Capítulo 16
— Mas que rude! — Soen exclamou. — Não podia ter escolhido uma hora pior para aparecer aqui, do nada, não? Não sabe se anunciar antes de entrar? Ou sua intenção era me ver desnudo?
Enquanto ele falava, Yen tentou se esconder furtivamente no casaco de Balthazar.
Sua movimentação acabou despertando o enfermo, que resmungou algum tipo de lamento rouco antes de perder a consciência novamente, fazendo todos os olhos se voltarem para ele.
— Em nome de Deus — a voz de Aveille foi um sussurro enquanto o verde vibrante dos seus olhos passava pelo gato branco e se fixava no corpo inerte de Balthazar. — O que você fez com o seu tio?
— Quanto tempo, Aveille — Alec desviou a atenção para ele, como se todos já não tivessem visto o gato branco e o bêbado à beira da morte no carpete.
O elegante vestido azul-royal de Aveille farfalhou quando seus dedos se retorceram com força em volta do tecido acetinado. Seus longos cabelos acobreados se derramando como uma cascata sobre os ombros agudos enquanto ela recuava um passo para trás.
Ela parecia ter reconhecido Alexander imediatamente, e considerando que tinham mais ou menos a mesma idade, Soen imaginou que se conheciam desde a infância.
Infelizmente, a dupla de soldados no centro do cômodo não parecia inclinada a identificar o filho mais velho do rei como ela.
Eles o encaravam com hostilidade, as mãos firmemente envoltas no pomo de suas lâminas e os olhares fixos sobre os dois príncipes através de seus elmos baratos. Provavelmente se perguntavam como aquele intruso entrara no castelo, quando todas as entradas e saídas estavam barradas.
Era de se imaginar que não perguntariam com gentileza sobre o assunto, e Soen decidiu que não ficaria parado enquanto apontavam espadas para o seu pescoço.
O herdeiro do trono não vestia nada além de uma camisa de linho e calças amarrotadas, além de estar desarmado diante de dois homens que trajavam armaduras completas. Mas não havia tempo — e nem chances — de apanhar sua espada antes de acabar com uma lâmina atravessando as entranhas.
Sendo assim, Soen avançou com as mãos nuas contra o soldado mais próximo.
Ele tinha uma espada curta na bainha, que poderia ser rapidamente sacada, questão que faria dele o maior dos problemas caso o príncipe não agisse rápido.
Quando todos perceberam as suas intenções, ele já tinha acertado o cotovelo no nariz do sujeito.
O homem cambaleou para trás, tentando sacar a espada apesar da dor que escorria junto com seu sangue, mas Soen foi mais rápido e o agarrou pelo pulso, torcendo o braço dele e arrancando a lâmina das suas mãos.
Aquilo parecia ridículo. Apenas dois soldados, e pelo menos um deles era inexperiente e inútil. O rei Othail parecia subestimar seu filho deliberadamente.
Insatisfeito, Soen aplicou força demais no golpe de sua espada recém-adquirida, o que resultou em um pescoço cortado até quase a metade e, consequentemente, uma sujeira sangrenta manchando tanto seu rosto quanto o piso.
A lâmina ficou presa nos ossos e tendões do soldado, e Soen a puxou de volta bem a tempo. Logo à sua frente, o último deles brandia uma lâmina longa e polida diante do herdeiro do trono, incerto sobre atacar o príncipe com ou sem intenção de matar.
Caso ele matasse Soen sem uma ordem direta do rei em concordância com o Conselho Real, seria executado. Se não fizesse, morreria do mesmo jeito pelas mãos do príncipe. Aquele homem estava condenado, e ainda não sabia disso.
As espadas colidiram, mas Soen não tinha qualquer intenção de trocar golpes. Quanto mais rápido matasse, mais segura sua cabeça estaria.
Ele podia ouvir Aveille gritando atrás dele, aterrorizada pelo sangue que ainda jorrava do corte profundo na garganta do primeiro soldado, mas a tarefa à sua frente exigia máxima concentração, e Alexander podia cuidar de alguém que tinha metade do seu tamanho e nenhuma arma nas mãos.
Deixando a aristocrata escandalosa para o seu irmão, ele concentrou sua atenção no brilho do aço à sua frente. Aquele não era um soldado de elite, mas não parecia tão ruim quanto o primeiro, ao menos. Ainda assim era tolo, afastando muito o braço da espada e deixando os órgãos expostos.
Soen deixou que ele atacasse.
