-- Prólogo: Fuga pela Vingança --
É uma noite escura e fria. Uma corrente de ar passa entre as árvores, carregando consigo suas folhas secas; o ambiente está tomado por uma névoa arroxeada, que se move devagar, cobrindo tudo ao alcance, um sem fim.
Barulhos soam alto, oriundos da colisão de metal sobre algo sólido. Uma pisada forte é desferida sobre a grama, o homem usa essa perna para investir de uma vez, rugindo enquanto se aproxima do inimigo; ele pisa outra vez, nesta para frear, girando o corpo, fatiando o ar com um balanço denso da espada, marcando-o, porém — no desfecho — sem efeito no corpo adversário.
A criatura à frente está contendo a lâmina com seu braço, aproveitando-se de que sua carne não pode ser cortada. O espadachim está surpreso, mas não cessa nem sequer por um instante em empurrar a arma.
Mesmo estando cansado ao ponto das pernas tremerem, e, a vista ficar turva, o espadachim nota uma ação inimiga, que o faz recuar com um salto. O monstro à frente tem um aspecto humanoide, um muito magricelo, havendo uma massa de energia negra rondando sua pele, ocultando seu verdadeiro aspecto. Sua altura ultrapassa facilmente dois metros.
Ao se defender dos golpes seguintes da espada, a criatura, com a primeira abertura que vê, lança os braços à frente, atravessando o plexo solar do homem como se fosse papel.
Sangue jorra do ferimento, o corpo do espadachim ameaça cair à frente, se contorcendo de dor; ele vomita vermelho, seu rosto caído só consegue ver a silhueta do membro que o transpassou. O monstro segura a cabeça do homem, apertando-a com os dedos, rachando o crânio; cansado disso, ele o joga para longe com o braço usado como lança, retirando-o da carne no soar de ruídos grotescos.
O espadachim cai de costas para o chão, desarmado. Ele vê a aberração se aproximar em seus últimos momentos, vendo-a parar à frente, o "encarando" com a face lisa, erguendo um dos braços para desferir um ataque. A visão do homem se apaga de vez no descer de um borrão.
Não muito longe dali está uma mulher carregando um arco largo. É loira e, assim como o espadachim, suas roupas estão desgastadas e seu semblante está tenso devido ao cansaço. Após hesitar por alguns momentos, sentindo medo das sombras, ela dispara em carreira, desaparecendo dali pelas brechas entre a vegetação. Sua extensa aljava está vazia, um peso morto. As recordações da morte do companheiro a fazem lastimar sua inutilidade.
Uma silhueta robusta corre rápido pela névoa atrás da mulher, emitindo um estrondo ao esbarrar nas árvores pelo caminho, as tombando. A arqueira olha para trás ao notar o quão veloz a criatura é, suas pupilas se apertam ao verem a forma de um gorila, um que a alcança num instante.
A aberração ergue o braço e, com um único balanço, acerta a mulher, destroçando-a naquele breu; a grama e os troncos próximos são pintados por rubro, um que se destaca no negro.
Duas bocas exalam, ofegantes, liberando vapor nas baforadas. Uma delas pertence ao anão que está segurando uma espada grossa, feita de metal negro, e a demais a um homem alto, parrudo, que está armado com um machado coberto de ornamentos tribais, feito do mesmo material negro do outro. Eles estão cobertos de feridas, exauridos ao máximo devido aos confrontos anteriores. Na frente dos dois se encontram criaturas amorfas, diferentes da primeira, que era oculta pela sua aura preta, as aparências dessas estão se encobrindo apenas pelo nevoeiro e escuridão.
— Ei! — exclama o homem musculoso, chamando a atenção do companheiro. Seu rosto está coberto pelos pedaços do que era uma máscara. — Eu... Eu tive uma última ideia! Uma brilhante!
— Que porcaria você está dizendo agora?! Pirou de vez, seu desgraçado?!
— Poupe energia, nanico! Tch! Você só vai atrapalhar aqui, apenas fuja de uma vez! Ao menos fora daqui você pode ir relatar o que está acontecendo nessa floresta.
— Como ousa?! Está me insultando?! Eu vou morrer aqui com vocês, seu idiota! Não vou fugir com o rabo entre as pernas e deixar os cadáveres de todos apodrecendo nessa floresta de merda!
