entendia a antipatia repentina. Parecia ter sido gentil ao me resgatar daquela casa abandonada; agora, percebi que talvez tivesse me enganado.
O Comandante começou a falar, sua voz grave e imponente arrepiando minha pele, talvez mais por nervosismo do que por medo. Antes que eu pudesse me concentrar, senti um cutucão insistente. Quando despertei dos meus devaneios, o Comandante Levi já vinha na minha direção. Evitei olhar diretamente para ele. Engoli em seco enquanto ele se aproximava, parando bem à minha frente.
— Então, o que era tão importante que te impediu de prestar atenção, cadete? — Sua voz cortante me fez tremer levemente. Mexi os dedos nervosamente.
— Eu... me desculpe, senhor — balbuciei, mantendo o olhar baixo.
— Olhe para mim, cadete — ordenou ele. Respirando fundo, ergui os olhos para encontrar os dele. Levi era apenas um pouco mais alto que eu, mas sua postura rígida e expressão austera faziam com que cada palavra fosse uma ordem velada. Seus olhos, frios e penetrantes, pareciam adagas prestes a me perfurar.
— Senhor, sinto muito — consegui dizer, sentindo um arrepio na espinha quando ele quase esboçou um sorriso irônico.
— Muito bem, cadetes. Todos vocês darão 20 voltas ao redor deste campo. Quem parar vai lavar todos os banheiros do quartel por um mês. E agradeçam à nova recruta por isso — ele anunciou, virando-se para se afastar.
— Agora! — acrescentou, e os recrutas começaram a correr imediatamente.
Fiquei paralisada por um momento, observando Levi se afastar. Ele ergueu uma sobrancelha, o olhar desafiador.
— Comece a correr, Moreau, ou serão 40 voltas.
Com um impulso repentino de determinação, comecei a correr ao lado dos outros recrutas. A cada passo, meu corpo implorava para parar, mas a ideia de dar ao Comandante Levi o prazer de me ver desistir era mais do que eu podia suportar. Eu não permitiria que ele duvidasse de mim.
Enquanto corria, pensamentos turbulentos martelavam em minha mente. Eu tinha que ser a melhor. Não importava o quanto estivesse exausta, eu não iria parar. Não poderia dar a ele essa satisfação. Aquela corrida se tornou mais do que apenas um exercício físico ou uma punição; era uma prova de resistência, um desafio silencioso entre mim e o Comandante Levi, e eu estava determinada a vencê-lo.
Após as 20 voltas, meu corpo estava encharcado de suor e minhas pernas tremiam, quase cedendo. Ofegante, juntei-me aos outros cadetes em frente ao Comandante Levi.
— Vocês têm 5 minutos para se recompor — anunciou o Comandante, enquanto eu me dirigia às arquibancadas para recuperar a garrafa de água que havia deixado. Bebi rapidamente e voltei até onde ele aguardava.
— Espero que isso sirva de lição para todos. Não quero formar militares que se perdem em pensamentos insignificantes — disse ele, com um olhar direcionado especialmente para mim. Eu o encarei de volta, determinada a não deixar que seu desprezo me abalasse.
O Comandante Levi se posicionou diante de nós, sua presença impassível e sua postura firme transmitindo uma autoridade natural. Seus olhos cinzentos, frios e atentos, pareciam perfurar cada um dos cadetes, avaliando nossa força de vontade.
— Combate corpo a corpo é a base do que fazemos aqui. É a diferença entre sobreviver ou morrer quando as circunstâncias não jogam a seu favor — ele disse, com uma voz firme que reverbera pelo campo de treinamento. — Não esperem que o inimigo seja misericordioso. Devem estar prontos para reagir em qualquer situação. Na luta, não há espaço para hesitação.
Enquanto Levi falava, absorvi cada palavra, ciente de que o treinamento não seria apenas uma demonstração de técnica, mas um teste de resiliência. Seus olhos analisavam cada um de nós com precisão clínica, como se procurasse fraquezas para explorar.
— Hoje, vamos treinar até que esses movimentos se tornem instintivos. Estarei observando atentamente, então preparem-se para ultrapassar seus limites — ele finalizou, com um olhar que não deixava espaço para dúvidas.
Eu assenti silenciosamente, o peso das expectativas caindo sobre meus ombros. Sabia que Levi não aceitava nada menos do que o máximo. E eu estava determinada a provar que, apesar das minhas fraquezas, eu não seria uma decepção.
— Formem duplas — ele ordenou, cortando meus pensamentos abruptamente.
Olhei ao redor, à procura de um parceiro, mas, antes que pudesse me mover, senti uma mão firme segurando meu braço. Virei-me para encontrar os olhos impassíveis do Comandante Levi.
— Você vai treinar comigo, cadete — sua voz soou sombria, sem qualquer traço de gentileza. Um frio percorreu minha espinha. Eu sabia que ele não teria piedade.
Ele soltou meu braço, e seguimos para um canto afastado do campo. Meu estômago revirava de ansiedade. Estava ciente de que seria testada até o limite, e a simples ideia de enfrentar Levi me fazia tremer.
— Pronta? — ele perguntou, assumindo sua postura de combate. Engoli em seco e imitei seu movimento, tentando ignorar o medo crescente. Ele não desviou o olhar, e a intensidade em seus olhos fez meu rosto esquentar.
O campo de treinamento estava cheio de ruídos: os outros cadetes trocando golpes, os gritos de incentivo e o impacto dos corpos no chão. Mas, para mim, tudo se tornou secundário. Eu estava focada apenas em Levi, que se movia com uma fluidez mortal. Cada ataque que eu tentava era antecipado com uma facilidade humilhante. Seus golpes eram rápidos, precisos, e eu mal conseguia acompanhar.
