Chào các bạn! Vì nhiều lý do từ nay Truyen2U chính thức đổi tên là Truyen247.Pro. Mong các bạn tiếp tục ủng hộ truy cập tên miền mới này nhé! Mãi yêu... ♥

O Monte e o Cálice: Parte III - A visitante do Monte

     Névoa, luz e dentes cerrados. O que viajava mais rápido na cidade era difícil dizer. Apenas uma mulher cujas pernas recebiam a alma da neblina e a cor da cortina branca incansável de Nianda poderia dizer que aquilo não se tratava de qualquer sorte de vento.

     Kings Aderio a viu por um relance, ela adentrava o mesmo prédio que ele saíra enquanto ele se adiantava pela praça, subia por barris, agarrava-se em suportes de toldos, varandas. Perto da Universidade os murmúrios deram passagem ao barulho de janelas batendo. Vários pescoços se esticavam nas janelas à pouca luz da lua. Com tão baixa visão pouco se podia concluir ou onde. A vista não deixava de ser turva nem mesmo no lado mais alto da cidade

     Felizmente era muito fácil descobrir de onde vinha todo o movimento. Bastou ao dracus apenas seguir a direção dos gritos mais distantes que vinham do passadiço que levava ao Monte, o que andando resultaria em algumas horas de viagem, pelo menos. Mas os dracus são certa sorte de vento e em questão de minutos e saltos pelos telhados Kings Aderio já se via de frente para a ponte separando Nianda ao Monte por uma distância de mil metros. O lago, um gigante estranho que vez ou outra brilhava da nuvem espessa, observava insone oitenta metros abaixo da parte mais alta do arco da ponte. Dali, Kings Aderio ponderou a energia que dividiria entre seus braços e pernas. Guardar o máximo dela se fazia imperativo pois concluíra que sua caça era a segunda dentro de uma hierarquia muito particular.

     Os vestígios que o suposto monstro deixara para trás já tinham sido discutidos com Mangura, rei de Mangrensis há não muito tempo e com Bereor, rei da Cidadela de Berílios há menos tempo ainda. Ao redor a floresta murmurava impaciente por algo. Kings Aderio sentia isso, ainda mais quando estrondos vieram do alto do Monte fazendo a ponte tremer e pessoas se desequilibrarem. Uma queda mortal aguardava-as pacientemente debaixo da neblina. Ligeiro, Aderio correu quase sem os pés tocarem o chão e girou ao redor delas, o que as fez rodopiarem, por algum vento estranho. Era rápido demais. O grupo nada ali viu até pararem do lado oposto à entrada do castelo.

     Do mesmo lugar de onde tinham sido lançados há pouco, uma silhueta se punha petrificada contra uma ponte de pedra a se agitar com os estrondos.

     Busquem abrigo, rosnou a silhueta lá ao centro da ponte. A voz embargada de mais superioridade.

     Kings Aderio continuou sua senda torcendo para que não houvesse ninguém sobre as ameias do arco central ou giraria uma segunda vez para lançar mais pessoas de uma altura um pouco mais elevada. Desta vez eu arremesso os abastados da cidadela. Se fosse o caso, com tanta agitação, não importa quão bom fosse o guarda, ele viria abaixo conhecer a rainha do lago, como diziam em Nianda. Do outro lado da ponte se erguia o local mais rico de toda a cidade. As casas não eram enfileiradas umas sobre as outras aqui. Cada propriedade tinha um espaço delimitado e alto, as chamadas Colinas do Monte, um bairro de alta forma. As casas tinham paredes lisas. Da luminosidade dos archotes ao chão, e das luminárias pendendo nos alpendres, se refletia uma cor parecida com pele rosada, quase branca. Havia jardins e árvores se erguendo em cada enorme quinta, em busca do luar, empertigando-se do mar de névoa. Ficavam distantes da piscina do átrio de entrada do castelo, mas já ali Kings Aderio pôde observar muita destruição.

     Vendo o movimento de um único alguém contrário ao fluxo, homens trajando armadura de metal trotaram em direção ao forasteiro. Kings Aderio ouviu um silvo do ar antes da primeira voz gritar para ele. Não tiveram muito tempo para levantar duas palavras já que uma pedra do tamanho de uma das casas ao redor desceu do céu desavisada. Eles ouviram um grito de guerra, como se muitas pessoas com voz furiosa gritassem à uma só voz. O grito que não era de nenhum deles acordou algo de onde vinha o forasteiro fazendo quem ouvisse temer pela própria vida: EBERLEN!

