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O Monte e o Cálice: Parte XII - Despertar na Cidade Baixa


     Presos. Entorpecidos. Esquecidos.

     Caminhar dentro de tão puro escuro mostrava-se uma perdição. Um tormento andar sem saber exatamente qual era a estrada, o que tocavam os pés. O próprio ar não colaborava em nada. O cheiro entre abafado e podre ocupava até mesmo os pensamentos. O que fazia tamanha multidão acreditar naquela empreitada? Quem sabe o coração, e a incerteza quanto à dor e a fumaça. Quem sabe fosse isso. Apenas orientados por alguém cujo papel era diminuir os desafios. E eles foram diminuídos em muito. 

     E nesse mundo, as decisões de mulheres como Bellara de Luniestra, Adelaide Seirir, Neiva Dalmenz e de homens como Vernon Lee, Ecanda de Luniestra e Olbett Tistein fizeram o mundo virar drasticamente o fim de uma página. O início das outras, porém, eram os deuses... estes jogando dados com o vento.

     Kings Aderio andava à frente de milhares de pessoas seguido a seu lado por Lauro Ezahi e Litli. A armeira era encorajada por Lauro a cuidar de sua família. Certamente, Kings Aderio também o sabia, Litli guardava mais do que ela própria compreendia de sua genial habilidade artística. O dracus só esperava que nada fosse necessário no escuro retinto.

     O problema é que havia o som de um coração pulsando pelas paredes. Apenas dois ali naquela multidão ouviam. Além do próprio gato de Litli.

     Palavras só podiam ser ditas aos sussurros. Mesmo para a audição do dracus, eram apenas chiados fracos, o que lhe deu um pouco de esperança de uma travessia tranquila. Para onde exatamente, Kings Aderio não sabia, mas seria guiado pelo correr das águas quando elas deixassem de se ocultar. Era certo que o canal em algum lugar lá na frente desembocava no rio ou com sorte adentro da floresta. Dali, sairiam e buscariam pelo Cálice, o qual as pessoas já estavam escapando de Nianda para tanto. O número de pessoas que chegaria de uma vez ao Cálice se contaria por alguns milhares. Isso se a empreitada fosse um sucesso. O homem que diziam se tratar por Tenar Alvum deveria recebê-los com alegria por seu povo estar à salvo.

     Kings Aderio contou mentalmente com suas capacidades ao menos três mil pessoas, antes de fechar, para todo sempre — sim, para todo o sempre — aquela passagem. Fez com pouco estrondo, desejando de todo que nada o tivesse ouvido. Aquela batida como a de um coração não crescera nem diminuíra, um bom sinal, supunha Ade.  Dali em diante somente o silêncio dos passos abafados lhes foi o guia.

     O lugar tratava-se realmente de uma verdadeira estrutura de cidade, na qual os caminhos em galerias e dutos se comportavam como vias largas o bastante para que umas dez pessoas bem juntas pudessem passar. As galerias abriam-se em portais, dos quais nenhum foi atravessado. Sempre em linha reta até aonde dava. Kings Aderio achava um tanto ridículo que tanta gente fosse caminhando assim pelo escuro, tateando a parede onde ele dizia para tanto. Andando com cuidado aonde ele dizia para caminharem. Eram obedientes. O medo faz isso com a gente.

     A evolução pelo percurso se daria da seguinte maneira acordada com Lauro: as pessoas esperariam pelo sinal de Kings Aderio para continuar de cem em cem metros, mas aumentaria esse número para mais caso o dracus e suas habilidades assim o decidissem. O maior medo de Ade, no entanto, ficava não com o despertar de algo lá embaixo, mas com o que pudesse sair das paredes ou do barulho das águas. Gritos seriam ouvidos, e o caos tomaria posse da assertiva passeata obscura. Quando as águas se revelassem, e se fossem barulhentas o bastante, talvez vozes pudessem ser permitidas, apenas talvez. Esperava um caminho curto.

     Ele não veio...

     O séquito adiantou-se bem com a luz pequena que os guiava em suas cabeças, além de Kings Aderio, Lauro e os voluntários para organizar a descida. Estes foram muito mais do que Kings Aderio esperava. A liderança escolhia poucas, ainda que boas mãos. Uma delas era Litli. A armeira desenvolvia coragem frente à escuridão espessa. No seu ombro, o gato meneava a cabeça de quando em quando erguendo a cauda como uma bengala sobre a cabeça da armeira. Ora sim, ora não, o bichano mostrava detestar ratos, mas os assustava como ninguém. Outro sujeito que também estava entre os voluntários foi aquele homem que tentara interrogar Kings Aderio antes de entrarem na Cidade Baixa. Daquele tinha certa suspeita, até que o semblante tornou-se mais voluntarioso do que desconfiado.

     Kings Aderio calculava mentalmente onde estavam a cada passo que davam. Às vezes fugiam um pouco de Nianda. Se rompessem parte do teto, o lago desceria irresistível sobre suas cabeças. Ninguém era louco para tanto. Porém, a intenção de seguir apenas por uma galeria a fim de sair o mais depressa possível dali, levou-lhes muito mais para dentro de Nianda do que gostariam. E adentro foram, cada vez mais longe de onde vieram, sempre em frente, nunca subindo ou descendo, com a sensação de esquecerem-se do que era o luar.

     Esta vinha a tino, tão rápida quanto se ia embora, além de outros esquecimentos mais. Kings Aderio estava certo com isso de haver um miasma terrível em algum lugar nestas paredes.

     Foi aí que finalmente começaram a descer por uma escada de aparência que brincava entre tortuosa e ameaçadora. Aos poucos a escada perdeu degraus. E também perdeu onde se apoiar. Kings Aderio arriscou um pouco mais de luz com o mesmo pássaro que guiou Litli e sua família à uma dura decisão. 

     Viaje livre junto ao silêncio, disse o dracus para a ave que planou lindamente ao redor. Viajava serena, girando as asas longas e finas deixando brilhos azul celestes. Seu voo revelou rochas enormes voltadas para baixo como dentes da boca de um dragão adormecido.

     E veio então a compreensão de algo devastador.

     A escadaria terminava uma dezena de metros adiante numa enorme e maciça rocha plana que ligava dali a arcos esculpidos na rocha por novas galerias. A ave luzia branda, como se dançasse entre os arcos. Depois subia. Dezenas de metros de distância e de altura numa caverna gigantesca de paredes que se afastavam até se perderem de vista. Estavam ali isolados na imensidão de um abismo.

     O tempo do Erguimento foi algo terrível. Imaginar pessoas normais usando o máximo da perícia para construir um abrigo nesta escuridão fugia a qualquer compreensão.

     Aderio pediu para que as pessoas tomassem muito mais cuidado e que verificaria adiante depois da escada. Iria andando, para não gerar nada estranho. Apesar das rochas serem gigantescas, não conseguia tirar de si a sensação de estar andando numa redoma de vidro. Lauro iria junto ao dracus. 

     E repentinamente, as luzes aumentaram. Não as de Kings Aderio, mas de formas espectrais saídas do breu profundo. Três delas ficaram diante de Aderio, Lauro e agora Litli. O gato com ela não estava.

     As formas fantasmagóricas tinham rostos sofridos, fazendo-se e desfazendo-se a olhos vistos. Às vezes os olhos caíam, outras a boca sorria tanto que se perdia em fumaça. As formas pareciam cortinas rasgadas, adejantes, e brilhavam quase no mesmo tom que a ave de Ade. Aquela continuou voando.

