Capítulo 5
Fumaça escura entorpecia a visão de Soen enquanto ele agitava sua espada em golpes precisos e rápidos, tentando eventualmente não acertar seu pequeno contingente emprestado por Bharmerindus, por mais que falhasse em muitas das vezes.
Ao longe, ele podia ver seu primo destruindo os inimigos no campo de batalha, mesmo com um braço inútil e sangrento.
Não importava que estivesse desgastado pela recém transformação, Yen não permitia que ninguém ficasse mais do que poucos segundos em pé diante dele.
Após tirar sua espada longa e cortante das entranhas de um homem ainda vivo, Yen o empurrou em cima de outro que avançava em sua direção, desta vez perfurando os dois com sua lâmina, removendo-a em um instante e se voltando para o sujeito que tentava um ataque por trás.
Ele bloqueou a ofensiva ao mesmo tempo em que chutava o homem no abdômen, atravessando a lâmina polida no peito do sujeito antes mesmo que ele chegasse ao chão.
Mais um rebelde se aproximou, seguido de perto por outro. Yenned não parecia preocupado. Soen podia ver o brilho perigoso dos seus olhos azuis se precipitando sob o elmo enquanto ele brandia sua lâmina ensanguentada e avançava contra os dois.
Eles trocaram golpes, Yenned defendia os ataques do mais veloz deles com sua espada e se esquivava com precisão dos ataques mais lentos do outro, sua superioridade opressiva em combate estava clara desde o início.
Yen pressionou o mais rápido deles com a força de sua espada. Com um impacto violento das lâminas, ele forçou o herege a tombar sobre um joelho.
Sua armadura luxuosa o protegeu do golpe nas costas que recebeu do homem lento, enquanto sua espada encontrava o pescoço do mais veloz.
O corpo inerte caiu no chão, a cabeça rolando por vários metros enquanto Yenned se virava para aquele que o atacou pelas costas. O homem teria toda a atenção daquela espada longa e pesada.
Sem hesitação, Yen avançou com os nós dos dedos brancos sobre o cabo da espada, sua mera força bruta partindo o metal medíocre da lâmina do inimigo ao meio e um único golpe violento.
Em seguida, o aço nobre da família Vineyard logo encontrou o rosto do herege, cortando-o na diagonal e amassando o elmo junto ao crânio. O sujeito ainda não estava morto, mas era evidente que não sobreviveria.
Ele pisou no rosto do inimigo caído, esmagando ossos e terminando com sua vida em um gesto de misericórdia enquanto sua atenção já se voltava ao próximo atacante.
Bem, ao menos ninguém perguntaria por qual motivo Yenned estaria ferido e ensanguentado daquele jeito, agora que havia uma batalha para enfrentar em público.
Soen estava começando a suspeitar de algo sobrenatural naquela força, capaz de arrancar uma cabeça com parte de um ombro junto sem nunca desacelerar o ritmo, não importava o quão cansado e ferido ele estivesse.
Mas o príncipe Yenned poderia matar 50 deles, e o resultado ainda seria o mesmo. Eles perderiam para os hereges, que tinham a vantagem do ataque surpresa e o dobro do número de soldados ao seu favor.
Por todos os lados, arqueiros os atingiam incessantemente com flechas de fogo, queimando o acampamento e os soldados enquanto fumaça se espalhava e feiticeiros encapuzados com túnicas negras faziam preces aos demônios a quem serviam.
Os homens de Soen que eram atingidos pelas setas flamejantes queimavam até a morte em uma velocidade impressionante, levando até dez soldados em um único ataque e transformando seus corpos em montes carbonizados em questão de poucos minutos.
Com os arqueiros e soldados rasos na dianteira, ninguém era capaz de se aproximar das bruxas e feiticeiros, que pareciam causar uma vertigem crescente no herdeiro do trono sempre que ele os observava por tempo demais, com pontos pretos salpicando sua visão em meio ao fogo e a fuligem.
Se antes algum daqueles soldados emprestados a Soen não acreditava em feitiçaria, bem, certamente passaria a crer naquele dia.
Claro, os inimigos já estavam sentindo os efeitos da peste se espalhando, mas os homens de Soen também entraram em contato com os corpos pulguentos e decompostos, o que não era nenhuma vantagem, no fim das contas.
Mas, de qualquer forma, eles haviam se condenado no momento em que decidiram realizar um ataque imediato.
Soen pensou que os rebeldes seriam mais espertos do que aquilo. Porque, como seu pai dizia, a guerra é uma doença que não tem cura e qualquer luta é facilmente usada contra você.
Caso eles vencessem, o que era óbvio que fariam, os soldados restantes só poderiam remover os corpos que os homens de Soen espalharam nas ruas depois da batalha, se é que teriam disposição para aquilo, mesmo horas depois que a luta acabasse. E então a própria população seria forçada a retirar os corpos, entrando ainda mais em contato direto com a morte negra e seu contágio rápido.
Se os líderes da rebelião forçassem os soldados a removerem os cadáveres de imediato ao retornarem, os homens exaustos não fariam o trabalho adequadamente e contrairiam a doença no lugar dos civis, e, mesmo que fossem isolados para evitar uma contaminação generalizada, Forgent simplesmente teria perdido todo o seu exército.
O que significava que aquela cidade inteira estaria totalmente morta em menos de cinco dias.
Era uma pena que os soldados de Soen também morreriam. Caso sobrevivessem, o príncipe receberia muito mais mérito pela grande conquista.
