Capítulo 14
2527 palavras
"Em meio ao aconchego ilusório, o verdadeiro horror se esconde nas sombras, onde o silêncio é um prenúncio do caos que se aproxima."
Às 7:00 da manhã seguinte, eu estava à espera de Hange e Moblit no portão do quartel. Meu estômago roncava, implorando por um pouco de comida, mas o apetite parecia distante.
— Bom dia! — Hange exclamou com uma energia inusitada para aquele horário, fazendo-me dar um salto. Moblit estava logo atrás dela.
— Bom dia, Hange, Moblit. — Respondi, tentando esconder meu susto. Hange sorria, e eu me perguntava como ela podia parecer tão animada logo cedo.
— Você tomou café? Não te vi no refeitório. — Perguntou Hange.
— Não estou com fome. — Respondi, e ela assentiu.
— Então vamos. — Disse Hange, começando a caminhar à frente.
Caminhamos pelas ruas do distrito, que começavam a se encher de vida. Os comerciantes abriam suas lojas, e o cenário, com a neve caindo suave e graciosa, cobrindo tudo com um manto branco, era como um quadro em movimento. As crianças brincavam na neve, adicionando um toque de cor e vida à paisagem. Eu observava, refletindo que essas pessoas dependiam de nós para sua segurança, mesmo enquanto carregávamos o peso de decisões difíceis.
— Como está seu ferimento? — Hange perguntou, tirando-me dos meus pensamentos.
— Está melhor, não dói mais, e as marcas no meu pescoço estão melhorando. — Respondi.
Hange assentiu e, em seguida, mudou de assunto.
— Presumo que o comandante já te informou sobre o propósito da nossa visita?
— Sim, o comandante me explicou a situação. — Respondi.
— Vocês são bem próximos, não é? — Hange perguntou, fazendo meu corpo enrijecer.
— O quê? Não, não é nada disso. É apenas profissional. — Gaguejei, percebendo que precisava melhorar minhas habilidades de mentira com Hange. Ela soltou uma gargalhada alta.
— Tudo bem, Melinha, eu acredito em você. — Sua expressão se tornou séria de repente. — Mas tome cuidado com sua relação profissional. — Ela me advertiu com um tom maternal inesperado. Assenti.
— Bom, precisamos nos apressar. O Sr. Egner está nos esperando. — Disse Hange, apressando o passo.
Enquanto seguíamos, a manhã fria e a energia de Hange faziam a jornada parecer mais leve, mesmo com o peso das responsabilidades que carregávamos.
Chegamos às fazendas, que se estendiam por vastos campos. Havia três delas, cada uma dedicada a uma fonte diferente de proteína: gado, porcos e aves. Além disso, cultivavam diversos tipos de legumes e tubérculos. Os campos eram imensos e bem cuidados, com trabalhadores que se dividiam entre viver aqui e se deslocar para o centro do distrito.
O celeiro, com suas paredes envelhecidas e desgastadas pelo tempo, emanava um cheiro forte de estrume que se misturava ao ar frio e úmido. Dentro, a iluminação era precária; algumas lâmpadas piscavam intermitentemente, enquanto outras estavam apagadas, deixando o ambiente em um semi-escuridão que fazia as sombras dançarem nas paredes. O ar estava carregado de umidade.
No interior do celeiro onde o gado era mantido, o Sr. Egner já nos esperava. Ele era um homem na casa dos 50 anos, com um casaco de frio preto que contrastava com a blusa xadrez vermelha que usava por baixo. Suas galochas brancas, aparentemente feitas para suportar o lamaçal, faziam um som de estalos abafados a cada passo que dava. A expressão em seu rosto era uma mistura de preocupação e cansaço, refletindo a seriedade da situação que estávamos prestes a enfrentar.
— Como estão as coisas, Sr. Egner? — Hange perguntou, posicionando-se ao lado dele. Eu e Moblit a acompanhamos.
— Nada bom, doutora Zoe. — O homem balançou a cabeça, olhando com pesar para o cenário diante de nós.
Dentro do celeiro, o gado se encontrava em estado deplorável. Alguns animais estavam mortos, enquanto outros lutavam para respirar, seus corpos estendidos no chão coberto de palha e excrementos. O cheiro de putrefação era avassalador, uma mistura de carne em decomposição e fezes que fazia meu estômago se revirar. Respirei fundo, lutando contra a ânsia de vomitar.
