Capítulo 32
3854 palavras
"Cada palavra era um jogo de manipulação velada, e, por trás daquele sorriso venenoso, algo muito mais sombrio estava por vir."
A sala de reunião estava carregada de tensão, quase sufocante. O ar pesado parecia vibrar com a ansiedade e expectativa de cada pessoa ali. Eu estava no fundo, sentada, tentando passar despercebida. Minhas unhas cravaram-se nas palmas das mãos por baixo da mesa, um gesto automático. Eu sabia que devia me concentrar, mas minha mente estava distante, vagando entre lembranças sombrias do Distrito Maria e os monstros que ainda me assombravam.
Erwin se levantou, firme como sempre, irradiando a confiança que todos buscavam. Sua postura era inabalável, e ele parecia ter calculado cada detalhe antes mesmo de falar.
— Já tivemos tempo suficiente para nos prepararmos, — ele disse, a voz grave ecoando pelas paredes da sala. — A missão ao Distrito Maria é essencial. Eu mesmo irei com vocês.
Isso captou minha atenção. Erwin não costumava participar diretamente desse tipo de operação. Algo estava fora do comum.
— Armin, — continuou Erwin, olhando para o loiro alguns lugares à frente de mim — você ficará na sala de controle. Não podemos repetir as falhas de comunicação da última vez. O contato deve ser mantido o tempo todo.
Armin assentiu, as mãos trêmulas, mas seu rosto mostrava a determinação de sempre. Era isso que Erwin fazia — inspirava até os mais fracos a acreditarem que poderiam enfrentar o impossível.
— Os fones foram consertados. Não haverá problemas desta vez, — completou Erwin, como se a questão estivesse encerrada.
Hange, inclinando-se para frente, finalmente quebrou o silêncio. Seus olhos brilhavam com aquela familiar mistura de excitação e obsessão, mas havia um toque de urgência agora.
— O objetivo principal é alcançar o laboratório. Precisamos de todas as amostras, anotações, tudo o que puderem encontrar. Se conseguirmos capturar um dos monstros... melhor ainda. Ainda há muito para aprender sobre eles, — disse ela, o tom acelerado, como sempre que falava sobre algo que a fascinava.
Jean não conseguiu disfarçar a careta de descrença. Ele nunca perguntou diretamente o que eu tinha visto no Distrito Maria, mas sabia que algo estava muito errado. Ele não era ingênuo.
— Capturar um dos monstros? Vocês estão falando sério? — resmungou ele, mas o olhar severo de Hange o calou.
Levi estava em seu habitual silêncio, braços cruzados, os olhos analisando a sala como se já tivesse previsto todos os possíveis erros e estivesse apenas esperando para corrigi-los. Não precisava dizer nada. Sua presença por si só trazia uma sensação de controle absoluto, ainda que ilusória.
Minha mente se afastou da sala, para fora das paredes opressoras, de volta à figura de Zeke. A sensação de que algo estava muito errado me consumia. Ele sempre tinha um plano, e a ideia de estar um passo atrás dele me causava náusea. Petra estava perto de Levi, como de costume, parecendo séria e concentrada, mas não me importava com ela ou com qualquer um ali. Meus pensamentos eram consumidos por outra coisa.
— Amelie.
A voz de Levi me puxou de volta, cortando meu devaneio. Olhei para ele, seus olhos me analisando com aquela familiar frieza. Ele estava tentando me ler, mas não daria o que ele queria. Não agora.
— Está tudo bem? — perguntou ele, com uma casualidade tão forçada que soava quase cínica.
— Sim, — respondi, seca, sem emoção. Não importava se estava tudo bem ou não. Isso nunca importava.
Erwin finalizou a reunião, sua voz mais grave, o peso das palavras evidente.
— Nosso sucesso depende da precisão e da confiança um no outro. Não podemos permitir erros. Esta pode ser nossa única chance de obter as informações que precisamos para acabar com essa ameaça.
A sala ficou em silêncio. Cada um entendia a gravidade da missão. Armin olhou na minha direção, nervoso como sempre. Mikasa ajustou o cachecol, um gesto que quase parecia mecânico. Eren, com o olhar determinado, estava preparado para enfrentar o que viesse, como sempre.