     Aderio não ergueu sua espada, em vez disso, lhes fez uma mesura.

     — O que fazem viventes nesse lugar? — sussurrou uma voz masculina dentro do etéreo.

     — Somos apenas humildes viajantes, querendo atravessar ao outro lado — disse Kings Aderio.

     — Humildes viajantes — o espectro voltou-se lentamente para Lauro Ezahi. — Ao outro lado? Não há razoabilidade para tanto.

     — O razoável é sobreviver — disse com queixo erguido o rei de Seta.

     — Palavras sem sentido para quem nunca vivo o foi — disse outro espectro de aparência mais alta ao lado de Litli. Ela o encarou com olhar cerrado.

     — O senhor da cidade lá em cima tem intenções vis, quer derrubar essa gente no lago.

     — Aurum? — indagaram-se os três espectros.

    — Foi minha conclusão também — disse Kings Aderio. 

     — O que é isso? — indagou Litli, e quem lhe respondeu entrando e saindo do corpo dos três foi um espectro com cabelos tão longos quanto o corpo. A voz era feminina, mas coberta de dor.

     — A pedra aprendeu com o tempo a beber o sangue da morte. E deste gerar riqueza para cuidar do leito do rio. Esta riqueza é o aurum, o ouro supremo, que estes tempos conseguem adiantar o processo em milhares de anos. Assim como o foi com o ouro de Luniestra no extremo leste do mundo, o ouro de lá foi sangue de vocês, viventes.

     — Não... aquele ouro que nos deu, Kings Aderio? — disse Litli enojada. 

     — Isso foi do Segundo Grande Terror. Uma história que não nos cabe agora, mas que explica um pouco da loucura de Oromergius — disse o dracus.

     — O endinheiramento é a loucura maior dos homens — disse a aparição de cabelos longos.

     — Impedimos isso de acontecer — disse Kings Aderio. — Ao menos tentamos.

     — E por isso decidiram morrer aqui embaixo — concluiu sombrio o mais alto espectro.

     — Não — disse o dracus. — Estamos caminhando no silêncio, milhares de pessoas segurando-se para nenhuma voz ser dita ou ouvida pelos reclusos moradores daqui. 

     — Não ser ouvida? E por que estamos aqui? — indagou o primeiro espectro.

     Aderio apontou para a ave a planar.

     — São espíritos bons, aquela ave é prova disso. Ela não os ataca, não se defende, e ela compreende intenções de morte.

     — O rapaz é sábio, apesar da fraca idade — disse o espectro alto.

     — Sou um dracus — silêncio, e um arrepio subiu ao rosto de Litli. Era um espectro estudando seu olhar duro, seu rosto, seus lábios.

     — E tem companheiros formidáveis — disse o novo espectro. —  Bom, se o fizerem em silêncio, não estarão longe da saída. Você mesmo terá poder para avaliar isso, já que soma chamas à alma.

     — Há predadores ou criaturas que precisamos temer — indagou finalmente Lauro. Os outros espectros se mostraram muito mais atentos à voz cantante do general de Iala.

     — Estão lá embaixo, muito fundo no precipício — disse o espectro em corpo esguio. — Cegados pelo labor do escuro. Se fizerem barulho, eles escalam pelas paredes e saem através delas também. Mas não é com eles que devem se preocupar. 

     — Não, não com eles — disse outro espectro.

     —  Nós aqui vivemos em harmonia com o repouso... mas o repouso, hoje, se agita. — enfatizou mais um espectro como num alerta.

     —  Ele percebe mudanças no lugar em que habita — a voz deste era repleta de veneno.

     — Sabe o que digo — disse a legião toda de uma só vez.

     — Infelizmente sim — respondeu o dracus olhando para baixo.

     — Não faz a menor ideia — as vozes trocavam de forma

     — Tudo que você vê no teto e ao redor parece rocha dura, não é verdade? No entanto, essa rocha é apenas uma superfície fraca. O que tenta resistir é o que está lá após aquela ponte. A Cidade Baixa. Ela que foi gerada por carne, unha e calos de quem foi abandonado aqui. Nada mais do que uma vingança com o povo que todos os dias vê o sol.

     — É uma das causas da neblina de Nianda? — perguntou de repente a armeira.

     — Pode ser, jovem. Pode ser. O céu aqui é de cristal escuro. Basta um movimento maior do ar e tudo vem a desmoronar, absolutamente tudo, o que pode gerar a maior das hecatombes do mundo que vê o sol.

     — Por isso precisamos ser rápidos — disse Kings Aderio ajoelhando-se. —  Guie-nos. Guie a esta gente que também foi abandonada, eu lhes imploro.

     — Um dracus implorando — os espectros giraram lentamente ao redor de Kings Aderio. — Mas isso não é preciso. Você mesmo disse quanto ao pássaro. Todavia, não haverá como impedir o que virá. Não há como não O despertarem. Poderão salvar muitos de seus viventes se tiverem sorte, muitos. Não todos.

     Pessoas lá atrás murmuraram, até que um espectro chiou fracamente pedindo silêncio. O chiado foi um eco sombrio.

     — Ainda assim, imploro, não temos um mapa. Guie-nos. Por caminhos que apenas vocês conhecem, o quanto mais cedo nos adiantarmos, mais cedo abrimos passagem para fora e fechamos para sempre este lugar.

     — Abrir passagem? — disse a legião. — Ela já está aberta. Foi o primeiro sinal de que algo aconteceria a este lugar proibido. Abrir a entrada é também dar passagem à saída.

     — Então fecharemos a passagem o mais breve possível — disse Kings Aderio.

     Os espectros trocaram olhares uns com os outros. De repente, tudo se iluminou numa quantidade impossível de espectros. Luziam como estrelas na escuridão. A multidão pensou em se desesperar, até enxergarem que atrás de tantos rostos sofridos, havia muito mais. Era o mesmo olhar de abandono que aquelas mesmas pessoas desesperadas apresentavam. Sim, o mesmo. 

     Ao redor delas, os espíritos fizeram um cordão até lá embaixo onde o redor voltava a ser coberto por paredes. Ninguém cairia ao abismo.

     — É pouco, mas deverá lhes servir — disse o espírito com a voz dos outros três de antes juntos. —  O miasma viaja pela Cidade como uma nuvem de chuva. Não dá para se prever onde estará. Como precaução, enrolem panos no rosto a partir de agora. Não tirem-no até a luz no fim do trajeto. Há olhos que não se abrirão mais, e passar por aqui também significa compreender isso.

     Kings Aderio fechou os olhos com profundo pesar. Litli segurou em seu ombro com o braço forte. Os corações dos dois concordavam com o espírito.

     — Seguirão pela passarela até a entrada dos aquedutos, um espaço amplo, com muita água descendo, quedas profusas por várias rampas. A água vem viva da montanha na nascente em Saiarboria, mas se apodrece toda aqui. Afogadores, enforcadores d'água e outros necrófagos estarão nas águas, por isso, nunca agitem-na. Nunca. Dali a corredeira encherá um canal pelo qual transborda e despenca. Sigam pelo canal, até um entroncamento. Será uma passagem estreita, e passível de... moradores. Vão para a direita. Depois escolham a esquerda e por último a esquerda.

