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3

O capitão-mor Vitório Luzeiro, tem 62 anos, viúvo, branco e dono de uma cabeleira farta de cabelos brancos e pretos. Mais pretos do que brancos, exatamente o oposto da sua barba grande e trançada.

As vezes ele parece mais com um pirata do que um soldado a serviço da coroa portuguesa e dos mercantilistas europeus que moram no Brasil.

            E muito da sua fama dava-se pelo transporte ilegal de armas. Dentro do porão as caixas de todos os tamanhos competiam o espaço com os angolanos e venciam.

           A sociedade entende que o tráfico humano não é ilegal, nem desumano, mas a consequência do homem lobo do homem.

             N'Aivilla está presa em um dos mastros. Nua. O Capitão-mor segura um chicote na sua mão esquerda.

— Nunca entendi o porquê de chicotear usando a mão esquerda, quando não sou ambidestro. Estranho, não? Mas a verdade é que eu sei infligir dores.

           O silêncio no semicírculo frontal a rainha exposta é ensurdecedor.

— O que você fez foi imperdoável... o Gervasio pediu para ser sacrificado, porque não aguentou imaginar o quanto ficou desgraçada sua aparência.

Todos os ouvidos ali presentes, com ou sem cartilagem... em pares ou não, naquele exato momento escutou o inimaginável.

— Você deseja que derrame uma lágrima pela morte dele?

        Se os homens daquele navio já não escondiam a vontade de presenciarem o flagelo da rainha, agora então... os corações deles almejavam que o som do estalo do chicote começasse a dilacerar a carne da mulher.

           O som do estalo do chicote foi a certeza que a resposta para sua pergunta seria dada, e o rasgo em sua carne são os terríveis argumentos de quem não sabe dialogar.

          Os pedaços de carnes misturados com sangue vermelho, são respingados nas caras excitadas dos que assistem a cena da coração de dores da rainha.

            A cada beijo do chicote na pele de N'Ayvilla, mais tacos do corpo dela são rasgados... subtraídos, aniquilados e vituperados.

           São doze chicotadas na primeira leva. É... só seriam 12 porque o capitão-mor é um homem religioso.

          A gargalhada cessa as bocas excitadas.

— A verdade capitão-mor? — A voz sai pausando. — A mão esquerda é uma desculpa da sua alma fraca...

           A tortura continua. Não são mais 12 chicotadas lançadas contra N'Ayvilla... são 40 chicotadas. O capitão-mor se aproxima da rainha quase morta. A cabeça dela está pendurada e seu corpo só não beijou o chão porque as cordas eram mais fortes que sua carne.

— 40 foram os dias que o Cristo passou no deserto sendo tentando pelo demônio para salvação das nossas almas! — Grita o capitão-mor com os braços abertos, fazendo do seu gesto uma lembrança da crucificação. — Eu escutei os homens de Deus falarem sobre esses seres desalmados e filhos de Caim, o perdido.

            Vitório se aproxima de N'Ayvilla pisando em triunfo. Ele ri ao ver as peles e carnes dobradas pelo fio da lâmina do seu chicote.

— Eu não vou jogar você no mar. — Fala Vitório segurando o queixo de N'Ayvilla. — Tu vais morrer com a escória da sua gente.

          Uma coisa que o Capitão-mor nunca entenderia enquanto vivesse, é que as cordas que prendiam o corpo da rainha eram mais fortes que o corpo dela e não mais fortes que sua determinação.

           E a segunda coisa que Vitório nunca teria, seria uma alma igual a N'Ayvilla. O corpo, a pele e a carne da mulher poderiam estar dobrados pelo chicote do capitão-mor, mas a alma da rainha não se quebrava ou dobrava-se.

— Coitado desse seu Cristo... ele deve estar arrependido por ter salvo um nada igual a você.

             Ali, naquele exato momento, olhando bem dentro dos olhos de N'Ayvilla, o capitão-mor Vitório Luzeiro entende que nunca chegará a tocar na alma da rainha.

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