     Uma luz muito grande saiu da espada daquele que iriam interrogar parando em essência na rocha que cairia e destruiria a todos. Os estilhaços da pedra quiseram fazer o estrago que a mãe-rocha derrotada pelo dracus poderia ter feito, e voaram, por sua vez, acertando os cavalos que saíram escoiceando exasperando do conforto de suas colinas. Nenhum encilho pôde segurá-los.

     Recuperados do susto, os homens bateram mão em calças, a ponta traseira das lanças no chão e vieram interrogar o salvador:

     — Saia daqui! Volte de onde veio, ou o arrancamos à força.

     —Não precisam agradecer por salvá-los, águias carecas. Farei o que pedem...

     Kings Aderio ergueu a espada ameaçadoramente na direção da guarda das Colina, havia dezesseis homens ali, feridos e muito furiosos.

     — E eu deixo a próxima pedra que vir abaixo cair sobre suas cabeças, homens de Nianda. E ela vem — nenhum sinal ainda havia dela, Aderio girou a espada, um brilho gélido uivou de Eberlen. — Vocês escolhem.

     — Até onde sabemos você pode ser o responsável por isso!

     — Única coisa que tenho em comum com isso foi chegar no mesmo dia que a coisa lá em cima brincando de derrubar castelos. Enquanto discutimos, ela vai crescendo. De resto, ou vocês me deixam trabalhar, ou esperam, inúteis, pela morte descer do Monte. Seja qual for a decisão, eu não ficarei aqui para ver a conclusão do ato.

     — Fala como se soubesse o que deve ser feito! Isso te torna muito mais suspeito!

     — Nunca vi um suspeito perdendo a chance de realizar o trabalho a que se refere sem gastar energias preferindo, no fim, salvar a vida de dezesseis guardas teimosamente corajosos que podem ser corajosos e inteligentes se me deixarem passar.

     Ou imbecis e mortos dependendo da escolha, pensava Ade.

     Várias lanças foram apontadas para Aderio como se aquelas tivessem lido seus pensamentos.

     — Ousa ameaçar os Brancos de Nianda, ladino?

     Kings Aderio já estava farto das águias carecas o observando dos elmos reluzentes. No alto houve um estrondo. Perceberam a forte pancada e olharam para cima. Menos Ade. Foi neste momento que o silvo da espada não saiu apenas da lâmina, mas de seu corpo todo. O dracus lançou-se ao alto batendo sua arma com as duas mãos em uma rocha em descenso a livre galope pelo céu. Era uma parte do Monte vindo a baixo num segundo e estilhaços em poeira ondulante tomando o céu em outro. Ao descer no chão daquela altura, Kings Aderio não quis ficar para tratar de quaisquer assuntos com a guarda completamente atônita. Tinha que correr, o mais depressa possível, pois temia por alguém que estaria lá dentro. Havia uma luz refletida na enorme piscina pontilhada por estrelas e beija-d'águas, as flores de pétalas arqueadas pretas que pareciam lábios embicados na direção da lua. No meio do reflexo também havia um pequeno brilho azul esgueirando-se bem lá no alto, perdendo-se na curva da parede.

     O Monte era um castelo muito grande, de reentrâncias, corredores, alas enormes e câmaras. Suas paredes rosadas ganhavam cores enferrujadas no crepúsculo. Ao redor do castelo havia diversos pátios com suas praças e seus jardins. As paredes eram forradas por ervas audaciosas fazendo escadas ao redor das colunas em forma de estátuas. As imagens petrificaram-se todas iguais, a mão esquerda no ventre e a direita deitada acima da cabeça segurando o peso das paredes. O verde das folhagens alcançaria os passadiços superiores deixando ramos de flores de cores rosa, vermelhas e roxas pelo chão. O Monte também se situava numa verdadeira colina que o dava mais altura para suas duas únicas torres, uma menor, que chamavam de Flecha e a outra extremamente alta, a Agulha. Esta ficava nos níveis mais afastados de Nianda, ligada apenas através do Monte e apenas através da ponte detrás do andar superior da sala do trono.

     As muitas câmaras do Monte eram extremamente secretas. Um castelo construído a mais de mil e quatrocentos anos guardava muitos mistérios, muitas tapeçarias, e, com toda a certeza, muito o que se deixar escondido para nunca ser visto novamente, por bem, ou por bem.