— Isolou os doentes dos saudáveis? — Perguntei, tentando manter a compostura.
— Isolar o gado saudável? — Ele riu sem humor. — Capitã, semana passada eu tinha pelo menos 150 cabeças de gado adultas e uns 50 bezerros. Agora, olhe isso. — Ele fez um gesto amplo, indicando o celeiro. Havia talvez uns 30 animais ali, e apenas cerca de 15 ainda respiravam de forma débil.
— Ninguém tem permissão para entrar neste celeiro sem as roupas de proteção adequadas. Receio que possa ser contagioso para humanos. — Disse Hange, sua voz implacável. — Moblit, prepare o equipamento. Precisamos de amostras de sangue dos que ainda estão vivos e dos mortos.
Moblit começou a preparar o equipamento, abrindo a bolsa com uma expressão concentrada. Ele nos entregou trajes de proteção idênticos aos que ele usou quando testou Jean. Coloquei o traje sobre meu uniforme, ajustando-o com dificuldade, e coloquei os óculos de proteção, luvas, máscaras e botas, garantindo que não houvesse nenhuma área exposta.
Completamente equipada, entrei no celeiro, deixando o Sr. Egner do lado de fora. A atmosfera era ainda mais opressiva dentro. O cheiro pútrido se intensificava, penetrando nas camadas da máscara e tornando o ar quase impossível de respirar. O aroma metálico e nauseante da morte fazia meu estômago se contorcer ainda mais.
— Amelie, o bezerro perto da parede, ele ainda respira. — Hange indicou, e me aproximei com um nó na garganta.
O bezerro estava em estado horrível. Seus olhos estavam inchados e cobertos de secreção, e o corpo em decomposição estava cheio de vermes que se moviam lentamente. O animal estava apodrecendo vivo, sua pele estava pálida e esticada sobre os ossos. Ao me agachar perto dele, o cheiro foi quase insuportável. Tentei me concentrar, forçando-me a não vomitar enquanto me preparava para ajudar.
— Onde? — Falei com dificuldade, a voz carregada de repulsa.
— Veia jugular. Preciso encher quatro cilindros de 20 ml. — Hange respondeu, mantendo uma expressão neutra apesar da cena.
Segurei o bezerro, que estava imóvel e em agonia. Hange inseriu a agulha na veia pulsante com uma precisão clínica, o sangue escorrendo lentamente para os cilindros. O bezerro não fez nenhum movimento; sua vida estava se esvaindo. Quando Hange retirou a agulha, gotas de sangue caíram no chão, e Moblit rapidamente as transferiu para os recipientes de conservação.
— Vamos deixá-lo descansar — Hange disse com uma tristeza sutil na voz.
Enquanto Hange e Moblit foram para o centro do celeiro, onde encontraram um animal em estado avançado de decomposição, eu decidi agir com rapidez. Puxei minha adaga e, sem hesitação, cortei a garganta do animal quase totalmente desfeito. O sangue jorrou da ferida, misturando-se com os fluidos já presentes. O som do líquido sendo derramado e o cheiro acre de sangue fresco foram intensamente desconfortáveis. Era um ato de misericórdia, mas também de brutalidade, e eu não podia evitar que o sangue respingasse em minha roupa de proteção.
Enquanto terminava de matar cada gado ainda vivo, o processo se tornou uma repetição dolorosa. O sangue e os fluidos foram se acumulando, manchando-me completamente. Ao final da tarefa, minha roupa estava encharcada e o cheiro de morte era quase insuportável. Havia um incinerador na fazenda para onde levamos nossas roupas de proteção, e eu não podia esperar para me livrar daquela cena macabra.
O trabalho foi extenuante e desolador, mas era necessário. Eu me sentia suja.
O Sr. Egner nos esperava na parte externa do celeiro. Seu semblante estava cansado e carregado de preocupação.
— Porra, Jesus — Hange exclamou, apoiando as mãos nos joelhos e inclinando-se ligeiramente para frente. — Parecia que... quase não consegui segurar o café da manhã no estômago. Ela inalou o ar frio e limpo, tentando se recuperar.
