2|Park Jimin
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Guys My Age – Hey Violet
[...] Você me pega como uma mulher /
De um jeito que nunca havia sentido antes /
E me faz querer permanecer /
Me faz querer ser só sua [...]
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J I M I N
O tempo lá fora estava uma merda. Não dar a mínima para as previsões furadas do tempo tinha suas consequências, como no caso de quando elas estavam certas. Os relâmpagos cortavam a paisagem de fundo dos prédios, os bueiros regurgitavam, alagando o asfalto, enquanto os limpadores de para-brisa perdiam completamente a utilidade diante da enxurrada que despencava dos céus.
Trinta minutos de viagem, atravessando uma das várias pontes que conectam os distritos separados pelo Rio Han¹, afastavam-me do pequeno apartamento mofado que dividia com Hoseok, entretanto, conhecer a localização da chave-extra da quitinete dela me rendeu pouso em meio a intempérie.
Encosto o carro na sua vaga e envio uma mensagem rápida, avisando que estarei aqui, mesmo sabendo que melhores amigos dispensam formalidades. O ronco do motor cessa, puxo a jaqueta sobre a cabeça e verifico a tranca antes de subir os degraus de dois em dois até o vaso de bambu, onde o objeto metálico se embrenha entre as folhas secas.
A energia elétrica se foi há algum tempo, e desde então, os malditos ponteiros do relógio parecem não passar, deixando-me ser engolido pelo breu do ambiente. As garrafas de soju vazias repousam caídas no carpete enquanto o álcool entorpece os pensamentos caóticos que me atormentam há semanas. Deitado no velho sofá verde musgo, um braço atrás da cabeça e olhos para o teto, espero pelo retorno da luz, por sua chegada, uma explicação.
Não sei dizer quanto tempo a escuridão manipula caminhos contraditórios em minha mente, até que as lâmpadas voltem a funcionar, lavando o ambiente com a iluminação artificial amarelada. Onde ela estava?
Resposta sarcástica e conveniente do universo, a tranca estala e a porta é escancarada com violência. Noto sua expressão furiosa, as roupas salpicadas pela chuva.
"Aquele babaca!" Ela esbraveja. As botas pretas encharcadas batem com força na madeira, enfatizando seu estado de espírito ao fechar o portal de acesso com um baque.
"Deixa eu adivinhar" Digo, endireitando-me no assento e xingando mentalmente a dor nas costas iminente.
"Não começa, Jimin." Corta a gozação, lançando-me um olhar de esgueira antes de se atirar ao meu lado exaustivamente. Ela bufa, joga a cabeça para trás, fechando os olhos com força.
Cada átomo componente do meu ser torce para que tudo que tenha restado entre ela e ele seja um fim irrevogável, permitindo que sigamos adiante do ponto no qual paramos. Observo suas madeixas úmidas no silêncio, em uma batalha muda contra as palavras que almejam escapar, naqueles minutos arrastados que correm e tropeçam no nosso assunto proibido: seu meio-não-sei-talvez-ex-namorado, Seokjin.
Aperto os lábios em linha, escorrego os dedos pelo cabelo, desejando mais uma bebida para aquietar a súbita agitação. A sós, a madrugada iniciava convidativa, o temporal incessante perde força à medida que a água perfaz todo o comprimento das vidraças, empoçando em densas gotas no peitoril.
Sua infelicidade era evidente, a minha também, e, mesmo não reconhecendo a existência forte e presente de sua independência, eu queria fazê-la acreditar no fato de que não precisava de ninguém para ser feliz. Bom, não exatamente ninguém, poderia ter a mim se quisesse. Seu suspiro frustrado tira-me do sucinto debate solitário.
"Ele é um babaca." Solta, ainda com as pálpebras baixas, resignada.
"Você nunca precisou dele." Articulo calmamente, o que faz soar mais sentimental do que o previsto, gerando uma reação instantânea.
Ela espia por um dos olhos, fitando-me ali. Tronco inclinado, cotovelo apoiado, puxando os fios pela quinta vez em menos de três minutos.
"Jimin" Sua voz sai vacilante, meu nome resvalando língua afora.
"Deixa eu te fazer esquecer dele" Tento camuflar o tom de urgência que rebenta por meio das paredes do âmago.
Suas pupilas estão fixas nas minhas, e, por mais que eu não consiga decodificar o que as atravessa, não há recusa no momento em que meus dedos escorregam por sua jaqueta, adentrando a barra de sua camiseta preta. Ela me assiste sem dizer nada. Inclino-me vagarosamente sobre seu corpo, concedendo tempo necessário para contraposições, mas como elas não vêm, sigo em frente. Comprimo os lábios suavemente contra seu pescoço quente, passeando por seu colo lentamente até sentir suas mãos puxarem meu rosto para encontrar o seu olhar.
"Jimin..." Chama, indecisa. Ela me analisa por milésimos inacabáveis antes de concluir: "Ah, quer saber, foda-se."
Sua boca choca-se contra a minha, como há tanto tempo não acontecia. Nosso pseudo-romance interrompido um ano e meio atrás ao confidenciar-me que havia "conhecido alguém". Eu odiei Seokjin, e ainda o odeio, por ter me privado de tê-la, por ter se tornado temporariamente dono dos beijos e ofegos, enquanto meus pés perambularam por aí à procura daquilo que existe somente nela.
Preso na ânsia que não ousa descolar seus lábios dos meus, sinto que sou incapaz de aspirar o oxigênio no momento em que ela nos inverte, sentando sobre mim. A calça de couro comprime cada centímetro quadrado daquilo que arde em chamas – fogo alimentado por seus beijos molhados espalhados em cada canto do meu pescoço. Na confusão de membros emanharados, seguro suas coxas, levantando-a, e caminho em passos cegos – porém conhecidos – até o quarto. Sua língua não desenrosca da minha ao empurrar vorazmente a jaqueta de meus ombros.
