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A Vela Queimando ao Mar: parte V - O Dedo no Espelho

     Logo a tempestade já estava sobre eles. Primeiro veio em forma de ondas mais altas, depois a escuridão desceu sobre o navio. Tanto a das nuvens quanto a do dia. Trovões sacudiram os céus e saíram do mar na busca do firmamento tingindo as ondas de fúria, ódio e uma beleza estarrecedora. O tamanho das ondas foi de colinas sinuosas a montes monstruosos em questão de segundos. As gotas pesadas deram lugar a uma imensidão de riscos iluminados contra a penumbra. Tentavam destruir o Raspadora a todo custo. O firmamento negro observava a tripulação do navio fazer milagre contra as sombras parecendo favorecidos pela pouca ou nenhuma luz. Ou talvez a quilha do Raspadora sabia por onde navegar para não se desfazer em pedaços.

     Algumas chamas ardiam ali no convés, mas a maior delas continuava ainda apagada se movendo para todos os cantos enquanto a voz feminina mais valente naqueles mares gritava, poderosa, num abraço sedutor em seu leme. A tempestade pareceu não gostar da ousadia de Lahana que aproveitava-se de ondas para subir e descer como se a mulher tivesse sido feita de sal e coral, uma filha do mar criada dentro das paredes do castelo. Crescia um temor na noite. O de que esta viagem fosse a última do Raspadora por ousar esses mares. A tempestade cansou de lançar seus riscos a banharem navio, pele e mar. Decidiu-se por pedras de gelo. Queria furar a embarcação e as cabeças de quem recebesse um projétil de gelo. Ninguém dormiria esta noite.

     Aderio apontou para uma vala no meio de um vale entre ondas.

     — O maremoto criou correntes fortes demais! — gritou Lahana, o timão movia levemente ao sabor de sua maestria. — Vou ter de avançar para bombordo!

     Bombordo significava desviar de uma onda para entrar no maremoto por uma rota cuja chance de saírem vivos só diminuiria. Mas para querer algo assim, Lahana tinha de ter um plano, tinha, ou isso era um ataque desesperado do forte Raspadora contra um colosso de água maciço.

     — Vai cair de frente para ele — respondeu Aderio ouvindo o ranger do mastro-rei.

     — Será preciso ou o navio vai se despedaçar na próxima onda, estamos descendo e ela não para de subir. — Lahana tinha razão, a onda se transformava numa montanha de água maciça muitas vezes maior que o navio. Era como se um gigante se levantasse do oceano, o que Aderio torceu não ser.

     — Vire ele a favor do redemoinho.

     — Se fizermos isso o navio vai tombar para estibordo! Vai virar gravetos sendo jogado de um lado a outro!

     — Não se eu fizer algo — Aderio, o sal descendo-lhe os cabelos, arrancou a espada de sua bainha. Um uivo atravessou o ar.

     — Espada? O que vai fazer? — Lahana estava preocupada, até mesmo seus dedos tremiam no enorme leme. — Se você saltar, Aderio!

     — ESTÁ MALUCA!? — ralhou o dracus. — Eu vou tentar algo do convés, prepare todas as velas, se não der certo vamos precisar delas içadas e seguras com toda a sua força.

     — TODOS PARA AS VELAS!!! — ela gritou observando o que Aderio faria. De sua espada linhas resplandecentes se formaram saindo das duas bocas dos lobos.

     O navio desceu vertiginosamente uma montanha em anil e branco gelados. Ele tremia todo. A tripulação segurava com todas as suas forças as cordas da vela. Se o vento as rompesse, despencariam após um grande dano até os porões do navio levando parte da tripulação a uma morte certa, um naufrágio fácil para a tormenta. Ao lado do navio um buraco de água giratória, maior do que os dois atóis juntos, sugava o mundo com fomes. E um homem brandindo uma espada contra fúrias da natureza se opunha a tudo isso.

     Era uma garganta gigantesca pedindo por mais madeira e destroços. O futuro do Raspadora só podia ser este, não existia outra possibilidade.

