109 - ABRE A PORTA
Não me importa se vai doer
Quero ter o controle (da situação)
Quero um corpo perfeito
Uma alma perfeita
Quero que você perceba
Quando eu não estou por perto
Você é especial pra caralho
Eu queria ser especial
Mas eu sou uma aberração, um esquisito
Que diabos é que eu estou fazendo aqui
Este não é meu lugar
Radiohead - Creep
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Kai releu a carta diversas vezes sem saber se acreditava ou não. Talvez sim, ele nem sabia mais no que deveria acreditar ou deixar de acreditar. Passou a carta para Carlos, apesar de Lissa e ele terem brigado, Kai sabia que Carlos seguia amando a líder das Kitsunes e ele precisava admitir que mesmo sem o sentimento esmagador que ela impunha antes, Lissa seguia sendo uma mulher incrível e terrivelmente bonita. Ele podia entender seu amigo.
Carlos, assim como Kai, leu e releu a carta diversas vezes e saiu do bar com o papel em mãos.
Carlos andou de maneira silenciosa pelos corredores, com a carta em uma das mãos e a outra mão no bolso. Hora ou outra alguém passava por ele, o reverenciava e seguia seu caminho.
O navio estava com um clima estranho, não havia festa ou bebida rolando a cada canto. Não havia casais atracadas uns aos outros ou pessoas sorridentes e exageradas buscando alguma briga.
Ele suspirou alto ao constatar que sentia falta daquilo apesar de não ser muito o seu estilo.
Ele deixou que seus pés caminhassem pesarosamente até o quarto de Lissa e bateu na porta dela. Ninguém respondeu. Ele bateu novamente e assim como já esperava, tudo seguia no mais completo silêncio.
Talvez ela estivesse dormindo, mas ele duvidava disso. Com a ansiedade tomando conta de cada parte do corpo de todos, dormir não seria fácil.
– Lissa – ele arriscou chamar – será que podemos conversar?
Ela não respondeu. Era frustrante, mas ele não era alguém que se dava por vencido tão facilmente. Para que ele não cedesse ao desejo de apenas forçar a sua porta ou de ir embora batendo os pés como uma criança, ele apenas se sentou e encostou na porta.
– Talvez o que esteja escrito aqui seja verdade – ele falou alto para que ela escutasse – você deve ser mesmo só uma criança birrenta e mimada que não aprendeu a perder. Talvez todos nós sejamos assim no fim das contas. Quando chegamos aqui tudo parecia deslocado, tudo parecia uma bagunça... na verdade acho que isso não mudou, mas pouco a pouco nos adaptamos a essa loucura e agora estou começando a sentir falta disso. Se não quiser falar comigo, não tem problema. Sei que eu te machuquei, mas você também me machucou. Eu não sei o que você está pensando e não sei invadir mentes como você, mas não vou te forçar a falar comigo sinceramente. Insistir nessas coisas cansa. Mesmo assim tem algo importante que você precisa saber e preciso que você me escute e se você não abrir a porta, terei que te falar desse jeito mesmo, mas não acho que seja o ideal.
Ele esperou um pouco e abaixou um pouco a cabeça esperando ouvir alguma coisa. Quando estava prestes a desistir, ele ouviu o som lento de passos até a porta e apenas se arrastou um pouco para encostar na parede.
Lissa parecia ter preguiça de andar, porque até mesmo os sons vinham de maneira lenta até ele. O trinco da porta se abriu e por fim a porta também se abriu mostrando uma Lissa desalinhada e de olhos inchados de chorar.
– O que foi? – a voz dela parecia arranhar na garganta e seu corpo demonstrava um cansaço imenso. Ela parecia que ia desabar a qualquer momento.
Carlos não respondeu de imediato. Antes de falar alguma coisa, ele se levantou e a olhou um tempo. Ela realmente estava diferente, mas não de um jeito ruim. Seu coração deu uma batida errada ao constatar que ele parecia querê-la ainda mais e um desejo repentino de protegê-la o invadiu de maneira dolorosa.
– Como está se sentindo? – ele perguntou por fim.
– E você se importa? – ela perguntou, mas não parecia brava, sua voz parecia estar no automático, como se ela estivesse completamente ausente.
Carlos inicialmente teve vontade de apenas dar de ombros e dar qualquer resposta malcriada que aquele tipo de pergunta merecia, mas preferiu não piorar as coisas.
– Sim, me importo – ele respondeu tranquilamente e esperou.
Com a resposta sincera e simples de Carlos, Lissa finalmente levantou seus olhos para ele. Ele parecia sereno e tranquilo, mas a falta do seu lindo sorriso ali fez o mundo de Lissa afundar ainda mais.
– Eu deveria estar bem – ela falou e forçou um sorriso – é isso que esperam de mim, acho.