Eu, por outro lado, não demonstrava nada. Mantinha o caos dentro de mim sob controle, o ódio e a desconfiança apenas mais uma camada de frieza no meu olhar.
Erwin deu uma última olhada ao redor, seus olhos passando por cada um de nós.
— Se preparem. Partimos ao amanhecer.
Apenas assenti em silêncio.
Caminhando pelo corredor, o peso da missão que se aproximava pressionava meu peito, mas não como um lembrete. Era mais como uma lâmina constante, afiada, me mantendo alerta. Cada passo que dava parecia ecoar demais, como se o som estivesse zombando da minha ansiedade. Petra caminhava ao meu lado, quieta. Sabia que estava me observando. Sentia os olhos dela em mim, o tempo todo. Minha raiva só crescia, fervendo nas veias. Eu queria esmagá-la. Ali mesmo.
Quando diminui o ritmo, tentando sufocar o impulso de hesitar, Petra fez o mesmo. Claro. Como uma sombra maldita, sempre colada a mim. Seus olhos se fixaram em mim, calculadores.
— Amelie — começou ela, e até seu tom de voz parecia planejado, cada palavra afiada, como se fosse mais uma forma de me provocar — Zeke mandou um recado para você.
Meu corpo congelou. O nome dele era como ácido correndo pelas minhas veias. Zeke. Ele sempre voltava, sempre puxava as cordas. Eu sabia o que vinha.
— Ele disse que... não importa o que aconteça, seu dever nessa missão é ajudar os soldados dele.
Aquilo me atingiu como uma punhalada. Senti meu estômago revirar, o nojo subindo como bile. Ajudar os soldados dele? Era isso que ele queria de mim agora? Mais um comando. Mais uma ordem para eu seguir como um cão amestrado. Meu corpo inteiro tremia, mas enfiei as mãos nos bolsos, disfarçando. Não daria a ela o prazer de ver a merda toda que estava acontecendo dentro de mim.
Eu repeti mentalmente. Ajudar os soldados dele. A raiva me consumia, mas eu não tinha escolha. Nunca tive.
Petra me observava com aquele olhar insuportável, como se estivesse à espera do momento em que eu quebraria. Como se ela estivesse esperando para ver quando eu desabaria de vez. A desgraçada.
Eu deveria ter ficado calada. Mas a pergunta escapou antes que eu pudesse me controlar:
— E se eu... não conseguir?
A maldita pergunta saiu fraca, quebrada, como uma traição da minha própria voz. Eu odiava o som da minha impotência. Mas a verdade é que, debaixo de toda a raiva, havia essa merda de medo. O medo de falhar, de ser apenas mais um peão no jogo de Zeke.
Petra ficou em silêncio. O tempo esticou, o ar ao nosso redor ficando mais pesado. Quando ela finalmente respondeu, suspirou. Suspiro de superioridade. Seus olhos suavizaram, mas isso só piorou minha raiva.
— Você vai conseguir.
Simples, direta. E totalmente inútil. Não havia conforto em suas palavras. Só mais pressão, mais expectativas. Falhar não era uma opção. Eu sabia disso, ela sabia disso. Todos sabiam. O que me fazia querer gritar mais ainda.
Meus passos vacilaram, mas continuei avançando. Petra voltou a andar, e o silêncio voltou a nos envolver. Cada passo que dava parecia me puxar para dentro de um abismo mais fundo. Ele está me observando. Sempre está. Eu podia sentir. Zeke estava no controle. Ele sempre estaria.
Cada fibra do meu ser gritava para me recusar, para lutar contra isso. Mas eu sabia. Não havia saída. Eu estava presa nesse jogo sujo. E ele estava puxando as malditas cordas.
O refeitório estava cheio naquela noite, o burburinho das conversas preenchendo o ambiente de uma forma quase reconfortante. Por um breve instante, o som das vozes me fazia esquecer da missão iminente e das responsabilidades esmagadoras que pesavam sobre nós. Sentei-me à mesa com meus amigos, sentindo um alívio ao me distanciar da formalidade das reuniões e ordens dos superiores. Sasha, Jean, Connie, Armin, Eren e Mikasa estavam lá, e só de vê-los, a tensão dentro de mim começou a se desfazer aos poucos.