     Aderio tomou o véu de breu como se este fosse um demônio. E como todos eles que combatia começava por erguer a espada, mas o que foi ouvido não foi apenas uma fala ao vento e sim um estrondoso rugido.

EBERLEEEEEEEEN!

     Gritou ele de forma inumana. Sua espada uivou ainda mais forte, a magia que de lá se expandiu viajava para o gigantesco maelstrom.

     Aderio girou duas vezes a espada erguendo a lâmina ao céu como se buscasse um raio do firmamento. Não foi isso o que ocorreu, a plateia assim pôde confirmar. Um fogo de luz branca subiu do ponto de onde ele estava em direção ao céu rodopiando em uma coluna assustadora. Aderio gritou tão alto ou mais do que o redemoinho urrava e derrubou a gigantesca coluna branca com um golpe contra a fenda circular. Uma explosão descomunal tomou forma e outras ondas nasceram do meio do redemoinho criando outras ondas ainda mais violentas. O navio que já estava girando e virando ao sabor da morte tentava fugir auxiliado por outra onda gigantesca vindo da direção contrária. Lahana estava estupefata. Conhecia Aderio, mas como isso podia ser possível? Era valente em sua época, mas agora?

     E quando achou que o homem fosse quase um deus, estava ele vindo, cambaleante, exausto. Impressionados, alguns tripulantes afrouxaram a força e num rompante a corda soltou-se. Haviam saído do redemoinho apenas para entrar na queda mortal que outra onda estava para realizar e arrastar o Raspadora. A fome do mar era irresistível. Aderio sabia que tudo dependia daquilo. Dando um beijo na espada ele rezou mais uma vez seu nome. O luzir o revigorou um pouco. Viu de relance a tão misteriosa moça ali embaixo parada, quase que hipnotizada, enquanto ele subia em pilhas de barris, de caixotes e escalava rapidamente pelas redes no mastro. Por que estaria parada daquele jeito?

     Um salto impossível, e a corda estava firme em suas mãos. Sozinho, girou pelo mastro levado pela força do vento, do granizo, a corda, o nó, coragem e loucura. Caiu no convés e puxou a vela pela corda sozinho. Seu fazer solitário era fora do comum: um homem de média estatura segurava o peso de toneladas de um mastro que se impunha como rei do navio. Os dentes queriam quebrar uns aos outros dentro da boca. Kings Aderio tinha frio, tinha calor, tinha raiva, tinha tanto temor que sua espinha não aguentasse, mas tinha de segurar. Sentiu o navio tomar outro caminho pelas ondas, a onda empurrava a embarcação, mas o rumo era outro, descia junto à crista altíssima da onda. Foi Lahana, tinha domado novamente o poderoso Raspadora. A sereia com cabeça de grifo na proa estaria buscando um novo lugar para nadar, uma dádiva para sair voando daquela loucura.

     Quando Aderio estava quase perdendo suas forças a tripulação veio a seu auxílio. Puxavam os cabos o quanto podiam. Se aquilo soltasse, o mastro não resistiria, desta vez iria embora. Se aquilo soltasse, o cordame seria capaz de cortar e arrastar para as profundas no mar. Os raios gostavam de florescer o céu e por um instante Kings Aderio viu uma pequena faixa azul lá em cima. Esperança, pensou ele. Talvez Lahana tenha a visto também, pois o navio saiu de bombordo para boreste num piscar de olhos. A capitã aproveitou-se de outra onda imensa, mas esta estava descendo, e finalmente encontrou um vale de águas calmas em que as ondas já estavam menores, o granizo tornara-se uma brisa molhada muito mais agradável e a tempestade ficava aos poucos para trás.

     Kings Aderio soltou a corda e todos puderam ver a escara em suas mãos praticamente em carne viva. Lahana largou finalmente do seu leme e conferiu se todos estavam bem. Kings Aderio ria aos pés do mastro enquanto o restante dos marujos fixavam a vela em seu devido lugar. Sem ventania nem granizo era uma tarefa muito mais tranquila.

