Capítulo 23
4048 palavras
"A luz, revela uma visão horrenda, um lembrete cruel da brutalidade que permeia a humanidade."
Meu sangue gelou, e meu corpo ficou rígido como uma tábua. Uma tontura tomou conta de mim enquanto meu coração martelava no peito, cada batida ecoando pela minha caixa torácica. O ar ficou sufocante, mais quente a cada segundo, mas minha pele continuava fria e úmida de suor.
Só percebi que estava tremendo quando Levi tirou a mão da minha boca e segurou meus ombros, forçando-me a encará-lo. Ele se aproximou, trazendo o rosto até o meu ouvido.
— Não faça barulho — sussurrou, e temi que o som de sua voz fosse alto demais. No entanto, os ruídos macabros vindos da sala voltaram a ecoar, abafando qualquer outra coisa. — Vamos voltar para os outros. Agora. — Ele enfatizou, me arrastando com ele.
Desta vez, Levi foi mais lento e cuidadoso, ciente de que eu não conseguiria correr com o tornozelo machucado. Cada passo era uma tortura, mas a adrenalina pulsando em minhas veias me fazia ignorar a dor — uma dor insignificante comparada à perspectiva de ser pega por aquela aberração.
Enquanto nos movíamos pelo corredor sombrio, Levi segurava minha mão com firmeza, enquanto a outra se apoiava na parede, tentando se guiar na escuridão que parecia engolir o lugar. Sua mão fria na minha pele me fez pensar se ele estava tão aterrorizado quanto eu. A cada passo, o desconforto crescia, mas tudo o que eu queria era voltar para Miche e os outros.
Quando finalmente chegamos ao final do corredor e viramos à direita, o pânico explodiu dentro de mim ao perceber que eles não estavam lá. O medo cresceu em ondas, minha mente girando em busca de uma explicação — esperando desesperadamente que estivessem apenas escondidos.
— Merda. — Levi xingou ao ver que estávamos sozinhos.
— Onde eles estão? — perguntei, com a voz trêmula de pânico, sem saber o que deveríamos fazer.
Devemos ir embora sem eles? Ou tentar encontrá-los? Mas e se já tivessem ido embora e nos deixado para trás? Não... Miche não faria isso.
— Você acha que eu sei o que está acontecendo? — Levi respondeu com irritação. Eu sabia que ele não tinha a resposta, mas ele precisava manter a calma. Se Levi entrasse em pânico, eu também perderia o controle. Merda, não consigo parar de pensar em como Nifa deve estar agora.
— Vamos.
— Vamos embora? — Eu quase gritei, incrédula. — Você não pode estar falando sério! Não podemos deixá-los aqui!
Ele se virou para mim, apertando minha mão com força e me puxando para mais perto, até seus lábios tocarem meu ouvido novamente.
— E daí? Quer perder tempo procurando por eles como se tivéssemos esse tempo?
— Mas e se eles estiverem em perigo, Levi? Não podemos simplesmente abandonar nossa equipe. E se precisarem da nossa ajuda?
— Se conseguirmos nos salvar, já seria sorte. Se eles não conseguem sair daqui, eu preciso garantir que nós consigamos. — Ele me puxou pelo corredor mal iluminado, em busca de uma saída.
Eu me esforçava para acompanhar seu ritmo, que agora era mais rápido, mas ainda cuidadoso para evitar qualquer barulho. Era impressionante como ele conseguia se mover com passos tão rápidos e leves ao mesmo tempo.
Um gemido escapou de meus lábios quando a dor no tornozelo se intensificou.
— O que foi? — Levi parou para me encarar, e seu olhar impaciente deixava claro o quanto eu o estava atrasando.
O medo de que ele me deixasse para trás começou a crescer dentro de mim. Ele vai me abandonar aqui... Ele vai me deixar... Não, não posso deixar isso acontecer. Respirei fundo, tentando me acalmar, mas o terror estava me esmagando. Era difícil até respirar.
Mesmo com os sons de corte ainda ecoando ao longe, o cheiro de sangue e carne podre impregnava o ar, reavivando a cena grotesca que presenciei. O gosto metálico parecia insistir em minha língua.
— O que está errado...?
— Você não pode me deixar aqui! — Interrompi antes que ele pudesse terminar. — Não vai me deixar, Levi. — A ideia de ser abandonada me apavorava tanto quanto aquela criatura.