– O que me leva a acreditar que você não está bem – ele encostou na parede ao notar que ela não daria espaço para ele entrar e que a conversa seguiria ali do lado de fora.
– O que... – sua voz de repente travou e ele pôde ver a força que ela fazia para seguir falando sem desabar a chorar – O que aconteceu com a Kat?
– Como você sabe que aconteceu alguma coisa com ela? – ele perguntou, mas não demonstrou a surpresa que realmente sentia.
– Senti a linha do nosso contrato quebrando – Lissa falou com a voz já quase apagada – mas sei que ela está viva, de algum jeito eu sei disso.
– E por que não saiu para procurá-la? – Carlos arqueou uma sobrancelha ao perguntar.
– Porque antes do nosso contrato romper, eu vi uma linha onde ela estava bem... ela parecia saudável e feliz – os olhos dela se encheram de lágrimas – e ela estava com a Beatrice e não comigo.
Carlos suspirou ao ver a dor que aquelas palavras traziam a Lissa.
– Então você já sabe o que aconteceu? – Carlos perguntou para ter certeza.
– Eu tenho uma ideia somente, mas não tenho certeza.
Carlos acabou por fim entregando a carta para Lissa. Lissa a leu sem alterar sua expressão ausente e contra todas as possibilidades, ao invés de Lissa estourar de raiva como sempre fazia, ela sorriu enquanto uma lágrima escorria por seu rosto.
– Eu sabia... – ela falou enxugando com as costas da mão os olhos – A Beatrice é assustadora até quando está fazendo algo bom. Eu juro que achei que tinha sofrido, até entrar na cabeça dela... mesmo assim, é assustador estar perto de alguém que pode destruir mundos inteiros mesmo parecendo apenas uma jovem frágil.
– Sim, eu conheço bem essa sensação – ele olhou para ela pensando que ela mal sabia que havia se descrito ali também – e o que você vai fazer?
– Nada – ela deu de ombros – A Kat está bem e fora de perigo, é o que importa.
Ele ficou ali estudando-a por um longo tempo. Ele não esperava essa reação, acho que ninguém esperava. Ele esperava que ela surtasse, brigasse e fizesse o chão tremer e luzes piscarem, mas não foi isso que ela fez e isso o desconcertou um pouco.
– Por que não abriu para Senka? – ele resolveu perguntar.
– Porque ela me faria perguntas que eu não quero responder.
– E o que te faz pensar que eu não te farei essas mesmas perguntas?
– Você fará, mas eu vou seguir sem querer responder – Lissa suspirou – mas diferente da Senka, você não sairia da minha porta.
– Acho que já está começando a me conhecer – ele sorriu, o que fez ela sorrir também – mas você está certa, eu não iria sair daqui e ainda assim vou te fazer a pergunta que todos estão fazendo: você irá mesmo embora?
– Sim – ela respondeu sem pensar duas vezes e Carlos sentiu como se uma faca transpassasse seu coração, mas não demonstrou a dor que aquela simples palavra o havia causado.
– Por quê?
– Porque eu não me encaixo aqui – ela respondeu tranquilamente – Senka será uma ótima capitã. Ela sempre levou as Kitsunes nas costas de qualquer maneira.
– Você pensa que não se encaixa aqui, o que é diferente. Além disso, Senka é ótima realmente, mas ela só conseguiu porque tinha você do lado.
– Olha... eu não quero discutir isso com você. Eu tomei a minha decisão – Lissa suspirou – preferia não ter que dar todos os motivos que se passam pela minha cabeça agora e nem falar dos milhares de medos que começaram a me rondar ultimamente.
– Tudo bem, não discutiremos – Carlos se aproximou de maneira perigosa dela e ela sentiu o coração acelerar.
– Você está muito perto – ela falou gaguejando – pensei que queria ficar longe e...
Ele não a deixou terminar e a beijou. Ela primeiro ficou estática, depois se entregou. A boca dele era macia e seu beijo era tranquilo. Ele não parecia desesperado, ele não parecia sedento, e mesmo sem todas essas coisas, Lissa sentiu como seu corpo esquentava ao toque dele.
Ele levou sua boca para o canto do lábio de Lissa e depois passou para o seu rosto até chegar próximo ao seu ouvido.
– Lissa – ele sussurrou – você até pode ir. Sei que vai ser difícil de te convencer a ficar, mas saiba que se você for, eu irei te buscar.
O corpo dela arrepiou e o frio em sua barriga se intensificou de tal maneira que ela não teve outra reação além de grudar o corpo dele ao dela de maneira intensa, na tentativa de amenizar o calor que baixava de maneira forte e violenta por seu corpo.
– Carlos... – ela conseguiu sussurrar, mas ele não parecia disposto a ouvir nenhuma negativa da parte dela, ele não queria escutar que era para ele desistir e pouco a pouco os medos e temores dela a abandonaram, mesmo que momentaneamente.
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