Capítulo 29
2553 palavras
"Às vezes, sobreviver custa mais caro que a própria alma. Eu me perdi no silêncio que me restava, dançando e rodando em desespero enquanto ele se deleitava com cada pedaço da minha rendição. O diabo tomou minha alma, e agora eu sou dele."
A sala estava abafada, apesar do frio lá fora. As janelas permaneciam fechadas, e o silêncio era denso. Erwin já havia relatado os detalhes da missão no distrito Maria e o que encontramos por lá. Zeke, ao meu ver, apenas fingiu preocupação. O olhar malicioso por detrás dos óculos não me enganava. Ele sabe mais do que diz, tenho certeza, mas como provar isso? Infectada, minha palavra agora não valeria muito. Hange faria testes, e, dependendo dos resultados, poderiam até me colocar na linha de frente para enfrentar aqueles monstros terríveis. Só de pensar, meu estômago revirava.
Levi estava sentado à minha esquerda, a postura rígida como sempre. Hange folheava alguns papéis, os óculos escorregando até a ponta do nariz. Erwin, à frente, observava cada movimento com seu olhar calculista. Zeke e Yelena estavam à direita, mantendo um silêncio desconcertante. Ainda assim, eu podia sentir a tensão nos olhares que lançavam.
Eu me sentia pequena naquele ambiente, mesmo sabendo que era o foco da reunião. Algo dentro de mim se inquietava, mas eu mantinha uma fachada calma. Precisava disso.
Hange limpou a garganta, quebrando o silêncio.
— Vamos direto ao ponto. Temos novas descobertas — começou, com a voz firme e um toque de animação contida. — A diferença entre o vírus que infectou Florencia e Faye, que chamamos de "Khaos1", e o vírus em Amelie é... significativa.
Os olhares se voltaram para mim. O calor subiu pelo meu corpo, mas permaneci imóvel.
— O Khaos1 causa degeneração mental severa nos hospedeiros. Eles perdem completamente o controle, tornando-se instáveis e extremamente imprevisíveis. — Hange continuou, o brilho nos olhos refletindo fascinação pelo tema. — Além disso, eles desenvolvem superforça, resistência à dor e um desejo insaciável por carne humana. É o que os leva a caçar e atacar outros humanos.
— Mas... o vírus em Amelie é diferente. Parece ser uma evolução, entre muitas aspas. Foi modificado em laboratório. Ela não apresenta desejo por carne humana, e até agora, não há sinais de instabilidade mental. — Hange fez uma pausa, me olhando por cima dos óculos. — No entanto, precisamos fazer mais testes para entender o quanto o vírus dela é similar ou completamente diferente do Khaos1.
O silêncio dominou a sala. Levi não disse nada, mas sua presença ao meu lado era forte, sempre alerta, pronto para me proteger — ou me destruir, caso eu me tornasse uma ameaça. Erwin apenas assentiu lentamente, processando a informação.
Então Zeke quebrou o silêncio, a voz carregada de ironia.
— Então, basicamente, temos uma versão melhorada do vírus aqui entre nós? — Ele sorriu para mim, malicioso. — Uma arma biológica ambulante... mas ainda não sabemos quando ou se essa arma vai enlouquecer, certo?
Minhas mãos se apertaram contra os joelhos. O ar parecia mais denso agora.
— Zeke... — Erwin advertiu, mas sua voz era suave demais para ser uma repreensão verdadeira.
— O que foi? Só estou tentando entender a situação. Afinal, temos uma pessoa aqui infectada com algo que não entendemos totalmente, com treinamento militar. Quem garante que ela não vai se transformar em uma dessas... coisas? — Zeke continuou, casual, mas cada palavra era um veneno sutil. — Como podemos confiar que Amelie está sob controle? Ela não sente vontade de devorar carne humana... por enquanto.
Minha respiração acelerou. Um nó se formou em minha garganta. Sabia que havia verdade no que ele dizia, mas ouvir aquilo me deixou tensa.
— Não se preocupe, Zeke. Você será o primeiro a saber se eu desejar carne humana. — Minha voz saiu calma, uma ameaça velada.