— Eu não vou te deixar, Amelie — ele respondeu, com a testa franzida.
— Não, você não entende. Você não pode me deixar, por favor. — As lágrimas já deslizavam pela minha bochecha antes mesmo que eu percebesse. — Não pode...
Eu estava tremendo, soluçando, e não conseguia parar. Não sei se o medo vinha do que vi naquela sala ou da possibilidade real de Levi me abandonar para salvar a própria vida.
— Pare com isso — ele me sacudiu pelos ombros, forçando-me a focar nele. — Eu não vou te deixar. — Ele repetiu, com um tom firme que soou quase reconfortante. Sua mão foi até meu rosto, enxugando as lágrimas. — Você consegue ser mais insuportável? Nós vamos morrer por sua causa.
— Desculpa...
— Shh. — Levi colocou a mão entre nós, me silenciando. Ele então apontou para o próprio ouvido. — Parou.
Fiquei confusa, ainda tentando recuperar o fôlego, enquanto meu peito arfava.
— O quê? O que parou?
— O som... parou. — Ele murmurou, e um arrepio percorreu minha espinha. Estávamos no meio do corredor, completamente expostos, como presas à espera de um predador. Esforcei meus ouvidos para captar qualquer ruído, mas ele estava certo: o barulho cessou. Levi me puxou para mais perto da parede, buscando abrigo na sombra.
Nós esperamos. Não sei o que estávamos esperando, mas até Levi parecia estar com medo. Minhas costas pressionadas contra a parede fria me fizeram tremer ainda mais. Eu sabia que algo estava por vir. Então, passos pesados ecoaram pelo corredor, ritmados e lentos, cada vez mais próximos. Isso despertou meu instinto de sobrevivência. Mesmo mancando, minhas mãos deslizaram pela parede em busca de uma porta, qualquer refúgio.
Deve haver uma sala por aqui... Talvez seja onde mantinham os prisioneiros.
Levi percebeu o que eu estava fazendo e começou a procurar comigo. Os passos ficavam mais próximos, sem pressa, como se algo quisesse nos torturar com a espera. Minha mão finalmente sentiu a textura áspera de madeira.
— Levi. — Chamei, sentindo-o se aproximar por trás de mim. Ouvi um clique suave enquanto ele encontrava a maçaneta.
— Trancada. — Ele sibilou. — Me dê sua adaga.
Abaixei-me para tirar a adaga da bota e entreguei a ele. Com cuidado, Levi começou a forçar a fechadura, o metal fazendo um som que parecia alto demais.
— Mais rápido — implorei, olhando desesperada para o corredor. Merda, acho que vi uma sombra projetada pela luz oscilante. — Levi, por favor... — O suor escorria pela lateral da minha têmpora.
— Espera. — Ele sussurrou com uma calma que me deixou ainda mais desesperada. — Estou tentando.
— Se você não se apressar... — A trava finalmente clicou, e eu soltei um suspiro que nem percebi estar prendendo. Levi abriu a porta devagar, evitando qualquer ruído.
Assim que o espaço foi suficiente, ele entrou primeiro, puxando-me junto. Fechou a porta atrás de nós, trancando-a. Mesmo assim, a sensação de segurança era superficial; sabíamos que ainda estávamos longe de estarmos a salvo. O quarto estava mergulhado na escuridão total, e o fedor era nauseante, muito pior do que no corredor.
— Fique perto de mim — a voz de Levi veio da minha direita. Tropecei até alcançar sua presença, sentindo algum alívio com sua proximidade.
— Que aberrações são essas? — perguntei, agora falando em voz baixa. A escuridão parecia nos dar permissão para quebrar o silêncio.
— Provavelmente o motivo pelo qual esse distrito parou de responder — ele respondeu secamente.
— Você acha que existe algum sobrevivente?
— Não, todos estão mortos. — Levi disse com uma convicção que parecia uma sentença.
— Como você pode ter tanta certeza? E se algumas pessoas ainda estiverem vivas e apenas se escondendo? — Eu me apoiei em seu braço, tentando aliviar a dor que pulsava no meu tornozelo.
— Se alguém tivesse saído vivo daqui, teria pedido ajuda no Distrito Rose. Mas ninguém apareceu.
Fiquei em silêncio, processando suas palavras enquanto Levi espiava pela fresta da porta, observando qualquer movimento.