     Os espectros todos abaixaram as cabeças. Todos. Sem nenhuma exceção.

     — Agora ouçam estas palavras pesando a enorme gravidade delas. É aqui que vocês terão de fronte um grande pátio com um arco gigantesco ao fundo. Ele é inconfundível, tem paredões de rochas erguidas como lanças, rasgando a escuridão do abismo. Para chegar ao pátio de ladrilhos é preciso passar por uma curta ponte sobre a corrente. Esta ponte não deve ser tocada. O pátio não deve ser nem mesmo focalizado por muito tempo por seus olhos. Tampem os rostos. Fechem os olhos quando virem sinal da ponte e sigam tateando as paredes à esquerda de vocês. Eu repito, ninguém de vocês todos deve olhar para o que há naquele pátio. O brilho de seus olhos na altura da ponte bastaria para o despertar. O brilho da vida que Aquilo tanto odeia. Para a tolice dos curiosos: além do pátio, um abismo tão alto quanto não deveria ter sido descansa. Um espaço verdadeiramente grande lá embaixo. Um lugar imperdoável. É lá que habita.

     — A escuridão será impiedosa e não poupará nenhum erro — disse a aparição agora com rosto de moça jovem, preocupada. — Este mundo já é jogado às Suas vontades, mas o de lá de cima se acaba se esta coisa sair.

     — Atentem à gravidade que o bater de um coração que não o de vocês lhes trará quando chegarem próximos à ponte. Será o sinal para fecharem os olhos. Pensarão ser um trovão ou as paredes querendo se mover. Não... é Ele.

     Kings Aderio apertou o punho de Ambel. Que ela fosse sua guia uma última vez... uma última vez.

     — Sigam o correr do canal na outra direção — prosseguiu o primeiro espírito. — Estará lá a saída, diante de uma cratera de cem metros de diâmetro e um fosso pelo qual desaba a água do canal. Não se assustem com a enorme sombra velando o luar, é apenas a rocha que cobre praticamente toda a cratera. Chamam-na de Unha, o menir. Há quem poderia pensar que possa ser um tampão para não deixar nada fugir daqui.  A verdade é outra que não cabe a seus corações.

     — Há como sair da cratera? — perguntou Litli.

     — Uma subida tortuosa com cordames envolvendo a espiral da cratera. Podem subir por ali. Isso ou escalando, não há muito o que fazer, a não ser que haja algum novo engenho.

     — Obrigado, muito obrigado — agradeceu o dracus ainda ajoelhado, os cabelos levemente caídos pingavam suor.

     — Não nos agradeça — respondeu ríspida a legião. — Vocês buscam um infortúnio sem comparação nos momentos atuais de sua história. Não há mais fins a serem despejados neste hediondo lugar. Aliem-se à escuridão, bebam dela, ou ela lhes engolirá. Tenha ventos bons, dracus. A você e seu séquito. Precisará de todos eles contra o despertar. E quando isso acontecer, não haverá ajuda daqui debaixo. Não há quem não O tema. Não há quem aqui O vença.

     As pessoas ouviram com cuidado as palavras que o espectro disse. Bocas e narizes foram enfiados em pedaços de pano, enrolados como podiam, os olhos marejados do horror que lá embaixo estava previsto. Até mesmo alguns espectros luzidios alertavam às pessoas que colocassem os panos cobrindo bocas e narizes. Não estavam apenas ajudando, queriam ver tudo aquilo acabar. 

     A passarela só deixou de ser envolvida pelos espectros que não deixaram uma informação muito importante. E que só alguém entre as pessoas ali sabia. O mesmo também ponderava a razão que tivesse levado a guardarem tamanho segredo. Eles desapareceram e o barulho do coração horrível lá embaixo já era ouvido pelo dracus.

     Ade suava frio como nem a presença de Lerissala o fizera um dia.

     Mas mais adiante, depois da travessia da passarela, Aderio sentiu algo. Era uma presença fraca, mas alarmante. Não era como a de ratos que passavam ou de aranhas que corriam aqui e ali quando não as baratas e suas fileiras voadoras. Não... era maior. Aderio ameaçou seguir com velocidade pelo trajeto, com o propósito de limpá-lo, mas Lauro fora imperativo.

     — É tempo de usar as habilidades que usou com Bellara antes de se tornar um dos campeões da senhora de Luniestra. Não use seus poderes.

     Kings Aderio experimentou a cintura. Tudo o que tinha eram algumas poções fracas e uma esfera para imbuir o corpo em algo luzidio e azul. Há muito tempo não usava algo daquela sorte. Esperava também não precisar fazê-lo. Preferiu girar Eberlen de um lado a outro, de modo que a espada experimentava o ar. As pessoas ouviam um barulho diferente vindo dela. Litli se encantou com os movimentos impressionantes que as chamas nas paredes silhuetavam com a espada deslizando pelos braços e o alto do corpo de Ade.

     — É o aprendizado das águas — disse com o rosto abafado. — A arte de espadas mais difícil a ser usada. Uma categoria quase impossível de precisão... inacreditável.

     — Chamam-no de o maior guerreiro de espadas — disse Lauro soturno. Ele também tinha o rosto abafado até o fio dos olhos. — Apenas ele consegue manipular a maestria do aprendizado de movimento da água, e isso inclui compreender o som do fio da lâmina. 

     — Lauro — disse Kings Aderio depois de parar a espada em uma dada direção. — À frente. São grandes. Estão caminhando para cá. Respiram rápido, são cegos, mas tem o faro aguçado. Patas curtas rastejam no chão, duas caudas batem contra o chão e as paredes. Ratragus. Ao menos dez.

     — Não deve usar seus poderes — lembrou-lhe Lauro se adiantando com espadas em mãos. — Irei só. Fiquem aqui.

     Silêncio. Todo o silêncio era bem vindo ali. 

     Lá na frente, pouco se ouvia e tão logo Lauro saíra, já havia retornado do caminho. Pediu para Ade verificar com sua espada se algo ainda poderia interromper a travessia. Nada, o ar encontrou novo livramento. E assim atravessaram com muito cuidado o que fora indicado pelos espectros. Tão logo passaram pelos ratos enormes do tamanho de bezerros. Cortes cruzados liberavam sangue pelo chão. Ainda bem que todos estavam de narizes tampados, até aquilo era veneno. 

     De quando em quando a ave de Aderio aparecia e indicava alguma coisa lá na frente. Normalmente ratos, serpentes, salamandras e baratas muito grandes. Nada maior apareceu, a não ser uma tremenda queda d'água. 

     O mau cheiro apodrecia o ar deixando quase insuportável respirar. Kings Aderio distribuiu o pouco que tinha de poção para fortalecer a respiração de muitos que não usavam tão bem os pulmões. Entre eles, velhos, muito velhos e pequenos bebês. Foi ali que ocorreu a primeira baixa. 

     Litli veio alertá-lo de que uma mulher se explodia em prantos lá atrás. Ade veio rápido, mas já era tarde demais, o bebê morrera com a boca inocente no peito magro da mãe. A mulher levaria a criança morta em seu peito por todo o trajeto. Um amuleto tornou-se o pequeno bebê. Kings Aderio dizia que todos iriam compartilhar da dor, daquele momento em diante. Ade deixou mais um toque de seu poder na criança. Era a única que brilharia até a saída numa luz branca como a lua.