     Ao menos era isso que pensava o dracus munido de vento nos pés. Atravessou rápido pelos portões em arco, preferindo ir para a esquerda no átrio central. Dali correu ainda mais rápido, pois os barulhos não paravam do lado de cima. Ouvia algo como que telhas caindo, se soltando, tijolos encontrando o chão depois de quedas de grandes alturas e uma sinfonia ainda maior de sons estranhos. As paredes tremiam a seu redor, o chão também. Seu corpo queria fazer o mesmo, mostrando sinais de cansaço por não ter descansado. Isso sem contar que seu adversário deveria ser derrotado ali o quanto antes. Ade tinha uma uma intuição engraçada sobre o provável adversário da noite, só lhe restando mesmo ter a certeza. As paredes que tocava com as mãos lhe davam a estranha sensação de que a culpa desses barulhos todos era dele.

     Tentando não pensar que sempre onde estivesse algum tipo de confusão teria curso, Aderio passou pelos jardins laterais, subiu pelas ameias em um salto e foi diretamente para o saguão principal. Ainda que detestasse o lugar, tinha que confessar sentir alegria por ver a sala coberta pela neblina. Sempre achou a cena misteriosa além de estúpida. Não seria nenhum desafio para um assassino se esconder pela neblina grossa e destronar alguém ali. Isso também deixava algumas coisas muito claras: assassinos comiam e bebiam naqueles halls, ecoavam canções falsas e teriam algum tipo de influência mútua, seja dos Brancos ou do Monte.

     Ade olhou para o alto, buscando saltar para um dos quatro andares principais por onde as escadas à sua frente davam acesso. Seu coração o alertava para correr, esperando que alguém estivesse bem. Torcia até mesmo pelo rei de quem não guardava nenhuma vontade de ver ou respeito por ter em sua companhia. Enquanto seus pés saíam do solo e chegavam ao terceiro andar, Kings Aderio lembrou da última vez que estivera ali discutindo sobre o porquê da pobreza em Seta ser o mesmo que riqueza em Nianda. Uma conversa dura e enfadonha com uma pessoa muito fria. A rainha Iala do reino de Nostermira indignara-se sobre a maneira com que o rei olhava para os habitantes dos a-piques forrando os morros da saída da ponte do Monte. Uma discussão acalorada que encheu as chamas de Ade por Iala ainda mais. Mas esta é uma história para mais tarde.

     Kings Aderio correu pelo castelo. Junto a seu movimento o silêncio descia pelas paredes. As arandelas não tremiam e nem o chão. Aderio preferiu subir o quanto antes para a sala do trono e, dali, entraria no átrio de trás do trono para ir aos aposentos da rainha. Quando chegou à passarela, um corredor onde ficavam os quartos de hóspedes do castelo o qual dava acesso à sala do trono, Kings Aderio sentiu um frio muito intenso. Olhou para estátuas encostadas na parede, geladas. Em suas mãos tinham lanças digladiando com a estátua mais próxima. Olhavam para frente, para o lado de fora da sacada da ponte. Os sons de gritos lá embaixo eram pouco ouvidos de onde estava. Agora aquele frio sim se tratava de algo mais. Não lhe era indiferente, já tinha experimentado muitos tipos de gelos por cavernas, fiordes, montanhas e vales. Além de cheiros, gostos, beijos. Irritou-se ao perceber a estupidez que suas ações teriam gerado: a caça poderosa à procura, talvez, de Iala. Mas agora não havia mais tempo. Pensou em abrir todas as portas ao seu redor antes da passarela atrás de Iala. Encontrá-la era pouco provável. A rainha conseguia se esconder dos Brancos e também do rei com facilidade. Em segredo ela e muitas mulheres, suas criadas, tinham momentos ardentes nos jardins ou em câmaras escondidas. Muitos relatos de suas experiências foram enviados a Ade por cartas. Conhecia as razões de Iala. Também se afugentava de todas elas. O dracus sentia que não muito longe estava algo por estourar. Se Olbett Tistein disse que algo vinha, Aderio dizia que Iala também vinha e com força.

     Ade pensava nela com enorme ternura. Talvez seus pensamentos a trouxessem depressa. Entremeios de um talvez arrependido. As esperanças de Ade foram à míngua na sala do trono. Ali, a neblina entrava de oito direções pelo alto do teto. Do lado de fora, o telhado tinha a forma de uma coroa, com oito torres pontudas, sem livre acesso, simbolizando os oito caminhos do vento. Há muito tempo, o arquiteto do Monte, o construtor Delondeliz, fizera a coroa de modo que simbolizasse o alcance do poder do senhor do Monte, considerado assim o senhor também de todos os ventos. Era uma maneira dos antigos dizerem que Nianda seria a maior nação do mundo. Tinha na frente, todavia, Lórrliz, Altermira, Nostermira, Luniestra, Mangrensis e Escudo de Beon para ultrapassar.