— Ou... poderiam ter ido para o Distrito Sina? — sugeri, agarrando-me a qualquer esperança.
— O que você está sugerindo? — Ele replicou com um olhar sério, sem desviar os olhos da escuridão à frente.
— Florencia, Faye Yeager... Esses nomes não deveriam ser relevantes, mas este mês está uma bagunça. Acho que está tudo conectado — falei, tentando organizar meus pensamentos.
— Como assim? — Levi perguntou, franzindo o cenho.
— Faye Yeager matou um dos soldados, cometendo canibalismo. E, pelo que parece, essas coisas também comem carne humana. — Esperei que ele juntasse as peças por conta própria.
Levi respirou fundo, o que foi uma péssima ideia com o cheiro horrível da sala.
— Você acha que foi por isso que Florencia Egner estava amarrada? Para não machucar ninguém? Porque aquele fazendeiro estúpido a amava demais para matá-la? — Antes que eu pudesse responder, passos pesados e lentos começaram a ecoar pelo corredor, cada vez mais próximos, cada vez mais altos.
Desta vez, eu não fiquei congelada, mas uma sensação de entorpecimento tomou conta de mim. O medo que vinha me acompanhando desde o caminho até aqui agora era quase palpável. Levi era o oposto de mim: ele se moveu rápido, me deixando junto à porta enquanto tateava cegamente na escuridão em busca de algo. Ele sumiu por um momento, avançando para o fundo do quarto, mas logo voltou com um olhar urgente estampado no rosto.
— Venha — ordenou, sem dar chance para que eu me movesse sozinha, puxando meu braço com força. A luz lá fora mal conseguia atravessar a pequena abertura da porta, deixando o ambiente ainda mais claustrofóbico.
Ouvi Levi bater em algo de madeira, provavelmente a estrutura da cama. Os passos não pararam. Será que ele sabe que estamos aqui? Quantas aberrações como essa existem?
Não sei o que Levi está planejando, mas ele tirou a bolsa do meu ombro e a colocou no chão, fazendo o mesmo com a dele. Estamos nos escondendo debaixo da cama, como crianças brincando de esconde-esconde — só que, desta vez, os monstros são reais.
Os passos cessaram, e ouvi o tilintar de chaves do lado de fora. Porra, ele vai entrar aqui? Levi me empurrou para baixo, me forçando a me agachar, e indicou para que eu rastejasse sob a cama. Minhas mãos tocaram o chão, que estava úmido. Instintivamente, percebi que não era água: era grosso demais e quente demais. O cheiro pútrido era insuportável, quase me fazendo chorar.
Ignorei o nojo e me arrastei para debaixo da cama, me encolhendo até minhas costas tocarem a parede para abrir espaço para Levi. Ele logo se juntou a mim, em silêncio absoluto. Meu rosto estava encostado em seu peito; o espaço era apertado e o líquido que molhava meu ombro e braço era cada vez mais repulsivo. Levi não reclamou, mas eu sabia que aquilo o estava matando por dentro.
Ouvimos o clique da porta se abrindo e, em seguida, um estalo: a luz na sala foi acesa. Meus olhos se apertaram enquanto tentava me ajustar à claridade repentina. Olhei para Levi, que não demonstrou reação alguma. Eu estava certa — o líquido era sangue fresco.
Queria amaldiçoar nossa sorte. De todos os cômodos, escolhemos justo o que ele vai entrar. Um pé grande entrou no nosso campo de visão, parando no meio do quarto. Ele parecia estar procurando por algo. Prendi a respiração, com medo de qualquer ruído. A porta se abriu de novo, e outro par de pés apareceu. Agora eram dois.
Eu não conseguia me mover, e meu ombro esquerdo estava adormecendo. Eles estavam a centímetros de nós, e não tínhamos ideia de quantos mais poderiam haver.
— Você sente esse cheiro? — uma voz baixa e distorcida perguntou. Não era nada bom saber que eles podiam falar. Senti Levi se enrijecer ao meu lado.
— Que cheiro? — outra voz, grotesca e desagradável, respondeu, me causando calafrios.
— Humano vivo. — A longa inspiração que seguiu deixou claro que eles apreciavam o cheiro. Levi reagiu na hora, me afastando levemente e pegando o sangue do chão para passar em meu rosto. Tentei me afastar, mas ele foi implacável, espalhando o líquido também em meu pescoço e braços. Ele fez o mesmo consigo, e finalmente entendi: estávamos nos camuflando.
