Capítulo 4
Klaus
Finalmente levou alguém pra casa ou um banheiro é pequeno demais pra você?
Sorrio quando leio a mensagem, as lembranças da sexta-feira ainda vívidas em minha mente. Por um momento, quando me sentei ao lado de Desirée para conhecer seu amigo, pensei que pudesse me deixar levar. Ricardo é um homem bonito, conquistaria qualquer um com seu sorriso fácil cheio de promessas indecorosas e, muito provavelmente, outra pessoa em meu lugar adoraria ouvir sua voz grossa ao pé do ouvido ou sentir sua mão quente por cima da calça, mas não eu. Alexander ainda pairava em mim, a expectativa do que eu teria feito se minha irmã não tivesse me chamado me frustrava e percebi ali que talvez ela tivesse razão ao dizer que o gostoso19 me fez uma lavagem cerebral. Então, quando cheguei em casa, apenas marquei as mensagens de Alexander como lidas.
Agora, pondero se devo deixar subentendido como terminou minha noite ou se respondo com sinceridade. Meus dedos parecem dançar sobre a tela iluminada, indecisos, quando o telefone da minha sala toca. Atendo bloqueando a tela do celular e deixando-o sobre a mesa, Clara anunciando a chegada da senhora Clark.
Quando pedi a Desirée que remarcasse nossa reunião para a próxima semana, a senhora Clark decidiu que fosse o quanto antes. Ela, assim como eu, está ansiosa para por suas ideias em prática.
Assim que minha porta é aberta, me levanto para recebê-la. A senhora simpática agradece Clara pela gentileza e sorri quando me vê, seus olhos doces atrás da lente redonda de armação dourada sempre calorosos.
— Klaus, meu querido. — ela me estende a mão esquerda, me chamando para um abraço. — Que prazer ver você.
— O prazer é todo meu. — eu a abraço e então a conduzo até o sofá de couro marrom no canto da sala, em frente à mesa de centro de madeira posta com um pequeno brunch. — Pedi que preparassem seu bolo e chá favorito.
— Ah, Klaus, que atencioso. — a senhora Clark sorri amplamente, seus olhos brilhando com a gentileza, e sinto uma satisfação silenciosa porque sei que ela aprecia esses pequenos gestos.
— Me lembro bem dos finais de tarde na sua casa quando eu era criança. — lhe ofereço uma xícara do chá de maçã, suas mãos tremulando ligeiramente ao segurar o pires. — Aceita o bolo de laranja?
— Mas é claro! Você realmente sabe como agradar uma senhora. — ela dá um gole delicado no chá e o deixa sobre a mesa quando lhe entrego um pedaço de bolo.
Eu me sento ao seu lado e a acompanho no chá. Quando ela experimenta um pedaço do bolo, fecha os olhos brevemente em apreciação.
Elizabeth Clark é uma senhora de cabelos grisalhos na altura dos ombros, que usa uma bengala mais por estilo do que por necessidade e, assim como minha irmã, adora roupas fluídas e cheia de estampa. Ela é conhecida da família, mãe de um dos amigos do meu pai e se ofereceu para me ajudar quando comentei em um almoço que gostaria de tornar nossos resorts um destino ainda mais atraente para atrair o público acima dos sessenta anos.
Desireé achou o máximo. Segundo ela, outra pessoa não seria capaz de nos mostrar o caminho. A senhora Clark está sempre em movimento, buscando novas atividades para explorar com seus amigos e adora viajar.
Então, entre chá de maçã e bolo de laranja, nossa conversa segue com fluidez. A senhora Clark é entusiasta e cheia de ideias quando fala sobre como gostaria que o resort fosse mais acolhedor para pessoas da terceira idade, com atividades que incentivem o bem-estar físico e mental, mas sem perder a diversão e a aventura, sugerindo trilhas leves, aulas de dança e oficinas de jardinagem, talvez até aulas de surf.
Eu a ouço com atenção, como sempre faço quando quero implementar algo novo, levando em consideração a experiência de quem pode frequentar o resort.
