01
O vento forte fazia os fios rebeldes de seu cabelo grudarem em sua boca e por vezes espetarem seus olhos. As duas tranças mal feitas teriam que funcionar para que ela parecesse ao menos um pouco apresentável. Tinha dormido de mais e esquecido o encontro quinzenal que havia marcado com Charlotte em um café no centro. Suspirou irritada quando parou na faixa de pedestres em um sinal vermelho que a impedia de atravessar. Detestava ter que caminhar, suar não combinava com ela e não entendia porque existiam pessoas que suavam propositalmente.
Mordeu o interior da bochecha, seus olhos passeando por seu arredor. Carros passavam em uma velocidade absurda considerando as ruas lotadas, transeuntes caminhavam apressados enquanto outros paravam no meio da calçada para conversarem, impedindo assim a passagem de outros. Revirou os olhos para um casal que conversava em sussurros e de mãos dadas. A mulher baixa ficou na ponta dos pés e beijou a bochecha da mais alta, a fazendo corar em tom de rosa visto à distância.
- Anti-romântica?
Sua mão direita voou para o coração quando um grito saiu de seus lábios após a voz grossa falar ao pé de seu ouvido. Olhou irritada para a sua direita, encontrando um coelho cinza gigante carregando uma cesta de rosas. Torceu a boca em uma careta, resolveu nem se dignar a responder o animal peludo. Olhou para o semáforo e percebeu que havia perdido a chance de atravessar, soltou um alto bufo, caminhando três passos mais para perto do meio fio.
- Então, nenhuma rosa?
O coelho falou novamente, estendendo a cesta em sua direção. Empurrou o objeto com flores para longe, girando o pescoço para olhar para o outro lado. O coelho deu a volta por trás dela e ficou em sua visão lateral, a Hart contou até cinco para não agredi-lo.
- Flores alegram o dia.
- Então vá "alegrar" o dia de outro. - resmungou, começando a caminhar apressada quando o sinal de uma pessoa andando ficou verde.
- Resolvi alegrar o seu dia. - o coelho foi saltitando ao seu lado. - Considere isso um presente.
Piper praticamente rosnou para ele, o empurrando para o lado quando atravessaram a faixa. Ele se equilibrou e voltou a andar atrás dela.
- Isso é assédio e não pense que não tenho coragem de te jogar na cadeia ou na sarjeta nesse exato minuto.
- Rancorosa. - ele resmungou bem menos bem-humorado. - Só estou oferecendo flores.
- Não. - reafirmou, cruzando os braços irritada e não se esforçando para olha-lo de novo. Porém, parou exasperada quando percebeu que ele ainda a seguia pela calçada estreita. - Você está me assediando.
- Não estou não. - rebateu apressado, dando dois passos para trás, mas logo recomeçando a andar junto com ela. - Eu não estou! - gritou indignado quando foi empurrado contra a parede de uma loja.
Os olhos pretos falsos a impediam de encará-lo de maneira correta, bufou exasperada quando o soltou. Mas não deu dois passos quando escutou um "Surtada" murmurado. Girou em seus próprios pés, estreitando os olhos quando viu a cabeça de coelho tombar para o lado.
- De que merda você me chamou?
O coelho agarrou a cesta como se sua vida dependesse disso, mas sua voz continha um leve deboche quando em seguida falou:
- Do que você claramente ouviu.
- Olha aqui, seu babaca...
- Não, obrigado. - a cortou impaciente, a empurrando levemente com o ombro ao tentar passar por ela.
Piper tentou agarra-lo pelo braço, mas ele conseguiu escapar de seu aperto.
- Volta aqui! Agora!
- Prefiro não. - ele não deu ouvidos para os seus gritos, começando a correr imediatamente. - Para de me seguir, mulher louca!
- Eu não estou te seguindo, seu idiota. - caminhou apressada para ultrapassa-lo.
- Claro que não. - debochou, a atingindo com a cesta de flores.
- Ei! - gritou indignada, tentando empurra-lo novamente.
