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Capítulo III

Após estarmos viajando durante longas horas cansativas, Ethan finalmente me faz um sinal ao dar duas breves batidas em minha cintura, enquanto permanecíamos montados sobre o garrano. De longe consegui avistar o primeiro vilarejo pálido pela neve e pela cor das casas, que estranhamente combinavam. Bege e algumas com cores extravagantes. Outras pretas e apenas sem cor alguma. Senti a euforia cobrir-me e então, quando Ethan puxou as rédeas para frear o animal, mal esperei quando ele saltou do cavalo e estendeu a mão para me ajudar a descer.

Continuei vidrada no pequeno vilarejo surreal, como sempre estive acostumada a ver em filmes de épocas, e ao tentar pegar a sua mão, caio de cara na neve.

— Vai com calma. — Ele disse com o olhar sério enquanto me levantei, limpando a roupa que se sujara de neve. — Existem formas melhores para se machucar.

Dobrei a cabeça e rolei os olhos.

— Engraçadinho. Estou bem para sua informação! — Pisquei para o seu rosto enquanto vestiu a máscara para que ninguém conseguisse vê-lo. — Para que se esconder tanto?

Ele deu de ombros.

— Precisamos averiguar. — Respondeu e ajeitou o peso do arco preso nas costas. — É o meu retrato que está estampado em todos os estados do continente Cothür.

Observei-o com cautela enquanto respirou fundo dando sinal para que começássemos a andar para o vilarejo. Ethan puxava o cavalo e demonstrava explicitamente desconhecer o lugar e andou com calma, devagar, mantendo sua posição de “caçador, procurado” ao escutar, sentir e observar tudo e todos ao redor. Tentando ao máximo, fazer com que nos misturássemos pela multidão para que passássemos despercebidos. E no momento em que nos aprofundamos pelos comerciantes, ele pegou a minha mão para que eu não ficasse para trás e puxou-me com um pouco mais de generosidade. Havia muitos artesões, curandeiros e alguns outros que não consegui identificar com suas barracas repletas de aparatos úteis. Tinham alguns que esticavam pedaços de tecidos para nós enquanto passávamos. Tentei observar de perto, mas Ethan me impedia e apenas murmurava “vamos, Sara”.

Em um momento sem que eu compreendesse o que o assassino tivera visto, envolveu as mãos em minha cintura com força e jogou a minha coluna contra um grande muro de pedra enegrecida e úmida de um beco fechado. Virou a cabeça mascarada e pôs o braço ao lado de nossos rostos próximos. Escutei e senti a sua respiração abafada emanar belas brechas do metal e ele pediu que fizesse silêncio. E foi então que entendi, quando que com os cantos dos olhos eu vi inúmeros homens vestindo armaduras prateadas e cintilantes pela luz do dia com uma grande insígnia pendurada no peito em respeito à origem de seus superiores.

Justamente ao meu lado vi um retrato de Ethan e assim que o mesmo percebeu, foi com as mãos da minha cintura até a parede para retirar. Ele o rasgou quando todos os cavaleiros passaram e pareceu respirar melhor como se antes estivesse sendo sufocado grosseiramente. Então, nos afastamos e percebi que minhas bochechas estavam quentes de vergonha.

— Estamos seguros. — Respirou fundo novamente. — Tente ficar atrás de mim, não fale e não confie em alguma dessas pessoas.

Virei a cabeça para o lado, sentindo-me como uma criança boba.

— Ethan, não sou nenhuma criança e não o colocarei em alguma confusão — mostrei os dois dedos se cruzando para provar fidelidade —, prometo.

— Agradeço. — Disse. — Assim é melhor.

Então nos infiltramos pela multidão mais uma vez e uma imagem perturbadora invadiu a minha visão à frente, fazendo-me tampar a boca para não gritar. Uma grande criatura de cor azul e tinha alguns pelos? O que diabos era aquilo? Um bode? Um touro? Os dois? Tinha grandes chifres que se enrolavam e as pontas se inclinavam para frente de forma aterrorizante. Havia muitas cicatrizes em seu corpo musculoso e alto. Seus olhos pareciam grandes obsidianas negras e sinistras. Esta criatura também vestia algumas poucas armaduras prateadas. Um elmo que se abria onde seus chifres passavam sem dificuldade. E no instinto, agarrei o braço de Ethan que observou-me sem entender, apoiei a cabeça em seu corpo e temi que essas coisas horrendas corressem para me matar.

— Está com medo? — Ele questionou quando percebera o que estivera me incomodando. — São turantis, criaturas completamente dóceis… — Ele apontou para a frente onde um grupo de homens magros com pele acinzentada, quatro braços, que ocupavam um pequeno chafariz estava. Pareciam concentrados em uma oração, cantando alto para algum deus. — Deve temer aqueles ali.

— Que criaturas são aquelas? — Questionei.

— Sa’hamanianos.

— Não me parecem cruéis. — Analisei. — E a propósito, não estou com medo! — Retruquei.

— Então por que está apertando o meu braço?

Observei a minha mão que amassava os seus músculos e corei, largando-o imediatamente.

— Impulso! Instinto de sobrevivência, apenas. — Fechei os olhos e arqueei as sobrancelhas por alguns segundos.

— Certo.

Não demorou muito para que um comerciante mal encarado nos parasse com sua barraca ao se colocar em nossa frente. Notei os seus dentes sujos que muitos nem existiam, as unhas também não ficavam de fora e tinham grandes camadas negras. Parecia trabalhar com tintas e entendi quando mostrou-me a pintura de uma mão masculina segurando um diamante e entregando à outra mão. Havia um sol e uma lua que se mesclavam, criando algo de origem religiosa. Talvez? Não sabia dizer, mas então lembrei de quando Ethan comentara sobre ser um “diamantense”, será que aquele símbolo era sobre ele? Sobre a religião desse povo? É ridículo. Ethan é só um homem.

— Olá, bela dama. — Ele disse e pegou a minha mão. — Gostou da pintura? Gostaria de tê-la por apenas quatro preus de prata?