     O trono chamado em seus anais de Nevoeiro estava repleto da Neblina. Acima as estrelas olhavam cálidas para Aderio. Tomando cuidado com seus passos, e esperando que algo enorme caísse sobre ele a qualquer momento, moveu-se pelos corredores, não tocando nas mesas até ficar ao alcance do trono. O objeto suntuoso feito de madeira de carolineiras, uma árvore de tronco verde esmeralda, presente dos Longos Antigos, descansava estofado em púrpura e ouro. Aderio se movia com cuidado, também pensando na possibilidade do invasor do castelo estar ali esperando na cortina de neblina espessa. Mas não estava.

     Detrás dele, um som escrutinante veio da ponte. Aderio moveu-se rapidamente para lá no instante em que as paredes derrubaram pó e se abriram para dentro de um limite escuro no qual viu sair um grupo de pessoas, entre elas, alguém que vestia um manto preto, com linhas prateadas bordadas nas mangas, ao redor do pescoço angular e dos ombros. Tinha os cabelos curtos apertados por uma coroa, à ligeira impressão um objeto simples; o rosto quadrado como um pedaço de manteiga era branco, liso, descendo até um queixo plano e forte furado por uma cova. O olhar enviesado não moveu um centímetro quanto à surpresa de ver Aderio ali. O que não se podia dizer o mesmo sobre alguns Brancos e outras pessoas vestindo túnicas de cor magenta da cabeça aos pés.

     — Oromergius — disse Kings Aderio torcendo os lábios.

     — Rei de Seta — a voz entremeava num silvo e rouquidão, mas, de todo, fria — Seu... reino — pausou cansado como se a palavra levasse algum peso. — Subsiste longe da neblina. Devo tomar isso como uma declaração de guerra? Não recebi nenhuma notícia de seu paradeiro próximo às minhas terras.

     — Não vim declarar nada. O assunto é sério, Oromergius.

     — E quem é você para falar do que é sério ou não em meus corredores no meio da noite — disse Oromergius.

     — Eu vim saber...

     — Silêncio — a boca do rei Oromergius mal saía do lugar. Ao seu redor, os Brancos se puseram em frente ao rei. Um deles Kings Aderio conhecia de outros eventos. Um homem alto, muito musculoso: sua armadura era uma cota de malha de aço que marcava-lhe perfeitamente a musculatura do abdômen ao tórax. Levava nas mãos o elmo com a cabeça de águia, símbolo dos generais niandenses. Seu rosto era fino, bem apessoado, sem pelos, e os cabelos curtos um tanto arrepiados, louros. Levava uma grande maça conectada a uma corrente em sua mão direita. Em muitas ocasiões, aquela maça guardava chamas que usava como um artifício para imbuir a arma. Como uma lamparina guardando seus fogos acrescentando-se o sangue ao encontrar carne e pele tenras.  A Morte-certa, como a chamava. Não naquele momento. Era Pólo Cophol, o general mais estimado pelo rei, e que também tinha ódio sobremaneira de Kings Aderio.

     — Aqui você deve obedecer ao rei de Nianda, rei de Seta — disse a cusparadas Pólo.

     No exato instante em que se calou, a espada de Kings Aderio reluziu apontada para ele e os seus.

     — Não obedeço à vontade dos homens, general Pólo. Deveria cair de sua ignorância e saber muito bem.

     Pólo ficou furioso, Morte-certa caiu ao chão retilintando. Os olhos de Aderio ardiam, um brilho vermelho eclipsava-lhe o reflexo do luar.

     — Silêncio, eu disse — Oromergius andou na direção de Kings Aderio. — Aqui você ouve e fala pouco, Kings Aderio, dracus e... rei de Seta Ambel. Aqui eu sou a lei, e devo lembrar-lhe de que sou muito instável e minhas vontades são fáceis de serem lidas nos meus olhos. Você pouco sabe de reinados e vassalagens, mas dedicar-lhe-ei paciência. Aqui você é como um vassalo e tem de se colocar em seu devido lugar. Entenda-se este como o chão sob mim.

     Kings Aderio desdenhou as palavras do rei.

     — Você não diz o lugar onde devo ir, rei de Nianda.

