Capítulo 2
Klaus
Desireé não diz nada enquanto dirige e sei que está se segurando muito. De vez em quando, noto seu olhar pelo retrovisor, como se quisesse dizer algo, mas logo desvia a atenção para o trânsito lento, ou então cantarola, deixando a voz de Freddie Mercury preencher o silêncio incômodo.
Por um momento, penso em puxar um assunto aleatório, qualquer coisa para aliviar a tensão, mas me mantenho quieto, aproveitando "Don’t Stop Me Now" sem me preocupar em dar respostas vazias para perguntas que não quero responder.
— Graças a Deus! — murmura Desireé assim que entramos no estacionamento do bar. — Vinte minutos no trânsito nunca pareceram uma eternidade.
— Uma eternidade? — replico no mesmo tom irônico. — Para mim, não passaram de cinco minutos.
Eu sorrio, satisfeito por ter quebrado o gelo.
Ela resmunga algo que não entendo completamente enquanto estaciona. Assim que desliga o carro, suspira profundamente, como se estivesse se preparando para a próxima rodada de encheção de saco.
— Klaus, abra uns botões da camisa e dobre as mangas. Vai parecer menos engomado. — sugere, retocando o batom vermelho no retrovisor.
— Estou bem assim.
— Ai, Klaus... — ela bufa, revirando os olhos. — Acho que você investe tanto nesse seu "gotoso19" porque ele só te vê sem roupa.
— E eu não estou apresentável?
— Até está. Mas, vai por mim, ficaria melhor se seguisse meu conselho.
— Alguns caras gostam desse estilo "homem de negócios".
Ela solta uma risada curta e debochada.
— Talvez, mas nem todo mundo está a fim de fechar um contrato, Klaus.
Dou um meio sorriso maneando a cabeça, me divertindo com o quanto minha irmã sempre tenta me empurrar para fora da minha zona de conforto e a mínima ideia de me vestir para atrair alguém para minha cama não me enche de expectativa. No entanto, faço o que ela sugere.
Desireé sorri antes de sair do carro, um tanto orgulhosa, e a sigo sem pressa, aproveitando o ar fresco da noite contra meu rosto.
Assim que cruzo a entrada do bar, confiro as horas no meu relógio e, mais uma vez, calculo o tempo até que uma notificação chegue – menos de duas horas, o suficiente para uma socialização aceitável – e só então dou atenção a todo o resto enquanto ando por entre as mesas até o balcão.
Diferente da maioria dos bares de AquaMar, que têm entre si a identidade de uma cidade praiana, da fachada à decoração do seu interior, a Bodega se destaca com seu charme de saloon do Velho Oeste. A entrada de madeira escura dá passagem a um ambiente rústico, com tábuas expostas e um piso de madeira que é possível ouvir o ranger a cada passo quando a música está baixa. A iluminação amarelada dá um toque moderno às paredes decoradas com fotos antigas em preto e branco que contam a história inusitada do bar – desde a aposta do pai do atual proprietário até o crescimento e as mudanças ao longo dos anos.
— Você conseguiu! — Alec grita por cima da música, abrindo um enorme sorriso, e Desirée ergue os braços com os punhos fechados em algum tipo de comemoração.
— Eu sempre consigo! — responde exultante ao se aproximar do balcão e a comemoração fica ainda mais evidente quando ela bate com as mãos sobre a madeira escura repetidas vezes.
Alec balança a cabeça com um sorriso travesso, mas quando seus olhos encontram os meus, a expressão se transforma em um olhar que mistura culpa e diversão, enquanto minha irmã sustenta o ar vitorioso com seu nariz empinado.
Então minha fica cai, porque não é a primeira vez.
— Filhos da mãe, vocês me apostaram.
— Não. Alec me desafiou a trazer você aqui hoje. Eu trouxe, agora ele me deve. — minha irmã apenas me corrige.
— E o que ele te deve, que você mesma não possa se dar?
— O gostinho da vitória. — ela ri alto, jogando a cabeça para trás, atraindo olhares curiosos e tento não me incomodar com a atenção.
Geralmente, isso significa pessoas se aproximando mais do que deveriam, tentando falar dentro da minha boca.
— Se quisesse me ver, poderia ter ido me visitar. — encaro o cara que se diz meu amigo e ele dá de ombros.
— Você precisa ver gente.
— Vejo gente todos os dias. — me explico a contragosto, e me sento na banqueta livre ao lado da minha irmã.
— Não as que frequentam o meu bar. — tenta me provocar, erguendo as sobrancelhas sugestivamente, e eu apenas rio maneando a cabeça enquanto minha irmã parece engasgar com a própria saliva.
— Klaus não está interessado em pessoas reais. — Desirée diz, chocando seu ombro contra o meu, e cerro os olhos na sua direção. — O "gostoso19" tem feito uma lavagem cerebral online no meu irmão naquele app arcaico.