— Deve ser nosso amiguinho aqui — disse o segundo. — Achei alguns humanos espreitando. Dois ficaram moles na hora, mas um ainda lutou antes de eu lidar com ele.
Um barulho seco ecoou, e algo pesado balançou. Era sangue pingando — alguém dos nossos. Levi colocou o dedo nos lábios, pedindo silêncio.
— Como eles entraram aqui? — o primeiro reclamou, furioso. — Certifique-se de que ninguém saia vivo. Pegue os outros e continue procurando.
— A praça estava deserta — respondeu o segundo com um grunhido, antes de sair para procurar sobreviventes.
O outro ficou, seus pés a poucos centímetros da cabeça de Levi. Ele rasgava algo e um estalo seguido de um braço decepado entrou na nossa visão, balançando enquanto o sangue pingava das unhas sujas. Apertei os lábios para conter o grito. Ninguém poderia nos salvar além de nós mesmos. O braço saiu de vista e, finalmente, a figura deixou o quarto, apagando a luz novamente.
Ficamos em silêncio absoluto por longos minutos. Senti Levi se mover ao meu lado, e logo sua mão estendeu-se para mim, me puxando para fora.
— Eles pegaram o Miche e os outros — sussurrei, com dificuldade. — Precisamos salvá-los.
— Não. Se foram pegos, acabou para eles. — Sua voz era fria, sem um pingo de empatia.
— Levi, são nossos amigos! — Minha voz tremeu de indignação. Era inaceitável. Como ele podia pensar em deixá-los para trás?
— Eles foram pegos e nós não. Não temos ideia se vamos sair vivos, então o que te faz pensar que podemos resgatá-los? — Levi apertou meu braço como se tentasse me forçar a aceitar a realidade.
— Não podemos voltar sem eles. — Minhas palavras eram mais para mim mesma do que para ele.
— Se quiser ir em uma missão suicida, vá. Mas não conte comigo, Amelie.
Como ele podia dizer isso? Miche foi seu amigo por tanto tempo. O que Erwin e os outros pensariam se só nós dois voltássemos?
— Tudo bem, Levi. — Forcei minhas pernas a se moverem em direção à porta, mas ele me segurou de novo.
— Você não vai a lugar nenhum. É uma ordem. — O peso da realidade caiu sobre mim. Não vou chegar longe sozinha com o tornozelo machucado. O mal-estar voltou com força, minhas mãos começaram a gelar e o ar parecia faltar.
— Não ouse vomitar. Eles vão saber que estivemos aqui — Levi me alertou, e eu tentei segurar o impulso. Eu estava exausta, cada músculo doía e o cheiro nojento era insuportável.
— Qual é o plano? — perguntei, quase sem forças.
— Temos duas opções, e nenhuma delas é boa.
— Nada aqui é bom.
— Podemos tentar os portões laterais, mas seremos vistos. Eles estão nos procurando.
— Se sobrevivermos à fuga, não sei se vamos resistir ao frio lá fora. E a outra opção?
— Voltar por onde viemos.
— Isso é loucura. — Suspirei.
— Sim, é, mas são nossas únicas opções.
— E se formos pegos?
— Somos soldados, podemos lutar.
— Não sei se eles morrem facilmente, Levi.
Fiquei em silêncio, tentando encontrar uma solução melhor. Finalmente, uma ideia surgiu na minha mente.
— Acho que sei como matá-los...
— Mesmo assim, não podemos. Os casos de Faye e Florencia estão conectados a este lugar. Alguém veio até nosso distrito e fez isso. Ainda não sabemos o que eles são.
— O que você quer fazer? Eu não aguento mais ficar aqui. — Meus pensamentos voltavam para meu pai, que fez de tudo para me salvar. Eu precisava sair dali.
Levi foi até o fundo da sala e voltou para espalhar mais sangue no meu rosto. Tentei protestar, mas ele continuou, cobrindo meus braços e pernas. O fedor era nauseante.
— O que você está fazendo?
— Camuflagem. Eles não vão nos sentir. Se você quer sobreviver, faça o que eu digo.
Confio nele, então deixei que terminasse.
— Eu vou sair primeiro. Preciso ver se o desgraçado ainda está ocupado. Não quero arriscar nós dois. Se eu não voltar em dez minutos, vá embora.