Sasha, como sempre, devorava a comida como se fosse a última refeição da vida. Seus olhos brilhavam a cada garfada, e sua alegria era quase contagiante.
— Sasha, vai com calma — Jean riu, cutucando-a com o cotovelo. — O que tá fazendo? Tentando engolir o prato também?
Ela deu de ombros, ainda com a boca cheia, o que fez todos nós rirmos.
— Não vou arriscar ficar sem comida amanhã! Nunca se sabe o que pode acontecer numa missão como essa — disse ela, a voz abafada pelo bolo de comida na boca.
— Isso é tão típico de você — resmungou Connie, revirando os olhos. — Não importa quanto você coma como se o mundo fosse acabar, daqui a meia hora vai estar reclamando de fome de novo.
Sasha fez uma careta e apontou o garfo para Connie.
— Ei, o corpo precisa de energia! E, além disso, comer é uma das poucas alegrias que ainda temos nessa vida miserável. Deixa eu aproveitar.
Eu ri, empurrando minha bandeja um pouco para o lado. Ver Sasha se empolgando com a comida era sempre um lembrete bem-vindo de que, apesar de tudo, ainda tínhamos momentos assim.
Jean me olhou de canto, arqueando uma sobrancelha.
— E você, Amelie? Tá muito quieta. Preocupada com a missão? — Ele inclinou-se para frente, um sorriso provocador surgindo no rosto. — Ou tá só planejando roubar a comida da Sasha sem a gente perceber?
— Eu não teria essa audácia — respondi, rindo baixinho. — A última coisa que quero é virar inimiga da Sasha por causa de comida.
Sasha, ainda mastigando, levantou a mão como se fosse um juramento.
— Sabia que eu mordo? Literalmente.
Todos explodimos em risadas, e o peso da seriedade do dia começou a se dissipar com aquela leveza que só eles conseguiam trazer.
— Ah, Sasha, sempre agindo como se a comida fosse acabar — Armin comentou com um sorriso genuíno, observando o caos ao nosso redor com a expressão calma de sempre.
— Você tá prestando atenção nas piadas ou já tá calculando uma estratégia pra gente não morrer amanhã? — Eren provocou, com um sorriso malicioso, dando um leve empurrão em Armin.
Armin riu, balançando a cabeça.
— Posso fazer as duas coisas ao mesmo tempo, sabia?
Jean suspirou dramaticamente, cruzando os braços.
— Vou deixar essa parte com o gênio aqui. Eu prefiro me concentrar no meu plano de não morrer e, quem sabe, manter minha cabeça grudada no corpo.
Ele me olhou e deu uma piscadela, que eu retribuí com um sorriso.
— Não precisa se preocupar, Jean — falei, dando um leve soco no ombro dele. — Contanto que eu esteja por perto, você tá seguro.
Jean abriu um sorriso maior, algo que parecia misturar sua arrogância com uma sinceridade que ele raramente deixava transparecer.
— Se eu for confiar em alguém pra me proteger, Amelie, é claro que vai ser você. Alguém precisa ficar de olho em mim.
Sasha, então, limpou a boca com a manga e se inclinou para frente, os olhos brincalhões fixos em nós dois.
— Vocês dois são tão bonitinhos. Parece que tão sempre flertando, mas nunca chegam a lugar nenhum.
Senti meu rosto esquentar imediatamente, um leve desconforto me tomando, e Jean quase engasgou com a água que estava bebendo.
— Ei! Isso não é verdade! — Jean protestou, vermelho até as orelhas. — Eu só confio na Amelie porque ela é nossa capitã. Só isso!
Sasha gargalhou alto, jogando a cabeça para trás, enquanto Connie a acompanhava, batendo na mesa de tanto rir.
— Claro, claro. Ninguém tá insinuando nada, Jean. Fica tranquilo — Connie piscou de forma provocativa.