     Litli escondeu-lhe uma lágrima e se apiedou da mãe que deixara de ser. Ficou ali abraçada à mulher e ao seu bebê, evitando que soluçasse alto. A multidão se adiantava triste, muito embora compadecida pela perda. Kings Aderio só torcia que fosse a única baixa. Mas o miasma era terrível. E as pessoas caíam e não se levantavam mais, a maioria mais idosos. Ade tremia por tamanha impotência.

     — Esperem para chorar, meus amigos, também chorarei com vocês, mas temos de seguir. É doloroso, mas eles ficarão aqui. 

     E no meio da escuridão os corpos foram ficando. Como andavam lentamente, ninguém era pisoteado, apenas desviados... apenas... A morte para muitos vinha instantânea, pois o veneno se espalhava com velocidade nos corpos mais cedo e mais tarde na vida.

     Na alquimia se dizia que tinha explicação na natureza: o miasma vinha da morte, e nada é mais próximo da morte do que o nascimento e a própria morte. Muito tempo atrás, inclusive, foi utilizado para se deduzir quando uma pessoa morreria. Experimentado por alguém em busca da vida eterna, talvez o sopro que dobrasse a morte. Contanto que o idealizador de tamanha estupidez também não morresse entre os experimentados como morreu.

     Os corpos caíam, e a multidão seguia. Ao dracus restava contar o número de dores. Assim foi até chegarem ao grande espaço com o aqueduto e a série de quedas estrondeantes. Kings Aderio não pôde mais segurar as pessoas. Elas precisavam daquilo, não estavam sobre uma prova de sangue. Ao redor as águas urravam descendo de muitas rampas. E no chão, as pessoas choravam, baixinho, mas choravam. O próprio dracus olhava para uma lua lá em cima que não existia. Não era a água podre que descia seu rosto.

     Como chegara a isso? Ao tormento de não saber o que estava lá na frente. De temer de novo. Suava frio. O corpo pedia por abrigo não havia abraços para ele, mas em sua mente um rosto lhe sorria mais que qualquer outro. Vinha-lhe a cada piscadela, ofuscado por uma luz emocionante contra uma vegetação tão linda quanto medonha. Irônico. Precisava fechar os olhos para ver a luz. Um rosto que já conhecia. Era mesmo linda... simplesmente linda...

     Olhos abertos, a vida era outra. Descia-lhe a realidade. Estava preparado. Sim, o dracus Kings Aderio, saído da vila de Seta para tornar-se rei de Seta Ambel, estava preparado.

     O pranto teve de ser breve. Aderio além de contar o que poderia haver lá na frente com as capacidades de sua espada, também contava o que se perdeu pelo caminho. Quase quinhentos ramos de histórias estavam perdidos para sempre. Os bebês e crianças que pereceram eram carregados pelas lágrimas. Os adultos, pelos necrófagos despertados. 

Tomando a certeza disso, o dracus seguiu pelos caminhos indicados até o entroncamento, não sem antes ser impedido por Lauro de voltar o caminho e acabar com o refestelamento sombrio que ouviam... e ouviam... e ouviam... e ouviam... O miasma não mais estava ali, mas as pessoas continuavam a cair e a carne dos cadáveres pungir fresca.

Um, dois, sete, doze, dezessete, vinte e oito, quarenta e cinco, setenta e sete, cento e oitenta e duas pessoas mais ele contou perecendo ao chegarem no entroncamento. Seus ouvidos doíam, pois cada queda vinha-lhe como o rufo de um trovão contra terra batendo no fio da espada de quando em quando. Como podiam proceder assim, pensava Ade. Precisavam disso, era só o que restara. 

Entroncamento, Ade. Siga à direita, Ade. Mais um pouco, não pense na outra esquerda. Primeira esquerda, Ade. Mais um pouco, aguarde, deixe a lâmina agir. Nada. Nada. Muito bem, Ade. Neiva diria assim, como em tantos anos lutando juntos, muito bem. Isso, veja o pássaro, ele voa lindamente... lindamente... acalme-se, Ade... precisam de você, meu querido dracus... é ali, Ade. Não... é, é ali, Ade. A próxima esquerda. A água está cheia de morte... controle-se, Ade... Ade... Ade.

tum...

tum...

tummmm...

tummmmmm....

...

tum, tum... tum, tum... tum, tum... Tum, Tum... Tum, Tum.

TUMMMMMMM, TUMMMMMMM.

     — Kings Aderio! — a voz de Lauro urrava baixo no rosto de Aderio deitado ao chão. Sua mão há centímetros de uma estrutura um pouco mais alta e cinzenta, o pássaro virando a cabeça de um lado a outro nos pés de Ade.

     — Olhos fechados — disse sussurrando Lauro. Ao redor de Ade as pessoas brilhavam e seguiam adiante, contra aquela ponte, de olhos fechados, semblantes cobertos, murmurando baixinho palavras de paz, quem sabe assim nada pudesse acontecer... nada...

     Aderio levantou-se ajudado por Litli. O cheiro dos cabelos dela era de ferrugem, de carvão, um cheiro bom. Seus olhos  se encontraram e combinaram de olhar um para o outro até o fim, pois a curva foi feita e lá na frente o luar banhava um arco enorme. As pessoas queriam gritar pela luz que vinha. A esperança irradiava, Ade sentia. 

     Ao levantar-se antes, avistara a tal ponte e o pátio lá adiante. Era ladrilhado, sim, era ladrilhado em perfeitos paralelepípedos de cor bege dourada morrendo num sem fim de escuridão.

     Estavam perto, muito perto. Até que chegaram. As pessoas começaram a sair. Era como disse a legião lá atrás. A água descia por uma saída fechada por barras de metal muito grossas. A queda encontrava chão no leito da cratera e seguia numa curva para fora e para dentro da floresta. As barras ajudavam a filtrar restos de cadáveres variados. Não desceriam, por isso a água era quase cristalina.

     E adiante, uma enorme sombra fazia-se presente. O rochedo muito facilmente poderia ser um dedo de Adverus Aramor de tão grande. Saía da montanha e também da cratera, como se fosse uma farpa expulsa da pele e dos pelos em forma de floresta ao redor. Aderio pensou em fechar para sempre aquele lugar usando aquela rocha. Belíssima de se ver, mas aquela geração da natureza teria de ser usada para algo jamais visto. Jamais.

     Gratos pelo luar, agradeciam e cantavam do lado de fora. Porém... Lauro não estava feliz... Litli tinha cuidado ao extremo ao olhar lá para trás. Muita gente ainda por sair... muita gente. Tum... tum...

     Outros já estavam subindo ao redor da cratera, indo se encontrar alto, tão alto que brilhava a esperança do luar em seus rostos. Tum, tum...

     E veio de lá de dentro, um grito.

     Foi de gelar os ossos. Todos sabiam que nada podia ser dito. Todos sabiam que nenhuma voz seria perdoada. Maldita hora, pensava Ade, Maldita hora! Tudo por um tombo na água.

     A partir dali o mundo não encontraria mais volta. Não mais. Foi então que o ato do dracus transcendeu o que Aramor uma vez pensou. Ade disse que as pessoas eram a história, lá atrás. Donas dela. Mas não aqui no firmamento sombrio. Ele tinha a decisão em mãos. Que derrubasse aquele mundo e entregasse as pessoas à escuridão, e que assim salvasse quem na cratera já estava. Já eram alguns milhares. O mal menor.