Num piscar de olhos, Levi saiu pela porta, e minhas mãos correram para trancá-la o mais rápido que consegui. Fiquei sozinha na escuridão, em silêncio. Ele é o soldado mais forte que eu conheço. Levi ficaria bem. Ele não morreria assim. Eu tentei me convencer várias vezes, mas minha mente insistia em trazer pensamentos sombrios: E se ele for pego? E se o matarem e cortarem em pedaços para servir de comida?
Eu não posso fazer isso sem ele. Não posso perdê-lo. Prefiro ter Gelgar morto do que Levi, sou um lixo egoísta de ser humano por isso. Ele está errado por me deixar aqui. Mas uma parte do meu cérebro sussurrava outra coisa: E se ele me deixar para se salvar? Eu só vou atrasá-lo. Ele pode sair daqui sozinho, mas em vez disso, ele tem que se preocupar comigo. Ele me deixou aqui para apodrecer. Pare. Levi não faria isso. Ele não é a pessoa mais gentil do mundo, mas não seria capaz de me abandonar.
Então, uma lembrança me atingiu como uma pedra no estômago: a enfermaria. Em uma missão, eu não escolheria salvar você. Se fosse necessário, você seria deixada para trás. Tentei afastar essa sensação sufocante, mas ela estava me engolindo. Procurei a lanterna na minha bolsa, a curiosidade de explorar o quarto sendo mais forte que o medo. Quando acendi a luz, parecia um quarto comum... até que meus olhos pararam na cama no canto da sala.
Miche. Suas pernas e um dos braços tinham sido arrancados. Ele estava suspenso de cabeça para baixo por um gancho enorme. Coloquei a mão na boca para abafar um grito e me aproximei, quase sem respirar.
— Miche? Miche? — chamei, sem receber resposta. Seus olhos abertos mostravam a dor e o terror que ele sentiu antes de ser brutalmente assassinado. O chão estava coberto de sangue, e senti o gosto metálico dele em meu rosto. Queria vomitar. Comecei a hiperventilar, lágrimas queimando meu rosto enquanto eu me agachava, lutando para não soluçar alto.
Foi então que ouvi a maçaneta girar do outro lado. Meu corpo congelou de pavor. A realidade voltou como um soco no estômago.
— Amelie. — A voz abafada de Levi veio do lado de fora. Destranquei a porta com as mãos trêmulas e voltei para o meu canto, ainda agachada.
Quando Levi entrou, fechou a porta rapidamente. A lanterna caída no chão lançava uma luz fraca, revelando a cena grotesca. Ele olhou para mim, para a lanterna e, em seguida, para Miche.
— Porra. — Levi veio até mim, me levantando com gentileza, suas mãos segurando meu rosto.
— Nossa camuflagem é o sangue de Miche, Levi.
— Amelie, por favor, precisamos sair daqui. — Ele me abraçou, um gesto reconfortante e inesperado. — Não olhe, por favor. — Pediu, e tentei manter meus olhos longe de Miche.
— Ele ainda está ocupado. Espero que ele não nos ouça com todo o barulho que está fazendo. — Levi pegou minha mão, mas eu não consegui me mover.
— Qual é o plano? — perguntei, nervosa.
— Portão lateral. — Levi respondeu, apertando minha mão com firmeza. Sem hesitar, abriu a porta e me puxou para fora. Fechou-a atrás de nós, e a sensação de estarmos expostos tomou conta de mim novamente.
Eu me forcei a seguir, sempre virando a cabeça para trás, garantindo que ninguém estava nos observando. Levi andava rápido, e eu lutei para acompanhá-lo, ignorando a dor nas pernas. Chegamos à escadaria, escura e úmida como antes. Os degraus de concreto absorviam o som de nossos passos, facilitando nossa subida. A neve estava caindo, sinalizando o início de uma tempestade. Isso não era bom.
Ao chegarmos ao topo, Levi parou.
— Fique aqui. — Sua voz firme soou enquanto ele observava o local. Eu não conseguia ver nada, confiava totalmente no julgamento dele. Meu olhar continuava voltado para trás, a paranoia de sermos seguidos me dominando.
— As áreas próximas ao muro são mal iluminadas. Podemos andar por lá. O portão lateral fica à nossa esquerda. — Assenti. Não era o melhor plano, mas era o que tínhamos.
Me esgueirei o mais perto possível das paredes, sentindo uma segurança ilusória ao me manter colada a elas. Consegui ver o portão lateral. Estava fechado com correntes. Isso, ao menos, era algo que podíamos resolver.
