Capítulo 02
"Pele branca feito neve, lábio vermelho feito sangue "
Estranhamente, estas palavras tiradas de um conto de fadas adentraram a mente do detetive Kang quando se aproximou um tanto e viu aquele corpo sem rastro de vida. Infelizmente, apesar da semelhança, não poderia comparar.
Uma branca de neve em sua versão sombria, pensou, analisando as mechas compridas e demasiadamente sujas, que se grudavam a testa da mulher. O rosto pequeno transmitia o pavor que sofrera um tempo antes de sua morte, com um semblante perpetuado ao terror. Seu corpo cintilava de tão branco e seu queixo estava quebrado, com um sangue seco espalhado por todo seu corpo. As roupas inferiores não se faziam presentes, o que deixava exposto a hipótese de um abuso que sofrera.
Ao mover sua visão para a banheira na qual o corpo acabara de ser encontrado, ele estremeceu.
— Ela parecia tão feliz — Afirmou o perito forense que havia acomodado o cadáver na maca. Certamente, conhecia a mulher para afirmar sua felicidade uma vez esboçada.
O detetive encarava seu semblante desanimado e suas costas curvadas, sinalizando um cansaço de horas de trabalho.
— Nem tudo é o que aparenta ser. — Ji Soo aparece ao lado do perito encarando o jovem detetive.
Seus cabelos estavam presos em rabo de cavalo desajeitado, com seus lábios carnudos escondidos através de sua máscara protetora.
— Veio buscar seu cadáver? — Kang respondeu, sabendo do apego da amiga com estes corpos sem vida.
Ela revira os olhos, em negação ao que acabou de ouvir.
Ji Soo amava ser Legista, gostava de desvendar e analisar o que causou a morte ou qual foi o último momento da vítima. Sentia prazer em pensar que ela entregava a verdade e deixava a alma seguir adiante após desvendar a razão de sua ida.
— Já dá pra dizer a causa da morte? — O perito pergunta, encarando Ji Soo instigado.
— Ainda é cedo para dizer, devo levar para uma necrópsia minuciosa até afirmar, mas, à primeira vista, nada indica que tenha sido estrangulamento.
Debruçando-se sobre a maca, Ji Soo abriu a camisa do cadáver, com cuidado. No mesmo instante, o detetive recuou um passo, ao ver os hematomas que pintavam sua visão e atiçavam seu estômago, causando-lhe uma forte ânsia. Em diversos pontos, as feridas já haviam se transformado em feridas abertas que grudavam no tecido outrora branco, mas que agora possuía uma cor encardida. Havia um buraco no lugar de seu coração que também fora exposto, sinalizando a retirada do órgão. O que deixava a legista surpresa, pois o corte estava nos pontos certos; que geralmente, ela cortava ao fazer uma averiguação.
Ji Soo olhou mais uma vez, sentindo-se aflita e triste. Se perguntava o que poderia ter acontecido. Ela era nova como legista, e ainda não se acostumou com o cenário; já o detetive tinha mais experiência e já vira de tudo, mas nem por isso ausentar-se do desconforto de olhar alguns casos. Como este.
Evitando olhar para o corpo, ele começou a perscrutar a área. O banheiro estava impecável, o que afirmava que não houve uma briga, ela morreu sem lutar por sua vida. Ji Soo por outro lado, acreditava que não. Pelo semblante da mulher, ela não teve opção.
Kang sabia que sua amiga era sentimental e ingênua, mesmo com sua profissão. Ele gostava disso, mas as vezes o irritava. Para ele, a humanidade recebia o que colhia, seja bom ou não. Típico seguidor da lei de Hamurabi, acreditava que nada se comete sem receber e ele trabalhava como detetive para isso. Recolher as consequências de psicopatas malucos e quitar a dívida deles com o mais doloroso sofrimento, por mais que seja absurdo.
Seo Kang Joon era imparcial com os malvados e amistoso com os bonzinhos, seu único problema era se deixar enganar por meras aparências. Uma vez que até o diabo já foi um anjo, o que esperar de um sorriso fingido de um mero humano?
Uma dose de seus devaneios foram jogadas, ao notar um barulho no cômodo. Era o perito que levava o corpo juntamente de Ji Soo para uma averiguação em prol da investigação. Assim que saíram, ele suspira aliviado. Kang estava sozinho no banheiro, livre para investigar. Agora poderia colocar sua prática em jogo.
Em um ato súbito, ele tenta controlar seu sono. Lutava contra o torpor matinal ao mesmo que era alertado com seu forte instinto de investigador. Parecia uma criança, empolgada e ansiosa para conhecer mais, aprender ao dobro e solucionar o que lhe foi proposto. Tinha como recompensa seu ego completo, por fazer jus ao corpo que outrora estava ao seu lado.
Já haviam retirado materiais, tirado fotos, levado o corpo, mas algo estava faltando. Kang conhecia o modus operandi do killer. Ele não fora conhecido por sua crueldade, mas por seu joguinho de gato e rato. Todas as vítimas mortas até então, tinham algum delito cometido, como se isso fosse uma justificativa por seus atos. Tudo o que a midia dizia era que ele levava os corações de todas as vítimas, mas nunca souberam os bastidores do show dele. Não são mortes aleatórias, ele as escolhia minuciosamente.