     Não... ele moldaria a história. Não havia mais no que se segurar. A maldade era igual em qualquer sorte. Não haveria mais um abraço. Tudo... ou tudo.

    Ambel... pensou com as mãos tremendo em sua espada.

     Era agora.

     — Litli! — ela e a família já tinham saído, mas um dos voluntários tombara na água. Um rapaz. Doze anos. Um valente rapaz que quisera ser voluntário para dar alento ao povo. 

     A multidão corria em tropel, todos sabiam que algo vinha. Era tempo. Faltava fôlego para elas nos olhares desesperados, algumas tentando arrancar o rapaz do chão. Era tempo.

     — Eu lhe proíbo — vociferou Lauro para Kings Aderio, o dracus, desembainhando sua espada.

     — Ou o faço ou estamos condenados! Litli! Afaste-se daqui o mais depressa possível! 

     O gato estava com ela.

     — Deixe-a a salvo ou juro que vou atrás de você se eu sair vivo!

     Para espanto de muitos que viram, o gato mexeu a cabeça concordando com um sorriso maligno no rosto. Litli quase arrancou ele dos ombros não fosse Aderio vociferar.

     — Vá! — gritou Kings Aderio antes de partir para dentro de seu infortúnio. Litli gritou. Gritou muito alto, e o mundo de silêncios se fez em gritos atrás e à frente do dracus.

     Brilhando, as chamas se avultando em seu corpo, desafiou a própria força da correnteza. Sua espada bateu no chão com o estalo da explosão de uma esfera de vidro. Alquimia e fogo de dragão juntos a água se dividiu e o rapaz que já estava prestes a perder a perna ao sabor de dentes podres foi avistado. Ade correu contra a corrente, como se ela não existisse, as pessoas não acreditavam no que viam ao lado, nos braços tentando se agarrar aos que caíam na água. Mas os inimigos, os afogadores e outros necrófagos, viram alguém muito além de suas capacidades. Tentaram fugir, mas Aderio movia-se como se fosse dono da correnteza, parte dela, e aos poucos foi cortando seus inimigos um a um. Em outro movimento da espada, lufadas quentes levaram mais água por toda a parte, tornando o canal mais raso, e muito menos perigoso.

     Um silêncio mortal se fez presente. Onde estavam os batimentos nas paredes? Veio-lhe de vez o entendimento do pior.

     — FORA DAQUI!!!

     Gritou Ade para então seu coração e o de todos em muitas distâncias dali temerem fortemente pela vida.

Uooooooooooooooooooooooooooooooooor.

     Aderio ainda estava no canal quando o segundo urro veio.

Uooooooooooooooooooooooooooooooooor.

     Kings Aderio jurava que um vulcão começara a gritar. Lançou uma esfera de luz lá à frente para ver que o Horror Desconhecido já agira. Uma massa negra estava no pátio, alta, e muito poderosa, envolvia todo o pátio e se agarrava nas pessoas.

     — Não!

     Gritou Ade correndo até ali. Sua espada estava imbuída das três chamas. Estocadas e cortes batiam na coisa que nada sentia, e puxava mais e mais as pessoas para dentro de si como piche. Morriam antes de entrarem esmagadas. 

     — NÃO! — explodiu de vez o dracus aos gritos e às chamas. Deu tudo de si, o suor descia como uma correnteza. Sabia que partiria, então que o mundo se danasse. Que os homens se danassem, mas não aquela gente que ele ainda podia salvar.

     Sua fúria foi recompensada conseguindo cortar a coisa preta que pungiu ao ar não sangue, nem piche, nem água, apenas almas. Almas gritando. Os berros de parar o coração. Aderio puxou as pessoas de lá, tentou arrancar o máximo de gente de lá de dentro, só não considerava o horror. O horror daquela criatura desmembrar corpos como gravetos e deixar para o pátio cadáveres pela metade fluindo sangue. Aderio viu crianças despedaçadas, mulheres, homens, as bocas esfaceladas pelos gritos de horror.  A dor era imperdoável. O dracus não perdoaria! Chega!

     Diante do abismo, lançou-se sem parar de cair, os dentes rangendo de tanta raiva. A altura não seria nada.

     Lá no fundo não havia chão, mas um enorme lago. O pássaro voou em seu encalço, mas não foi até ele, pois diante de Kings Aderio um olhar tão maligno quanto seja impossível um humano ser, o olhava lá de cima. Imponente. Irretocável. Intransponível. O próprio piscar da coisa fazia o tempo parar por segundos. Era terrível, mas o dracus tinha à frente o maior dos adversários que apenas um dracus teve sozinho pela frente em toda a história das chamas de Adverus Aramor.

     — Agora que tenho sua atenção devida, Horror — disse Aderio beijando a espada em sua face. — Que assim seja... Eberlen.

     A espada tomou o tom de leite da lua e os dois lobos uivaram em seu punho. Aderio o chamou de Horror, pois era horrível de ver aqueles olhos tão vidrados, tão cheios de querer apagar qualquer luz. E a luz de Ade o irritou sobremaneira.

     Experimente o inimigo, estude seus movimentos, Kings Aderio lembrava das palavras de Ambel. Girou a espada, e Eberlen deu cambalhotas entoando uivos e foi apontada para frente. Três estocadas. Cada ataque uma lufada de ar mais poderosa do que a outra. As pedras ao redor vieram a baixo com a terceira estocada levantando água por todos os lados.  Nada do outro lado, só o olhar que se enfureceu ainda mais.

     O dracus tomou Eberlen e fez a lâmina se molhar na água. A espada zuniu de maneira arrasadora quando do chão d'água foi arrancada. Como se a lâmina fosse gigante, Eberlen rasgou a água abrindo uma grande fissura até o alto morrendo longe, muito longe no cume cavernoso acertando em seguida a abominação ao fundo. Mas, de novo, nenhum movimento. Era forte, muito forte. Fora um ataque com duas chamas de Aramor combinadas. Kings Aderio bufou com um sorriso morto.

     Não restava dúvida de que seus poderes teriam de ser combinados. Espada e guerreiro esperavam por movimento do outro lado que veio em rompante. Toda a escuridão ao fundo do lago e ao redor de uma vez só. A água não se aguentava, borbulhas explodiam para todos os lados com os tentáculos de escuridão e almas caindo. Como se não bastasse, ainda ouvira o grito de milhares de mortes. O dracus se via atordoado com aquilo, e o piscar de olhos do horror fez Aderio ser expulso contra uma parede enorme, nem sabia que ali estava ela, tamanha a escuridão.

     Lampejos foram lançados pela espada que uivava e algumas vezes gania como verdadeiros lobos. O dracus levantou-a ao ar e de seu entorno dez lobos voaram destruindo qualquer espaço de escuridão. As almas eram abocanhadas pelos lobos, agitadas e lançadas ao redor. Quando encontravam no que bater, explodiam em golfadas de ar de dar inveja às Silenciosas de Mangrensis. Depois vieram à superfície iluminando os gigantescos pés da coisa que se vestia de escuridão e... de corpos. 

     Estudar o inimigo foi eficiente, mas não em todo, pois o dracus suava frio, babava de raiva, de exaustão, de solidão. Estava sobre um lago, lutava sobre a água e isso lhe era mais do que custoso. A esperança tinha apenas o dracus Kings Aderio contra um mundo aterrorizante despencando para o céu engolir.