     — Silêncio, eu digo! Responda apenas o que eu perguntar. Ou, como eu já disse, minha instabilidade pode pedir aos escribas às minhas costas para escreverem rápidas mensagens. Sabe do que digo, não sabe? A rainha não está aqui para porventura interceder.

     Não vinha em busca de problemas, buscava ao invés disso, que aquele homem descesse de seu sapato fino de veludo.

     — Se um dracus está aqui é porque se faz preciso, oh, rei. Não devem ter ouvido, pois as câmaras secretas do Monte guardam bem os sons de dentro das paredes e não permitem os sons de fora adentrarem pelos sulcos nos tijolos. Mas alerto: caço um inimigo nestes andares. Sua guarda está desbaratada, há um monstro em seu castelo.

     Oromergius avançou rente à espada de Kings Aderio sem dar-lhe atenção. Os outros fitavam o dracus. Aderio pensava no quão fácil seria derrotar, de novo, Pólo e, portanto, o provocou.

     — Isso me faz lembrar uma porta — enquanto falava, Ade tateou os sulcos onde havia a saliência há pouco. — Nem mesmo conhecia essa espada que carrego.

     Pólo mostrou-se um tanto contrariado, os olhos analisaram o flanco direito de Ade, em Eberlen.

     — Um lugar para um ladino fugir?

     — Não. Uma cabana sombreada por uma linda amoreira. Em sua porta havia uma janela com formato de triângulo com uma divisão da ponta à base de onde se verificavam três triângulos nele.

     Alguns brancos endureceram os rostos. Os homens em túnicas e suas barbas se afastaram pelo corredor. Pólo esmagava a empunhadura da arma em sua luva.

     — O que uma câmara secreta teria a ver com uma cabana qualquer?

     Aderio sorriu.

     — Dentro da porta se ouvia o grito de uma criança. Em instantes o grito silenciou-se por trás de muitas súplicas. Das, súplicas, Pólo, seguiu-se um choro atabalhoado, ofegante. Passou por mim enquanto passos desceram a escada. Tilintavam malha de ferro pesado, a boca que chegou perto do meu rosto tinha um bafo vomitado. Lembro que o homem em questão não passou da porta.

     Ao que Pólo apertava sua arma, Ade lembrava-se da voz quente como a brisa de uma cascata no verão que dizia-lhe: "segure sua arma como segura sua amada numa dança. Conduza-a até perceber que é a você que na dança ela está por conduzir". Via seu rosto. Andava pelos campos de flores com as mãos soltas, foi outro tempo, um tempo bom. "Você vestida de calças e eu vestido de paixão." Disseram-lhe que o fogo do dragão apagava as memórias. Disseram.

     Pólo falava através de um apertão.

     — Vejo uma gota de suor, general Pólo?

     — É da ansiedade de te derrubar, fedelho.

     — Se tem uma coisa que te prometo é que você nunca poderá me derrotar.

     Em vez do homem se enfurecer em demasia, ele sorriu.

     — A sua garganta derrubando sangue, eu ainda vou ter.

     — Calados — disse Oromergius olhando para fora da mureta da passarela. Olhou para cima e para baixo, despretensioso. Oromergius olhou para o horizonte. Uma luz de cores quentes vibrava pelo ar. O fogo se erguia daquela direção, fato que pouco lhe importava. Depois disso voltou-se para Kings Aderio.

     — Na condição que está eu lhe chamarei de caçador. E então, se sabe do que se trata, por que ainda está aqui importunando meu general?

     A sala do trono estava quieta demais, igual demais. Kings Aderio passou por ela e nada saiu do lugar. Então o que fazia a mesa tremer? A névoa se agitar? O coração dos Brancos e de Pólo aceleraram sem saber a causa. Estariam enganados acreditando ser a presença de Kings Aderio ali. Se entendessem de batidas de coração poderiam concluir que os únicos batimentos serenos eram os dos dois reis.

     — Eu lhe fiz uma pergunta, caçador — disse Oromergius, seu bafo frio circulando um ar pressionado pelo desconhecido.

     Os olhares à frente de Oromergius se arregalaram em face do que vinha do trono, esgueirando pelo chão, pelas paredes, o teto, se movendo como água em superfície lisa, fazendo do ar essa superfície. Emitia o som de algo se arrastando. Um grande corpo se esmagando contra as paredes, o teto, o chão. Aderio o viu no canto do olho. Passando à frente dos homens de Nianda, Kings Aderio cortou o chão com a espada num semicírculo. Da linha subiram chamas violentas deixando dracus e monstro prontos para não serem incomodados.