Parávamos a cada poucos passos, checando se não havia ninguém por perto. A caminhada até o portão levou menos de cinco minutos, mas parecia uma eternidade. Nos escondemos atrás do último pilar, observando a praça vazia.
O portão não era grandioso, apenas uma porta de ferro grosso. Eu só esperava que os parafusos não estivessem enferrujados demais, ou faria muito barulho. Levi já havia pegado minha adaga escondida em sua bota e começou a trabalhar na fechadura. Eu permaneci atrás do pilar, deixando-o concentrado.
Foquei meu olhar no cadeado, como se isso pudesse acelerar o processo. Então, um ruído veio do outro lado da praça, me puxando do meu transe. Levi ouviu também e parou o que estava fazendo, agachando-se no chão, na esperança de não ser visto. Ele não estava completamente escondido. Eu o copiei e me agachei, olhando ao redor para ver de onde vinha o barulho.
E então nós vimos.
Um homem, parecendo normal, mas com uma aparência estranha que me lembrava o homem do shopping. Seu sorriso era perturbador, e sua pele estava suja de sangue. Ele estava arrastando um corpo, deixando um rastro vermelho na neve. Meus olhos se arregalaram quando reconheci a pessoa que ele estava arrastando.
Nifa. Ela parecia um boneco de pano, com o corpo quase inerte, mas ainda estava viva. Seus gemidos e o ranger do tecido contra a neve eram horríveis de ouvir. Cada vez que ela se arrastava, um som agudo e doloroso ecoava pelo ar. O sangue dela formava um trilho macabro enquanto o homem a puxava, e a visão de sua pele pálida e seus movimentos fracos era de partir o coração.
Eles pegaram Nifa e estavam indo na direção do prédio de onde saímos. Olhei urgentemente para Levi, apenas para encontrá-lo já me observando. Ele balançou a cabeça, sabendo exatamente o que eu estava pensando. Implorei com meus olhos. Nifa era jovem e inteligente, era injusto ela morrer assim. Sabíamos o que ia acontecer, e não podíamos fazer nada.
A porta bateu com um baque alto, e Nifa se foi. Sinto-me pior do que antes. Minhas pernas parecem gelatina e estou tão perto de ceder e aceitar meu destino. Coloquei a mão na boca para impedir os soluços descontrolados de sair, minha visão embaçada com as lágrimas.
Levi me lançou um olhar severo. Essa missão deixou claro que eu sou um fracasso. Não fui feita para ser capitã. Por que Levi me deu esse cargo? Para me ensinar uma lição? Para me mostrar que eu não consigo?
Levi abriu o cadeado das correntes, seus dedos finos movendo-se com habilidade. Sua aura estava confiante, como se pudesse fazer isso uma centena de vezes. Se Levi não tivesse me levado com ele, se eu tivesse sido teimosa, se tivesse levado Miche comigo, seria eu quem teria sido pega como Nifa e Nanaba. Esse pensamento me dá calafrios.
Sem perder o ritmo, ele me devolveu a adaga, e eu a guardei em segurança no meu coturno. Lentamente, ele abriu a porta, fazendo o máximo para não ranger, usando sua força. A neve do lado de fora dificultava a abertura da porta, e as dobradiças estavam congeladas.
Levi não perdeu tempo em me tirar dali. Imediatamente fui atingida pelo frio intenso no rosto. Estava muito escuro, mas tudo o que eu conseguia sentir era o frio. A tempestade de neve começava a ficar mais intensa. Nossos pés afundavam na neve grossa, era cansativo até mesmo tentar dar alguns passos.
— Pegue sua lanterna! — Levi gritava, mas o vento carregava sua voz para longe.
Com as mãos trêmulas, abri minha bolsa em busca de uma luz, então me lembrei: a lanterna ficou caída naquele quarto. Olhei para Levi, com a boca entreaberta e balancei a cabeça negativamente. Ele pareceu entender, passando as mãos pelo cabelo nervosamente.
— Vamos andar perto do muro, até chegarmos ao distrito Rose. — Ele falou, tentando se sobressair no meio da tempestade.
— Não, tem algo de errado com o distrito Rose. Temos que chegar até Sina.
Ele pensou por um momento e assentiu, pegando minha mão e seguimos pela neve, o frio cortante.
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