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O som das águas chicoteando o casco do navio negreiro torna-se aterrorizante de escuta-lo. Na verdade, é a sensação da companhia da morte, que esse som deixa no âmago destruído de quem vai acorrentado e escravizado.
N'Ayvilla, segue em pé. O cheiro da morte cresce ali embaixo, no porão frio, molhado e escuro.
A rainha durante esses quarenta e poucos dias já se despediu de muitos súditos fiéis que morreram de fome ou sede. A febre lhe é um inimigo parceiro, que há muitos dias não a deixa.
Em pé acorrentada ao lado da escada, N'Ayvilla juntamente com os demais escutam movimentação na parte de cima do convés, é sinal que o lixo chamado de refeição será descido.
Os restos de comidas, em sua maioria podre, são jogados no chão. Quem pode se mexer vai se arrastando até a comida grudada no assoalho sujo, e sem pudor começam a comer.
A fome supera a fedentina.
A rainha chora com a cena degradante que ver. Seu coração aperta por não conseguir fazer nada, se ao menos suas mãos estivesse livre, poderia matar e morrer com honra.
Um cara chamado Gervasio Antunes, português de nascença é considerado o dono do porão, desce com seu facão e seu chicote.
— Vamos negrada! Comam tudo! Qual o problema, ora pois? Será que ti consideras melhor que o que comes?
O chicote brada no ar, acertado o teto e tirando um lasco grande da madeira.
— E vós, minha rainha? — A pergunta soa como um insulto. O tom da voz fina e desafinada tem claramente segundas intenções. O homem fedorento, gorducho e com barbas cheia de sujeiras para seu rosto em frente ao de N'Ayvilla. — Não desejas comer nada?
Gervasio segura seu sexo quando diz a palavra comer. A rainha não arreda sua cabeça para trás, não pisca os olhos e nem faz qualquer insinuação de incômodo, mesmo que seu olfato esteja sendo agredido pela fedentina despejada pela boca daquele homem e sua vontade seja de vomitar... mas, vomitar o quê? Ela não come tem alguns dias.
Como chacais da savana, os angolanos se movimentam para posição de ataque quando sua rainha leva um murro no rosto.
O som é seco e abafado. A rainha N'Ayvilla sente o seu queixo se deslocar para o lado oposto da porrada e sua pele queimar de dor.
— Conheço milhares de mulheres iguais a tu, sua puta. — Gervasio fala sorrindo. Ele gosta da sua posição de abusador. Ele tem prazer no que faz. — A mão dele toca a o ombro. Ela diz algo baixinho. Parece uma oração. — Não tenhas medo nobre donzela — Gervasio faz novo deboche, porém enche o peito e mudando sua voz para um tom ameaçador continua: —, não existe nenhum dos seus deuses que possas fazer nada por você, sua negra filha da puta. VOCÊ NÃO É NADA! — O grito é cheio de ira e nojo para com a rainha.
Novamente a rainha fala num dialeto estranho, e mesmo com o queixo deslocado, o som da sua gargalhada entrecortada consegue sair da sua boca.
N'Ayvilla, repete outra vez mais baixo, parecendo um zumbido de abelha. Gervasio do alto da sua ira esmurra a rainha na barriga, e aproximando seu rosto do dela pergunta:
— Gostou?
A mordida no nariz é brutal. Violenta... você não tem ideia da insanidade. A deformidade causada no queixo de N'Ayvilla faz com que sua mordedura torne-se efêmera.
A boca de N'Ayvilla abocanha quase que completamente o rosto do agressor. Como um polvo, a rainha se envolve no corpulento com certa facilidade derrubando-o quando deu-lhe por trás do joelho com seu calcanhar direito.
Ele tenta tirá-la de cima dele, mas, a cada tentativa, mais os dentes da rainha puxa-lhe a carne, rasgando-lhe o rosto.
A dor que ela sente, por causa dos ossos da queixada que fazem a alavanca para se mover é surreal. É sem piedade. Mas mesmo assim, com essa dor de enlouquecer, N'Ayvilla não larga a face do homem.
Com última força exercida, ela tira um lasco de carne que vem junto o nariz de Gervasio e a pele do rosto.
A rainha N'Aivilla cospe de volta na cara de Gervasio seus próprios restos subtraídos, e ela com a a fala descompensada por conta da tronchura da boca diz:
— Você... não conhece... nenhuma mulher igual a mim.
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