- Agora isso... da cadeia. - o coelho tentava se proteger, seus braços servindo como um escudo contra a fúria da pequena loira. - É agressão! Socorro!
- Não ouse. - o encarou mortalmente quando percebeu que os gritos dele estavam chamando a atenção de quem estava ao redor.
- Ora, ora, ora. - começou a caminhar lentamente para trás. - Parece que a mesa virou, não é mesmo.
- Tire já esse sorrisinho idiota.
- Quem disse que estou sorrindo? - a cesta balançava livremente de uma mão para outra.
- Dá pra escutar na porra da sua voz!
- Depende de quem escuta. - inclinou a cabeça para frente, as orelhas felpudas batendo no rosto dela a provocando ainda mais. - Você parecer estar prestando bastante atenção em mim para notar.
- Eu vou torcer esse seu pescoço peludo idiota. - praticamente rosnou, se jogando para cima dele, mas congelou no meio do caminho ao escutar uma voz conhecida.
- Piper! Parada!
Caiu em seus calcanhares, girando o pescoço para encontrar uma Charlotte descrente com as duas mãos na cintura. O coelho aproveitou a oportunidade e sumiu em meio às pessoas que haviam formado um semicírculo ao redor deles. A Bolton arqueou as sobrancelhas em uma pergunta muda, ela claramente esperava uma resposta, uma que Piper não queria dar. Empurrou algumas pessoas para longe, lançando olhares cortantes e seguiu em direção à melhor amiga, enquanto caminhava vagarosamente, acreditava que deveria nem ter saído de sua cama naquela manhã.
◇•◇•◇•◇•◇
- Bom, você vai me dizer o que foi aquilo ou só vamos ficar aqui em silêncio pelo resto do meu tempo livre?
Ignorou a voz de Charlotte, mexendo seu café com uma colher transparente e observando as ondulações do mini redemoinho que provocava. Os sons de vozes, xícaras tilintando, passos apressados e teclas sendo digitadas se tornaram abafados aos seus ouvidos, parecia que toda a sua energia havia sido tragada e tudo o que ela queria fazer era permanecer em silêncio.
"Piper", seu nome veio em uma voz calma do fundo de sua mente, ou seria até o fundo de sua mente? Ela realmente não sabia, mas o toque firme em sua mão, que se encontrava sobre a mesa, a fez retirar sua atenção do café. Uma mão macia cobria a sua, seus olhos passeando das unhas bem cuidadas em direção ao pulso cheio de pulseiras em tons metálicos seguindo o braço esguio até encontrar os olhos castanhos familiares de sua amiga.
- O que está acontecendo?
E como uma bolha sendo estourada, foi recebida novamente pelo mundo e por todos os sons que o acompanhavam. Piscou rapidamente, respirando fundo quando escutou a pergunta. A detestava, realmente detestava. Ela não sabia o que estava acontecendo e perguntarem justo isso para ela não era... justo.
- Nada está acontecendo.
- Você estava brigando com um coelho gigante no meio da rua, Piper. - Charlotte revirou os olhos quando ela deu de ombros em pouco caso. - Olha, eu não queria estar fazendo isso, mas o Henry...
- Ah, claro. - soltou uma risada sarcástica, puxando sua mão da dela. - Claro que tinha que ser ele.
- Não haja como se ele estivesse tramando a sua morte.
Piper não acreditava realmente nisso, sabia que seu irmão só estava preocupado, o problema era que ela estava irritada, muito irritada por ele pensar que ela precisava de Charlotte. Ela não precisava de ninguém, nunca precisou, poderia muito bem passar por o que quer que fosse aquilo sozinha e ninguém precisaria se intrometer em sua vida.
- Piper. - soltando um suave suspiro cansado, Charlotte cruzou as mãos sobre a mesa. - Sei que você sempre fez tudo sozinha, nunca nos pediu ajuda para nada grande e conseguiu se sair muito bem. Está se saindo muito bem.
- Você não acredita realmente nisso. - rebateu emburrada, levando o cafe frio à boca.