     Do alto, parte do Horror movimentou-se lentamente até a superfície do lago. Era uma aparição. O toque  que seria gentil contra o lago, fez tudo tremer, como se a água e a caverna ganhassem vida e aprendessem ali a ter medo. Veio lívido, e num instante seguinte sua forma acertou Kings Aderio em cheio. Ade sentiu como se uma torre caísse sobre seu peito, mas a força do dracus era fenomenal. Água, luz, chamas e vento o impediram de um impacto maior contra o paredão atrás. Ao menos seus pés tinham um pouco de terra onde pisar. Mas por pouco tempo.

     Pôde por um instante constatar que o que lhe acertou foi uma forma humana, pálida, muito fria coberta por todo o véu negro a seu redor. Mas havia outra forma assim. E outra... e outra... Kings Aderio riu ao constatar não duas, mas tantas delas.

     Trabalhou a espada correndo por cima da água e mergulhando nela, trazendo muitos ali dentro também. Era um dracus, moveria com exuberância se quisesse. Eberlen era um brilho no firmamento noturno da água. Ade colocou todo o coração em Eberlen, batendo contra as criaturas pálidas. Achava incrível que conseguisse apagar algumas com pouca força debaixo da superfície. Ao vir à tona, porém, uma delas atravessou-lhe parte do corpo. Sentiu a derrota até o último fio de cabelo. O coração parou por um instante e voltou. Aquilo não poderia acontecer de novo. Se acontecesse... Veio um novo piscar de olhos e o dracus foi lançado contra o leito do lago vinte metros abaixo. Não sentia que haveria um ser sequer em toda aquela água. Num salto, veio novamente à tona, mas desta vez sua espada acertou três espectros num salto giratório.

     Outra piscadela veio e desta vez parte da caverna desabou. Kings Aderio correu pela água, saltando contra as pedras, tomando distância. A ave lá em cima pinicando incessantemente aquele Deus nascido da desgraça iluminava a paisagem que mudara totalmente de aspecto com as paredes vindo ao chão.

     Aderio olhava a seu redor compreendendo o que o espírito da legião o dissera. Sim, o teto poderia desabar facilmente, sentia que até a água sobre seus pés era mais resistente do que a rocha, mas era uma opção. Então de uma vez os horrores pálidos vieram lhe acertar, queriam atravessar seu corpo, como se percebessem esse como o melhor caminho. Kings Aderio movia-se no máximo que podia, não deixando nenhuma alma horrenda lhe tocar. Isso era imperativo. Ao menos com todo esse tempo, dava para que as pessoas fossem embora daquele maldito lugar lá em cima.

     O olhar odioso o perscrutou de cima e Kings Aderio resolveu parar de defender para atacar.

     Dracus contra um Deus. 

     O véu negro veio todo em sua direção, impedindo-lhe de se aproximar, mas Kings Aderio girou no ar. Primeiro lançou uma de suas esferas luzidias, o brilho azul da explosão ínfima do vidro espalhou em faíscas, na batida de sua espada as faíscas lampejaram irresistíveis com incontáveis raios colossais contra a criatura. Foi a maior forma de trovão que já conseguira até ali. Nada se equiparava àquele lampejo, e mesmo assim, nenhum arranhão.

     Então, Kings Aderio beijou mais uma vez a lâmina na frente de seu rosto. Fez três movimentos que fizeram uma coisa maravilhosa acontecer. Ao seu redor, três formas guerreiras apareceram. Uma era Neiva e seu arco e flecha, a outra era Ravenz e o martelo, e a outra era exuberante demais, Ambel e a mesma forma de espada que Kings Aderio tinha embainhada.

     Correram juntos pela água, juntos pela vida. Neiva soltava suas flechas que explodiam em chamas, Ravenz bateu seu martelo contra os espectros fazendo a água despencar, contra qualquer possibilidade, para o alto, e Ambel dançava junto ao amado Kings Aderio, as espadas diante dos espectros não podiam com dois especialistas do aprendizado das águas.

     O poder de um Deus... Era formidável o que Kings Aderio fazia, mas tinha de acabar logo, pois nas piscadas, faziam as chamas que envolviam suas aparições piscarem. Tentaria algo antes que sumissem.

     Ade e Ambel correram e saltaram com o impulso do tronco de Ravenz antes deste esvanecer deixando um turbilhão na água abaixo deles. Ambel foi muito mais alto e sua espada rasgava aparições. Mais abaixo Neiva deu a mão a Kings Aderio girando o dracus no ar. Trocaram olhares, como se ali estivesse sua amiga. Mais no alto da caverna, brilhavam rodopiando, e Ambel veio para a outra mão de Neiva. Os três tocaram suas cabeças e Neiva, num único movimento, lançou aos dois, depois seu rosto desapareceu em poeira flamejante. Os olhos enfurecidos, Ambel desapareceu dentro da espada. A velocidade do choque, derrubaria uma montanha. O poder formidável de um verdadeiro dracus.

EBERLEEEEEEEN!!!

     Como lhe disse Adverus Aramor ao presentear a espada, clamar pelo nome da lâmina era pedir por ser atendido. E Eberlen acordou. Um uivo medonho fazia amanhecer o sol sob a escuridão na ponta da espada. Tal brilho envolveu a caverna toda num raio irresistível e circular e revelou todo o formidável ser! Além do choque que furou o outro lado da caverna por distâncias. A caverna, mas não o Horror.

     Os olhos como duas opalas vermelhas gigantes guardavam infindáveis almas com suas bocas deformadas voando lá dentro. Do que seria o nariz eram duas covas grandes como duas torres sobre um sorriso de mandíbula pronunciada para baixo, entrando na água. Toda coberta pela escuridão ao redor, não era o escuro da falta de luz, mas sim um manto, como que uma mortalha a envolver o Horror. O corpo não tinha forma definida, diferente do ataque anterior de formas humanas. Mas era hediondo. Formado por corpos, centenas de corpos prensados, amalgamados em membros e torso. As pessoas se moviam, gritavam, sofriam, vomitando miasma ao ar.

     Kings Aderio desejou do fundo da alma que elas já estivessem mortas. Aderio se pronunciou de maneira surpresa contra a abominação que trouxe almas e corpos em seu encalço. Era gigante, e por alguns momentos lutou rasgando corpos do suposto ombro da coisa. Dali saltou, dali gritou mais uma vez o nome de seu lobo e desceu em turbilhão rasgando o que estivesse à frente.

     Dos pedaços algo cruel apareceu e rasgou o corpo de Kings Aderio no peito, nos ombros, e nas costas. Era rápida, mortal, e se vestia como uma mulher. Kings Aderio fechou os olhos, se era com espadas, então que viesse.

     De olhos fechados apenas ouviu a espada vir à sua direita, depois embaixo à esquerda, subindo, contra seu rim, contra seu fígado, passos de dança na noite rasgada. Sentiu a adversária impiedosa, tinha raiva, tinha fome, queria devorar o sumo do dracus. Ao se precipitar para a frente mais uma vez, a adversária lançou dez ataques, e o dracus defendeu-se dezesseis vezes. Era rápida, e combinava o movimento dos pulsos assim como o das pernas. Ade constatou que o Deus teria tomado conta da alma de alguém mestre do aprendizado das águas. Por sorte, ou azar, não tinha o rosto de Ambel. Mas Aderio era o melhor com espadas, simplesmente o melhor. E por mais que a criatura fosse formidável, as estocadas retornaram, a espada escura foi usada contra a própria criatura que se explodiu em formas fantasmagóricas. 