Ela cai sobre o colchão, assim como a peça sobre o tapete, lançando-me um olhar sacana ao puxar-me pelo cinto. Empurro as botas pelos calcanhares, rastejo por cima dela, poucos instantes até o calor ser transmitido por contato direto, a efervescência eclodindo em ondas de prazer que me fazem tremer ao finalmente estarmos conectados.
Sei o quanto gosta dos meus fios alaranjados, e em como eles contrastam com a sombra escura; que ama minhas roupas pesadas, as calças coladas, mas que, acima disso, não resiste a minha atitude. Lábia que deturpou seus preceitos de boa menina, que tomou seus lábios profundamente, e, seu corpo pela primeira vez, no banco de trás do Camaro 1969 – preciosidade pega emprestada de meu pai – naquela noite tempestuosa. Sua mãe ainda me culpa pelos piercings e palavrões, pela nova vestimenta, e pelo cheiro impregnado de tabaco.
A aura dionisíaca², componente crucial daquilo que sou, ousada e impulsiva, dissipa-se pelos poros a cada vez que você se derrama em meu nome, permitindo-me sentir tudo aquilo não esqueci por um segundo sequer. Deslizo para dentro, seu corpo preso no espaço reduzido entre o meu e o colchão. Sua respiração entrecortada bate em meu rosto, ao passo que me delicio na pressão do contorno dos seus seios contra meu peito, mãos espalmadas na curvatura do seu quadril, sentindo sua necessidade de me querer sempre mais perto.
Tudo o que somos sendo um pouco menos verbal ao apreciar seus longos dedos esmagando o tecido dos lençóis, urgência para se segurar em algo que não fuja, mas baby, agarre-se em mim, eu não sairei daqui. Toque mais o meu corpo, só não deixe que ninguém veja; sussurre seus desejos mais íntimos, baixinho, para que ninguém ouça.
Sua derme ainda emana a mesma essência frutada através da fina película de suor que começara a resplandecer, os cinco sentidos estimulados ao máximo pelo contato ardente. As íris estudam minunciosamente os traços monocromáticos do desenho que enfeita cima a baixo a linha da sua coluna salientada, os longos fios afastados, redescobrindo a pequenina tatuagem perdida atrás da orelha direita, idêntica à que tenho no punho do mesmo lado. Um sorriso surge ao observá-la intacta ali, símbolo implícito do que extrapola o riso cúmplice e as confissões veladas após noites de bebedeira. Ao pé do seu ouvido, imploro com a voz enrouquecida: "Não volta pra ele."
Ela está tão imersa em um misto corpóreo – transcendental – pálpebras cerradas e lábios entreabertos, que a resposta não vem. O efeito colateral indistinguível e pavoroso de se passar dias intermináveis no consolo de um toque estranho, desejando secretamente o seu, ao tempo em que ele se ocupa nas particularidades de outro alguém, alastra-se pelos vértices daquilo que remotamente acreditei ser: um renegado³. Agnóstico para a existência do amor e suas merdas, traumatizado pela fragilidade das emoções, encontro-me cercado pela necessidade de ouvi-la dizer que sou seu.
Baby, você já admitiu fantasiar sobre romance, perdoe-me se não acredito vendo o modo como me manipula. Nós nos perdemos nessas brincadeiras indecentes que agora nos definem, contudo, não existe outro lugar que eu queira estar a não ser aqui, com você... em você; por mais que tentemos impedir, o dano está feito, e eu não dou a mínima.
Deveria ter dado ouvidos a Hoseok e Yoongi quando disseram para não me envolver? Talvez. No entanto, creio que a hora chegou e já passou. Parece-me errado cogitar tal ideia no mesmo instante em que me deleito na sensação de vê-la satisfeita, expressão serena em puro êxtase ao meu lado.
Pela fenda da cortina, espreito as descargas elétricas naturais delinearem a conexão entre as nuvens e a terra, as ondas sonoras graves ressonando em divergência com os batimentos acelerados aqui dentro. A água estala na janela, na lataria dos automóveis, lavando a metrópole sem compaixão.
Ainda que, no fundo dos seus olhos eu ainda encontre a menina que utilizava do desprezo para esconder sua paixonite adolescente, ela foi encoberta pela mulher que contemplo agora: lindamente nua, em todas as curvas herdadas pela maturidade; pecado e ambição dos anos que nos fizeram adultos. Os sentimentos antiquados deixados para trás, para que, hoje, eu os fizesse meus.
Anos atrás, agarrada firmemente às cobertas na tentativa de mascarar sua vulnerabilidade, você acompanhou as vestes recobrirem meus músculos expostos, prontamente de saída, suplicando de maneira doce para que eu não fosse embora. Todavia, os passos no corredor ficaram cada vez mais distantes, até que o único resquício de minha presença tenham sido as lágrimas em seu travesseiro. Certas memórias tornam-se dolorosas ao tomar consciência dos atos insensíveis dirigidos a alguém tão importante, por essa razão, minto não recordar; mesmo arrependido, finjo não me importar com as respostas frias e as consequências de meus feitos imorais.
Os papéis inverteram-se, e hoje rezo, seja lá para qual entidade disposta a me ajudar, para que não vá, uma vez que tudo o que um dia foi para mim, agora, sou para você: apenas um passatempo.
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[1] O Rio Han corta a cidade metropolitana de Seul, sendo considerado o mais importante da Coreia do Sul.
[2] Dionisíaco, sig.: referente a Dionísio, deus grego dos vinhos, das festas e do libido.
[3] Renegado, sig.: que deixou de lado suas antigas convicções; rejeitado.
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