     Aderio não deu ouvidos aos gritos que vinham de trás.

     — É, você é horrível mesmo — disse o dracus para o monstro em sua frente. Tinha um corpo em muito deformado de tonalidade azulada. Do tórax saíam diversos tentáculos terminados em mãos e garras. Elas se faziam e se desfaziam intermitentemente como que para mover-se era necessário antes de desfazer. O rosto da criatura tinha feições delicadas, a tez lisa que se vê em estátuas. Mas não a mesma raiva.

     A criatura rolou diversas vezes na direção de Kings Aderio que se desviou o quanto pôde. Lembrava-se de sua exaustão e que uma luta naquele lugar de curto espaço estava fora de seus planos. Tinha de levar a criatura para longe. Entre seus pensamentos continuava a preocupação por Iala, do paradeiro de sua estimada amiga. Meneou a espada para o monstro recebendo em resposta os vários braços abertos como se o convidasse para um abraço de morte. Isso gerou uma confusão tamanha, pois o monstro gritou levando paredes e parte da passarela a se racharem.

     No meio do caos emitido pelo monstro ele hesitou olhando para trás: havia uma lança em seu flanco.

     Kings Aderio pensou no quanto aqueles homens eram imbecis de chamarem atenção da coisa. Porém, o fogo do dracus era maior e mais alto, impedindo-os de se adiantarem na batalha. Aderio meneou a espada para um lado e para o outro, duas pás de moinhos que ao pararem de girar emitiram um facho de luz na direção do monstro. Conseguira a atenção que queria, vinha à pleno rompante novamente em direção à sala do trono. Aderio atravessou para o outro lado, o barulho de mesas e cadeiras sendo jogadas correu pelo ar. Seu adversário era veloz e acompanhava os passos do dracus não correndo com o vento nessa altura. Estava cansado e para lutar precisava guardar forças.

     E me passa a vontade de um maldito banho a essas tantas, pensava ele enquanto trazia no seu encalço um monstro a comer chão, paredes, vasos, armaduras e tudo o que via enquanto a escada descia. Não era como um froco cheio de bocas ou um lugo, cuidadoso. Tratava-se de algo entre os dois, e que precisava ser vencido ainda naquela noite, ou no outro dia estaria ainda mais forte, mais rancoroso. A escada principal marcou uma queda do quarto andar até o chão. O dracus caiu como se fosse um salto de um metro de altura, mal emitiu um som de impacto. Já a coisa, flutuava de um lado para outro e gritava; isso foi terrível pois a luminária gigante que pendia do teto já há milhares de anos despencou de uma só vez. Estilhaços de vidro, prata e ouro desesperaram-se do objeto encontrando fim nas faces duras do chão e das paredes. Kings Aderio não esperou para ver tudo isso acontecer, já estava do lado de fora gritando para os imbecis Brancos, que ainda estavam ali, que tapassem os ouvidos.

     Fez o mesmo ritual que fizera há pouco lá em cima na passarela para que Eberlen acordasse. E como ela acordou: o dracus se envolveu em chamas, estas perfuraram a lâmina fria de Eberlen, viajando até a ponta da espada que, quando veio ao chão, lançou uma lua sorridente na direção do monstro que era um — Demônio! Vocês realmente não tem fim! — gritou irritado para a coisa que recebeu o sorriso e cambaleou dezenas de metros para trás, tempo o suficiente para que o dracus fosse respeitado.

     — Se ficarem aqui, morrem — disse Kings Aderio, o corpo flamejante. — Vão para o outro lado da ponte enquanto o seguro.

     Dali se iniciou uma série de questionamentos sobre o rei.

     — Nosso rei, o que fez com ele?

     — Demônio! Matou nosso rei?

     — Tomou o castelo, e traz a besta consigo?

     — Onde está o rei? Às armas, homens! Às armas!

     A voz que o chamou de demônio foi parar ao chão. O golpe não veio das mãos do dracus, e sim de um homem de cabelos grisalhos como sua barba ao redor da boca. Tinha a pele preta, muito escura, os lábios finos e um olhar profundo. O elmo que segurava na forma de uma águia manchou-se do sangue do homem choramingando no chão.

     — Se não o obedecerem então obedeçam a mim! — disse o homem com altivez. Foi o tempo para Kings Aderio encontrar de novo o monstro em seu encalço.

     — Você também! — disse Aderio para o homem empunhando a espada.