— Calada, Desirée. — peço entredentes e ela sorri em resposta, se divertindo com sua vingança infantil.
Tudo que menos preciso é de mais um olhar de julgamento sobre mim, com mais alguém para me encher o saco, pensando que sabe do que preciso ou não. Alec não entenderia que não estou pronto para contatos íntimos com alguém que não conheço e entenderia menos ainda se soubesse que todas as vezes que penso em toques reais, desejo alguém tão distante de mim.
— Você ainda tem aquele aplicativo? — meu amigo pergunta, arqueando uma sobrancelha.
Respondo com um simples gesto de confirmação, evitando entrar em detalhes que não são necessários. Alec percebe o meu desinteresse em explicar e não pressiona.
— Você não? — minha irmã se intromete.
— Há um tempo que tenho encontros com pessoas de verdade.
— Poxa. — Desirée lamenta com um suspiro triste forçado, apoiando o queixo na palma da mão com cotovelo sobre o balcão. — Pensei que você pudesse ser o Alexander do Klaus.
— O quê? — a pergunta sai alta demais, atraindo mais olhares, e sinto meu rosto se contorcer em confusão, tão confuso quanto Alec com sua testa enrugada.
Desirée sustenta um sorriso travesso, mordiscando a unha vermelha do mindinho.
— "Alec" é apelido para "Alexander", talvez fosse um daqueles casos em que o destino prega peças, sabe?!
— Você anda lendo muitos romances. — forço uma risada, perplexo demais para qualquer outra reação.
— O "gostoso19" se chama Alexander? — Alec pergunta.
— É o nome que ele usa, mas não acho que seja. — Desirée responde por mim. — Alexander pode ser qualquer pessoa. Ninguém usa o nome real nesses aplicativos.
"Eu uso", penso em dizer, mas não quero falar sobre minha vida pessoal. Não fui arrastado até aqui para isso. Então mando os dois irem se foder e peço para Alec fazer o trabalho dele que é me servir.
Qual é o problema das pessoas se eu gosto de "encontros" online? Não estou machucando ninguém, não estou reclamando e, mais importante, a vida é minha.
— Saúde! — Alec desliza a primeira cerveja na minha direção e se inclina com os braços cruzados sobre o balcão até sua boca encostar em meu ouvido — Espero que 19 não seja a idade dele. — sussurra quase como se fosse um segredo e dá uma risadinha sacana.
Sua barba faz cócegas em meu pescoço e eu apenas sorrio de volta, observando enquanto ele se afasta para servir Desirée com um drink colorido em uma taça com guarda-chuvinha combinando. Então as palavras da minha irmã dão voltas em meus ouvidos e, pela primeira vez desde que "Alexander" surgiu em minha vida, penso que ele poderia ser o meu amigo.
Um arrepio percorre minha coluna até a nuca, imaginando sua barba deslizar pela minha pele e... o quê?! Balanço a cabeça, afastando esses pensamentos porque logo me lembro das vezes em que eu e Alexander fizemos videochamadas pelo app. Não vi seu rosto, mas seu corpo bronzeado seria difícil não me lembrar e ele não se parece em nada com o corpo negro do meu amigo, e se parece menos ainda quando há uma tartaruga tatuada em suas costelas.
Ótimo!
Respiro aliviado, finalmente bebendo da minha cerveja, e me sinto um idiota por ter ficado o mínimo ansioso com a possibilidade de encontrá-lo. Eu nunca havia procurado Alexander em outras pessoas, seria perda de tempo, três mil quilômetros não são rompidos ao acaso, então ele não estaria ao meu lado.
Minha cerveja acaba antes que eu me dê conta e mais uma é colocada em minha frente sem demora ao mesmo tempo que meu celular vibra no bolso da calça.
Meu coração dá um salto quando vejo o nome na notificação de mensagem na tela e abro sem pensar duas vezes.
Onde você está agora?
Como se não bastasse a ansiedade que me consome não me permitir fingir que não li a mensagem, Alexander está online e sabe que também estou, então respondo no mesmo instante.
Socializando em um bar, mas gostaria de estar em casa.
Essa é uma verdade tão absoluta que não dou atenção a mais nada ao meu redor quando ele volta a digitar.
Sozinho ou pretende, finalmente, levar alguém com você?
Sorrio e meus dedos coçam com a vontade de dizer que, se ele quisesse, eu o levaria. Mas, obviamente, não é o que digito.
O bar ainda está um pouco vazio, ninguém interessante o bastante até o momento.
Então levar alguém é uma possibilidade.
Não é uma pergunta. E eu não deveria pensar em responder "não". Deveria pensar em realmente levar alguém comigo, ter um encontro de verdade, tocar em um corpo que não seja o meu e gozar para quem eu possa ver, com um rosto real e não uma face fantasmagórica inventada pela minha mente.