Mas Soen finalmente havia alcançado Vhalas, então que se fodessem todos os outros.
O grande garanhão de pelagem dourada dava coices e saltos enquanto relinchava, chicoteando o ar com sua crina escura na medida em que forçava seu pescoço musculoso contra o cabresto que o mantinha firmemente preso.
Ele tinha um ferimento sangrento no focinho negro e estava absolutamente furioso, mas ainda vivo.
Vhalas era um dos melhores cavalos que Soen conheceu. Um animal imponente e de beleza quase mítica, que nasceu nos estábulos do castelo quando o Príncipe Herdeiro era pouco mais do que um garotinho insolente.
Ele era filho de Vhalakin, um famoso garanhão da Corte que, originalmente, foi comprado pelo rei como um presente para Alexander, seu primeiro filho.
Vhalas, um dos resultados dos cruzamentos de Vhalakin com as éguas de sangue puro da Corte, se mostrava ainda mais excelente do que o pai.
O animal ficou mais calmo quando ele se aproximou, estripando um herege que tentou impedi-lo de alcançar Vhalas entrando em seu caminho.
O infeliz só serviu para cortar o ombro de Soen e manchar os olhos dele com o sangue de sua artéria quando a espada do príncipe encontrou sua carne e afundou na malha que usava no lugar de uma armadura de metal.
Soen montou em Vhalas com agilidade, apesar do claro descontentamento do animal, cortando a corda que o prendia ao poste de amarração e dando uma ordem com o mais alto tom de voz que conseguia.
— Retirada! Recuem!
Yen o encarou, confuso por um instante, mas começou a gritar também quando finalmente notou a situação do seu exército.
Ele montou em um dos poucos cavalos que ainda restavam além de Vhalas, fazendo seu braço ferido jorrar quantidades indecorosas de sangue, e ainda agarrou um soldado aliado pelo caminho e o jogou sobre a montaria, além de passar por cima de dois inimigos com o animal e os pisotear até a morte.
Soen não o esperou, mas seu primo e sua nova montaria — um pangaré de pelagem marrom que parecia ter metade do tamanho de Vhalas — o alcançaram em alguns minutos.
Então, cerca de três horas depois, estavam fedendo e sangrando juntos aos trinta e dois homens restantes, fora os seis feridos que já estavam praticamente mortos e Soen sequer podia entender como conseguiram chegar na clareira em que pararam quando já não correriam o risco de serem seguidos.
— Montem uma tenda para o príncipe Yenned, ele está gravemente ferido. — Soen disse aos dois homens menos esfolados que encontrou.
No fim das contas, Soen era o único que havia saído parcialmente ileso, mas isto se devia ao fato de que ele não cometeu o erro de simplesmente se enfiar na frente de um grupo de hereges com um feiticeiro logo atrás.
Por isso, quando o ferimento de Yen já havia sido estancado e ele estava acomodado em sua tenda, Soen pôs a última parte de seu plano em ação. E por mais que sua jogada estivesse abalada pelo ataque surpresa dos rebeldes, ainda funcionaria.
♟
Bharmerindus chegou no mesmo dia.
Soen mandou que um dos dois soldados menos feridos convocasse o capitão, exigindo reforços do restante de seus homens e, é claro, dele próprio.
O herdeiro da coroa ordenou que todos os seus soldados restantes ficassem de boca fechada a respeito dos corpos que jogaram em Forgent, e quando Bharmerindus chegou com duzentos homens, suprimentos o bastante para uma semana de cerco e partiu para a batalha, Soen pegou Yen de sua tenda e o jogou sobre o lombo de uma grande e resistente égua de carga trazida pelo capitão.
— O príncipe Yenned perdeu muito sangue — ele explicou a Bharmerindus, que podia ver com clareza a situação de Yen, por mais que ele ainda tentasse parecer firme. — Vou levá-lo imediatamente para a capital, e volto assim que um médico colocar as mãos nele.
Bharmerindus assentiu, relutante pela partida do herdeiro da coroa, porém preocupado com a vida do venerável príncipe Yenned Vineyard.
Então Soen pegou a estrada com a égua que renomeou como Vitória Dupla amarrada ao pescoço de Vhalas, Yen praticamente imóvel sobre o animal durante a cavalgada.
— Você não vai voltar para auxiliar Bharmerindus, não é? — disse ele quando já estavam longe o suficiente para que ninguém ouvisse — Eu sei que você disse aos homens para não contar sobre os corpos contaminados que eles jogaram em Forgent. Vai infectar todos os soldados, inimigos ou aliados.
— Você tem ótimos ouvidos, Yen. Tem algo a ver com essa sua cara de gato? Não? Ouvi dizer que a audição é o último sentido que um morto perde.
— Nós não estamos indo para a capital — ele constatou, ignorando as provocações.
— Não, nós não estamos. Levaria tempo demais, eu teria que dar esclarecimentos demais. Será infinitamente mais fácil cavalgar agora mesmo até a Cidade Baixa, e vamos torcer para que exista algo como um médico por lá para tratar seu ferimento.
Ele não disse mais nada. Provavelmente porque sabia que seu primo não mudaria de ideia e que o melhor a se fazer naquela situação seria poupar energia e esperar que Soen não acabasse matando os dois.
Mas, na verdade, Yen não estava totalmente correto em sua dedução. Afinal, Soen voltaria para Forgent depois que resolvesse suas pendências na Cidade Baixa.
E então ele contaria todos os cadáveres.
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