Moblit, agora sem a máscara, parecia prestes a desmaiar a qualquer momento. Seu rosto estava uma carranca, e eu sabia que o cheiro no celeiro ainda estava muito presente em sua mente. Eu, por outro lado, me sentia um pouco tonta, mas era evidente que eu havia respirado a maior parte do fedor. A sensação de náusea estava mais controlada para mim, embora a experiência tivesse sido igualmente horrível.
— Obrigada por nos receber, Sr. Egner. — Hange se dirigiu ao fazendeiro, sua voz ainda carregada de cansaço. — Nos mantenha atualizados se algum dos outros animais apresentar sinais de doença.
— Sim, doutora Zoe, obrigado — respondeu Egner com um aceno de cabeça.
— Hange, vou ficar aqui para fazer algumas perguntas ao Sr. Egner — disse Moblit.
Hange olhou para Moblit, que balançou a cabeça em sinal de concordância. Hange então assentiu e virou-se para mim.
— Preciso levar essas amostras diretamente para o laboratório. Moblit também não pode ficar porque vou precisar dele comigo.
Hange parecia preocupada, mas havia uma determinação em seus olhos.
— Tudo bem, eu sei o caminho de volta — assegurei, sabendo que conseguiria me orientar sem problemas.
Hange e Moblit se afastaram, desaparecendo à medida que se distanciavam.
— Vamos até minha casa. Gostaria de uma xícara de chá? — ofereceu o Sr. Egner, sua voz gentil contrastando com o ambiente pesado do celeiro.
— Sim, obrigada, Sr. Egner — aceitei
A casa do Sr. Egner ficava um pouco mais afastada do celeiro, isolada em meio à paisagem coberta de neve. Era uma construção simples, uma casinha de madeira branca com uma varanda que parecia ter visto melhores dias. A lembrança da casa onde eu e meu pai ficamos invadiu minha mente: aquela sensação de abandono e simplicidade que a casa transmitia.
Ao entrar, fui recebida por um ambiente que contrastava com o caos do celeiro. A sala era espaçosa, mas despojada. Um sofá surrado estava encostado em uma das paredes, e uma mesa de madeira desgastada ocupava o centro do cômodo, acompanhada por duas cadeiras simples. A cozinha, logo ao lado, era igualmente básica, com um fogão antigo, uma geladeira enferrujada e um armário encostado na parede. A pia estava cheia de louça suja, e não havia paredes para dividir os cômodos, criando uma sensação de total exposição. O chão de madeira rangia a cada passo, mas o que mais marcava o ambiente era o forte cheiro de desinfetante que tentava mascarar o odor de umidade, poeira e algo mais que não conseguia identificar.
— Sinto muito, mas acho que será melhor fazer suas perguntas aqui do que naquele frio — disse o Sr. Egner, tentando aliviar o clima tenso enquanto me acomodava em uma das cadeiras.
Ele soltou uma risada nervosa e se dirigiu para a cozinha, onde comecei a notar o cheiro do chá sendo preparado, que misturava com o aroma do desinfetante.
— Sua casa é aconchegante, senhor — falei, mesmo sabendo que a palavra "aconchegante" não descrevia com precisão a sensação que a casa transmitia. Estava limpa, pelo menos.
— Obrigado, minha esposa, Florencia, é sempre muito zelosa — respondeu Egner, virando as costas e indo em direção à cozinha.
— Você pode fazer suas perguntas enquanto preparo o chá — ofereceu ele, com um tom que tentava ser cordial.
— O que aconteceu na semana em que o gado ficou doente? — perguntei, tentando manter a objetividade.
Ao ouvir minha pergunta, Egner ficou tenso, seus ombros enrijecidos e seus dedos batendo nervosamente na madeira do armário.
— Estava tudo bem. Eles estavam todos saudáveis e comendo bem — começou, sua voz falhando um pouco.
— E então? — insisti, tentando extrair mais informações.
— Um dos bezerros adoeceu, mas era difícil monitorar todos os animais no celeiro. Não percebi o bezerro doente até encontrá-lo morto na manhã de domingo. À tarde, outro bezerro morreu. No final do dia, mais três bezerros tinham morrido.