     A capitã veio até Aderio. Ele forçava não dormir, não se deixaria cair ali. Seus olhos piscavam movidos pelo conforto do peso, do cansaço. O sono o chamava com tanto carinho. Moça também estava ali tentando ver o que ocorrera com as mãos do homem. Alguns o chamaram de semideus, de mago, de grandioso, de louco. O navio agora subia e descia mas como uma brisa de lago que leva a folha pela superfície da água. Davam vivas por sua vida tê-lo levado para o Raspadora de Corais e diziam que aquilo deveria ser cantado e escrito em algum momento para que todos soubessem o quanto a lenda de dracus era real.

     Tomou força para se levantar. Apoiar as mãos no mastro doeu-lhe, eram milhares de ferrões pinicando pele e carne. A espada estava em sua bainha e fez questão de senti-la bem ali. Tocou nos dois focinhos furiosos dos lobos enquanto ouvia Lahana ralhar e buscar explicações para o que ocorrera. Não demorou muito Ladenio já surgia de algum lugar lá de dentro do convés. Nem tentou sair de sua cabine durante a tormenta, mas quando o fez, regou o caminho com seus vômitos. Disse ser jogado de um lado a outro e que temeu pela vida, mas sabia que ter um dracus ali seria de grande valia. Aderio pediu por uma bebida forte e um pano limpo. Moça trouxe para ele uma garrafa de absinto, uma tira de pano e pousou os lábios em seu ouvido.

     — Selise — disse ela, um sibilo confortante dos lábios tocando-lhe o lóbulo do ouvido. Aderio fez o curativo sozinho e não quis descansar. Depois de um vinho trazido por Ladenio pôs-se a ver o que ocorrera com o navio. Não dava ouvidos a nada nem ninguém, apenas às cordas, ao toque delas que o seguravam ao redor do navio. Apertava amarras, martelava tábuas, encaixava barris, serrava madeira, imolava o metal. Fez o que podia para júbilo dos outros tripulantes e respeito dobrado pelo que fazia. Não pedia nada em troca, só um barco bem acima do fundo do mar. Quando terminou foi até a capitã. Dali ele via a lua lá atrás dela ainda preguiçosa para se pôr.

     — O vento continua a nosso favor — disse ela recostada ao deque.

     — Então estamos na direção certa — respondeu Aderio.

     — Suas mãos.

     — Nunca passaram por coisa pior — disse ele apertando os dedos. O sangue pungiu.

     — Deixe...

     — Não, Lahana — disse ele desvencilhando-se. — Dê cuidados ao leme.

     Deixou-a ali mesmo. Uma segunda vez os dois perdiam a oportunidade, segundo Ladenio. Este tentava levantar ainda mais o moral da tripulação agora que sabiam quem era realmente Kings Aderio. A noite fatídica terminava. A lua escondeu-se dando lugar a um sol por trás de uma ilha no horizonte. Acreditar nos olhos era algo desafiador. Tudo havia seu lugar no mundo e nos mapas de Lahana.

     Aquela ilha não.

     — Capitã! TERRA... — Mauru estava no chão do navio desempenhando seu papel sem gaiola.

     — Já vi, Mauru! — interrompeu a capitã. — Todos do navio já viram. Todos salvos — Lahana estava agradecida.

     Aderio buscava um pouco de água e aguardente para o ferimento. Uma outra jovem do navio o providenciou de suas próprias provisões. Tinha sardas no rosto, os lábios finos, os olhos grandes recolhidos em solidão; trajava camiseta curta com uma gola algodoada alta, a fenda em meio aos seios escondida, suas calças tinham um lado mais curto que o outro e estava descalça com os pés bastante maltratados. Ela mesma despejou um pouco de bebida nas mãos de Aderio o que o fez gritar. A tripulação observava o zelo da jovem chamada Flavin. Ela não queria objeção de Aderio, apenas a oportunidade de ajudar.

     Todos no barco começaram a trazer um pouco de sua desconfiança ou toda ela para o cárcere, dando lugar à admiração; o ato de Aderio não passara desmerecido. No mar agora existia tranquilidade refletindo isso também para o barco. Aderio desvencilhou-se do cuidado de Flavin e percebeu Lahana o observando irritada. Neguei seu cuidado com razões fortes, capitã, e você deve saber bem disso, pensou Aderio enquanto o navio cortava a quase calmaria do mar aproximando-se da ilha como a abelha que enxerga uma flor na qual pousar.