Ele golpeou uma vez, tentando um corte horizontal na altura do rosto, avançando em seguida com confiança em sua lâmina longa e cortante na direção do peito de Soen, chegando a rasgar uma linha reta na camisa do príncipe.
Foi o suficiente para que Soen recuasse até encostar as costas na parede de pedras escuras.
Imaginando que o Príncipe Herdeiro não tinha mais saída, ele empunhou sua espada acima da cabeça, buscando desferir um golpe poderoso que, na melhor das hipóteses, deixaria Soen com um pedaço faltando.
O herdeiro do trono não esperou o golpe. Ele aproveitou o momento para avançar em um salto, passando pelo homem e chutando a parte de trás do joelho dele, fazendo-o colidir as articulações contra o chão duro.
Ele nunca se levantou. Antes que recuperasse o equilíbrio, Soen girou o pomo da espada entre os dedos e atravessou a lâmina entre as costelas dele, perfurando em cheio o pulmão.
Quando o herdeiro do trono puxou a lâmina de volta, o homem emitiu um sibilo áspero e barulhento, acompanhado por uma série de tentativas falhas de respirar ao passo em que seus dentes se manchavam de sangue.
Soen evitou pensar no quão terrível seria limpar toda aquela bagunça enquanto se colocava diante da última intrusa que restava.
Na entrada do cômodo, Alexander impedia que Aveille fugisse ou gritasse por mais guardas, tapando a boca dela com uma das mãos e envolvendo-a junto ao próprio corpo com os braços.
A julgar por aquela expressão rígida e postura protetora, o herdeiro de Etheia supôs que teria o primeiro desentendimento com seu irmão ali mesmo.
O rosto de Aveille se contorceu em uma careta de pânico quando Soen parou diante dela. A marca preta em seu punho pulsava um formigamento gelado, como se incitasse a violência.
— Soen — disse Alexander, a voz baixa em um tom de aviso. — Você pode soltar a espada agora.
Ele não respondeu. Sequer olhou para Alec, encarando Aveille com olhos impassíveis. Ela não parecia respirar naquele momento.
"Não se preocupe com Soen", Yen-gato interveio, saindo de dentro do casaco de Balthazar. "Ele não mataria uma pessoa importante sabendo que há chances de ser acusado por isso."
E era verdade. Soen não pretendia matar a filha mais velha de um duque dentro de seu próprio quarto. Não se mais pessoas soubessem onde ela foi vista pela última vez.
No entanto, era divertido observar o medo nos olhos de Aveille e a tensão na mandíbula de Alec. Depois desse dia, ela não o perturbaria novamente e seu irmão passaria a conhecê-lo melhor.
— Ao menos Alexander não a deixou fugir — Soen comentou com seu primo. — Tio Balthazar precisa aprender com ele.
Alec, que parecia aliviado pelas palavras descontraídas de seu irmão, não conseguiu esconder sua surpresa quando Soen lhe entregou a espada ensanguentada.
O entendimento silencioso de que a jovem aristocrata de cabelos acobreados não morreria naquele dia também atingiu Aveille, que tomou a decisão inteligente de não tentar fugir ou gritar quando foi solta.
— Você é mesmo Alexander? — disse ela, mais assombrada pela visão daquele homem vivo do que com os dois guardas mortos que ainda vazavam sangue próximos ao corpo de Balthazar. — Você está vivo?
— Ele está mais vivo do que nosso tio, ao menos — Soen interrompeu o emocionante reencontro.
— Estou vivo — ele deu a ela um sorriso cordial. — Sinto muito que tenha desaparecido por todo esse tempo. O que você veio fazer aqui?
— O que você está fazendo aqui? — Aveille retrucou, franzindo as sobrancelhas ralas. — O que está acontecendo? Onde você esteve durante todos esses anos?
— Por que seria da sua conta? — O herdeiro do trono interveio. — Diga o que veio fazer em meus aposentos, acompanhada por dois guardas, ainda por cima, antes que minha paciência acabe.
— O Conselho Real me enviou. Você desacatou ordens da Rainha Regente, e o Conselho está em desagrado com a sua conduta. Por que o irmão mais novo de Vossa Majestade está quase morto no seu carpete?
— Entendo, então é sobre isso — Soen ignorou a pergunta sobre Balthazar. — Poderia ter se anunciado antes de entrar.
— O Rei Othail e a Rainha Regente se reúnem agora mesmo com todo o Conselho Real. Eles ordenam a sua presença e a de Yenned Vineyard de imediato — Aveille também parecia disposta a ignorar Soen. — É provável que você seja preso e Yenned acabe designado a acatar a missão em seu lugar.