— Eu… — Comecei mas Ethan logo cortou-me.

— Não estamos interessados.

— Deixe-me então oferecer um bom estábulo para o seu cavalo, meu cavaleiro paladino? — Insistiu, já se aproximando de Ethan quando o mesmo deu um passo para o lado e apertou firme o meu braço e as rédeas do garrano.

— Vamos, Sara. — Ignorou o homem que continuou a gritar sob o vento. Puxou-me para o canto com a cabeça baixa.

— Tadinho do homem, Ethan! Como você é maldoso, deixe o bichinho lá com ele. O pobre homem tem um estábulo! — Ordenei perplexa e ele me virou contra o seu rosto. — Me solta! Não pode toda vez que discordar comigo agir desta forma, seu bruto sem sentimentos!

Ele virou a cabeça para os lados e voltou a me observar.

— Escuta, Sara, lembra do que falei? Lembra? — Questionou sussurrando e me encostando na parede com cuidado. — Sobre não confiar em ninguém?

— Está certo. Me desculpa, não entendo as regras daqui.

Afastou-se.

— Deve aprender se quiser o turíbulo.

— Eu sei! Mas proteger um fugitivo que tem o rosto estampado em cartazes a cada canto que andarmos não me parece ser uma tarefa tão fácil, sabe? Seria se você me contasse quantas pessoas mais ou menos — balancei a mão para simbolizar — estão atrás de você…

Ele não pensou e disparou para responder:

— O planeta inteiro.

— Ah, deixe disso. — Respondi, estalando a língua. — Quantas?

Suspirou como se estivesse prestes a perder um grande tempo para tentar me explicar e então simplesmente optou por ignorar a minha pergunta novamente.

— Vamos, precisamos de roupas melhores para você.

— Odeio quando você me ignora, mas está bem… — Comecei, rolando os olhos. — Vamos nessa, senhor! — Coloquei a mão na testa e fechei as pernas, mantendo a posição ereta.

Quando adentramos um pequeno ateliê mofado, encontramos uma velha com um grande pedaço de pano preto na cabeça. Ela me ajudou a escolher os melhores tecidos e os melhores vestidos e não que fosse possível provar, mas implorei para Ethan esperar e me coloquei em sua frente quando perdera a paciência e sentara-se em uma cadeira de madeira, com as pernas abertas enquanto brincava de girar a sua faca de arremesso entre os dedos.

Ele tentou ficar discreto quando pegou a sua manta de volta e apoiou o capuz na cabeça, escondendo a máscara o máximo que conseguira. Não era fácil ter que estar o tempo inteiro com isso. Seu rosto estava estampado em todos os cantos existentes, sendo assim, tentou disfarçar se passando de Paladino Lapidado da ordem, já que suas roupas não conseguiam esconder o que fazia de melhor. Que vidinha chata – pensei enquanto girei em sua frente.

— O que achou? — Exibi o vestido azul com bordas cheias de babados brancos. As mangas escuras e a cinta esguia em minha cintura, davam um ar muito mais fantasioso à minha cabeça, como se eu estivesse em um filme ou uma daquelas séries medievais. Eu estava delirando de felicidade, literalmente?

— Você costuma demorar tanto assim para vestir uma roupa no lugar de onde veio? — Questionou e parou de girar a faca por um minuto. — Você fez isso cinco vezes — voltou a girar.

— Na verdade, eu desfilo. — Coloquei as mãos na cintura e fechei os olhos por alguns segundos. — Mas veja bem, preciso provar o máximo que eu conseguir para depois não me arrepender! — Falei empolgada, com a intenção de animá-lo.

Ele se levantou e se aproximou. 

— Compreendo. Este ficou ótimo. — Segurou o tecido com o polegar e o indicador. — O tecido é bom.

Juntei as mãos em seu peito e sem perceber levantei a perna, feliz.

— Posso ficar? — Ele acenou a cabeça brevemente e gritei de alegria como uma criança ao receber um doce.

Ethan jogou contra mim uma grande manta vermelha que chegava até o meu quadril e tirou dos cinturões um grande saco que fez um barulho estrondoso quando encontrou as mãos da vendedora. E logo vi atrás de uma mesa de madeira um ser pequeno e magricelo demais. Parecia não se alimentar bem. As pernas eram curtas, as orelhas achatadas e finas, olhos grandes e pele arroxeada. Estava com medo? Dobrei a cabeça, ressentida e me aproximei.

— Oi… — Disse baixo para não o assustar. — Não precisa ter medo de mim… — Estendi a minha mão. — Me chamo Sara, qual é o seu nome?

Não podia saber se ele falava a minha língua, mas não custava nada tentar. Ele se aproximou devagar estendendo os pequenos dedinhos magricelos em minha direção mas logo levantou mais as orelhas em sinal de alerta, como um cachorro.

— Vá, vá! — Gritou a velha carrancuda. — Saía, seu glaudiamântico miserável! — A criatura saiu correndo para dentro do aposento amontoado de tecidos.

— Por que você…

Sinto as mãos de Ethan encontrar as minhas costas enquanto puxou-me para fora, agradecendo brevemente a senhora que não pareceu se importar com nada que tivera feito com a pobre criatura.

— Não fale com ninguém — resmungou enquanto ainda puxava-me —, não confie em ninguém!

— Desculpe!

— Você esquece de tudo o que falo, não é mesmo?

— Ethan, precisamos ajudá-lo! Ele estava com medo, parecia com fome… — Disse, segurando seus ombros.

— Olha, Sara, eu admiro a sua nobreza. — Respondeu. — Mas não podemos fazer nada. 

Soquei o seu peito com o intuito de passar a minha raiva.

— Como assim não podemos fazer nada? Nem dar-lhe um pedaço de pão? Em que século vocês vivem! — O soquei de novo, segurando a vontade de chorar. — O que Cristo ensinou sobre não dar julgo pesado a ninguém! Mas que… Argh!