Nossa conversa é tão agradável que mal percebo o tempo passar. Em algum momento, quando o tom da reunião fica mais informal, pergunto sobre seu gato e ela faz questão de me mostrar algumas fotos enquanto fala sobre a virose que deixou o pobrezinho internado. Estamos vendo um vídeo do pequeno gato na clínica veterinária quando o telefone da minha sala toca.
Não posso e nem consigo ignorar o som que ecoa em minha sala, então peço desculpas educadamente enquanto me levanto.
— Com licença, senhora Clark. Preciso atender essa ligação.
— Claro, querido, sem problema — ela responde com um sorriso compreensivo.
Atendo minha secretária e, antes que eu possa dizer qualquer coisa, ela diz;
— Klaus, houve um vazamento no resort em Santa Amália. Estão precisando de você.
Sinto meu corpo ficar tenso. Minha equipe é eficiente, têm autonomia para lidar com imprevistos e dificilmente precisam de mim para resolverem algo. Quando me chamam é caso de urgência.
— Entendido. — aperto o telefone com mais força do que o necessário, tentando manter a calma ao responder a Clara. — Vou ligar para eles e ver o que pode ser feito imediatamente. Obrigado por me avisar.
Desligo e forço um sorriso para a senhora Clark, que me observa com um olhar questionador, mas cheio de paciência.
— Problemas, querido?
— Nada que não possa ser resolvido. — ajeito a postura, tentando não transparecer a tensão. — Parece que houve um vazamento em um dos resorts, vou precisar cuidar disso.
Ela balança a cabeça de maneira compreensiva, mas consigo perceber um traço de preocupação em seus olhos.
— Espero que não seja nada muito grave.
— Eu também espero. — forço um sorriso. — Vou precisar encerrar por aqui, senhora Clark. Peço desculpas e agradeço por suas sugestões, elas serão valiosas. Tenho certeza de que podemos fazer algo realmente especial para o público da terceira idade.
— Eu que agradeço sua atenção, Klaus. — ela se levanta, apoiando-se suavemente na bengala. — E não hesite em entrar em contato se precisar de mim.
Sorrio, tentando aliviar a pressão que sinto crescendo no peito.
— Vou manter a senhora informada sobre o andamento das ideias. Mais uma vez, obrigado por ter vindo hoje.
— Não se preocupe comigo, querido. Vá resolver o que precisa. — ela acena com a cabeça, os olhos brilhando com o mesmo calor de antes. — Ah, e espero que seu resort esteja em bom estado. Adoraria passar uma temporada lá em breve.
— Vamos garantir que esteja perfeito para sua visita. — seguro sua mão, oferecendo um último aperto antes de acompanhá-la até a porta.
Assim que ela sai, meu sorriso educado desaparece e a realidade do problema me atinge em cheio quando entro em contato com o gerente do resort em Santa Amália e a situação me parece caótica.
*
— Sua irmã está me ligando. — a voz de Fidélis preenche o silêncio dentro do carro, chamando minha atenção.
— Ignore. — respondo com os olhos atentos ao celular, analisando o que precisa ser feito no resort em Santa Amália.
— Eu a ignorei durante a viagem inteira.
— Então continue ignorando.
— Ela gostaria de ter vindo, não é?
— Sim. Mas Desirée certamente transformaria o trabalho em férias.
Fidélis solta uma risada baixa, familiarizado com nossa relação fraternal e com a personalidade da minha irmã.
Cinco horas dentro de um carro me permitiram organizar as ideias da pequena reunião com a senhora Clark, para então repassar a cada setor responsável e assim estudarmos a melhor maneira de colocá-las em prática. Além disso, organizei minha agenda para suprir minha ausência em AquaMar, respondi alguns e-mails quando conseguia sinal da rede da operadora do celular e, baseado nas informações que tive, fiz uma lista de tarefas urgentes para resolver o problema com o vazamento no resort em Santa Amália.
Com Desirée ao meu lado, eu não teria feito nada disso enquanto ela provavelmente estaria planejando tudo que poderia ser feito além do trabalho.
E, por falar nela, uma mensagem chega. Leio pela barra de notificações e seus xingamentos, por eu não tê-la esperado, são impronunciáveis. Então bloqueio a tela do celular quando o carro dá pequenos solavancos, ignorando minha irmã ao reconhecer o lugar onde estamos.
