Prólogo
A música se tornou absurdamente alta ao seu redor, o chão tremia de acordo com as notas da canção. Os corpos se movimentavam em uma massa que a levava sem esforço. Mal conseguia enxergar um palmo a sua frente, luzes coloridas cortando a escuridão, vultos dançantes se movendo em um ritmo próprio, cada espaço dentro dela sendo preenchido com as vozes, as batidas, as notas da canção aleatória. Um toque sutil em seu braço a fez se virar, olhos brilhantes como a luz de um farol a guiando para a direção certa.
Sorriu abertamente, se jogando de braços abertos no corpo surpreso que a recebeu. Enrolou os braços no pescoço dele, segundos hesitantes se passaram antes de sentir os braços envolta de sua cintura. Com seus corpos colados podia sentir as batidas apressadas do coração do outro, a respiração em seu pescoço sendo um alívio do calor que os envolvia. Aumentou o aperto ao redor dele, queria se fundir nele, ter seu corpo e mente mesclados ao dele.
Afastou-se alguns centímetros, o suficiente para fitá-lo nos olhos, arrastou uma mão do pescoço até a bochecha dele, acariciando a pele com o polegar e seguindo até a linha da boca. As luzes fortes não eram mais tão incômodas, elas se refletiam no escuro dos olhos dele a proporcionando uma visão única. O som ao seu redor se tornou abafado, como se os dois agora estivessem em uma bolha própria. Seu olhar desceu para os lábios entreabertos que contornava com a ponta do polegar.
A palma de sua mão estava quente em contato com a pele dele, seus dedos espalhados até o contorno do rosto. O viu se aproximar lentamente à espera de uma negação, o encontrou no meio do caminho, seus lábios se tocando de maneira firme e conhecida. Entreabriu os seus, um encaixe perfeito sendo sentido em cada fibra de seu ser.
Inclinando a cabeça para trás, um gemido seu sendo engolfado por ele quando o beijo foi aprofundando. A eletricidade pulsava em um ritmo próprio por seu corpo, despertando cada célula e energizando seu sistema. Perdeu-se por horas, que fizeram toda a sua noite valer a pena.
◇•◇•◇•◇•◇
A luz forte do sol nascente a fez fechar os olhos cansada. Em sua boca habitava o gosto de um animal em decomposição, suas roupas amassadas eram a prova do local desconfortável em que dormiu e o frizz em seus fios claros a fazia parecer ter levado um choque. Procurou na clutch que carregava ao menos uma bala de menta, sorrindo aliviada quando encontrou uma bolinha perdida em meio a recibos velhos e pequenas cédulas de dinheiro.
Mastigou contente sentindo o ardor conhecido ocultar o antigo gosto que sentia em sua boca. Olhou ao redor da sala desnecessariamente clara, por conta das janelas de vidro desprotegidas de cortinas, e observou impressionada a bagunça de pessoas que se encontrava espalhada pelo cômodo. Algumas dormiam no acho enquanto outras babavam em cima do sofá, poltronas e banquinhos almofadados ao pé das janelas.
Abaixou-se em direção à uma jovem que dormia enrolada no primeiro degrau da escada, retirou da ponta de uma das tranças dela um elástico de cabelo e amarrou seus fios em um rabo de cavalo precário, ou meio rabo de cavalo por conta do corte curto que havia feito. Passou por cima da mulher adormecida e na ponta dos pés seguiu em direção à porta de entrada. Com sorte conseguiria sair daquele lugar antes que seu companheiro de quarto se desse conta da sua ausência.
- Argh. Detesto o sol.
Resmungou ao sair, usando a mão esquerda como uma barreira contra a claridade enquanto andava até o meio fio a fim de esperar o carro do aplicativo. Passou a mão pela nuca, torcendo o pescoço com uma careta dolorida. Nunca mais dormiria no chão, a madeira dura e fria era o pior lugar do mundo para se passar a noite, ou madrugada. Bocejando, esticou os braços acima do corpo, entrelaçando as mãos para cima enquanto se alongava preguiçosamente.
Um carro prata apareceu na esquina da casa, verificou a placa quando ele parou rapidamente a sua frente e entrou no banco de trás. Acenou sem vontade quando o senhor estranho abriu um sorriso para ela. Bateu na parte de trás do banco dele dando sinal para seguir, quando o carro se pôs em movimento, pescou seu celular de dentro da bolsinha e o ligou. Gemeu impaciente quando viu as 70 mensagens de um grupo com seus ex-colegas de sala, 130 do seu grupo da Caverna man, sem contar outras mensagens de seus amigos e inúmeras ligações do seu irmão e pais.