Charlotte a encarou com uma expressão que beirava a pena, não, pior, faltava somente ela soltar um "Ah, querida" bem condescendente para a Hart se sentir realmente uma criança birrenta.
- Você está tentando, do seu jeito, mas está tentando. - afirmou com uma confiança que quase a impressionou. - Mas existem alguns momentos em que você precisa de ajuda, principalmente daqueles que a amam e que se preocupam com você.
- E como seria essa ajuda?
Ela adoraria escutar como eles iriam resolver sua vida sendo que nem ela mesma sabia o que tinha de errado.
- Podemos começar conversando. Realmente conversando. - frisou, sua voz continha uma súplica subentendida.
Piper de repente se sentiu péssima. Tudo o que Charlotte queria era que ela ficasse bem, tudo o que Henry queria era o mesmo. Eles, e todos ao seu redor, só queriam que a antiga Piper Hart voltasse; com toda a sua pose de indestrutível, sua língua afiada e sua teimosia que a levaram a lugares inimagináveis. Mas ela estava cansada, se encontrava exausta de tentar sempre vencer e ser a número um, onde tudo aquilo a tinha levado mesmo?
- Eu estou bem. - disse, não querendo prolongar aquela conversa, sabia muito bem que não levaria a nada, pior, sabia que poderia ficar irritada a qualquer momento novamente e nada de bom acontecia quando ela estava com raiva. - Posso prometer que vou ficar bem.
"Em algum momento."
- Certo. - Charlotte assentiu como se soubesse que ela não iria falar mais nada.
Um silêncio desconfortável caiu sobre as duas, o que era incomum sendo que elas sempre tiveram algum assunto para debater. A Hart cruzou as penas, balançando o pé enquanto olhava para o outro lado da cafeteria. Ela queria ir embora, desesperadamente. A vibração de preocupação que Charlotte emanava a estava sufocando, a rodeando como uma nuvem pesada de chuva antes de uma tempestadade assustadora. Ela não queria preocupa-la, não queria que todos estivessem tão desesperados para consertar sua vida, para que ela voltasse ao seu "normal". Ela só queria ir.
- Então...
- Melhor conversarmos outra hora. - declarou de repente, praticamente saltando da cadeira e assustando a Bolton no processo.
- Mas...
- Preciso realmente ir, Char. - disse apressada, deixando algumas notas amassadas sobre a mesa e lançando um olhar suplicante para ela.
Charlotte segurou seu olhar, as sobrancelhas franzidas em uma exasperação que ela não iria verbalizar. Piper torceu internamente para ela só deixá-la ir embora, quase suspirando aliviada quando a viu assentir a contragosto.
- Me ligue depois.
Acenou em concordância ao pedido da amiga, a lançando um último olhar agradecido antes de praticamente correr para fora da cafeteria. Quando chegou ao lado de fora, inspirou profundamente o ar úmido, parecia que seus pulmões viveram sem ar durante eras. Seu coração batia acelerado e suas mãos tremiam, ao passo que sua cabeça estava começando a latejar, como se uma torneira estivesse pingando pedras em sua mente. Gota por gota. Cada uma perfurando sua paz. Estava sentindo muito e não queria parar para categorizar seus sentimentos. Em um rápido movimento, pegou seu celular do bolso do casaco e ligou para um número que já se encontrava nas chamadas frequentes.
- Fala, Hart!
O grito animado que soou do outro lado do aparelho a fez abrir um pequeno sorriso, pela voz grossa e arrastada e o barulho de vozes misturadas com uma batida eletrônica, sabia que teria um amortecimento rápido para o que estava sentindo.
- Chego aí em quinze.
Avisou ansiosa, começando a correr para o ponto de ônibus mais próximo a fim de chegar logo em mais uma festa de Matthew, um amigo que havia feito durante uma de suas noites de sexta-feira. Sabia que ao chegar lá deixaria toda a raiva, angústia e culpa para trás. Pelo menos por um tempo esqueceria de tudo e isso era só o que ela precisava no momento.
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