— Vamos, Sara. — Ele começou a caminhar e eu o puxei contra mim novamente, acertando-o com o meu punho fechado com a quantidade máxima de força que eu era capaz de alcançar.

— Não! — Protestei e continuei batendo em seu corpo. — Eu não vou, Ethan!

Ethan suspirou enquanto eu o socava, olhou para os lados de novo, pegou-me pelas pernas e jogou-me contra o metal da sua armadura preta presa em seu ombro. Mas eu continuei. Soquei as suas costas onde havia sua aljava e seu arco, perplexa enquanto segurou as rédeas do cavalo com a outra mão e caminhou sem dificuldades em direção ao abrigo mais próximo. 

Assim que adentrou o estábulo de uma taberna velha e vazia de tijolos vergonhosamente desestruturados e escuros, jogou-me contra um monte de fenos fedorentos e se afastou guardando o cavalo, retirando a máscara para respirar melhor. Passou o tempo ignorando os meus resmungos de raiva. 

Me levantei rapidamente quando tirou o arco e a aljava das costas apoiando-os no chão. No impulso pulei contra o seu corpo e comecei a tentar derrubá-lo, a socá-lo. Ethan continuou intacto, ajeitando o cavalo ao retirar sua cela. Esse homem era indestrutível?

Depois de minutos lutando sozinha, exausta, como uma boneca de pano ele agarrou as minhas duas mãos e jogou-me contra os fenos que estavam enfileirados na parede novamente gritando “chega”, mas dessa vez, ele manteve as mãos enluvadas em meus pulsos e prendeu o seu corpo contra o meu.

— Não! — Gritei em protesto, tentando me soltar. — Não, Ethan! Isso é… — tentei pegar folego para continuar — injusto! Em que mundo estou? Me diga! Para quem você luta? Para esse bando de cretino? Seu hipócrita!

— Não podemos salvar todos, Sara! Eu, mais do que ninguém posso lhe dizer isso com convicção. De verdade, eu admiro muito a sua nobreza. Mas não podemos fazer nada! Entendeu? — Questionou e tentei virar o rosto, mas ele se remexeu contra mim para encontrar os meus olhos. — Entendeu, Sara? Essas criaturas nascem e morrem desse jeito, todos os dias! Por que essa é Adamantem! Esse é o pior planeta que poderia escolher para viver e não vamos resolver nada desse jeito!

Respirei fundo e cedi.

— E como podemos resolver?

Ele não respondeu, só ficou me encarando.

— Ethan, me responde! Estou brava, muito brava!

— Respire fundo… — Sussurrou, próximo ao meu rosto e senti um frio na barriga sinistro quando o seu “r” vibrou pelo sotaque nórdico.

— Está bem. — Respondi. Ele começou a libertar os meus pulsos e a desgrudar o seu corpo forte do meu. Penso em pegá-lo de surpresa de novo mas seria inútil. Provavelmente rasgaria o meu vestido medieval novo durante a minha brincadeira.

Tenso e parecendo entristecido como se tivesse revivido grandes e amargurosas lembranças, Ethan se sentou e apoiou os cotovelos nos joelhos, logo derrubou o capuz para trás da cabeça e colocou as mãos nos cabelos negros. Apertou-os com força e soltou um suspiro alto e aflito. 

— O mundo é injusto! A vida é injusta. E pensar assim é como apontar uma flecha contra a Ordem Lapidada; como cometer o crime mais hediondo de todos antordens.

— Ethan… Esse nome me dá medo. — Respondi e me sentei ao seu lado. — Me desculpe…Você está certo, é injusto.

Apoiei a cabeça nos meus joelhos quando os juntei e o senti colocando a manta sobre os meus ombros, com carinho. Então observei-o depois de um tempo calado apenas segurando aquela mesma adaga vermelha.

— Eu gosto dessa adaga — eu disse, sorrindo —, combina com você.

— Obrigado. — Ele analisou e então me observou e a guardou no cinturão, levantando-se e cobrindo o rosto. — Vamos, Sara. Você precisa se alimentar. — Não precisou vestir a máscara novamente, preferiu colocar apenas o capuz para cobrir o rosto e jogou a mão para que eu pudesse me levantar.

Fomos atá a taberna e enquanto adentrávamos observei Ethan dos pés a cabeça pensando atentamente no motivo que o tenha transformado em uma máquina de matar. Sei que por trás desse jeito durão, essa casca impenetrável, há um homem que está sofrendo. E apesar de passar medo para alguns, eu me sinto segura ao seu lado e sei que estou sendo útil para ele também. Sei que no fundo do seu coração obscuro, há uma chama de alegria se ascendendo ao perder a cabeça com as minhas implicâncias.

É como se tivéssemos sido colocados um para o outro no momento certo, na dose certa. E se for este o real motivo que me fez parar aqui? Ensinar e aprender com Ethan. Não, bobeira. Nosso encontro foi por acaso. Mas não deixo de agradecer a Deus por ele ter aparecido. Sabe lá o que podia ter acontecido comigo naquela floresta.

O cheiro do álcool forte logo encontra as minhas narinas assim como o de vômito e sangue. O lugar era muito escuro, apenas com alguns candelabros pendurados nas paredes e mesas de carvalho velho, espalhadas por todos os lados. Uma banda tocava sobre um pequeno palco barulhento alguns instrumentos como salteiros e flautas, junto com tambores. Muitos estavam dançando e acompanhando o ritmo com alegria, mas Ethan nem se importou com o clima e apenas sentou-se sobre a cadeira da mesa mais distante possível e pareceu relaxar. 

— Esse lugar é muito divertido e é igual aos filmes e séries que estive acostumada a assistir! — O meu sorriso estava tão grande que qualquer um podia ver de costas.

Ele levantou a mão para um homem gordo barbudo e sem um olho, que nos encontrou para encher dois canecos com cevada.

— Eu realmente acho que você inventa essas palavras… — Disse depois que o taberneiro se ausentou.