     — Eu tenho alguém para encontrar do outro lado, nos jardins. Alguém muito importante, rei de Seta.

     Aderio se encheu de esperança.

     — Não diga o nome dela perto de um demônio. Você tem a sua luta. Eu tenho a minha. Só preciso que me dê passagem livre sem uma assombração dessas no meu encalço.

     — Com muito prazer — à medida que proferia as palavras a voz de Aderio virou um trovão acordando Eberlen mais uma vez. A espada fulgia preparada para a luta corpo a corpo contra os tentáculos do monstro.

     O ritmo da batalha seguiu-se em fúria. O dracus era uma chama viva batendo e correndo do monstro que batia membro atrás de membro no chão. Aderio não voava, mas saltava tão rápido que era como se o fizesse. O hall de entrada envolveu-se em estilhaços de madeira, rocha, metais das estátuas e tijolos, com uma preferência pelos quadros ao redor. O monstro deu preferência para as enormes pinturas, levitando-as, cobrindo-as de luz azul e empurrando com toda a força contra o dracus. Aderio saltou, girou nos calcanhares e desviou em piruetas. Desviou de todas as escolas de arte, exceto a última.

     Ah, Eberlen..., sentia pesar ao cortar um enorme quadro mostrando um homem carregando uma flauta numa mão e uma maçã em outra. Pobre Zairus, das maçãs. Aquela pintura deveria valer algumas vilas inteiras, mas era uma pena estar ali no Monte apenas para ser usada de aríete pelo monstro. E agora com momentos para respirar tinha certeza do que se tratava. De quem era a irritada visitante.

     — Muito bem, nelia! Sou só eu e você! E é hora de um passeio!

     Nelias eram o segundo tipo mais poderoso de demônios gerados a partir das emoções humanas. Esta, pensava Ade, tinha acabado de nascer, pois seu poder demonstrava falhas. Sua velocidade e força não estavam no auge, longe disso, ou então o castelo inteiro correria enorme risco de explodir levando toda Nianda consigo. Era esse o poder de uma nelia frondosa.

     A nelia recusou a sugestão. Preferiu berrar muito alto. O som atravessou de onde ela estava até o dracus cortando o seu rosto e seu ombro direito. Aderio esbravejou, mas o feito já estava feito. Voltava então para dentro do saguão do castelo e uma nova batalha brusca se fez. O tempo corria, sua energia se esvaía enquanto o monstro parecia só ganhar mais forças.

     Uma vez que lutou com uma nelia, Kings Aderio teve de realizar um ritual para destruir o demônio. Terminantemente preferia não ter de repeti-lo. Em uma das investidas das incontáveis mãos da nelia, Kings Aderio teve de usar o máximo de suas forças. Foi logo depois de um novo grito, que veio seguido das diversas mãos apontando para o dracus. O grito para atordoá-lo com o desfecho de um segundo golpe formidável. Kings Aderio sabia o que vinha. Não só veio como pareceu deslocar o ar e o tempo contra ele. Cadeiras, mesas, detritos e entulhos vieram comandados por um jorro poderoso de energia. Aderio tinha ponta da espada contra o poder. Uma linha branca fina pegou o golpe como se fosse uma vara de pescar a um peixe. Na boca de Aderio os dentes não se aguentavam de tanto triturarem uns aos outros. Saliva e sangue misturaram-se sem que ele percebesse a dor a se alastrar pelo maxilar. Tinha que ser vencedor daquela disputa e foi o que fez a nelia estatelar contra a parede. Rapidamente os membros decepados na forte explosão se refizeram. Kings Aderio respirou. Da parede a nelia preparava a boca mais uma vez

     Desta vez ele conseguiu fazer com que a nelia o acompanhasse para fora, a boca sedutora aberta. E não só isso, os dois chegaram à metade da ponte antes de vir um novo grito. Kings Aderio temeu pela possibilidade da ponte ir ao chão do lago. Seu temor só não era maior do que a raiva sentida. Pensava nas inúmeras razões para que uma nelia estivesse ali em busca do Monte. Do outro lado da ponte ele se abaixou rapidamente. Levou o punho à testa, concentrando-se.

     É mais força despendida e estou estupefato dessa situação, pensava ele.

     Nas casas ao redor não havia ninguém, teriam sido devidamente evacuadas. Ao menos para isso se prestavam os Brancos de Oromergius. A camada nebulosa cobrindo a ponte tomou forma que Aderio julgou ser ligeiramente maior, um sinal muito grave. Preparou a espada e quando o demônio atravessou o arco das ameias furioso, Kings Aderio apontou-lhe a mão. No mesmo instante parecia que a nelia estava paralisada.