A pequena cidade de Santa Amália em si, não se compara à imensidão que é AquaMar com suas construções modernas e a multidão que transita suas ruas todos os dias, mas enquanto o carro se aproxima da zona rural, a paisagem urbana dá lugar ao vasto campo aberto. As árvores altas ao longo da estrada se alternam com campos verdes, onde o vento suave faz as folhas dançarem em um ritmo calmo e harmonioso. O horizonte é pontuado por montanhas distantes, suas silhuetas azuis desenhadas contra o céu claro. A cada curva na estrada de terra batida o ar parece mais fresco e puro, carregado com o aroma terroso da vegetação, completamente diferente de AquaMar.
Em certo ponto, delimitando as terras que pertencem à minha família, a estrada passa a ser flanqueada por cercas de madeira rústica. E é então que vejo, ao longe, a construção principal do resort: a casa onde cresci.
Uma onda de nostalgia me envolve no momento em que a reconheço. A fachada branca, com suas varandas amplas e janelas grandes, não mudou muito, mas agora abriga hóspedes de todas as partes, ansiosos por vivenciar um pouco da paz que este lugar oferece. Me lembro de correr por esses campos, os pés descalços tocando a grama úmida nas primeiras horas da manhã, e das noites em que sentávamos na varanda, minha mãe contando histórias sobre o céu estrelado. Cada canto dessa casa guarda uma memória, e ver como ela se transformou ao longo dos anos, sem perder seu espírito original, traz uma sensação agridoce, uma mistura de saudade com a sensação de dever cumprido. Apesar do tempo, a essência do lugar permanece. Um refúgio no meio do campo, onde as preocupações do mundo parecem se dissolver.
O carro desacelera enquanto nos aproximamos da entrada principal do resort. Diferente da paz que reinava na estrada, há uma energia diferente aqui. Assim que Fidélis estaciona em frente à casa, percebo um pequeno grupo de hóspedes reunidos perto da varanda, alguns de braços cruzados, outros gesticulando com certo nervosismo.
— Parece que já temos trabalho esperando. — Fidélis comenta, desligando o motor.
Eu suspiro, me recompondo antes de sair do carro. O aroma fresco da terra e do campo é o mesmo de sempre, mas o clima de tensão logo à frente é palpável. Ao fechar a porta do carro, alguns olhares se voltam para mim.
— Senhor Rovelli? — uma mulher com o rosto ligeiramente avermelhado e um chapéu de palha desabado sobre os olhos se aproxima. Ela me reconhece de imediato e, pelo seu tom, já sei que não veio apenas para um cumprimento casual. — Preciso saber o que está acontecendo! O pessoal da manutenção disse que seria resolvido, mas aquela água fétida continua subindo no meu banheiro!
— E não é só no quarto dela, não! — outra voz se ergue do grupo, um senhor alto e corpulento, parecendo tão impaciente quanto a mulher. — Alguns de nós vieram para relaxar, e agora temos que lidar com merda pelo chão.
Fidélis faz um gesto discreto de quem já esperava algo assim, mas eu me aproximo do grupo, mantendo a postura calma. Eles têm razão para estarem frustrados – o que pensei ser um simples vazamento de água, na verdade é um terrível vazamento de esgoto que sobe pelos ralos dos banheiros –, e a última coisa que eu quero é transformar um problema temporário em uma crise de relações.
— Senhoras, senhores, compreendo a situação e peço desculpas por qualquer transtorno. — minha voz é firme, mas tranquila. — Estou aqui para garantir que isso seja resolvido o mais rápido possível. Minha equipe já está a caminho para lidar com o vazamento, e eu mesmo irei acompanhar o progresso.
A mulher de chapéu suspira, um pouco mais calma, mas ainda preocupada. O senhor corpulento resmunga algo inaudível, mas cruza os braços e parece disposto a esperar um pouco mais. Tento transmitir confiança, mesmo sabendo que preciso ver a extensão do problema antes de dar mais garantias.
— Eu prometo que vamos fazer o possível para que o restante da estadia seja tão agradável quanto vocês esperavam. — concluo, olhando nos olhos de cada um deles.
Depois de alguns acenos relutantes e murmúrios de insatisfação, o grupo começa a se dispersar. Fidélis se aproxima de mim, balançando a cabeça.
— Não parece tão simples quanto o senhor mencionou.
— Agora não parece mesmo. Vamos ver como estão as coisas lá dentro. Mas já deixo sob sua responsabilidade, levar as pessoas para se hospedarem em outro lugar caso queiram.
— Sim, senhor.
Caminhamos até a porta da casa principal, e mesmo com a tensão ainda pairando no ar, não posso deixar de sentir mais uma pontada de nostalgia. É como se duas realidades estivessem se sobrepondo: a lembrança da tranquilidade da infância e a responsabilidade de resolver os problemas que surgiram no presente, com o som das vozes de outros hóspedes ecoando em meus ouvidos e o odor pelo ar.
O rosto mais do que conhecido de Fábio, meu gerente nesse resort, é tomado por alívio quando me vê. Ele sai apressado detrás do balcão de madeira da recepção, vindo até a mim sob olhares curiosos.
— O senhor conseguiu falar com a empresa de desentupimento? — pergunta tentando manter a calma, por não ter obtido uma resposta positiva quando entrou em contato.
— Sim. Eles garantiram que viriam após o expediente. — minha resposta o tranquiliza ainda mais, diferente de mim. — Mas me explique como essa situação se tornou tão caótica? Os hóspedes parecem muito mais que apenas incomodados.
Fábio havia dito que era urgente, mas a insatisfação dos hóspedes é muito maior que um incômodo. Estão frustrados e irritados e o cheiro que se espalha pelo ar, mesmo que não seja tão forte, torna o clima mais denso.
— Tivemos um incidente na semana passada, mas pareceu simples resolver. Hoje de manhã tudo saiu do controle. Boa parte dos apartamentos térreos foram afetados, o banheiro da recepção e dois chalés mais próximos também foram.
Fábio continua explicando os acontecimentos e as medidas que já foram tomadas, mas tudo o que consigo pensar é como essa falha pode impactar na reputação do resort. Março é um dos meses em que nossa lotação é máxima, devido ao festival agrícola que acontece na cidade e a pequena excursão que oferecemos para os hóspedes como cortesia, e em uma era em que tudo vai para as redes sociais em segundos, sei que não vai demorar para a situação se espalhar.
Respiro fundo, tentando me manter calmo. Resolver o vazamento é uma questão técnica que, com recursos e tempo, podemos controlar. Mas a imagem do resort, a maneira como isso será repercutido na internet... esse é um campo que eu não domino tão bem quanto minha irmã. Sei que não serei capaz de lidar com isso, com as pessoas de forma tão humana, então peço a Fábio para reunir os hóspedes afetados para uma pequena reunião.
Quando Fábio se afasta com Fidélis ao seu lado, retiro o celular do bolso e ligo para Desirée sem pensar duas vezes.
— Eu preciso de você aqui, Desirée. — Falo direto e sem rodeios assim que sou atendido.
— Oh, agora você precisa de mim? — sua voz atravessa o telefone, cheia de ironia e indignação. — Eu já estava a caminho mesmo.
— Eu esperava algo assim, você sempre foi teimosa.
— Não é teimosia quando sou necessária. O vazamento começou a refletir nas reservas, alguns vídeos nada agradáveis já estão circulando.
— Muito ruim?
— Alguns cancelamentos, mas vamos resolver isso. Já tracei um plano para as redes sociais, espero que você esteja cuidando da parte técnica.
— Ao que tudo indica, é um entupimento. Já contatei uma equipe para cuidar disso e vou me reunir com os hóspedes afetados daqui a pouco para ouvi-los.
— Apenas seja transparente, não tente iludi-los.
— Não vou.
Desirée encerra a ligação sem ao menos se despedir, como de costume, mas não preciso de formalidades com ela. Sei que vai resolver o problema nas redes sociais com a mesma eficiência com que sempre transformou crises em oportunidades.
Guardo o celular no bolso e olho ao redor, absorvendo o cenário. Um dia, isso tudo foi o lugar onde apenas uma família morava, memórias afetivas criadas de forma intimista. Agora, é minha responsabilidade abrigar várias famílias e garantir que suas memórias sejam as melhores possíveis.
E eu não posso falhar.
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