— O quê? Filmes e séries? — Ri. — Ah, sempre esqueço que estou vivendo um sonho bem doido com um assassino bruto e medieval.

Achei a ideia cabível, mas louca demais para digerir.

Ele molhou e mordeu os lábios procurando algo para responder e decidiu apenas derrubar um pouco da cerveja goela a baixo. Mais tarde, quando continuamos a conversar mais um pouco sobre mim, sobre Chelsea, uma mulher com um avental bem gasto apareceu para jogar um prato com carne de galinha para que eu pudesse comer mas tive vontade de vomitar.

— Algum problema? — Ele questionou enquanto encarou-me tirando a carne do prato para entregar a alguns cachorros que estavam dentro do recinto festivo. — Não gosta de carne de galinha?

— Não! Eu não como carne.

Deu de ombros e bebeu mais cerveja. Observei o caneco cheio e até pensei em beber, mas logo me segurei e voltei a observar Ethan, como sempre, misterioso.

— Você não me parece um homem que curte festas. Nem faz sentido, na verdade, comparando as circunstâncias atuais. Sabe, você fugindo e lutando o tempo todo. Parece nem conhecer a palavra “paz” — tentei gesticular algo com as mãos para parecer brincalhona, mas ele só deu um sorriso irônico, bateu o caneco da cerveja na mesa, respirou fundo e jogou o braço esquerdo sobre o espaldar da cadeira.

— Não tive boas experiências com festas, portanto — bebeu —, não gosto delas e as evito. — Colocou o caneco sobre a mesa novamente.

— Ah, eu também sou reservada quanto a isso. Mas aqui é tudo tão diferente. Claro, né! Mas, tirando o fato de esses homens estarem muito bêbados, não parece ser tão ruim… — Pensei por alguns minutos, ansiosa. —Ethan, vamos dançar? Por favorzinho, só um pouquinho! — Que tipo de pedido era esse? É óbvio que Ethan odiava dançar. Era só analisá-lo por alguns minutos para ter certeza disso. E como previsto, ele balançou a cabeça em negatividade.

Fechei a cara e ele se aproximou, apoiando os cotovelos na mesa. 

— Se quiser, pode ir. — Disse, com carinho. — Ficarei observando, apenas.

— Ah, mais tarde eu vou. — Então lembrei-me de tudo o que aconteceu, de Chelsea e de todas as pessoas que amo. — Ethan, você tem um plano? Digo… Agora que conseguimos o que queríamos, precisamos de um plano para ter o turíbulo, certo? E ao que tudo indica, você parece perfeitamente saber onde ele fica.

Ele bebeu os últimos resquícios da cerveja e levantou a mão para ser servido novamente.

— Não. — Respondeu.

— Não? Não o quê?

— Eu não sei onde o turíbulo está. — Continuou. — Mas conheço alguém que deve saber.

Semicerrei os olhos, curiosa.

— Quem?

Ele se inclinou mais em minha direção.

— Zelena Szereban.

— Quem é ela? — Questionei.

— Uma bruxa sábia. Ela já me ajudou uma vez… — Pensou por um tempo e seu rosto se encheu de consternação. Algo o incomodava, mas eu não queria saber o quê para não estragar o clima.

— Eu nunca conheci uma bruxa! Adoraria ver uma pessoalmente. Ela tem magia?

— Não.

— Algum poder maligno?

— Não. — Respondeu novamente, sério. — O poder dela está aqui… — cutucou a minha cabeça três vezes, devagar, enquanto observei os seus olhos azuis refletindo a luz da taberna. Como belos diamantes lapidados. — Devo-lhe admitir que desconfio sobre muitas coisas de Szereban, mas infelizmente ela é a nossa única solução.

— Eu já fico muito grata por saber que ela pode nos ajudar.

Ele pensou.

— Ela ficará grata se tivermos um pagamento digno de sua informação.

— Não temos dinheiro para pagar-lhe?

Ele deu um sorriso fechado, como se minha pergunta fosse boba.

— Você teve sorte, há algo comigo que pode interessá-la.

— O quê? — Questionei e pensei no que pudesse ser. O que poderia satisfazer uma bruxa?

— Você verá.

Sorri por finalmente saber que em breve estarei com Chelsea de novo, mas me senti um pouco estranha quando também pensei no quanto eu estaria longe de Ethan. Bobagem. Nem era para eu estar aqui nesse lugar horrível. Só preciso voltar e ficar o mais longe possível deste homem.

— E então, não vai beber? — Questionou quando percebera que a bebida estivera intacta no meu caneco.

Observei o líquido espumoso dentro do caneco sentindo um enjoo. Essa cerveja, com certeza, deve ser mais forte do que qualquer outra que os terrestres estão acostumados a tomar.

— Não costumo beber muito. Como eu disse, sou uma mulher reservada.

— Você quem sabe. — Respondeu. — Isso poderá aquecer o seu corpo e além do mais, está em um mundo que não lhe pertence. Ninguém saberá. — Deu um sorriso provocativo.

Arqueei as minhas sobrancelhas e arregalei os olhos. Ethan com certeza é um abusado! Parece até o pior inimigo da tentação me influenciando a ser inconsequente.

— Está tentando me manipular, Ethan Haavik? — Respondi, séria, apoiando os cotovelos na mesa ao me inclinar em sua direção.

— Sou bom em fazer isso. — Se aproximou mais também, colocando uma mão sobre a outra e ainda com o sorriso provocativo no rosto.

Senti um frio na barriga e engoli a saliva, nervosa.

— Tudo bem! — Me afastei um pouco para conseguir respirar melhor. — Não será um caneco que me deixará mal, não é?

Ele não respondeu e arqueou uma sobrancelha. Então me observou virar o líquido todo contra a minha garganta. Senti o gosto extremamente amargo escorregar e até mesmo me aquecer por um tempo curto.

— Vai com calma… — Escutei uma curta risada sua.