     A tripulação gritava aos céus desejosa do tesouro. Aderio não pensava nisso, apenas em desempenhar a missão tal como dissera à Lahana, como um igual, um marinheiro como todos os outros — exceto Ladenio claro, este não sabia mesmo nem fazer um nó de escota - e iria longe o bastante para Lahana perceber quem ele era, embora soubesse bem, isso já estava mudando.

     A capitã deixou o leme e reuniu a tripulação quando o Raspadora de Corais aproximou-se do banco de areia. A ilha possuía um monte muito alto circundado por palmeiras e outras árvores comuns às regiões insulares. Além de outras incomuns também como pinheiros muito altos. Aderio ateve-se a este detalhe e também a uma quantidade expressiva de peixes de muitas cores e formas circundando o navio como que por encanto. Ladenio, curioso por um dedo de dracus que lhe chamara, debruçou-se no deque tomando o símbolo dos peixes como algo promissor.

     — Vejam, irmãs e irmãos navegantes. Ao atravessar o mar retumbante os peixes estão nos recebendo de braços abertos em sua dança natatorial. Deve ser aqui mesmo!

     — Empolgado, Ladenio? — disse Aderio apertando a mão com força até sangrar, a cara que fez não foi das melhores.

     — Ora, mas é claro, meu irônico amigo — respondeu estufando o peito. — O tesouro que as velas queimando ao mar indicaram por sereias nos aguarda.

     — Não somos piratas, Ladenio — frisou a capitã do Raspadora.

     — Somos quase — desafiou Ladenio sem se importar com o olhar irritado de Lahana.

     — Nem quase, nem pouco, Ladenio. Senão você já teria acabado em comida de tubarões há muito tempo com matraca tão grande — ela disse iluminando no rosto um sorriso zombeteiro. Ladenio engoliu em seco. — Agora, todos aqui, e contenha-se enquanto dou as ordens! — Lahana orquestrou a tripulação de dezessete pessoas além de Ladenio e Aderio deixando-os em fila, a exceção do dracus que observava a ilha mais ao fundo.

"Pinheiros numa ilha tão quente? Fora que há um movimento ruim vencendo o ar. Se move com destreza apesar de um tamanho descomunal. Não me parece boa coisa onde nos enfiamos. Olho para esta ilha e enxergo estranhezas, como miragens. E miragens são ilusões. Também são lamentos."

     Aderio ouvia o que Lahana dizia, além das gaivotas, do barulho dos peixes lá embaixo, do farfalhar na floresta e de passos muito pesados. Os sentidos estão muito mais altos depois desta noite. Foi necessário, refletiu Aderio sobre a energia dispendida.

     — Iremos fazer uma campanha na ilha — anunciou Lahana. — Precisarei de seis pessoas para a exploração, sem contar Kings Aderio. Os voluntários deem um passo à frente, se forem mais de seis escolherei a meu julgamento. O restante prepare os canhões bem apontados para a margem. Quero dois móveis prontos para atirar na margem leste e na margem oeste. Deixem um barco à meia distância caso uma fuga seja necessária. Não há rebentação, e a maré está baixa, sem ventos ou nuvens no horizonte, então dá para dormir num bote de tão calmo. Continuamos a favor do vento, mulheres e homens. Agora, um passo à frente, não é vergonha nenhuma ficar para trás.

     Ladenio e outros dez voluntariaram-se. Tinha as mãos às cinturas analisando cada um dos outros. Ade também se mexeu.

     — Repito que não é nenhuma vergonha escolher ficar no navio — insinuou Lahana na direção de Ladenio.

     — Ora, mas é obvio que irei continuar a jornada! Não serei um peso morto nesse navio, dou-lhes minhas orações subordinadas à vontade das aventuras!

     — Não é forte.

     — Sou inteligente.

     — Não é rápido.

     — Sou silencioso.

     — Não é habilidoso! — impacientou-se Lahana, a espada encravada no deque do navio.