Senti a tensão do meu corpo se dissolver mais um pouco, e me deixei levar por aquele momento. Eu precisava disso, desse alívio. Precisava sentir que, apesar de tudo, ainda tínhamos uns aos outros. Minha amizade com Sasha e Jean sempre trazia esse conforto, essa sensação de que, pelo menos ali, éramos invencíveis. Mesmo que o mundo lá fora estivesse desmoronando, naquele instante, estávamos bem.
— A única coisa que importa agora é a gente sobreviver e trazer o que for preciso do Distrito Maria — disse Eren, a voz dele mais grave, mas ainda com aquela determinação de sempre.
Mikasa, sempre silenciosa, assentiu, concordando com ele de maneira calma, mas firme. Meu olhar se desviou por um instante para a mesa dos oficiais, vazia. Levi não estava lá, e sua ausência me incomodava mais do que eu gostaria de admitir.
Sasha, então, me puxou de volta para a realidade, um sorriso travesso nos lábios.
— E então, Amelie? Vai querer roubar um pedaço da minha sobremesa ou ainda tem medo de mim?
Eu ri, aceitando o pedaço que ela me ofereceu. Era raro Sasha compartilhar comida.
Depois da conversa animada no refeitório, me despedi dos meus amigos e caminhei pelos corredores até o meu quarto. O silêncio envolvia a base àquela hora, com a maioria das luzes apagadas, exceto por algumas tochas que lançavam sombras vacilantes nas paredes de pedra. O ambiente parecia mais pesado do que antes, como se o peso da missão iminente começasse a se infiltrar novamente na minha mente.
Abri a porta do quarto e me joguei na cama sem nem me preocupar em tirar as botas. O colchão rangia levemente sob o meu peso, e eu senti meus músculos relaxarem de imediato. Por mais que estivesse cercada pelos meus amigos, algo no fundo de mim continuava inquieto. A ausência de Levi no refeitório não saía da minha cabeça, mas eu tentava ignorar isso.
Respirei fundo, puxando o cobertor por cima de mim, o tecido áspero contra a minha pele cansada. O barulho abafado da base e o vento do lado de fora pareciam tão distantes agora. Fechei os olhos, deixando que a exaustão tomasse conta do meu corpo. O sono veio rápido, me arrastando para o escuro, onde, por um breve momento, todas as preocupações pareciam se dissolver no vazio.
E então, o silêncio me envolveu por completo.
O dia estava apenas começando, e já me sentia exausta. O brilho pálido do sol que entrava pela pequena janela parecia indiferente ao caos que se aproximava. A missão estava prestes a começar, e eu sabia que precisava estar pronta, mas meu corpo parecia agir por conta própria, como se estivesse distante da iminência do perigo. Enquanto arrumava minha bolsa, cada movimento parecia automático, como se parte de mim tivesse se desligado, buscando um escape da realidade sufocante.
Peguei o fone e o coloquei no bolso da calça, sem pensar muito. A lanterna era algo que provavelmente eu não usaria, mas a levei mesmo assim. Minha adaga estava firme no meu coturno, um peso familiar e reconfortante, como se me desse uma falsa sensação de controle.
A pequena caixa de vitaminas que Hange me deu foi a última coisa a entrar na bolsa. Por um momento, fiquei olhando para ela. Sabia que era importante, com tudo o que estava acontecendo no meu corpo... com o bebê.
Respirei fundo, tentando afastar o pensamento. Não havia espaço para fraqueza. Hoje, eu não podia me permitir vacilar, e sabia que todos os olhos estariam sobre mim, esperando mais do que eu estava disposta a dar. O plano de Erwin iria me colocar na linha de frente, explorar minhas novas habilidades ao máximo, fazer de mim seu escudo, seu colete à prova de balas, ele não perderá a chance de me testar, como se eu fosse seu brinquedo.
A ideia me perturbava profundamente. Minhas mãos tremiam levemente ao fechar a bolsa, um reflexo do que se passava dentro de mim. Eu não queria lutar mais do que o necessário, não podia. Algo dentro de mim gritava por proteção, por resguardar aquela vida que crescia em segredo. Eu não sabia como, mas sobreviver havia se tornado uma prioridade não apenas por mim, mas por ele. O pensamento de colocar meu bebê em risco era insuportável.