— Ow! — Encolhi o rosto e franzi a testa. — Eu aguento! — Exclamei entortando a boca pelo gosto horrível. Porém, não posso deixar de fora o sentimento bom de euforia e liberdade que está preenchendo o meu corpo mais uma vez. Isso é bom demais! — Jamais — levantei o indicador contra o seu rosto — duvide de uma dama, Sir!

Ele não disse nada e então me levantei sacudindo o vestido com o calor do momento. Como se todo o meu corpo estivesse prestes a evaporar. Eu precisava daquilo. Comecei a balançar o meu corpo de um lado para o outro, a jogar os meus cabelos para cima e mordi os lábios de felicidade. Bati os pés no chão, tentando inutilmente acompanhar o resto das pessoas e o ritmo da música. Mas eu estava zonza demais para conseguir.

Vi Ethan tentar disfarçar a risada e então sorri, me aproximando.

— Vou lhe mostrar uma dança comum do meu planeta!

— Vou adorar ver. — Respondeu e bebeu mais.

Sorri, começando a girar. Segurei o vestido e remexi o meu quadril devagar, depois segurei os meus cabelos com as duas mãos, os jogando para cima, deslizando a mão direita pelo braço esquerdo, ainda remexendo toda a minha estrutura calorosamente, com a liberdade gritando dentro do meu peito e vi Ethan totalmente atento aos meus movimentos, sem conseguir disfarçar o seu jeito obcecado.

— Venha! — Peguei as suas duas mãos. — Vamos dançar! Vou mostrar como se dança. — Comecei a puxá-lo.

— Não, Sara. Agradeço! — Continuou impedindo-me. — Você está bêbada, sente-se um pouco.

— Ah, deixe de ser chato! — Coloquei as mãos em seu rosto. — É só um pouco.

— Está bem. — Se levantou.

— Coloque a mão aqui… — Peguei as suas duas mãos e as coloquei em minha cintura devagar.

— Eu sei dançar. — Ele afirmou, com um sorriso fechado.

Então, começamos a acompanhar a música altamente agitada e ainda calorosa para aquecer a noite fria. Ethan prensou a minha cintura com as suas mãos brutas e depois, segurou uma minha e me fez girar sob o seu braço, o mesmo que me envolveu com êxito quando nossos corpos se selaram com força. 

— Viu? — Mordi os lábios enquanto observei o seu rosto mais animado, como eu nunca havia visto antes. Isso me deixou completamente feliz.  — Não foi tão ruim assim.

Ele me levantou como se tivesse levantando uma pena e colocou-me no chão novamente para acompanhar os demais dançantes. Vi um sorriso lindo e aberto se formar em seu rosto para acompanhar o seu corpo empolgado, dançando com êxtase contra o meu. Ele riu, me afastei segurando a sua mão e me juntei em seu corpo novamente. Coloquei o indicador em seu ombro, e contornei o seu corpo enquanto ele mesmo batia os pés no chão. Depois, estávamos um ao lado do outro, acompanhados por taberneiros.

— Com quem você aprendeu a dançar? — Questionei. — Você já foi em algum baile?

— Com a minha mãe, Naya. — Respondeu, sério. — E sim, eu já fui em um baile.

— E como foi?

— Bom, prazeroso pela noite que tive com a minha parceira depois do baile. Mas ao amanhecer, eu quase morri com uma facada no peito.

Arregalei os olhos, quase tropeçando em meus próprios pés enquanto dançava.

— Deve ter sido… diferente — respondi e senti uma ânsia subir a minha garganta e uma tontura tomar lugar em meu corpo. E então paro por alguns segundos, segurando na mão de Ethan para que eu não caísse no chão.

— Venha, você está mal. — Disse. — A colocarei para dormir.

Meu corpo estava tão leve que se alguém me desse um peteleco, cairia facilmente.

— Mas eu…

Antes de terminar a frase, um homem grande se aproximou cheio de entusiasmo.

— Me conceda a honra de dançar com esta dama? — O homem estava sorrindo empolgado e parecia que eu já havia lhe visto antes, mas não conseguia dizer onde.

Ethan segurou as minhas mãos e tentei impedir.

— A dama está exausta, Sir.

Empurrei Ethan e fui até o homem calvo e desleixado, com um sorriso animado no rosto. Jamais que esse assassino Haavik me impediria de dançar até os meus pés criarem calos esta noite. 

— É claro que eu aceito dançar com você! Não estou bêbada! Estou ótima. Se quer descanso, volte você mesmo Ethan. Vai, tchau! — Balancei a mão para lhe provocar, me jogando nos braços do homem de armaduras.

Começamos a dançar e observo Ethan se sentar com a mesma cara carrancuda de sempre. E não consigo entender como ele consegue ficar tanto tempo com essa mesma cara de quem comeu e não gostou. Chega a ser irritante, mas me contenho em ficar só pensando em sua personalidade inflexível, para focar na dança.

Então durante um longo tempo, dividi a dança com diversos homens simpáticos que me puxavam para dançar sobre a madeira ranzinza. Por algum motivo todos estavam adorando dançar comigo e eu nunca me senti tão bem e tão empolgada comigo mesma. Alguns homens de armaduras estranhamente me fizeram perguntas sobre Ethan, mas preferi ficar em silêncio como ele havia me dito sobre não confiar em ninguém e além do mais, ele está sendo procurado.

Depois de me soltar de um velho que mal conseguia ficar de pé, me aproximei de Ethan que não largava a bebida. Talvez estivesse em sua décima rodada. Quando fui me inclinar na mesa para falar com ele, um homem segurou a minha mão e puxou-me para trás e Ethan apenas arqueou uma sobrancelha.

— Dance comigo, gracinha. — O homem forte e negro disse, rindo de forma maliciosa.

— Espere, espere! — Gritei enquanto ele forçadamente me puxava. — Deixe eu falar com o meu amigo primeiro!

— Ei, moça! Venha aqui comigo para eu lhe ensinar. — Um homem gordo falou enquanto colocava um caneco sobre a mesa e ria alto começando a me puxar pelo outro braço.