     — Sou teimoso! — teimou Ladenio, envergando o corpo em desafio, as mãos nunca tiradas do alto das cinturas feito fanfarrão. De longe lembraria a cauda de um pavão.

      — Deixe-o ir — disse Aderio e os outros tripulantes também concordaram. Pareciam não querer o rei das contações por perto. — Compensará o tempo que passou enfurnado na cabine.

     Antes o que segurava a cintura foi levado ao peito em sinal de ultraje, o que só arrancou um muxoxo de Lahana.

     — Fui jogado para todos os lados naquele caixote de lugar — defendeu-se Ladenio simulando enxugar uma lágrima invisível. — É um ultraje tamanho, meu coração me dói em dissonante desarmornia, senhoras e senhores! Tremendo disparate, vos digo! Eu vou processar você nos recônditos do meu coração...

     — Ah, que assim seja! — vencida a capitã o escolheu. — Hanz, Noen, Lentir, Alen, Selise — a menção do nome de Selise chamou atenção de Aderio. Como ela saberia o nome de Moça? Os outros eram homens fortes, e Noen mais parecia uma bárbara com curvas exageradas do que o próprio Delmo aparentava ser. Talvez pudesse ver as habilidades de Selise mencionadas por Ladenio e estimadas pela capitã do Raspadora, pensou Ade.

     Os preparativos foram feitos rapidamente e as cordas lançaram dois barcos ao mar. Lahana ia junto a Aderio em um barco. Ela quis remar e a cada vaga que o remo deixava para trás, seus músculos pulsavam mais raivosos. Quanto a Aderio, desta vez preferira não gastar mais nada de suas forças. As ondas refugiando-se embaixo da areia, desta proximidade da praia, faziam redemoinhos tornando a chegada à margem algo bastante complicado após a fraca rebentação. Os marujos eram habilidosos e Lahana tinha especialidade tanto com o leme quanto com os remos. A maioria dos capitães ficaria apenas observando e optaria por deixar alguém usar os braços para bater os remos na lamina d'água, mas não Lahana.

     Em solo fofo dividiram-se em dois grupos. Aderio, Lahana e Hanz iriam pela esquerda enquanto o restante do grupo ficaria com o caminho à direita. Não, Aderio não veria as habilidades de Selise.

     — Cobrimos o caminho mais rápido assim. Se avistarem algo, ou se se verem em perigo usem uma das bombas. O barulho nos indicará o caminho. Temos um dracus — disse ela enquanto Ade olhava entre o Raspadora e algo no alto de uma ribanceira, por detrás das árvores. A menção de sua alcunha, Aderio franziu o cenho.  — Ele pode chegar em um instante aonde quer que estejam precisando de ajuda. — Todos assentiram com uma mesura sabendo isso ser uma verdade depois do que ocorrera na tempestade e se puseram a andar primeiro pela praia depois pela vegetação.

     Aderio tinha não só as mãos doendo como também o corpo todo. Lahana percebera, mas não tentou mais nenhuma aproximação. O outro companheiro ali era Hanz, um homem tão musculoso quanto inteligente. Lahana escolheu a tripulação a dedo, pensou Aderio observando o bruto de um metro e oitenta de altura, cabelos raspados dos dois lados da cabeça como uma lua crescente preta na cabeça rosada. O homem foi cortando caminho na frente de Lahana e de Aderio. Os três começaram a subir pela vegetação íngreme passando por uma encosta de onde o Raspadora podia ser visto descansando sobre a luz caudalosa de um mar iluminado. Não havia nada em lugar nenhum atrás dele, apenas mar aberto e uma tempestade continuando seu curso longe no horizonte.

     Enquanto subiam Hanz deixou algo cair que foi rolando e rolando até lá embaixo na praia. Disse que precisaria pegar, era algo muito precioso para ele. Ele correu sem importar-se com a opinião de Lahana deixando-a a sós com Aderio.