     De lá de cima veio um urro, e tudo escureceu. Tinha de acabar de vez, já não teria mais forças. Criar seus amigos teria sido impossível em suas condições. Só tinha uma chance. Desviando-se dos tentáculos obscuros do manto, e das almas estourando em frenesi, o dracus voou para o alto, alto, alto, cada vez mais alto, viu seu pássaro desenvolvendo mergulhos seguidos no Despertado. Chegara ao teto em arco. Apoiou os pés ali e com tudo o que existia em si, lançou-se ao solo em forma de água maldita. Coração, alma, luz, raiva, coragem, arrependimento, isso tudo estava junto a Kings Aderio. Ao redor uma luz poderosíssima brilhou no mesmo tom azul do pássaro, quebrando parte da parede ao redor e toda a rocha pontuda erguida para cima. Não poderia ser detido, o próprio corpo de Ade não aguentava mais o poder que levou parte de suas roupas, seus cabelos e sua pele.

     Tum, tum, ele ouviu, e no instante seguinte a coisa toda ergueu seu manto negro. Almas gritavam enfurecidas, a caverna aos poucos caía, era o fim daquela coisa e de Nianda junto.

     O dracus estava fraco e um instante o separou da vitória. Aos toques dos barulhos de gotas caindo ao longe o Deus empurrou poder e dracus juntos para o alto da caverna. Uma vez. Duas vezes... Três dolorosas vezes. Kings Aderio pensou não existir mais ossos em seu corpo, tamanha a dor contra a superfície. A caverna atrás dele ruía. 

     Último ato do fantástico inimigo foi empurrar o dracus de volta ao chão. A morte certa. Escolheu onde tivesse solo duro e assassino para tanto. Na queda de Kings Aderio aguardavam pedras pontudas. Diretas em seu coração.

     A caverna caía e aquela coisa desgraçada sorriu seus dentes terríveis formados por neblina, ossos e gente. 

— BAAAAAASTAAAAAA!!!!

     Aderio gritou mais alto que qualquer som envolvendo-se em seu último recurso. Antes de morrer nas pedras, lançou-se contra a parede. Doíam os ossos, a alma, a mente, mas faria. Morreria, mas jurava que o faria. O último recurso! O próprio monstro lá na frente mostrou-se mais agitado e quis atacá-lo antes de qualquer chama de dragão. Não daria chances a um ataque desesperado. Sabia que um sacrifício era a morte dos deuses.

E antes do poder o envolver. Antes que o dracus gerasse algo em suas costas arcadas, ele ouviu passos na água a seu lado.

— Você!

     Sustentava o peso de Nianda nas costas. Algo desmoronaria em breve. Ou ele, Kings Aderio, ou parte da cidade, oitenta metros acima de suas cabeças. Talvez por isso surgiu ele dos mistérios dos viventes, de nome Lauro Ezahi. Alguém andando no piche do manto do inimigo. E no andar lançava fagulhas ao ar fazendo o Horror, incrivelmente, se afastar.

     Lauro estava furioso.

     — Em toda a história de minha infinda essência, esta será a única vez que ajudarei a um humano — disse a voz que não era de Lauro.

     Com um simples meneio de suas mãos, um dos punhos colossais do inimigo se desintegrou fazendo a coisa e a caverna urrarem. Os corpos dissolveram em pleno ar. Com outro meneio, o rompante do Horror encontrou a parede numa velocidade surpreendente. O pássaro de Kings Aderio continuava a lançar-se violentamente contra a capa da escuridão oculta pela lua.

     — Resolveu tomar partido — disse Kings Aderio espumando sangue da boca, um sorriso cansado contra o punho falho que segurava Eberlen. — Penso como tão magnânima presença foi parar na guarda do ser mais maldito que eu conheço.

     Lauro não olhou para Kings Aderio.

     — Fui claro lá atrás. —  a voz de Lauro eram ecos, pulsos verdadeiramente intensos como a voz de Adverus Aramor. — Que não usasse seus poderes à revelia. Você podia lutar contra Ele, não fosse ter se excedido.

     — Culpe-me porque me importei com as pessoas. E por que o gato não está com você?

     — Gata — disse entre os dentes Lauro fazendo o ar ao redor dele parar. 

     — Que seja...

     — Não é aqui que você morre, dracus das três chamas.

     Kings Aderio apoiou-se nos joelhos.

     — É aqui que luto até morrer contra essa desgraça! — disse esfregando a mão nos lábios rachados com um corte que lhe vinha debaixo do olho esquerdo ao queixo.

     — Volte para a saída. Precisam de você lá. Não vou repetir, dracus, é a única vez que ajudo você.

     — Daqui — disse o dracus. — Eu não irei... — Aderio girou a espada para mais uma colossal luz resplandecer em Eberlen aos uivos. — Sair! 

     Chamas poderosíssimas espirraram do corpo de Kings Aderio iluminando o sorriso hediondo lá em cima. Vinha novamente uma nova explosão de almas em sua direção. Até que o mundo parou e a espada de dois lobos ficou equilibrada debilmente nas mãos do dracus, as almas lá atrás congelaram no tempo. Tinha no pescoço a mão de Lauro. Os olhos à sua frente brilhavam como dois sóis cujo centro eram infindáveis abismos solares dourados. Tornaram Kings Aderio do tamanho de um grão de areia senão menor.

     — Como um dragão, mas não um! — urrou Lauro com a mesmíssima voz de Adverus Aramor, a voz que fazia as nuvens se mexerem. 

     A voz que moldava o curso das cataratas e os vulcões acordarem. A voz da força eterna. 

     — Você vai embora daqui, dracus. Neste instante, ou lhe atravesso aqui mesmo o coração explodindo tudo ao meu redor e faço um rasgo no próprio firmamento e a história se reinicia toda mais uma vez.

     Kings Aderio não conseguia compreender como o comportamento de Lauro tinha que ser tão terrível. Poderia ter ajudado os outros. Por capricho de sua "posição" nada o fez, até desmontar o dracus. O inimigo notou que os dois discutiam mesmo que aparentasse estar congelado quebrou aquilo como se quebrasse o ar e a realidade. Lauro não esperou por Kings Aderio, levou o dracus ao pátio lá em cima. A mão de Lauro ainda estava no peito de Kings Aderio quando ele viu o pátio todo ceder e o teto também. Ao tocar no peito, não tinha uma mão ali. Só a ilusão que dissipou em pontos verdes brilhantes.

     Da entrada para o abismo, apenas escombros e o grito alucinado do Horror lá embaixo.

Uuuuuuuuuooooooooooooooooooooooooor

     Tudo estremecia e o caminho vinha abaixo. Pessoas caíram na água e os afogadores restantes vieram para lhes ceifar a vida.

     Mas as três chamas de Aderio ardiam-no enfurecidas com sua vida, com a ignomínia entre os humanos, com os deuses que jogavam dados sem parar e pareciam procurar na vida por novos adversários. Kings Aderio brilhava, a verdade de seu coração irrompia as verdadeiras chamas de Aramor. O corpo tentando compreender se vivia ou morria. Solene, sua espada cortou o que via de maligno pela frente deixando o ar em banho de sangue. 