— Parem! — Gritei com a cabeça zonza.

Sem conseguir entender mais nada do que estava acontecendo, as paredes escuras de pedra começaram a girar ao redor dos meus olhos e os meus braços começaram a arder com a frequência em que esses homens me puxavam de um lado para o outro. Brigando? Acho que estavam brigando. Não prestei muita atenção. Foquei em tentar procurar Ethan, mas não o encontrava de forma alguma e comecei a ficar nervosa, com muito medo. Medo de que tivesse ido embora e tenha deixado-me aqui com esse monte de bêbado que não parava de gritar no meu ouvido.

Então senti o meu corpo encontrar o chão quando o gordo perdeu a paciência com o outro homem que me puxava e levantei a cabeça, ainda procurando Ethan, mas não o encontrei. Estúpida! É isso que eu sou por ter confiado nesse insolente que deve ter ido embora. E mais uma vez senti duas mãos encontrarem os meus dois braços e alguém me levantou novamente, observei com o canto dos olhos e vi o homem negro abraçando-me. Logo o homem gordo tentou acertá-lo com um soco que passou de raspão pelo meu rosto, mas acertou o outro cavaleiro forte.

— Por favor, não há motivos para briga! — Gritei de novo.

— Vem, meretriz. — Um outro homem disse. Quantos existiam ali?

Então eles entraram em um estúpido acordo e começaram a me levar para algum lugar escondido e no impulso chuto o meio das pernas de um deles e dou um tapa no rosto do segundo, tropeçando em meu vestido seguidamente quando tentei correr. Eles começaram a gargalhar falando “ela morte” e quanto senti a mão do cavaleiro me tocando mais uma vez, vi a sombra de Ethan se erguer atrás dele, quebrando uma grande garrafa na cabeça do homem que de tão bêbado apenas revirou os olhos e caiu no chão. 

Encarei um sorriso se formar nos lábios de Ethan Haavik quando todos os outros homens voltaram a atenção diretamente para ele que abriu os braços e dobrou os dedos da mão como se estivesse falando “venham” os provocando e começando uma verdadeira confusão.

Ethan nem precisava fazer muitos esforços contra os homens, eles estavam tão bêbados que mal conseguiam ficar de pé. 

Com um sorriso empolgado no rosto, Ethan desviava e sem arma alguma lutava. Segurou a cabeça de um homem gordo e jogou-a contra o balcão de madeira da taberna e o velho taberneiro que estava do outro lado limpando canecos levantou as mãos assustado. Depois, Ethan segurou o corpo do homem e o jogou contra dois que se aproximaram dele, derrubando-os como bolas de boliche e ele ainda parecia se divertir com aquilo. Estava com um sorriso grande no rosto enquanto chutava e desviava do que se levantou.

Ele acertou outro com um soco no queixo o fazendo cambalear com raiva. O homem era um cavaleiro e carregava uma espada: vendo Ethan em pé, lutando sem problema algum, praguejou com raiva desembainhando a lâmina, correndo em sua direção. Ele fez um corte próximo de Ethan e não eu sabia dizer se acertou ou não, mas Ethan pareceu ter ficado com muita raiva e vi algo estranho surgir em seu rosto. 

Podia ser algo da minha cabeça que estava transtornada e bêbada. Mas, os seus olhos estavam brilhando? 

Pisquei rapidamente para ter certeza se aquilo que eu estava vendo era real. Os olhos de Ethan estavam brilhando? Ok. Estou realmente muito bêbada.

Ele parecia estar dominado por uma raiva descomunal. Cerrou os dentes, agarrou a mão do homem que portava a espada e quebrou o seu braço como se estivesse quebrando um ovo e o queimou com um fogo azul que saiu de suas mãos. Eu estava delirando. Completamente enlouquecida. Aquilo era tudo coisa da minha cabeça, a mesma que apertei com força e balancei.

Depois, quando vi outro se aproximando com uma faca, segurei uma cadeira e a quebrei contra a sua coluna. Esses homens são tão hostis! Não sabem lutar sem ter que pegar armas? De qualquer forma, eles realmente não sabiam o que estavam fazendo. Tonta, tombei contra a parede e senti as mãos de Ethan me pegarem. Ele me colocou em seu colo enquanto apoiei a testa em seu peito e me carregou até a nossa estalagem que nada mais era que um monte de feno dentro do estábulo da taberna. 

Era o melhor que o taberneiro podia nos oferecer.

Ethan me colocou nos fenos que nos servia como leito e tirou o capuz da cabeça mostrando os cabelos negros e rebeldes. Apoiou a mão ao lado do abdômen depressa, apertando os lábios e as sobrancelhas logo em seguida, com um grunhido abafado de dor.

— Por que arrumou confusão, Ethan? Você é um chato! — Tentei me levantar, mas o lugar girou novamente e eu caí. — Você estraga tudo!

 Ele não me respondeu, se sentou e tirou a manta das costas, a armadura, depois o gibão, ficando só com a sua túnica preta que estava por baixo das calças da mesma cor e dos cinturões armados de couro.

— Eu estava me divertindo! E você estragou tudo! — Resmunguei. — Eu vou voltar para lá. — Me levantei e caí novamente, fazendo-me socar os fenos com raiva. Tentei de novo e dessa vez com mais força e consegui. Andei pelo cômodo e tropecei, fazendo-o tirar a mão do abdômen, que parecia incomodar ele, para me segurar quando caí em seus braços.

— Você está bêbada, Sara. — Ele disse, com calma. Não respondi e apenas levantei a minha cabeça para encontrar o seu rosto. — Aqueles homens não eram boas pessoas, fariam mal a você!

Ao ouvir aquelas palavras, ainda em seus braços e observando os seus olhos com aquela cicatriz reta que marcava o direito, começo a desabar em lágrimas, sentindo o meu corpo cada vez mais mole. O que está acontecendo comigo? Como pude ser tão inocente? Como pude trair a minha própria dignidade dessa forma? O que está acontecendo comigo!

Ethan colocou uma mão em minha cabeça e começou a se agachar para se sentar junto ao meu corpo, fazendo-me acompanhá-lo, devagar. Ele me abraçou com carinho enquanto eu chorava. Agarrei o corte sobre seu o peito de sua túnica fina com força e chorei mais, molhando-a. Ele sussurrou algo, mas não consegui escutar. 

— Me desculpe, Ethan! Por favor, não vá embora! Não me deixe sozinha aqui, perdida! Estou desesperada, eu…

— …Shh — sussurrou e com a mão enluvada começou a acariciar o meu cabelo como eu nunca pensei imaginar em um assassino como Ethan Haavik. — Está tudo bem, Sara… não tem com o que se preocupar. Não vou abandoná-la. — Continuou sussurrando com o mesmo sotaque brando.

Levantei um pouco a cabeça, com o rosto próximo ao seu, observei-o o que o fez parar de acariciar o meu cabelo por um tempo.

— Você promete? — Questionei e ele pensou. — Promete, Ethan?

— Eu prometo. — Respondeu, sério.

Sorri e engoli um pouco o choro.

— É melhor você se lavar e descansar. Temos uma longa caminhada amanhã. — Disse depois de um tempo.

Balancei a cabeça concordando e me desapoiei do seu peito, observando o seu rosto mais uma vez, terminando de limpar o meu rosto.

— Estou tão confusa, minha cabeça está doendo muito.

— Eu sei, eu sei…

Ele se levantou e me ajudou a levantar também. Ethan me guiou até uma tina de madeira velha e um pouco mal cuidada com partes lascadas e bem suja. Ele a encheu com água e antes que pudesse se retirar, entregou-me um grande pedaço de pano qualquer para que eu pudesse me secar e assim pôde se retirar. Sorri enquanto o vi se afastando e me afundei na água ao retirar a cinta apertada do vestido e fazê-lo cair em meus pés.

A água gelada faz o meu corpo inteiro estremecer. Fechei os olhos pedindo perdão por toda a vergonha que passei em pensamentos. Senti o meu espírito calmo e após longas horas, afundada na água, me enrolei com o pano que com o tempo passei a chamar de toalha. Mas era tão surrado que me perguntei da onde ele tirou isso. Vesti o meu vestido novamente e espremi os meus cabelos contra o chão frio.

Ao voltar para onde o cavalo estava, na baia, me deparei com a cena mais aterrorizante que já vi até então. Meu Deus, estou embriagada ainda, o banho gelado não foi o suficiente?

— Você está melhor? — Ethan questionou enquanto passava um pedaço de pano num corte de formato crescente em seu abdômen bem trabalhado. Talvez até demais.

Engoli a saliva.

— Acho que ainda estou bêbada. — Falei, analisando a parte de cima do seu corpo que era exposta e muito definida: é claro, ele é um cavaleiro. Passa a vida lutando e fazendo sei lá o quê!

Mas o que mais me chamou atenção foram as infinitas cicatrizes, algumas de tamanhos grandes como riscos de garras no peito e ao lado do abdômen. Outras pequenas como no coração que me fez perguntar em pensamento como conseguira justamente ali. Eram muitas, tão impossíveis de contar quanto estrelas. Me arrepiei completamente, pensando nas inúmeras possibilidades que o fez alcançar este estado horrendo. O quanto ele sofreu para ter todas essas cicatrizes? Será que ele mesmo se autoflagelava? Ou então, todas essas cicatrizes foram sinais de todas as batalhas de sua vida? De qualquer forma, isso só provava o quanto ele era um homem forte, a cada corte espalhado para cada pedaço de pele. Era aterrorizante. Assustador. Era a coisa mais horrível que já vi.

Ele pareceu perceber o meu estado de choque ao observá-lo com a barriga de fora e ficou receoso.

— Perdão, não queria assustá-la. — Disse. — Vou terminar isto lá fora. — Começou a caminhar e sem pensar corri contra o seu corpo forte, o puxando com dificuldade.

— Não! Ethan, você não me assustou! — Respondi mesmo que fosse mentira. Como uma pessoa normal podia ter tantas cicatrizes assim? E ele tinha muito mais nas costas, como se tivessem chicoteado-o umas quatrocentas vezes junto mesmo com mais marcas de garras. — Me deixe ajudá-lo… — Sussurrei, estudando-o.

Ethan pareceu hesitar. Não gostou da ideia como eu mesma já sabia. 

— Não se preocupe, logo estarei melhor. — Respondeu e arranquei o pano de sua mão.

— Pare de ser teimoso e me deixe ajudar você! Já fez muito por mim, preciso retribuir.

Ele sorriu e cedeu, sentando-se sobre um grande pedaço quadrado de feno. Molhei o pano e comecei a passar em sua ferida com carinho. Notei também uma tatuagem em seu antebraço direito, sob suas veias grossas. Parecia algo tribal, de origem desconhecida por mim. Dois riscos para cima, embaixo se sustentava um na horizontal e depois mais três para baixo na vertical. Deixei de reparar na sua tatuagem quando me prontifiquei em analisar o ferimento mais uma vez. O corte era profundo demais e começou a me preocupar.

— Isso está horrível, Ethan… — Eu resmunguei, preocupada.

— Isso não é nada. Já passei por coisas piores. — Ele mostrou onde havia uma cicatriz que marcava todo o seu pulso como se tivessem cortado a sua mão fora. Bobagem. Se tivessem feito isso, hoje ele não estaria com ela agora, obviamente. — Eu me recupero. Como eu disse: sou um deus.

Apertei as sobrancelhas com raiva por nem nesse momento de dor ele conseguir deixar de falar coisas idiotas. Estúpido.

Continuei limpando a sua ferida e estudando o seu corpo delicadamente. Vendo cada ponto e cada cicatriz de formatos diferentes que o marcava, causando um estranho arrepio em minha espinha que logo se transformou em um frio na barriga cheio de adrenalina e fulgor. Eu estava cuidando da ferida de um homem assassino. Isso sim era a coisa mais estranha que já me aconteceu. Meu corpo esquentou de uma forma anormal e senti os meus pelos se eriçarem quando ele colocou a mão sobre a minha.

— Já está bom. — Disse e afastou os meus dedos. A ferida parecia menor. Será que nunca vou deixar de estar bêbada? Como aquilo era possível?

— Ethan, você por acaso é um tipo de louco que se flagela? — Questionei, no impulso, temendo que ele me matasse. — Sabe, é que eu imagino o quanto você deve se sentir culpado pelas vidas que tirou, não é mesmo?

— Eu deixei você cuidar da ferida, não que fizesse perguntas.

Rolei os olhos.

— Está bem, seu bruto. — Sem pensar direito, soquei a sua ferida para ver sua careta de dor como uma forma de vingança.

— Ai… — Ele apertou os lábios e grunhiu. Então o observei com os olhos arregalados e logo em seguida começou a rir. — Suas mãos são leves, delicadas.

— Não ouse! — Eu disse, apontando o dedo para o seu rosto. — Se não eu soco a sua ferida de novo, e mais forte!

Ele abriu os braços.

— Vá em frente. — Respondeu, completamente tranquilo, como se estivesse me testando.

Então o soquei com toda a força que existia em meu ser e até precisei respirar fundo para retomar minha capacidade. E de novo. E mais uma vez. Ele não se importou, embora eu soubesse que sentiu dor.

— Por que não se importa? — Questionei.

Ele ficou em silêncio analisando a minha pergunta ou talvez, analisando algo dentro de sua mente.

— A dor é um privilégio em meu corpo. — Murmurou depois de minutos. — Me faz lembrar de que estou vivo. De que existo mesmo que eternamente.

Não respondi com a ideia de tentar entender o que realmente queria dizer com aquilo. Ele gostava de sentir dor? Mas quem gosta de sentir dor? Realmente ela nos faz sentir vivo, mas é horrível.

— Todos morrem algum dia… — pensei — viver por gerações seria uma maldição horrível. Ter que enterrar seus entes queridos. — Ele se entristeceu mais uma vez. — Você tem família, Ethan?

Pensei que esta fosse ser mais uma pergunta a ser ignorada e eu já estava me levantando para deitar sobre o leito formado de feno quando escutei a sua voz firme:

— Eu já tive uma. — Respondeu. — E você, tem alguém?

Fiquei em silêncio olhando para os lados, sem reação. Queria esconder-me em algum lugar neste momento e sinto a minha pele esquentar e meus olhos não conseguirem parar de piscar com a ardência que os cobriu. Droga, não consigo disfarçar. 

— Eu respondi, agora é a sua vez. — Ele disse, fazendo-me virar para lhe observar.

— Okay… — Respirei fundo tentando controlar o meu coração que se acelerava mais e mais por ficar tanto tempo encarando-o. — Nunca tive família, pai, mãe e irmãos. No dia do meu casamento tiraram a vida da pessoa que eu amava. — Suspirei e o vi franzir a testa. — Todas as pessoas que me apego, se machucam ou vão embora. O que mais fiz nessa vida foi fracassar com eles. Todos se foram por minha culpa, eu mereço a solidão. — Suspirei tentando segurar as lágrimas. — Então Ethan, se você quer realmente viver tem duas opções, ou me deixa aqui sozinha ou vai ter que suportar meu jeito irritante. É a única forma que tive para não ficarmos tão íntimos, porque eu sei que não sou forte o suficiente para seguir em frente caso você morra.

Voltei a caminhar, e já fora do estábulo o escuto dizer:

— Eu sou o culpado pela morte de todos os que estavam comigo, e sou responsável pelo sofrimento do meu povo. Por suas dores. Pelo motivo de suas mortes hediondas. — Esperou um tempo. — Talvez nós dois mereçamos a solidão.

O escutei se levantar também mas não o observei. Diferente disso, continuei encarando as árvores abarrotadas de neve, o céu estrelado, algumas luzes surgirem dentro de um bosque. Estranhamente me senti mais próxima de Ethan. Desabafar foi bom, mas não sei dizer se eu realmente queria isso. Porém, a ideia de continuar distante de Ethan me satisfaz muito mais o que o conhecer. Pelo menos é o que eu anseio. Ele me leva de volta para casa, me reencontro com Chelsea e assim eu esqueço que ele existiu. Será que a minha irmã acreditaria que andei com o assassino do museu?

Me desfoquei quando vi algo se mexer entre algumas árvores com um som de galho se partindo. Tentei enxergar melhor ao dar um passo para frente, mas a mão de Ethan logo encontrou o meu ombro.

— Eu faço a vigia. — Bradou. — Descanse. — Continuou baixo, já vestido com suas armaduras e com seu capuz. Antes que eu entrasse no estábulo para dormir, me impediu por alguns segundos ao segurar a minha mão com força. — Você é uma mulher forte, Sara. Eu posso sentir isso.

Senti algo estranho em meu corpo, como se eu tivesse compartilhado as minhas memórias amargas com Ethan Haavik. Como se ele tivesse sentido o que eu estava sentindo. O que poderia ser? A minha pele então se congelou sob uma carga completamente fora do normal. Entrei desconfiada no estábulo, apagando o fogo das tochas. Ainda com a mesma sensação formigante na pele onde Ethan tocou, eu deito, observando-o pela entrada do recinto onde a lua encontrava um lugar para iluminar. Ele ficou em pé, observando-a no céu e depois se abaixou. Tirou a adaga Haavik do cinturão e a fincou na neve, começando uma oração baixa. Escutei apenas algumas palavras simples como: eu os escuto e eu os sinto. E então fechei os olhos.

Segunda noite de sono, só espero conseguir encontrar a bruxa de que ele tanto falara e assim voltar para o meu verdadeiro lar. Sair desse inferno e nunca mais olhar para esse assassino.

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