     Não aproveitaram o novo momento para conversar, Aderio sentia que não deveria dirigir palavra, mas Lahana quebrou o silêncio preocupada com o homem que descera à praia. Decidiram descer até lá, mas não viram nada na praia. Nenhum rastro pelo chão, sequer vestígios de ferimentos, Aderio começou a procurar por qualquer sinal de que ele tinha passado ali, até mesmo o cheiro do homem que pungia suor e rum. Absolutamente nada foi encontrado.

     Dividiram um olhar desconfiado entre eles e o Raspadora quase sumido atrás de uma rocha gigante; ela se ligava a um morro íngreme, aberta ao centro como se fosse uma enorme rosca de pedra escura.

     — Não, ele não faria isso — Lahana disse desejando que não tivesse os abandonado. Aderio a tranquilizou a seu jeito.

     — Ele não está lá.

     — Como sabe?

     — Não está lá, Lahana.

     — Custa responder? Sei que vocês dracus não dizem o que são, quem são ou o que fazem senão equilíbrio das coisas, mas...

     — Lahana, estamos sozinhos. Talvez tenha ido em outra direção ou se perdido, mas não sinto nem vejo menor rastro dele na direção do Navio.

     — Então responda como sabe!

     — Sou dracus, Lahana, e antes disso eu já era bom rastreador — disse friamente Kings Aderio. — Agora sou melhor e não estou enganado. É como se ele tivesse sumido.

     — Para onde? Não faz sentido! Não tem uma pegada aqui! — Lahana estava aflita. Aderio sabia o quanto aquela tripulação era importante para ela.

     — Não adianta nada ficarmos aqui.

     — E o que sugere?

     — Você é a capitã, o que você sugere.

     Lahana ponderou sua paciência por um momento até decidir-se.

     — Continuamos o caminho, mas se algo cair não vá buscar!

     Aderio assentiu e Lahana tomou a frente. Sua espada Eberlen luzia sangrando a vegetação à frente depois de realizarem o mesmo caminho. A vegetação passou de muito fechada para arborícola e rasteira rapidamente num terreno muito menos inclinado. Aderio observou um caminho formado na encosta e os dois seguiram por ali. A floresta fechou-se em um estranho regato descendo pelo monte cinzento. Aproveitaram para encher os cantis para se lavarem dos mosquitos e do suor. A água estava refrescante, certamente tinha passado por muitos caminhos onde se filtrou e purificou. Foi nesse momento que as três espadas foram brandidas de uma vez só na mesma direção. Lahana pensou que seus olhos a enganavam, mas era sim um rosto conhecido.

     — Selise?! — indagou, mas era ela mesma, os cabelos presos estavam nas mãos de Selise, o ar de cansaço parecia enganar; Aderio refletia se tinham andado tanto assim. — O que está fazendo aqui? E os outros?

     — Nem eu sei, capitã — respondeu Selise. — Alen estava na frente. Fiquei para trás enquanto Lentir, Ladenio e Noen falavam lá adiante acompanhando Alen. A voz deles sumiu de repente. Eu os procurei, corri e não encontrei ninguém senão um monte de aranhas lá embaixo e um barco quebrado que não era nenhum dos nossos. Subi a encosta e aqui encontrei vocês.

     — Os quatro sumiram — Lahana estava atordoada e rápida voltou-se para Kings Aderio. — Não é possível, você sente algo? Eles estão na ilha?

     Aderio buscou no que o vento tocava por alguma resposta. Só o que sentia era aquela sensação horrenda do navio, de que algo se mexia furtivamente nesta ilha. E agora era ainda mais forte. Isso o irritava, pois suas habilidades diminuíam quanto mais pensava no que poderia ser. Sem poder precisar nada, apenas balançou a cabeça negativamente fitando a nova exploradora com calma.

     —Você está bastante ofegante, não parece que andamos tanto — refletiu Aderio.

     — Vocês andaram e eu corri vindo do outro lado — disse Selise ofegante. — Por isso estou tão cansada. Posso beber um pouco? — Selise bebeu da água enquanto Lahana e Aderio discutiam o que fazer. De Hanz, Selise não fez menção. Lahana estacou como um burro sem olhar para nada nem ninguém. Ela estava muito longe dali. Aderio chamou algumas vezes por ela, até que a capitã finalmente decidiu-se.