Ele se esquivava dos meus ataques como se fossem previsíveis. A frustração e o cansaço logo se misturaram ao medo. Minha respiração estava pesada, e meus músculos já queimavam. Então, de repente, ele desferiu um soco direto na minha bochecha, me jogando ao chão. O gosto metálico do sangue invadiu minha boca.
— Levante-se, cadete. Ainda não terminamos — a voz dele soou calma, quase fria, contrastando com a brutalidade do golpe. Eu queria desistir, mas o orgulho me empurrou a continuar.
— Sim, Comandante — murmurei, forçando-me a ficar de pé. Eu mal conseguia esconder o tremor nas minhas pernas. Levi não deu tempo para que eu recuperasse o fôlego; ele avançou novamente, e o combate continuou. Eu sabia que ele não estava apenas me testando fisicamente, mas também mentalmente. A dor era excruciante, mas, mais do que isso, era a sensação de estar sendo desmontada peça por peça que me incomodava.
Os golpes continuavam vindo, e eu continuava falhando em me defender ou contra-atacar. Levi me acertou nas costelas, me derrubando novamente. A dor era aguda, mas eu me recusei a ceder. Fui me levantando com dificuldade, tentando manter a postura.
— Concentre-se. Na batalha, hesitação é igual a morte — ele disse com um tom que não permitia fraqueza.
Minhas pernas estavam prestes a ceder, e eu sabia que estava prestes a desmoronar. Ainda assim, continuei tentando, sabendo que desistir significaria admitir minha própria incapacidade. Mais alguns minutos de luta, e finalmente ele recuou, encerrando o treino.
— Isso é suficiente por hoje. Volte ao treino básico — disse ele, com uma leve suavidade na voz que quase me pegou desprevenida.
Apesar do alívio, uma frustração silenciosa crescia dentro de mim. Eu sabia que precisava melhorar muito, e a luta com Levi só reforçou isso. Passei o resto do dia treinando, mas o cansaço acumulado tornava cada movimento mais doloroso.
Quando a noite finalmente caiu, peguei minhas roupas e fui direto para o banheiro. O ambiente simples, com azulejos brancos e um cheiro sutil de desinfetante, era o refúgio de que eu precisava. Ao me despir, fiquei surpresa ao ver o estado do meu corpo. Hematomas surgiam em várias partes da pele, e meu lábio ainda estava cortado. Não pude deixar de soltar um suspiro cansado. Ele realmente não pegou leve.
O chuveiro quente foi um alívio momentâneo, relaxando os músculos doloridos. Depois do banho, voltei para o dormitório, mas a exaustão física e emocional tirou qualquer vontade de socializar. Deitei-me na cama, que rangeu ao mínimo movimento, mas me ofereceu um conforto tão necessário. Peguei o retrato do meu pai.
— Eu não sei o que estou fazendo aqui, pai... — murmurei, a insegurança me envolvendo como um manto pesado. O nó na garganta cresceu até que uma lágrima solitária escapou. — Queria que você estivesse aqui comigo... Sinto tanto a sua falta.
As palavras ficaram presas, e, por um momento, o peso da solidão me esmagou. As lágrimas caíram silenciosamente, o soluço preso no peito, e a dor da perda era tão afiada quanto os golpes de Levi. Precisava me fortalecer, porque, se não conseguisse, não sobreviveria. Fechei os olhos, exausta, e caí em um sono profundo, sem sonhos.
Quando acordei na manhã seguinte, ainda estava escuro. O dormitório estava silencioso, os outros cadetes ainda dormiam. Vesti meu uniforme e prendi o cabelo em um rabo de cavalo alto. Saí, caminhando pelos corredores vazios até o campo de treinamento. O ar frio me envolveu, e me sentei em uma das arquibancadas, abraçando o próprio corpo. A luz suave do nascer do sol começou a colorir o céu, trazendo uma paz inesperada. Ali, por um breve momento, senti uma fagulha de esperança, como se pudesse, de alguma forma, encontrar meu lugar nesse caos.
Mais tarde, no refeitório, Sasha me encontrou na entrada e abriu um sorriso caloroso.
— Bom dia! — disse ela com entusiasmo. Eu retribuí o sorriso.
— Bom dia. Vamos, estou faminta.
Nos servimos e encontramos uma mesa vazia. Lancei um olhar para a mesa dos oficiais, onde o Comandante Levi já estava, segurando sua xícara de café de forma peculiar. Quando nossos olhares se cruzaram, meu rosto corou de imediato. Desviei o olhar rapidamente. Preciso parar de encarar ele desse jeito.
— Ei, não te vi no jantar ontem à noite — disse Jean, se sentando à minha frente.
— Eu estava sem fome.
— O primeiro dia foi puxado para você, hein? — comentou Connie, juntando-se à mesa com um sorriso divertido.
— O Comandante Levi não pegou leve com você — acrescentou Armin, com um olhar compreensivo.
Assenti, ainda sentindo a tensão do treino. Sasha tentou me animar, sempre com seu jeito despreocupado.
— Não se preocupe, os primeiros dias são sempre os piores. Mas você vai se acostumar! — disse ela, com os olhos fechados em um sorriso.
A atmosfera leve me ajudou a relaxar um pouco. Eu ainda tinha um longo caminho pela frente, mas, naquele momento, cercada por eles, senti uma pequena centelha de pertencimento florescer dentro de mim.
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