Enquanto anotava, Egner continuou, visivelmente angustiado.
— No dia seguinte, o número de mortes aumentou. Pensei que fosse apenas com os filhotes, mas os adultos começaram a morrer também. Agora não resta nenhum.
— O senhor teve algum contato direto com o gado doente, especialmente se tinha feridas abertas? — perguntei, apenas para garantir.
— Não — respondeu, com um tom definitivo.
— Você tem filhos? — mudei de assunto, tentando obter mais informações pessoais.
Ele riu, o som da colher batendo na xícara enquanto mexia o chá interrompeu a conversa. Ele sentou-se na cadeira em frente a mim e colocou a xícara quente sobre a mesa. Eu a peguei com um gesto agradecido.
— Não, somos apenas eu e Florencia — disse, enquanto eu tomava um gole do chá. O gosto era amargo e estranho, diferente de qualquer chá que eu já havia experimentado, e me lembrou das poucas vezes em que vi Levi beber erva-doce.
— E sua esposa, onde está? — perguntei, enquanto tentava disfarçar a estranheza do gosto.
Egner parecia desconfortável com a pergunta, evitando o contato visual.
— Ela não está aqui agora. Deve ter ido à cidade — respondeu com um olhar evasivo.
Um barulho vindo da lateral da sala interrompeu a conversa. Uma porta fechada em frente ao sofá chamou minha atenção. Olhei para Egner, esperando que ele explicasse, mas seus olhos se desviaram, evitando o contato.
— O que foi isso? — perguntei, meu tom exigente.
— Deve ter sido o gato. Ele gosta de dormir no chão do banheiro — disse ele, com uma hesitação perceptível.
Sua voz estava nervosa e seu coração parecia bater descompassado. Sem esperar mais, levantei-me para verificar, mas Egner foi mais rápido, segurando meu braço com uma força que me fez sentir dor.
— Não, está sujo — disse ele, com um tom de súplica.
— Eu preciso ver — respondi, minha voz firme e sem margem para negociações.
— Por favor, espere a Florencia voltar. Ela limpará tudo para você. — Ele estava visivelmente desesperado.
O toque do fone de ouvido cortou o clima tenso. Engoli em seco, o Sr. Egner ainda segurando meu braço com força. Com um suspiro frustrado, toquei o botão do fone.
— Aqui é Amelie, fale.
— Amelie, é Hange. — A voz dela estava tensa e urgente. — Precisamos que você volte imediatamente. Houve um ataque, um soldado foi morto e Levi... ele foi atacado.
Meu coração quase parou. Levi? Atacado? A urgência na voz de Hange foi suficiente para dissipar qualquer dúvida que eu tivesse sobre o Sr. Egner.
— Estou a caminho — respondi, desligando o fone e olhando para o Sr. Egner, que parecia aliviado e ainda nervoso, seus olhos evitando os meus enquanto ele soltava meu braço lentamente.
— Sr. Egner, preciso ir. — Minha voz era firme, apesar do nervosismo e da preocupação.
Ele assentiu rapidamente, claramente aliviado. Peguei minha bolsa e saí da casa, sentindo o olhar dele nas minhas costas. Algo estava profundamente errado ali, algo que ele estava desesperadamente tentando esconder.
Caminhei rapidamente de volta pela neve, minha mente tumultuada entre a preocupação com Levi e as perguntas sem resposta sobre a fazenda. O que poderia ter acontecido com ele? Como ele foi atacado?
Ao chegar ao portão do quartel, Hange e Moblit já estavam lá, com expressões sérias e carregadas de tensão.
— O que aconteceu com Levi? — perguntei, ofegante e preocupada.
— Ele foi atacado por uma mulher dentro do quartel. Não sabemos como ela entrou. Ela é uma civil — explicou Hange rapidamente, começando a andar. — Ele está ferido, mas está estável. Conseguimos prender a mulher, mas ela matou um dos soldados, Amelie.
Hange me segurou pelo braço, obrigando-me a parar.
— Amelie, não foi só isso. Ela não apenas matou, ela arrancou o braço dele e se deliciou com ele como se fosse um banquete.
Meu corpo congelou diante daquela revelação. Que porra estava acontecendo?
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