     Últimas forças seriam usadas. Últimas...

     — Kings Aderio! Eu não acredito! 

     Litli gritava na saída aberta, mas o júbilo só deixou tudo mais triste vendo pessoas caindo detrás dela lá do outro lado da lua encoberta pela enorme Unha de rocha.

     — Estão matando a todos lá de cima — Litli apontou para o alto. — Flechas! Uma emboscada!... Seu rosto! Pelos deuses, você sangra! Aderio!?

     O dracus empurrou o restante de pessoas para fora dali com uma enorme golfada de ar. O soco empurrou sem cerimônia mais de duzentas pessoas como uma onda por um espaço que seria pequeno não fosse a pedra virar manteiga no beijo de Eberlen. Parecia não ter tempo para conceber do que um dracus enfurecido era capaz. 

     Aderio piscou e viu uma luz impressionante. Uma mulher lhe sorria. Piscou de novo e a rocha gigante estava abaixo de seus pés. As pessoas olhavam sem acreditarem.

     Foi então que Kings Aderio compreendeu todo um plano terrível e como quase tudo havia sido um fracasso. Diante da cratera e de uma rocha ameaçando cair com o furor de uma tempestade, o dracus liberou-se de uma só vez. Aderio movia-se com velocidade surpreendente. O redor eram manchas, à frente de seus olhos apenas a ponta da espada cortando pele, cérebros e ossos por todo o perímetro alto da cratera. Litli via um raio gerar espirros de sangue na paisagem. Eram Águias de Nianda que perdiam asas abocanhadas por dois lobos furiosos.

Uoooooooooooooooooooooooor.

     O grito lá embaixo fez o mundo estremecer também lá fora. Kings Aderio não pensava mais, apenas agia. O céu não tinha cor nem brilho, tudo ficava cada vez mais escuro, mais escuro, mais escuro. Não tinha noção da quantidade de sangue que o cobria. As mãos perderam corpos e as flechas perderam suas vidas. Julgava se ele mesmo estava ali.

     Não estava mais na cratera, no rochedo, no medo, mas numa pequena escadaria. Alguém o olhava ali em cima. Alguém para ele chorava lágrimas escuras de dor. Ele se aproximou dela e de suas flores, umas vivas, outras podres. E a mulher de cabelos como os de corvos então sorriu.

PASSEM! 

     Esbravejou voltando a si um trovão aterrorizante da boca do dracus. Seu coração batia tão alto quanto a coisa lá atrás no abismo. Aderio saltou lá de cima para vir à saída da Cidade Baixa. Nem precisou fazer nada, pois dali foi expulsa, sobre a risada mais cruel que qualquer um ali ouviria em toda a vida, uma onda de fumaça preta tão igual ao manto do Horror enfrentado por Lauro e Kings Aderio lá embaixo. 

     Veio mais um grito. Este um comando. A revoada dos pássaros condenou a tragédia. Mas desta vez vinha de lá de cima. Milhares de pessoas ainda estavam vivas embaixo da sombra do colossal rochedo. E aí veio aquele maldito grito. Aderio não acreditava, simplesmente não acreditava que uma pessoa pudesse ser vil assim para dar tal ordem. A cratera toda começava a ceder diante de seus olhos, pessoas na passagem ao redor estavam prestes a serem soterradas pela encosta da cratera e, na base da rocha, outras seriam esmagadas. O grito, uma explosão que fez a Unha da Fissura mover-se e dali toda ceder. O barulho de um mundo a cair. 

     Litli gritou pelas crianças, correndo para salvá-las.

     Arbuen gritou por Letizia e por outros que aterrorizados saltavam.

     As pessoas se jogavam, corriam, desesperavam-se para fugir das iminentes covas.

     Histórias morreriam em abraços, em choros, esperando acontecer num golpe só por todo o corpo.

     Nianda desabava lá atrás, fumaça e poeira subiam a se encostarem no firmamento.

     A cratera era engolida pela queda da Unha.

     Lauro desta vez não viria...

     E alguém sentia o cheiro da relva. Era só isso. 

     O dracus de três chamas posicionou-se no meio da cratera, ponto que receberia o primeiro toque da montanha que vinha meteoricamente destruir a vida. Ao erguer a espada para o céu, a alcateia de furiosos lobos de chamas enfureceram-se do chão para atropelar e segurar a gigantesca pedra. Duas forças poderosas digladiando.

     Um piscar de olhos e Kings Aderio não estava mais ali, mas segurando nas mãos de alguém, de uma mulher, seus olhos brilhavam e num rápido instante algo de vermelho contornou a íris de uma mulher... de uma linda mulher... levando Kings Aderio ao que ele sentia ser a essência da felicidade.

     Não obstante, Kings Aderio gritava com tantas vozes que era difícil precisar e a energia subia tanto dele quanto de seu redor. As pessoas olhavam horrorizadas por aquela coisa gigantesca estar a poucos metros do chão, da cabeça daquilo que não era um homem. Uma cratera maior por se abrir. Não. A floresta desabaria. Não!  Nem o céu teria tempo para resistir. Não!! Ele era o dracus! Era para isso que existia, para acontecer e ver o que ninguém enxergou nunca! As três chamas revestiram o corpo de Kings Aderio que não aparecia mais no campo de visão dos desacreditados tamanho lume, eram apenas lampejos daquele lugar. Trovões irrompendo ao céu estrelado.

     Litli afastada pedia por proteção, por ajuda, qualquer coisa que fosse possível evitar aquele homem de explodir, pois o calor aumentava sem medidas, fazendo a própria água do rio tornar fumaça.

     Os deuses jogando mais dados. Quem suportaria. O debilitado dracus, ou a fúria do imperador do horror?

     O barulho de rachadura deu o tom. A rocha gigantesca começou a rachar e aos poucos toda ela despedaçou-se em tamanhos menores, ainda que enormes, vindo tudo ao chão.

     Última chance, disse para si o coração de Ade.

     Do chão onde estava o dracus algo se elevou ainda mais formidável, abrindo-se dali, como se fossem asas gigantes para decolar ao céu num sopro. O sopro que dobrou milhares de mortes. E como aquelas chamas voaram, como se nada pudesse detê-las. A rocha não resistia ao toque mais quente do que o magma e se despedaçou caindo, caindo, caindo, lançando poeira e esperança incandescente ao céu.

     A nuvem cataclísmica de poeira baixou depois de muitos estrondos de quedas. A multidão ainda fugia. O dragão em três formas de cores continuava voando lá acima, indo em direção ao que restava ainda do luar. O pássaro antes luzidio perdeu sua cor e dissipou tristemente entre algum brilho nas estrelas.

     Mas daquele portando a espada dos dois lobos. Aquele que erguera todo o seu poder de uma só vez, nada se via. Olhavam sem acreditar. Dobrou a vontade da morte. Não podiam acreditar que ele mesmo não tinha escapado dela. Muitos procuraram ali no meio da poeira sem nada conseguirem ver. Litli gritava desesperada junto à Arbuen. A Lua lá em cima parecia chorar. Era fato, a lua chorava. Aquele que não era um dragão, havia se tornado e num lugar muito mais alto estava.

     E entre todos os rostos que podia ter visto antes de partir, não fora o de Ambel o que vira. E isso foi o que moldou o verdadeiro destino de nosso mundo.

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