Aquilo foi uma surpresa.
Yen era muito querido por todos da Corte, e até mesmo Garon parecia ter algum tipo de interesse nele. Uma tentativa de assassinato diretamente direcionada ao sobrinho favorito do rei parecia exagero. Seria possível que a proximidade dos dois príncipes estivesse preocupando Othail?
De fato, conquistar a família Vineyard tornaria o processo de sucessão do trono muito mais fácil para Soen, mas matar o homem mais bem-visto da casa mais adorada de Etheia parecia imprudente. A família de Yen saberia que não se tratava de um mero acidente e retalharia.
Era possível que o rei estivesse desesperado para manter seu filho longe da coroa do reino, e Soen apostava que isso tinha alguma coisa a ver com suas maldições.
Se Othail temia Solo, et Salus, se livraria de qualquer um para acabar com o sucessor do trono.
— O que diabos vamos fazer sobre Yen? — Soen perguntou para Alec, apesar de já ter uma ideia se formando na mente.
— O quê? — Aveille não poderia ter falado mais alto. — Onde está o príncipe Yenned, Vossa Alteza? O que você fez com ele?
Soen começava a se perguntar se valia mesmo a pena deixá-la viver quando percebeu seu irmão se movimentando atrás dela.
Em silêncio, Alec ergueu o cabo da espada que Soen lhe entregara e bateu com precisão metódica o pomo da lâmina contra a cabeça de Aveille.
Ela se calou na mesma hora, caindo flácida aos pés do herdeiro do trono.
— Nunca pensei que sentiria vontade de glorificar os céus! — ele disse quando o silêncio se propagou.
— Você poderia ter aparado a queda dela — Alec se abaixou e levantou a mulher inconsciente pelos braços.
"Soen não sabe ser um cavalheiro", Yen-gato criticou.
— Ele acabou de bater em uma mulher, e eu que não sou cavalheiro?
— Ao menos eu não matei ninguém — ele lançou um olhar acusador na direção dos dois soldados.
— De nada — seu irmão respondeu. — E por que, exatamente, não podemos matar a afilhada de nossa tia? Aveille sabe muito. Ela viu tudo.
Alec sequer pensou sobre o assunto. Ele levou-a até a poltrona de frente para a lareira, mas mudou de ideia quando percebeu que o estofado estava coberto de pelos de Yen-gato.
— Nós vamos dar um jeito — ele respondeu, irredutível, acomodando Aveille sobre a cama de seu irmão. — Precisamos nos focar no encontro com o Conselho Real agora.
Soen estava quase certo de que as informações que aquela mulher seria capaz de revelar sobre ele complicariam sua vida muito mais do que uma acusação de assassinato.
Ele poderia alegar que Aveille nunca chegou ao seu quarto. Ninguém teria como provar que ela de fato o fez. E, desta forma, não precisaria comparecer à maldita reunião do Conselho, o que evitaria revelar para todos que Yenned se tornou um gato.
Ainda assim, Soen hesitou.
Porque Alec esperava que ele hesitasse. Porque Yen o observava silenciosa e esperançosamente.
Porque até mesmo aquele bêbado semi-morto ficaria desapontado, caso seu sobrinho cortasse o pescoço de Aveille como se não fosse alguém que todos conheciam desde muito jovem.
— Certo. Vamos cuidar do problema mais urgente primeiro — ele esfregou as têmporas com os polegares. Suspeitava estar enlouquecendo. — Aveille disse que nossa presença é exigida de imediato. Devo ir sozinho e alegar que Yen está indisposto?
"Bem, não acho que eu possa ignorar uma ordem do Conselho Real usando uma indisposição como desculpa, mas está fora de cogitação aparecer com minha aparência atual. O que faremos?", Yen parecia muito tranquilo para um gato com a corda no pescoço.
Quanto mais tempo passava como um gato, mais ele parecia simplista e alheio às dificuldades humanas. Mesmo naquele momento, sua maior preocupação era lamber a própria bunda.
— Não devemos entrar em pânico — Alexander respondeu, por mais que ninguém ali parecesse realmente preocupado. — Podemos pensar por alguns minutos.
Soen descartou as palavras dele com um aceno de mão.
— Não temos sequer alguns bons minutos. Vou ter que me virar com o que tenho.
"E o que você tem?", Yen fez a pergunta.
— Tenho um cara grande e loiro cheio de truques do paraíso de onde ele saiu — Soen deu um sorriso torto. — Espero que você tenha aprendido teatro na escola dos anjos, irmão.
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