Encostei-me na parede, permitindo que meu corpo relaxasse por um breve instante. Meus olhos fixos no chão, como se o silêncio do quarto pudesse, de alguma forma, acalmar a tempestade de pensamentos que rodava na minha mente. A base lá fora estava em movimento, e logo eu teria que seguir o ritmo, mas por enquanto, aquele era meu momento. Um instante para processar o medo, o peso das decisões e as incertezas sobre o futuro.
O portão diante do quartel estava lotado, a tensão pairando no ar como uma neblina densa. Cada soldado se preparava mentalmente para o que estava por vir. O som dos passos e das vozes abafadas misturava-se ao leve ruído do vento, criando uma atmosfera pesada. Quando cheguei, Hange estava lá, me esperando com aquele sorriso familiar, agora tingido de preocupação.
Ela veio até mim, me puxando para um abraço apertado e demorado.
— Amelie... por favor, tome cuidado, tá? — sua voz estava baixa, cheia de apreensão. — Você sabe que agora não é só por você... — Hange murmurou, sua mão se moveu para tocar levemente minha barriga, um gesto discreto, mas cheio de significado.
Assenti, sentindo um peso no peito. Ela sabia, e embora confiasse em mim, a preocupação em seus olhos era clara. Olhei para a pequena caixa de vitaminas na minha bolsa, um lembrete constante do segredo que eu carregava — e do que estava em jogo.
— Eu vou ficar bem, — respondi com mais firmeza do que realmente senti, tentando convencê-la, talvez até a mim mesma. – Prometo.
Ela me olhou por mais um instante, como se estivesse tentando gravar aquela promessa, antes de me soltar.
O caminhão já estava pronto e todos começaram a subir. Erwin, Petra e Jean foram para a cabine, enquanto o restante — Levi, Eren, Mikasa, Connie e eu — subiu na parte de trás. O veículo balançou levemente quando o motor começou a roncar, e notei que Levi estava sentado de frente para mim. Seus olhos, no entanto, estavam fixos em algum ponto distante, o rosto mais sério do que o habitual.
Ele sempre foi reservado, mas havia algo diferente hoje. Uma distância maior, um ar de frieza que fazia meu peito apertar. Levi parecia ainda mais distante do que o normal, e por mais que eu tentasse, não conseguia entender o que estava acontecendo dentro dele. Era como se ele estivesse fisicamente presente, mas emocionalmente em outro lugar.
Enquanto o caminhão seguia em direção ao Distrito Rose, o som rítmico das rodas na estrada ecoava junto aos nossos pensamentos silenciosos. Eu o observava de vez em quando, esperando que ele me olhasse de volta, mas ele permanecesse impassível, os olhos fixos em algum ponto além de mim. Havia uma frieza entre nós que eu não sabia como quebrar, e isso me incomodava mais do que eu queria admitir.
Os outros conversavam em tons baixos, com Connie tentando aliviar a tensão com suas piadas, enquanto Mikasa permanecia vigilante e carrinho como sempre. Eu, no entanto, só pude pensar no que estava por vir — e não que eu carregava dentro de mim.
Cada milha que passava me aproximava de um destino certo. E, Levi embora estivesse fisicamente à minha frente, a distância emocional entre nós parecia maior do que nunca.
O caminhão parou em frente ao quartel, e um arrepio percorreu minha espinha. Desci, mantendo o rosto impassível, embora a tensão no ar fosse quase palpável. O céu nublado do Distrito Rose parecia um presságio do que estava por vir, pesado e implacável. Tentei sufocar a crescente ansiedade dentro de mim, mas ela se enroscava em meu peito como uma serpente.
— Vamos, por aqui — disse Reiner, a voz firme demais para o meu gosto. Ele caminhava à frente, com Bertolt ao seu lado. Pareciam tranquilos, mas eu sabia que era uma fachada. Ninguém aqui era confiável, muito menos eles.