Enviou um "Estou bem" para todos que importavam e desligou o celular. Sempre falavam que ela precisava diminuir o tempo que usava o aparelho, então resolveria começar naquele instante. Apoiou a testa no vidro, seus olhos acompanhando a passagem de ruas e casas, algum tempo depois via somente um borrão colorido, seus olhos desfocando e suas pálpebras pesando enquanto o sono e cansaço a dominavam. Foi acordada pela freada brusca que a impulsionou para frente, suas mãos voaram para o cinto que a atravessava e encarou irritada o motorista.
- Onde diabos foi que você tirou a sua carteira?
- Chegamos, bonequinha. - declarou o óbvio, sorrindo por cima do ombro para encará-la.
- Posso ver claramente. E nunca chame uma mulher assim a menos que ela tenha lhe dado o direito. - falou seca, abrindo a porta e saindo antes dele falar algo a mais.
Abriu o primeiro sorriso do dia quando parou de frente para a porta da casa. Estava tudo silencioso, provavelmente seus pais ainda dormiam e Henry deve ter saído para trabalhar. Destrancou a porta e entrou na sala parcialmente escura, agradecida por sua mãe estar em uma fase louca de pintura abstrata que resultou na maior parte das janelas pintadas. Caminhou diretamente para as escadas, mas parou no meio do caminho quando sentiu sua espinha gelar, olhou para a cozinha encontrando seu irmão.
- Bom dia. - desejou, apontando o queixo para ele antes de pisar no primeiro degrau.
- Piper.
O tom firme a fez franzir o cenho. Olhou para ele, mexendo os ombros e balançando a cabeça para que ele falasse algo, quando ele indicou a bancada com a cabeça bufou irritada caminhando em sua direção.
- Fala logo o que você quer porque minha cama linda está me esperando.
- Ela também estava te esperando ontem a noite. - rebateu sarcástico, empurrando uma caneca fumegante para ela.
- Não comece. - pediu cansada, sentando em frente à ele, segurando a caneca e inalando satisfeita o aroma do café.
- Quantas noites você passou em casa essa semana, Piper?
- O suficiente. - assoprou despreocupada a bebida.
- O suficiente para quem?
- Para mim.
- Olha, irmã, eu só quero que você pense no seu futuro e...
- Oi? - o interrompeu com um riso incrédulo. - Você está falando para mim sobre pensar no futuro? Logo você que se jogou com um dirigível na porra de uma montanha?
- Faz anos que isso aconteceu. Agora estamos falando das suas escolhas e não das minhas passadas.
- Ótimo. - bateu a caneca na bancada. - Quer falar sobre o presente? Vamos falar sobre o presente. - cruzou os braços os apoiando na bancada fria. - Quando você vai parar de ter medo e ir morar com a Charlotte? Quando você vai deixar de vistoriar a minha vida e aceitar aquele emprego em Chicago? E mais. - sorriu falsamente. - Quando você vai parar de fingir se preocupar tanto comigo e admitir que só está projetando as suas inseguranças nas minhas escolhas de vida?
Henry estreitou os olhos, seus lábios fechados fortemente enquanto respirava de forma pesada. Por fim, soltou o ar devagar, não desviando do olhar afiado da irmã mais nova.
- Não estou fingindo uma preocupação, eu realmente me preocupo com você. - afirmou sério, tomando um último gole de sua própria bebida. - Você tem tanto potencial, Piper, tantos planos pra concretizar. Não sei o que aconteceu, ou o que deixou de acontecer. - esfregou um olho enquanto suspirava. - Mas você precisa se encontrar de novo e sair toda noite para qualquer lugar que tenha o mínimo de bebida não é a solução.
Torceu o rosto em uma careta para ele, exausta de mais para continuar em uma discussão que sabia que só resultaria em gritos e estresse desnecessário. Henry notou que ela não iria escutá-lo naquele momento, Piper viu em sua expressão quando ele desistiu de continuar a conversa. Dando a volta para ficar ao lado dela, beijou suavemente o topo de sua cabeça.
- Eu te amo, viu. - sussurrou contra o seu cabelo, o corpo dela tensionando automaticamente.
Quando o sentiu se afastar, voltou a respirar audivelmente. Seus olhos ardendo em aviso às lágrimas, um nó se formando em sua garganta, mordeu o lábio inferior para impedi-lo de tremer. Sua mente zunia em pensamentos indesejados, fechou os olhos fortemente, apertando a caneca entre as mãos a fim de sentir o calor penetrar sua pele e aquecer seu corpo. Se sentia gelada, cansada, a eletricidade da noite anterior desaparecendo de seu sistema. Não restava mais nada além do frio em Piper Hart e ela estava com muito medo por não conseguir expulsa-lo.
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