10
A menina acorda juntamente com a alva e sai carregada para fora dos aposentos por duas guerreiras com tamanhos diferentes que a jogam numa parede de cimento queimado e dão banho na menina com a água que dormiu a madrugada toda do lado de fora das casas.
As temperaturas da madrugada, no deserto, chegam a quase - 50 graus Celsius.
A água gelada queima mais que desperta. A menina sente a pele arder e franzindo o cenho, jura para si mesma que não arredará um pé para trás.
A princesa N'Ayvilla não conseguiu dormir devido as dores infernais causadas pela flagelação sofrida na noite passada.
Ela sabia que seria tratada como todas as mulheres que pisaram as areias do Clausuro. A menina encolhe-se e abraça o próprio corpo. Seus cabelos grandes, encaracolados, estão bagunçados por estarem molhados com misto de suor, sangue e água.
A guerreira chamada Lyllah tenta segurar a princesa pelo braço, mas aproveitando da situação com perspicácia, N'Ayvilla não se deixa ficar presa por muito tempo, recolhendo de pronto o braço molhado que sai fácil da mão da guerreira.
Lyllah xinga a menina.
A princesa sente o rancor daquelas mulheres e não entende o porquê disso. Será que tem alguma coisa a ver com seu pai ou com sua mãe.
Até ontem, a menina não sabia o nome da mãe.
N'Ayvilla faz o movimento inicial corretamente como fora ensinada por Dmitri, porém, a princesa não sabe que tem uma retaguarda e por causa disso ela é suspendida no ar pelos cabelos por Kofana. A segunda guerreira que trouxe a princesa para o banho gelado.
— Seu pai deve odiar você... ainda não acredito que ele a mandou pra todas nós! — Kofana abre um sorriso maldoso.
O murro desferido pela pequenina N'Ayvilla contra Kofana, não faz a guerreira nem piscar os olhos.
Ainda segurando a princesa pelos cabelos, Kofana tira um punhal escondido no seu ante-braço que tem os dois gumes serrados e afiadíssimos, e novamente abrindo um sorriso detestável diz com um prazer desmedido:
— Hora da tosa, ovelhinha.
N'Ayvilla luta o máximo que pode. Seus cabelos não. Tudo, menos seus cabelos encaracolados que muitas vezes foi trançado para diversas atividades.
— Se continuar se mexendo assim, posso te degolar ao invés de te tosar, negrinha.
A princesa olha para Kofana sem entender o porquê de ter sido chamada assim: "negrinha". A guerreira era ainda mais preta que ela.
N'Ayvilla cai no chão e percebe para seu desalento, os moios dos seus cabelos expostos e sendo segurados pela mão direita de Kofana, como se fora um trofeu.
A menina ensandecida parte para cima da guerreira que move-se para o lado deixando seu pé esquerdo por base, fazendo a princesa tropeçar nele e cair rolando pelo chão.
Movida por um ódio que trava a mandíbula, N'Ayvilla ataca novamente! O tapa com as costas da mão como resposta, quase tira-lhe a cabeça do pescoço. A princesa já cai desacordada, quicando e rolando pela areia de cascalhos, umas três vezes.
Acordando apavorada e ainda desorientada, pergunta:
— Onde estou? Era um sonho? — A desilusão bate-lhe a cara quase que instantaneamente quando percebeu que não havia sonhado.
— Meu nome é Cybilla. Sou a curandeira.
— Mas, você é tão nova?
Cybilla sorri para a menina, percebendo sua personalidade atenta na observação de pronto.
— E desde quando o conhecimento é reduto para os mais velhos?
Cybilla vê a angústia desmoronar o rosto de N'Ayvilla em agonia, quando esta percebe que todos seus cabelos foram tirados.
A menina chorando pergunta aos prantos:
— O QUE É ISSO NA MINHA CABEÇA?
Cybilla abraça a menina de 7 anos. N'Ayvilla tenta se soltar do abraço ao mesmo tempo que o deseja cada vez mais.
Fazia tempo que não era abraçada com ternura.
Fazia muito tempo que ninguém lhe explicava nada.
Fazia muito tempo, dos seus poucos anos de vida, que a dor lhe cercava mais do que a alegria. Aquela dor exclusiva para uns e desconhecida para outros.
Cybilla sabe que a menina nunca mais terá cabelo, porque seu couro capilar foi cauterizado por uma cera quente feita da raiz da carnaúba.
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