Entramos no quartel, e o familiar cheiro de metal e pólvora me atingiu. Era como uma versão distorcida do quartel de Sina, onde as coisas costumavam fazer mais sentido, onde as sombras não pareciam tão profundas. Aqui, tudo parecia errado, as paredes pareciam sussurrar segredos que eu não queria ouvir.
Assim que chegamos à sala de armas, lá estava ele. Zeke. Seu olhar me encontrou assim que entramos, como se já soubesse que eu estava incomodada. O habitual sorriso cínico curvava seus lábios, sem nunca alcançar os olhos.
— Que bom que chegaram, — disse ele com aquela voz melíflua que me fazia querer socá-lo. — Temos muito o que discutir.
Senti o estômago revirar, como sempre acontecia na presença dele. Era como estar perto de um predador que te observa sem pressa, sabendo que, no fim, você é apenas a presa. As M4A1 estavam empilhadas sobre a mesa, reluzindo sob a luz fraca. Eram armas de precisão, projetadas aqui no Distrito Rose. Familiar, mas ao mesmo tempo uma lembrança de que estávamos sob o controle de Zeke.
— Lembrem-se, — disse Erwin, interrompendo meus pensamentos, sua voz cortando o silêncio como uma faca. — Essas armas não são apenas ferramentas. Elas são nossa única linha de defesa. Foquem nisso.
— Claro, — murmurei, o sarcasmo escorrendo de minha voz. Não me importava se alguém notava. Erwin tinha razão, mas nada no tom de suas palavras conseguia acalmar o incômodo que Zeke provocava em mim. Seus olhos ainda estavam fixos em mim, como se me pesassem.
— Estou ansioso para ver seu desempenho nesta missão, Amelie... — Zeke finalmente falou, a maneira como disse meu nome era como o farfalhar de uma cobra na grama. — Sabendo do que você é capaz, sua contribuição será crucial.
O jeito como ele falava, como se soubesse mais do que qualquer um ali, me irritava profundamente. Mas mantive a expressão fria, um sorriso forçado se desenhando em meus lábios.
— Ah, mal posso esperar para mostrar o que posso fazer, — respondi, o tom ácido, enquanto puxava uma das M4A1 da mesa e mirava distraidamente na direção dele. Uma parte de mim, por um segundo, imaginou como seria apertar o gatilho, acabar com aquela sensação sufocante que ele causava. Mas antes que pudesse sequer pensar no que estava fazendo, Reiner já estava ao meu lado, tirando a arma das minhas mãos com um movimento rápido e firme.
— Cuidado com isso, — disse ele, num tom que me fez apenas levantar uma sobrancelha e forçar um sorriso zombeteiro.
— Obrigada pela preocupação, Reiner. Eu teria conseguido lidar com isso, mas aprecio o gesto. — Minhas palavras foram secas, e pude sentir os olhares de todos sobre mim, mas Zeke não pareceu se incomodar. Apenas me observava com aquele meio sorriso irritante.
— Já podemos ir? — Erwin quebrou o silêncio, sempre o pragmático.
— Já? — Zeke respondeu com uma falsa surpresa. — Eu tinha ordenado que preparassem uma refeição extra para vocês. Afinal, será uma missão difícil, e todos precisam estar em plena forma.
O veneno na voz dele era tão denso que quase podia ser palpável, como se ele estivesse nos preparando para algo maior, algo que só ele sabia. Eu o encarei, com os olhos semicerrados, tentando entender o que ele tramava. Ele tinha um plano, claro. Zeke nunca fazia nada sem um propósito oculto.
— Uma refeição seria uma boa ideia, — Erwin respondeu, cauteloso, mas sem levantar suspeitas. Ele sabia, assim como eu, que aceitar algo de Zeke sempre vinha com um preço. Mas havia uma missão a cumprir, e qualquer movimento errado poderia custar caro.
— Então que assim seja, — Zeke disse com um sorriso triunfante, os olhos brilhando com uma malícia disfarçada. — Aproveitem, e depois sigam em frente com o plano. Vou me certificar de que vocês estejam... devidamente preparados.
Eu apenas cerrei os punhos ao lado do corpo, me recusando a mostrar qualquer fraqueza diante dele. Não hoje. Não para ele.
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