     Logo viriam transeuntes. Aderio girou em torno de um eixo, levando a espada consigo, e bateu com toda a força na nelia. Um golpe devastador. Levou parte do andar superior de uma enorme casa à sua direita e o muro detrás dela. Kings Aderio esperava que a nelia caísse no lago, que morresse a desgraçada, mas a força despendida foi tão grande que ela foi parar do outro lado do lago, na estrada. Ele viu quando o brilho caiu e adotou um tamanho muito menor daquele lado.

     Risos contrariados cortaram a neblina.

     Da rua mais abaixo algumas pessoas puderam contemplar um homem se levantar em chamas. Ainda bem que viram o demônio antes, senão teriam pensado se tratar do próprio dracus. Mesmo assim não tirou medo dessas pessoas ao verem a serpente pegar fogo e atravessar em pleno voo ao outro lado do lago. Finalmente naquela noite turbulenta a cacofonia na cidade cessou.

     Ao cair em chamas o dracus já não aguentava mais nada. Restava-lhe o último sopro. Não conseguia se controlar, a energia iria derrubá-lo logo, logo. A nelia parecia suportar muito ainda, pois mal o dracus desceu do céu já se via obrigado a defender-se de um novo golpe. Não querendo que as árvores fossem arrancadas pelas raízes, Aderio correu na direção da nelia, desferiu diversos golpes numa velocidade crescente, decepando membro a membro. Eles caíam, jorravam águas depois se desfaziam a seus pés. Logo começou a rasgar o corpo da nelia, buscando arrancar pele e órgãos. Eberlen a rasgava e bebia seus jorros de algo como sangue. Ela caía? Não. Ela esmorecia? Também não. Em vez disso enganava o dracus afastando-o dezenas de metros dali, na Vista da Agulha. As forças tinham acabado.

Último sopro, dracus.

     Ou faria, ou morreria certamente. Levou a espada ao rosto, beijou a lâmina e preparou o golpe final. A floresta ao redor murmurava demais naquele momento. Um farfalhar foi ouvido e a atenção dos dois combatentes se voltou para as sombras em meio às árvores. Logo diversos passos desafiaram a pouca neblina que cercava os dois. De quando em quando esferas cintilantes brilhavam da neblina, em pares. Os olhos pareciam amedrontar a nelia que saltou e correu em direção às árvores. Nenhum deles foi atrás dela, preferiam, claro, o estúpido homem e sua espada.

     Não dá para acreditar! Depois vem o quê? Vacas possuídas?

     No entanto, Kings Aderio abriu os braços e se fez em luz. A estrada, as cumeeiras das árvores, o lago e parte do muro em Nianda foi completamente varrido pela luminosidade. Kings Aderio observou à sua frente mais de duas dezenas de pequenos seres com garras muito grandes nos membros anteriores, dentes navalhados e olhos desesperados. Suas peles cinzentas foram ficando amarelas no reflexo do homem a luzir. Antes presa fácil, já não parecia mais. Apressadas, todas se encapuzaram da neblina e das florestas perdendo-se na escuridão. Kings Aderio esperou por diversos instantes. Certamente nas cercanias mais à frente teriam visto aquele ponto luminoso vindo da curva da Vista da Agulha. Esperar. Seguir em frente. Pensava qual melhor decisão a se ter. A noite estava convidativa para um bom banho nas dependências de Olbett Tistein. O dracus pousou a espada finalmente no chão, apoiando-se nela, exausto como poucas vezes ficara na vida. Pensava que até mesmo Pólo poderia derrubá-lo desta vez e se tornar o novo rei de Seta, como um dia quis fazer. Delirou, com uma mulher aparecendo em sua frente, segurando seu queixo, chupando seus lábios e dizendo: Pequeno.

     Ade sentiu-se beijando a mulher. Em seguida a neblina. Praguejou para o Monte e sua fumaça empoeirada desafiando a cortina eterna que lhe cobria. Praguejou por não encontrar Iala. E praguejou por ter sido estúpido de não queimar o corpo de certa jovem que encontrara naquele mesmo lugar em que estava, só que de manhã.

     Agora Ade só pensava em amaldiçoar aquilo que tinha sido incumbido de fazer. O sopro? Não...

     Malditos sejam os demônios, chupa-cabras e esse Equilíbrio!

Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro