Capítulo 03
Naquele mesmo dia, Ji Soo passou horas concluindo a necrópsia. Ainda havia aquela mesma sensação estranha a rondando. Afinal, sentir-se conectada com um cadáver, no mínimo, era estranho. Era um sentimento descarado, que a cobria sem tamanho.
Apoiando o peso de seu corpo nos sapatos gastos, ela lavava suas mãos enquanto sua amiga finalizava a análise. Sentia o cansaço dominar seu corpo; mas sua mente não parava de funcionar um minuto sequer. Possivelmente, todos naquela sala estavam da mesma maneira. Admitia que o trabalho não era de todo ruim, mas o cenário as vezes era macabro o suficiente para afetar qualquer um, tenha ele a experiência que for. Afinal, não ia olhar um corpo que um dia fora radiante, soltando um semblante descritivo de sua morte e dizer: "Normal, vivo rodeado por eles". Verdadeiramente, não era assim. Quando Ji Soo abria a porta da sala para fazer o que sempre fazia, sentimentos diferentes a absorvia.
Certa vez, um caso a deixou tão imersa que a carregou para uma cama de hospital. No meio da análise onde abriam uma criança, ela se sentia ferida. Um corte no âmago de seu coração era efetuado com precisão. Estirado na maca sob as luzes da sala, a criança dava a impressão de que chorava lágrimas de sangue e após espalhara sobre o rosto de tanto desespero. Alguém que sequer conheceu o mundo, estava partindo com seu último momento marcado com um abuso. Este foi o único caso em que ela desmaiou, mas ainda assim, as vezes se sentia afetada demais. E este caso era um deles.
Era incontestável sua perturbação por suas mãos trêmulas e seu coração acelerado. Ela se retirou da sala em busca de um ar que lhe faltava um tanto, e dentre sua busca em controlar sua respiração se acalmou ao ouvir leves passos vindo em sua direção.
Era Kang que sorria gentilmente enquanto vinha lentamente até ela. A princípio não percebeu o estado da amiga, pois ele estava em outro mundo: dentro, havia uma batalha entre a razão e seu desenfreado coração.
Para Ji Soo, olhar para ele não passava de uma ação normal, identificando um companheiro se aproximar; mas para ele, olhá-la era mais que isso. Embora nunca dissesse, Kang gostava de Ji Soo a muito tempo. Um amor impossível, não correspondido. Para ele, amar alguém era intenso. Você se preocupa, se interessa, cuida. Em momentos difíceis, ampara, ou serve de apoio, como um edredon em um dia frio; que, lhe cobre e esquenta do que lhe atormenta. É muito verdade que ele queria receber o mesmo amor que sentia por ela, mas sabia que não era possível. A moça que conhecera a um tempo atrás, estava prestes a se casar com outro rapaz.
— Ei, tudo bem? — Ji Soo o encarava ao notar a hesitação do amigo em falar. Ainda trêmula, manteve-se firme, tentando disfarçar.
— Ah! Sim, sim. — Limpou a garganta, antes de prosseguir: O que descobriram? — Perguntou, notando sua agitação.
— Por onde devo começar? — Ji Soo fitou seus pés, pensando em qual informação falar. — O que você quer saber especificamente antes do relatório completo?
— Antes de qualquer coisa, com o que estamos lidando?
— Com um maníaco. Achei que já soubesse disso. — Ironizou, fazendo o amigo suspirar.
Claro que sim — replicou Kang pacientemente — Mas me referia aos dados coletados. Acharam algo?
— Bem, possivelmente a moça não morreu na pensão. O corpo já estava em decomposição por aproximadamente 2 semanas, e o cheiro estava muito fétido.
— Então, o assassino levou o corpo para lá depois? — Kang pensou um pouco — mas, como não vimos nada na câmera de segurança?
— Você é o detetive aqui. — Refutou impaciente.
— Algo mais? — Perguntou novamente, dessa vez, hesitante.
— Bem, além disso, houve uma coisa muito estranha. Em uma parte específica haviam números contornados na pele da moça.
— O quê? Isso é algum tipo de piada?
— Me pergunto o mesmo, pois me sinto dentro de um circo. Até vazaram informações do cadáver sem nosso consentimento. Eu literalmente acordei de manhã e a primeira coisa que ouvi foi sobre um corpo sem coração deixado em uma pensão.
— Também não sabemos quem vazou. Provavelmente os moradores que acharam o corpo fizeram questão.
— Seja quem for, me irrita. Mortes viraram espetáculo agora?
— Pelo visto, é o entretenimento do killer.
O que não deixa de ser verdade. Parecia uma programação mensal. As mortes se tornaram tão frequentes que o impacto era esperado ao ser anunciado.
— Afinal, o que encontrou lá senhor detetive? — Ji Soo aperta as mãos, temendo chamar atenção.
— Nada significativo, apenas recortes de jornais. Talvez, ela estava investigando o Heartless.
— Acha que ele a matou por isso?
Kang fez um meneio com a cabeça, em negação.
— Se fosse o caso já teria matado todos os escritores dos jornais locais que vivem investigando ele.
— Bem, se conseguir mais informações, poderia me dizer?
— Qual o motivo da sua curiosidade? Nunca ficou tão envolvida assim.
— A curiosidade que envolve todos que buscam o Killer. Preciso saber o que aconteceu com ela, ou não irei descansar.
— Você já fez o possível, não fique com isso na cabeça. — Kang encarou a companheira com firmeza.
Seus olhos transmitiam uma sutil mistura de preocupação e medo. Se ela ficar coberta com dúvidas, poderá encontrar a resposta da pior maneira, e isso era razão suficiente para deixar ele incerto do futuro.
— Kang Joon! Você estava aqui. — Hyun Jin sai da sala, deixando a entender que acabou os procedimentos da análise. — Preciso falar com você.
Aliviada, Ji Soo aproveita o momento para se retirar. Não suportava ficar ali junto de sua crise repentina que a conduzia a um grande desconforto. Sem se despedir, saiu rapidamente. Assim que respirou o ar fresco daquela noite fria, se acalmou, seguindo para seu carro onde finalmente poderia ir para o que costumava chamar de casa.
***
Quando Ji Soo chegou, depois de um árduo caminho até a residência, ela ainda demonstrava frieza. Não sentia aquela sensação genuína, quase simultânea de quando retorna para seu lar. Na verdade, tão pouco ela ditava que era.
Pensou em ligar para Kwan e saber se demoraria muito. Queria conversar sobre o que havia acontecido e dizer como sua mente estava desenfreada em um amontoado de dúvidas. Mas não ligou. Apenas foi para o banheiro, e praticamente se arrastou até as águas gélidas que cobriam seu corpo pálido.
A água descia carregando consigo os pensamentos de Ji Soo. A temperatura era fria, ela tremia, mas não tanto quanto o que sentia. Passava o sabonete rosado em seu corpo cansado, no mesmo que sentia a frieza de seu toque percorrer o fervor de seu coração. E era exatamente próximo dele, que seu toque parou. Posicionada abaixo de seu peito esquerdo, ela sentia a marca que a marcou.
Passava a mão na cicatriz que ganhou a duas semanas, em um acidente que não se lembrava a origem com um certo receio. Tudo o que lembrava era de seu companheiro preocupado ao seu lado. O médico havia dito que a memória foi perdida por um trauma, mas que possivelmente retornaria gradualmente, porém poderia demorar anos até saber o que de fato aconteceu.
Por um tempo pensando nisso, ela deixou a água correr, enquanto ela estava inerte. Apenas voltou ao foco quando ouviu um barulho no andar superior. Kwan certamente havia voltado.
Sem pressa, ela sai do banheiro e deita na cama relaxando pelo dia agitado que tivera. Logo, sentiu a presença de Kwan a abraçando por trás e passando suas mãos sobre os cabelos castanhos de Ji Soo, que sabia exatamente o que ele queria. Afinal, era um relacionamento de anos, que era novo e ardente.
A intimidade era tanta, a ponto dela se apegar a meras ações do rapaz. Gostava de olhar para ele de madrugada com as luzes do computador iluminando seus olhos escuros, enquanto ela conversava com ele para o distrair. Até as vezes em que brigavam eram memoráveis, pois entre argumentos perigosos ele sempre se desculpava depois. Certamente, Kwan devia ter sua própria história sobre ela. Desde o hidratante labial que passara em dias frios até o cheiro de seu perfume favorito que se espalhava pelo quarto sempre que dormiam juntos.
Sabia tudo sobre ele? Claro que não. Assim como ela também não ousava lhe dizer tudo sobre ela. Como a vez em que ela escapava de madrugada para vagar pelas noites por pura inquietação e topava com moços que ela particularmente sentia atração, ou quando comia descontroladamente barras e barras de chocolates durante as viagens do noivo por ansiedade.
Havendo apenas uma exceção, teve uma vez em que ele descobriu que Ji Soo não era tolerante a álcool e passou mal após poucas doses de vinho. Ela vomitara durante um bom tempo, sentada à beirada da cama com o cabelo molhado de suor grudado na nuca, lágrimas rolando pela bochecha rosada e Kwan ao seu lado segurando pacientemente uma bacia.
Para Ji Soo um relacionamento não era vindo de um amor trivial, em que repentinamente encontrava alguém especial. Embora Kwan insista que se apaixonou a primeira vista, ela sabia que no mais, era um delírio. O tempo, convívio e rotina fazem parte. Sem estes, não tem relacionamento que vá adiante. Ela sabia disso na mesma determinação que sabia que um corpo não vive sem oxigênio.
O que ela não tinha noção, era que esse desdém com base na relação era um puro engano. O convívio era crucial, mas sem sentimentos, não existia um amor de fato. Ela não era como Kang, que tinha uma montanha russa o levando entre altos e baixos de emoções. Ji Soo se enganava sobre o que era amar, fingindo tais sentimentos, sem de fato se importar. Intimidade não é amor, carinho não se chama necessariamente paixão.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro