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Bem vindo ao inferno

"Às vezes você acha a bondade no meio do inferno"

Charles bukowisk


Eu estou sentindo muito frio, parece queimar dentro de mim, meus olhos ainda estão fechados já que os meus sentidos estão lentos, abro-os e uma fraca luz faz com que eles ardam por alguns instantes, tento lembrar onde eu estou, mas sem sucesso. Do teto descem estalactites gigantescas, que pingam constantemente.

-Cara, onde eu estou? - resmunguei estremecendo de frio.

-Bem-vindo ao inferno – disse uma voz grossa e melodiosa.

Virei a cabeça de modo que eu o visse o dono da voz, o gelo estava em todos os lugares por onde meus olhos pousavam, e ali preso com correntes tão negras que pareciam sugar toda a luz, havia um homem sentado, parecia não sentir frio algum, ele sorria amplamente, acabei sem querer reparando o quão bonito ele era, dentro dos seus olhos tinha um céu inteiro, naquele instante eram azuis escuros como o céu no final do dia, mas eu tinha certeza que na claridade eram da cor do céu numa manhã ensolarada; tinha cabelos pretos feito o breu noturno, e um sorriso que parecia iluminar o espaço em si.

-Quem é você? - perguntei.

-Lúcifer ao seu dispor senhorita – Sorriu ele.

-Lúcifer, tipo o Diabo? - Pedi confusa.

-Sim, eu mesmo, em pessoa, divindade e correntes – Deu ombros.

-Isso só pode ser uma brincadeira de mal gosto – bufei – Aliás o diabo não deve ser tão bonito.

-Só uma dica mocinha, o diabo não é tão feio como se pinta – riu alto – e estamos sim no inferno, e não, não é brincadeira, aliás como você veio parar aqui?

-Como raios eu vou saber? Se eu viesse por vontade própria eu não estaria passando frio – bufei.

-Olhe para si mesmo, veja o porquê sentes frio senhorita – disse olhando para mim.

Fiz o que ele me disse e bufei irritada, alguém muito sem noção colocou em mim uma calça super colada, uma bota e enfaixou meus seios com uma faixa amarelada, e nada mais que isso.

-Mas quem foi o filho da puta? - cuspi irritada – Juro que irei mata-lo quando sai daqui.

-Você não pode sair – disse indiferente – Eres uma alma estanha.

-Alma? Você só pode estar brincando – bufei novamente – Eu estou viva, não lembro de morrer.

Procurei uma saída, mas não conseguia encontrar, o desespero já começava a bater, eu bati nas paredes buscando algum barulho oco, mas só consegui queimar minha mão com as paredes geladas, Lucífer apenas me olhava sem emoção alguma.

-Não adianta, não há como sair daqui, acredite eu tentei muitas vezes quando podia, agora prenderam até minhas asas – disse ele com um tom de voz tristonho.

Só depois dessa "revelação" que observei onde ele estava preso, as imensas algemas vinham de algum lugar onde eu não podia ver, e na parede atrás de si havia um par de asas brancas pregadas com pregos de aparência enferrujada, sangue escorria dos buracos e faltavam muitas penas, aquela outrora deveria ter sido uma asa esplêndida, mas agora estava parecendo um lixo angelical.

- Que coisa horrível- falei enquanto as minhas mãos voavam automaticamente até minha boca, eu quase podia sentir a dor que ele passava, quase dava para ver na sua expressão a dor que aquilo lhe causava, uma lágrima solitária escorreu lentamente pelo meu rosto, enquanto ele a seguia com o olhar – Quem fez isso com você?

- Meu pai, fui acusado de traição, então jogaram-me aqui – comentou.

- Que desgraçado, mas me diga o seu nome e o dele, deixe o resto comigo – pisquei pra ele.

Dito isso ele começou a rir alto, o som era incrível, eu poderia ouvir aquela risada por muito tempo.

- Você ainda não acredita que está no inferno?

- E tem como acreditar? Acho que fomos sequestrados por pessoas malucas, que nos enfiaram em um congelador gigantesco e prenderam você desse jeito – comentei tentando me fazer acreditar no que eu dizia, já que algo me dizia que ele não estava mentindo.

- Você não deveria estar aqui, não mesmo, eres inocente demais para este lugar imundo, o que meu pai está fazendo com você? – disse mais para si do que para mim.

- Este é mesmo o inferno? -pedi aflita.

- É sim, o último círculo do inferno, o mais fundo, tão longe de Deus que é gelado, já que ele detém o calor – respondeu suspirando.

- E você não deveria reinar aqui? – pedi me aproximando.

- É isso que dizem na superfície? – riu ele.

- Lucífer, eu não acho que você seja ruim como todos insistem em reafirmar – falei sentando na sua frente e olhando no fundo daqueles olhos azuis.

- Você me conhece a poucos segundos, não podes dizer algo que não saiba.

- Permita-me que eu lhe conheça- pedi sorrindo – Mas não ficaremos por muito tempo aqui.

- Já não lhe disse que não há saída? – brigou ele em um rompante de raiva, seus olhos adquiriram um brilho avermelhado, e em um ato de reação eu cai para trás quando ele veio para frente, ouvi um grunhido de dor e um som de algo rasgando.

Olhando suas asas novamente eu precisei segurar um grito, os pregos fizeram um imenso corte a partir de onde estavam, sangue escorria rapidamente de cada um, mais penas caíram ensanguentadas no chão.

- Me perdoe – pedi, eu tinha feito aquilo.

- A culpa foi minha, não se preocupe, mas entenda que não há saída deste lugar – falou com a voz embargada e dolorida.

Decidi naquele instante que eu iria ao menos liberta-lo dos pregos malditos, apenas caminhei sem dizer nada até às asas dele.

- O que você está fazendo? – pediu.

- Eu não aguento ver isso – grunhi enquanto puxava o imenso prego, depois de muito esforço ele saiu, joguei perto dele e disse novamente – Eu não posso ver o seu sofrimento e ficar parada, um já foi, faltam nove.

- Por quê está fazendo isso? Eu sou o Diabo, o mal encarnado – disse confuso.

- Você é o que quem diz isso sobre você não vê, um anjo, e acredite em mim, eu vi coisas nos seus olhos que nem você vê – falei suavemente enquanto retirava mais um prego, e outro e outro.

Ao fim dos dez pregos a minha mão estava em frangalhos, algumas unhas saíram completamente da carne, arranhões e cortes vertiam sangue, e apesar de doer, eu estava feliz.

- Espere um pouquinho e resolveremos as algemas – comentei com uma careta.

- Você não precisava ter feito isso – disse sorrindo tristonho.

- Eu precisava sim – sorri.

- Você não pode ficar aqui, você é pura de mais pra este lugar – disse novamente.

- Nós não podemos, por isso vamos sair daqui, e já que não podemos descer, vamos subir – comentei olhando pras inscrições que havia onde estavam suas asas.

Eu não sabia o que significavam, talvez Lucífer conheça a linguagem, entretanto ele não conseguia se virar e eu não tenho nenhuma noção de como recita-la para que ele traduza. Eu tinha que dar um jeito naquelas algemas estranhas, mas por agora eu precisava descansar, os pregos pareciam sugar a minha energia.

- Preciso descansar um pouco, e então daremos um jeito nessa porcaria que te prende aí – falei apontando para os seus pulsos, de repente o lugar começou a girar e girar cada vez mais rápido, minhas pernas fraquejaram e eu ia cair, mas Lucífer me segurou e me aninhou nos seus braços quentes antes que eu desmaiasse. 

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