     — Vamos continuar o caminho nós três. Seguiremos para o ponto mais a leste da ilha, onde provavelmente o grupo estaria neste momento — Lahana concluiu. Aderio confiou na propriedade da capitã e seguiram em frente.

     Atravessaram o regato e a mata rasteira voltou ainda mais densa. O capim crescia acima de suas cabeças e assim como Selise mencionara, muitas teias de aranha acompanhavam o caminho. As pequeninas tecelãs tinham beleza e asquerosidade, tudo ao mesmo tempo. Algumas eram grandes o bastante para refestelarem em pequenos roedores e pássaros. Aderio queimaria todas elas se uma ousasse nele encostar. Assim como todos os outros dracus ele odiava as aranhas. Nunca mais subo numa delas, nunca mais! A mata de teias deu lugar a um caminho feito de pedra e musgo. Ali a luz mal chegava, mas o sinal de que alguém vivera por perto estava mais do que evidente. O chão de pedra transformou-se em degraus escondidos no meio das folhagens. Um pangolim apareceu na frente dos três desfilando como se a escada fosse dele. Era grande e seria uma carne muito bem vinda para as barrigas vazias. Porém Aderio não devia comer nada daquela ilha, muito menos um pangolim. Na verdade começava a pensar se beber daquela água teria sido uma boa ideia. Lahana disse que se preocupava demais e a falta de preocupação da capitã o deixou ainda mais perturbado. A tripulação dessa mulher sumiu e ela age naturalmente quando há pouco estava preocupada? Selise olhava para todos os lados verificando se alguma aranha estaria por perto ou qualquer coisa asquerosa que odiassem. Tirando as aranhas ela não tinha medo de muita coisa. Só de um pássaro que passou voando à sua frente com um ruído gorgolejante, o canto mais horrível que um pássaro poderia ter. A natureza não foi muito gentil com esse aí, pensou Aderio. Ao passarem por uma série de palmeiras enfileiradas na encosta juntamente a pinheiros muito altos viram-se diante de uma imensa construção.

     Era um farol e deveria ter por volta de doze metros de altura. Estava sobre uma rocha muito alta circundada por ondas furiosíssimas. Uma queda nos turbilhões e a morte seria infalível; o farol se ligava à ilha por pedras extremamente afiadas lá embaixo e por uma ponte de pedra que se arriscava muito por estar em pé. Lahana seguiu em frente sem perguntar por opiniões e Aderio a seguiu logo atrás. As ondas faziam tudo tremer e ele já pensava que estar naquela rocha seria uma experiência pouco agradável. Quando chegaram ao outro lado tudo fazia menos sentido ainda. Era um lugar amplo de rochas e pedras amontoadas, destroços do teto estavam ali e dava para se ver o topo onde as chamas do farol estariam. Em volta haviam runas encrustadas na parede e estátuas estranhas junto a um pedestal ao fundo; de algum canal mais alto descia água cristalina pelas raízes de uma árvore escondida.

     As raízes moviam-se sem vento, a vegetação resfolegava e a penumbra tornava aquele lugar arrepiante, sem contar as pancadas das ondas sentidas a mais de quarenta metros abaixo dali fazendo o lugar todo balançar.

     Lahana e Selise investigavam tudo à volta enquanto Aderio verificava algo que o chamou atenção entre todas as outras coisas: uma estátua em que uma sereia belíssima estava beijando alguém vestido em chamas. A sereia tinha metade do corpo coberta por uma barbatana e a outra metade por uma perna. A mão apontava delicadamente para algo, por trás do abraço, na direção de um espelho. Aderio ofuscou algo naquela sereia. Ele se afastou lentamente. Tinha os olhos vidrados. O dedo da estátua então o fez, e sua espada lambeu o ar parando com a ponta apontada para alguém. Seus olhos queimavam em fúria assim como as labaredas em sua mão começaram a se formar. Lahana não compreendia, parecia nem compreender o que estava fazendo ali. Mas tão de repente ela voltou a si. Havia um sorriso diante dela. 

     A ilusão fora desfeita.

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