— Hã!? O idiota aqui é você!
Apesar da ofensa solta, o machadeiro esbanja um sorriso leve de satisfação, contudo, logo essa expressão se desfaz, consciente de que não pode ceder para emoções.
— Não seja tolo — continua. — Se você conseguir ajuda da guilda para acabar com esse lugar maldito, essa vai ser a melhor vingança que poderíamos ter! Agora pare de encher meu saco, e vai!!
Mesmo com essas palavras o anão segue hesitante.
— VAAI!!!
Após ter escutado esse grito, o anão fica mais tenso, porém, acaba acatando. Ele se vira, correndo mata adentro, deixando de vez aquele lugar.
— Certo, agora a festa de vocês é só comigo! — fala o robusto, apontando o machado na direção dos monstros. As criaturas se aproximam devagar, esboçando sons grotescos, despejando saliva pelo solo.
Em uma carreira frenética, o anão atravessa a mata com todo seu vigor restante; os sons de seus passos soam alto em seus ouvidos. Ele esbarra com força nas árvores e arbustos pelo caminho, que quase o desequilibram, não o suficiente para derrubá-lo.
Quando o anão passa perto de certos arbustos tomados pela escuridão, repentinamente uma besta salta sobre ele, o atacando com uma mordida. Embora tenha ficado surpreso, sua reação de colocar o braço direito — o que segura a espada — no caminho é imediata; o membro é fulminado por dezenas de dente, sentindo sua carne ser alcançada; o monstro solta grunhidos guturais enquanto racha mais do metal a cada instante.
O anão inclina seu corpo para trás, como se tentasse tomar distância da criatura, porém, ela não demonstra nenhum indício de que irá soltar seu braço, pelo contrário, seus dentes já afundaram ao limite, ao ponto de ficarem banhados de vermelhos até a base e derrubarem os fragmentos do que era uma manopla. A careta de dor do anão se fecha mais ainda, bastante sangue desliza para o chão.
"Droga! Esse desprezível...!", vocifera em sua mente. "Eu não vou aceitar uma morte ridícula dessa!!"
Pela falta de força nos dedos da mão direita do anão, a espada negra desliza para a grama que foi avermelhada. Ele abre mais o olhar ao se decidir sobre algo, determinado, mas ainda ficando receoso por algum tempo com a escolha; sua mão esquerda para de hesitar, desembainhando rapidamente uma espada curta, lançando de imediato um ataque contra... o monstro?
Um silêncio profundo toma o lugar, o breu se torna um puro branco; partículas negras flutuam pelo ar como faíscas.
A expressão do anão se torna mais séria à medida que executa seu movimento, sentindo os traços que o moldam se desfazerem para o ar numa chuva inversa. Sangue jorra. Algo foi decepado.
Ele está virando. Uma ação necessária para seguir correndo, afinal o que cortou não foi a criatura, e, sim, seu braço direito que havia sido pego. O vermelho-escuro se espalha pelo ar como uma listra; o anão mostra suas costas enquanto se move apressado, mas para ele, seu ritmo é tão lento como uma tartaruga, pesando-lhe os sentidos entorpecidos. Só a morte pode o fazer cessar, e ela não parece estar longe.
Após algum tempo, o anão se depara com um rio de fortes correntezas, que não refletem luz. Sem pensar muito, pula lá, desaparecendo nas águas hediondas com um estouro. Os sons do seu nado soam apenas por alguns segundos, engolidos pelos barulhos dos monstros aquáticos, que acabam de notar a presença do invasor. A quantidade e o volume dos sons aumentam cada vez mais, até um ponto ensurdecedor, perturbador.
Nesta noite, o fim de uma história aconteceu.
E... quando uma história acaba...
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Se passaram meses desde a noite do desastre. O ambiente agora está ensolarado, vento balança os cabelos grisalhos e, atualmente, longos do anão. As roupas improvisadas que usa agora são feitas de couro. Devido à corrente de ar, uma manga sacode pela falta de um braço direito. Ele está agora em pé em cima do galho de uma árvore, depreciando a vista. Sim, depreciando. Pois, o que ele olha agora é a maldita paisagem "daquela" floresta, aquela coberta de névoa, com um céu tomado por trevas.
...outra começa.
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