Zeke arqueou uma sobrancelha, os lábios torcendo-se em um sorriso provocador.
— Uma ameaça, hein? No entanto, eu teria mais cuidado se fosse você — ele se inclinou para frente, os olhos fixos em mim com uma intensidade desconcertante. — Agora, me diga... já teve sonhos estranhos? Algum desejo... de morder alguém? Sentir o gosto de sangue na boca?
— Já chega, Yeager. — A voz de Levi cortou o ar como uma lâmina, fria e cortante. Ele não olhou para Zeke, mas o tom de ameaça era inconfundível.
Hange interveio, batendo os papéis na mesa.
— Isso não é um interrogatório, Zeke. Além disso, estamos nos estágios iniciais de análise. Não há indícios de que Amelie vá... sucumbir como os infectados pelo Khaos1. Ela é um caso único, e vamos tratá-la como tal.
Zeke deu de ombros, mas seus olhos não se desviaram de mim. Eu me sentia exposta, como se ele pudesse ver meus medos mais profundos. Um suor frio escorreu pela minha espinha.
Yelena permaneceu em silêncio, mas a aprovação em seu olhar era óbvia. Ela sempre concordava com Zeke, como se suas palavras fossem a verdade absoluta.
— Hange tem razão. Não vamos especular sobre o que pode ou não acontecer — Erwin falou finalmente, firme, assumindo o controle. — Nosso foco agora é entender a verdadeira natureza do vírus em Amelie, para que possamos agir preventivamente, se necessário.
Tentei me concentrar nas palavras de Erwin, mas as insinuações de Zeke ainda pairavam sobre mim. Ele tocou em um medo real, algo que eu tentava esconder. E se ele estivesse certo? E se, algum dia, eu me tornasse como eles?
Levi se inclinou ligeiramente em minha direção, sua presença um conforto silencioso.
— Você ficará bem, Melie — ele murmurou, a voz baixa, suave, para que só eu pudesse ouvir.
Assenti, mesmo sem ter certeza se acreditava nisso.
A sala parecia se fechar ao meu redor, as paredes comprimindo cada respiração que eu tentava puxar. O ar era pesado, carregado com o cheiro sufocante de medo e ansiedade que se infiltrava em mim, envenenando cada célula. Meu corpo estava em febre, o suor escorrendo pelas têmporas, e o coração martelava contra as costelas, como se quisesse rasgar meu peito para fugir. Zeke... maldito. O jeito que ele me olhou, com aquele sorriso frio e olhos faiscando com desprezo calculado, me devastou. Suas palavras, afiadas como lâminas, cravaram-se na minha mente, corroendo-a pouco a pouco.
Minhas mãos passaram pelo cabelo, enquanto eu tentava conter a maré de pânico que subia cada vez mais, ameaçando me afogar. O medo se espalhava como veneno, contaminando cada pensamento. E se ele estiver certo? E se eu me tornar uma daquelas aberrações?
De repente, batidas fortes ecoaram pela porta, cada som retumbando em meu peito como um tambor. Meu coração parou por um segundo, antes de disparar. Levi? Caminhei até a porta com passos trêmulos, tentando puxar uma respiração profunda para parecer no controle. Minhas mãos, no entanto, tremiam ao girar a maçaneta.
Antes que eu pudesse abrir completamente, a porta foi arremessada com brutalidade. Meu corpo foi lançado contra a parede como uma boneca de pano. O impacto arrancou um grito dos meus lábios, a dor irradiando pelas costas enquanto a cabeça latejava com a força do golpe. O mundo girou por um instante, até que ouvi o som seco da porta se fechando com estrondo.
— O que... — minha voz saiu num sussurro entrecortado, ainda atordoada pela dor e confusão.
Antes que eu pudesse reagir, uma mão áspera agarrou meu cabelo, puxando com tanta força que o couro cabeludo parecia em chamas. Um grito escapou dos meus lábios, e fui erguida sem piedade. A tontura deixou minha visão turva, mas, quando pisquei para tentar clarear o mundo ao meu redor, vi o rosto dele.
Zeke.
O pânico se alastrou como fogo descontrolado, consumindo o pouco de lógica que me restava. Ele me prensou contra a parede, sua respiração quente e desordenada batendo em meu rosto. O cheiro de cigarro e algo ainda mais amargo impregnava suas roupas. Cada músculo do meu corpo tremia, paralisado pelo terror, congelando qualquer tentativa de fala.
— O que você quer? — Minha voz saiu rouca, um sussurro quase inaudível, refletindo a fraqueza que eu tentava desesperadamente esconder.
Zeke sorriu, um sorriso vazio e cortante, seus olhos brilhando com uma crueldade calculada, como se estivesse se deliciando com o meu terror.
— Não é óbvio? — Sua voz era um veneno gotejante, cada palavra pingando desprezo. — A partir de agora, você trabalha para mim.
Meu estômago afundou em um abismo. Minha mente ainda processava, mas meu corpo já sabia o que aquilo significava. Um riso seco, desesperado, escapou dos meus lábios, uma tentativa patética de parecer corajosa.
— Vai se foder, Zeke — eu cuspi, tentando exibir valentia. Mas ambos sabíamos que era uma farsa.
Ele apertou meu pescoço com a outra mão, os dedos cravando-se na minha pele com brutalidade. O ar foi cortado, e o pavor tomou conta de mim. Minhas mãos desesperadas tentaram soltar o pulso dele, mas era inútil; ele era forte demais.
— Não faça essa cara, Amelie — ele murmurou, cada palavra carregada de desprezo, o rosto tão próximo ao meu que eu podia sentir o calor de sua respiração. — Se não cooperar, farei experimentos com você e com o bastardo que carrega no ventre. Vai implorar para morrer.
Aquelas palavras me atingiram como um golpe frio. Ele sabia. Mas como? Minha mente gritava, tentando entender, buscar uma brecha. Apenas Hange sabia...
— Petra — murmurei para mim mesma, os olhos se arregalando em choque. Ela tinha sido transferida recentemente de Rose para Sina.
Zeke soltou uma risada suave e sádica, saboreando o controle absoluto que tinha sobre mim. Sua mão continuava firme em meu pescoço, mantendo-me à sua mercê.
— Isso não importa agora — ele disse, a voz baixa, carregada de ameaça. — O que importa é que, a partir de hoje, você vai seguir minhas ordens. E se tentar me desafiar... vou te transformar numa aberração tão grotesca que até os monstros do Distrito Maria parecerão benignos perto de você.
De repente, ele me soltou, e eu desabei no chão, ofegante. Minhas mãos foram imediatamente ao pescoço, massageando o lugar onde ele apertara. A dor era intensa, mas o medo que me corroía por dentro era ainda pior. Olhei para ele de baixo, me sentindo pequena e frágil. Zeke me encarava com desdém, como se eu fosse um inseto prestes a ser esmagado.
— Levi não vai te salvar — ele disse, as palavras gotejando veneno. — Se ele soubesse o que você carrega, te mataria sem hesitar. Você sabe disso, não sabe? — Ele inclinou a cabeça, os olhos perfurando os meus, saboreando o terror que sabia estar me consumindo. — O desprezo dele por você é evidente.
As lembranças de Levi me atingiram com força. Ele nunca me colocaria como prioridade, e admitir isso doía mais do que eu imaginava. Eu era descartável para ele.
Zeke se abaixou, aproximando o rosto ainda mais, seus dedos segurando meu queixo com força, obrigando-me a encará-lo.
— E você acha que Hange ou Erwin fariam diferente? — ele sussurrou, cada palavra uma adaga. — Você é uma infectada. Só serve para ser estudada. Um espectro evoluído, Amelie. Eles te sacrificariam sem hesitar. Você não significa nada para eles.
Cada frase era uma faca rasgando o que restava da minha esperança. Eu estava à beira do colapso, e ele sabia. Ele estava me destruindo, lentamente, uma peça de cada vez.
— O que você quer que eu faça? — Minha voz mal passava de um sussurro, as palavras arranhando minha garganta como vidro. Meu coração batia descompassado, o desespero ameaçando me trair.