Com um suspiro, tomo mais um gole da minha cerveja e olho ao redor, procurando algo que chame minha atenção, mas a mínima ideia de ter que agradar alguém pela primeira vez me faz voltar à tela do celular quando outra mensagem chega.
Acho que você deveria me levar.
Estremeço, a força dessas palavras me acertando como se fosse um toque em meu peito. Leio outra vez, uma onda de calor se espalha pelo meu corpo, e posso ouvir sua risada se divertindo com a confusão que causa em mim.
Eu sei que não é uma insinuação real, que faz parte da cena que ele está criando, mas meus dedos tremem, pairando sobre a tela iluminada, procurando palavras que façam sentido, até que ele continue a conversa.
Bom, é claro que você me levaria.
Aposto que se eu chegasse aí agora, você não teria olhos pra mais ninguém.
— Eu já não tenho. — murmuro nervoso, olhando para os lados com receio de ser descoberto e vejo Desire acompanhada, sentada em uma das mesas afastadas do balcão, completamente alheia a mim enquanto Alec desapareceu pela porta que separa a cozinha do restante do bar.
Ah, é?! Como pode ter tanta certeza?
Na minha mente, tento soar indiferente, mas foi uma provocação para que ele fale mais e não demora para que comece a digitar. Então para, parecendo hesitar, e volta a digitar outra vez e eu espero.
A ansiedade me faz virar o resto da minha cerveja enquanto os minutos se arrastam e peço mais uma já sentindo meus lábios meio dormentes.
Quando a resposta chega, preciso ler com mais atenção, suas palavras enviando estímulos para todo o meu corpo em ondas de calor.
Conhecimento de causa. Eu mesmo não tenho olhos pra mais ninguém e nem consigo disfarçar.
Meus amigos acham que deveríamos nos encontrar e eu também acho. Por isso não te deixo sozinho, seria um pecado não te fazer companhia.
Sorrio, levando a garrafa de cerveja à boca, me divertindo com minha própria ilusão de um encontro que não é real e sei bem o que está por vir quando outra mensagem chega.
As pessoas ao nosso redor já se tornaram insignificantes, percebeu? E aposto que elas nem notariam se você me seguisse até o banheiro.
Um arrepio corre pela minha espinha e me inclino sobre o balcão, tentando esconder a súbita onda de nervosismo que me invade enquanto ele continua a digitar, descrevendo o que fará comigo em um banheiro apertado.
Tenho três opções: bloquear o celular e dar atenção ao que acontece à minha volta, ir até o banheiro e gozar enquanto outra pessoa espera na fila ou continuar essa fantasia aqui mesmo no balcão, torcendo pra não ter uma ereção em público, apenas porque quero ver quando ele gozar.
Vai vir ou ver ter que fazer isso sozinho?
Acredite, estou em um banheiro, no primeiro andar na casa de um amigo, enquanto ele comemora mais um ano de vida lá em baixo.
Insiste, diante do meu silêncio, e não tenho nem mesmo tempo de responder algo quando uma imagem chega: a foto é tirada de cima para baixo enquanto ele olha diretamente para a câmera, eu sinto. Como sempre, seu rosto é um borrão automático, mas isso não diminui o efeito que ele causa em mim e meu instinto é levar as mãos entre as pernas, observando cada detalhe sem pressa. Alexander está escorado em uma parede branca com detalhes dourados, segurando a ponta da blusa verde escuro entre os dentes, deixando sua barriga lisa à mostra, exibindo parte da tartaruga tatuada em sua pele. A calça jeans está arriada com sua mão dentro da cueca preta.
Engulo seco, sendo vencido pelo meu corpo traidor que quer o que Alexander tem para mim, e começo a digitar. Mas sou interrompido quando sinto braços pelos meus ombros e é como se um balde de água fria estivesse sendo jogado em mim no instante em que reconheço o perfume de Desirée. Bloqueio a tela do celular. O calor que percorria meu corpo, alimentado pela excitação das mensagens de Alexander, desaparece, substituído por um frio paralisante que começa no meu peito e se espalha pelos meus membros.
— Gostoso19, hein?! — ela sorri — Se despeça dele, quero te apresentar um amigo.
— Conheço todos os seus amigos.
— Não esse. — diz sugestivamente, se apoiando com os cotovelos no balcão, e tentando me convencer que esse amigo será bom, mas cada palavra que ouço parece um obstáculo. — Você vai gostar dele.
— Duvido muito. — murmuro sem entusiasmo, fazendo Desirée revirar os olhos.
A última coisa que eu quero agora é me forçar a sorrir para alguém que não me interessa, enquanto minha mente ainda está presa na excitação do que poderia ter sido com Alexander, mas deixo que ela me arraste.
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