Zeke sorriu de maneira lenta, como um gato prestes a devorar sua presa. Sua mão afastou-se do meu rosto, mas o toque dele ainda queimava minha pele. Eu inspirei fundo, tentando trazer ar para os pulmões enquanto a dor latejava, viva, como uma lembrança do seu controle.
— Nada que você não seja capaz de fazer — sua voz gotejava desprezo, cada palavra mais fria que a anterior. — Apenas siga minhas ordens. Petra será minha porta-voz. Ela te passará as instruções. E lembre-se, Amelie, não há escapatória.
O modo como ele disse aquilo... "não há escapatória". Era como se estivesse enterrando essas palavras na minha alma.
Me forcei a ficar de pé, apoiada na parede, enquanto abaixava a cabeça, sentindo o gosto amargo do fracasso se espalhar pela língua. Zeke me tinha exatamente onde queria, e eu... estava quebrada. Sempre fui covarde, pensei, enquanto uma voz cruel ecoava em minha mente, como uma acusação. Desde o início, desde o primeiro momento em que ele me lançou aquele olhar, eu sabia que não poderia vencê-lo. A verdade queimava como o medo, corroendo-me por dentro.
Quando finalmente assenti, foi como se o último fragmento de minha dignidade desaparecesse, escorrendo para um vazio sombrio. Eu faria o que ele mandasse. Não por lealdade, não por dever, mas por puro medo. Porque, no fim, o que restava em mim era apenas o desejo desesperado de sobreviver... mesmo que isso me custasse a alma.
Zeke deu um passo à frente, o olhar afiado como uma lâmina que cortava até o âmago. Ele me estudava, avaliando o quão longe poderia me levar. Um predador saboreando cada fraqueza de sua presa.
— Boa menina — ele sussurrou, a voz baixa e carregada de ironia. O desprezo estava estampado no sorriso que lançou em minha direção.
Eu sabia que ele estava me provocando. Sabia que cada palavra, cada comando, era uma tentativa de me despedaçar ainda mais. Mesmo assim, não consegui controlar o medo crescente que rastejava sob minha pele.
Sem qualquer aviso, o impacto veio. O punho dele cravou-se em meu estômago com uma força brutal, arrancando todo o ar dos meus pulmões. Meus joelhos cederam imediatamente, e o chão frio me acolheu enquanto a dor se espalhava em ondas intensas. Por um momento, o mundo ao redor girou. Tudo à minha volta se distorceu, e a única coisa que restou foi a dor queimando de dentro para fora, consumindo cada fibra do meu corpo.
Mas eu não gritei. Eu não lhe daria esse prazer. Ele podia me ferir, podia me torturar, mas não ouviria o som do meu desespero.
Zeke soltou uma risada curta e cruel, como se se divertisse com a minha resistência patética.
— Parece que ainda não é resistente à dor, não é? — ele murmurou, com a voz baixa e venenosa, inclinando-se para me observar de perto.
Manti os olhos fechados, lutando contra as lágrimas que ameaçavam escapar. Sentia a bile subir pela garganta, misturada ao gosto amargo da humilhação e do medo. Mesmo assim, permaneci em silêncio. Porque o silêncio era tudo o que ainda me pertencia.
Zeke agarrou meu rosto com dedos ásperos, apertando com força suficiente para me forçar a olhar para ele. Seu toque era firme, quase possessivo, como se quisesse moldar meu corpo à sua vontade.
— Vamos testar seus limites, Amelie — sussurrou, aproximando o rosto do meu, a voz como um veneno gotejando em meus ouvidos. — Talvez, depois, você me agradeça por transformá-la no que deveria ser.
Minhas mãos tremiam enquanto eu tentava empurrá-lo, mas não havia força suficiente. Estava indefesa. Vulnerável. Frágil. E Zeke sabia disso. Ele se deleitava com o poder que exercia sobre mim. O gosto amargo do medo ainda impregnava minha boca, e a única coisa que me restava era a visão do abismo que se abria à minha frente.
Nojo. Um nojo profundo de mim mesma por ceder, por permitir que ele me quebrasse assim. Sempre fui covarde, e agora, diante de Zeke, essa verdade nunca foi tão clara. A vulnerabilidade me despedaçava por dentro, e eu não tinha para onde fugir.
Eu era dele.
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