Enquanto o detetive fervia seus pensamentos, olhava atentamente para todos os cantos. Ao chegar no quarto, Kang vai à prateleira, que está com a parte superior cheia de acessórios de cabelo, muitas maquiagens e uma caixa de joia antiga. Quando ele levanta a tampa, uma bailarina de porcelana com saia de tule aparece subitamente começando a girar. Um sutil som invadiu os ouvidos do detetive, que achou o toque demasiadamente peculiar.
Não satisfeito, Kang vai ao guarda-roupa e começa a tirar as poucas peças que estavam no local. Então, encontrou o que queria. Havia um cofre cinza, em um canto na parte de trás do guarda-roupa, parcialmente escondido por um pedaço de roupa. Portava uma fechadura quebrada, o que se explica a maneira como foi guardado.
Kang consegue abrir, encontrando três pastas muito bem organizadas, uma em cima da outra. A de cima é vermelha e não está etiquetada. Ao abri-la, Kang se depara com uma espécie de álbum de recortes. Páginas e mais páginas de artigos de jornais. Todas sobre o Heartless. Alguns artigos têm sentenças sublinhadas. As outras duas pastas também, porém nessas não havia nada além de documentos. Tirando uma que ao fundo portava um recorte de jornal, sem uma data certa.
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Hwaseong, Coreia do Sul - Um homem foi encontrado morto ontem dentro da casa que compartilhava com sua filha. A menina de três anos presenciou o assassinato dentro do guarda-roupa, sendo a única testemunha no local. As autoridades dizem que, aparentemente, nada foi retirado da cena, o que os leva a concluir que não tinha sido um latrocínio.
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Ao ler, Kang sente uma profunda aflição. Nem tanto pela matéria, mas pelo paredeiro da criança. Onde estaria a menina que passou por isso de maneira tão cruel?
***
Enquanto Kang queimava suas dúvidas, Ji Soo já estava em sua sala. Chegada a hora do almoço, e ela estava almoçado suas dúvidas ao olhar com cuidado o cadáver outrora encontrado. Já na sala de necropsia, o exame começa.
Agora sem as vestes que a impediam de olhar minuciosamente, Ji Soo via com nitidez. E isso a deixava instigada. Não era só o coração arrancado que a deixava surpresa sobre a condição do cadáver. Pelo estado de sua pele, ela já imaginava o tempo em que o corpo esteve naquela situação. Não foram horas, tão pouco dias. Pelo estado do abdômen: que estava completamente inchado acumulando gases, afirmava que não passara de uma semana; no mais tardar, duas. O que não batia.
O corpo fora encontrado em uma pensão, então o cheiro já deveria ter demonstrado uma certa manifestação no máximo do terceiro dia.
Para piorar, Ji Soo ainda fixou sua atenção em uma tatuagem perto da virilha do cadáver, porém não era uma marca convencional. A agulha usada, não era inofensiva como uma normal, pois a marca estava pintada com sangue após, provavelmente, rasgar a pele para chegar aquele contorno.
— Tá escrito alguma coisa aqui — Hyun jin aparece assustando Ji Soo.
Ainda com a boca cheia do almoço, sua colega analisava o corpo desajeitadamente.
Como um ato automático, Ji Soo revira os olhos pela segunda vez no dia, ignorando a falta de sensibilidade da amiga.
— São números. — respondeu passando os dedos pelo corpo gélido, sentindo a cicatriz que a ferida causou.
— Números? Uau, incrível! Já não basta ser psicopata, ainda é maníaco por números.
— Acredito que não seja por isso. Olha bem, parece ser um versículo. — Ji Soo fala, apontando para o número 27:10 gravado ao sangue na virilha da mulher.
Embora seja uma dedução equivocada, visto que poderia haver muitos significados, ela inevitavelmente recordou daqueles números.
— Ele é cristão? Realmente não pensei que ele tinha uma religião.
— É sério. Pode ser um palpite em falso, mas lembro desse versículo.
E realmente ela lembrava. Certa vez, a madre do orfanato onde ela morou dissera para Ji Soo sobre. Escolhera quase todos os dias algum versículo de Salmos. E aquele em questão lhe era frequente.
"Ainda que me abandonem pai e mãe,
o Senhor me acolherá. "
Era com estas palavras que Ji Soo dormia em prantos todas as noites, ao perceber que nem o senhor a acolheu.
— Você não acha que é só uma brincadeira de mal gosto? — Hyun Jin comenta, coçando seu queixo.
— Estamos em um circo por acaso? — Responde sem paciência aos comentários inoportunos da amiga, começando o segundo passo da análise.
Ao verificar o interior do cadáver Ji Soo se submeteu a diversas alterações de suas breves especulações mentais. Em um primeiro momento, achava que não houve uma morte devido ao afogamento ou asfixia. Especulava a hipótese da moça ser morta após as torturas e a retirada do coração, para posteriormente ser deixada boiando sobre a banheira, mas não era o que o pulmão do cadáver afirmava.
Ao retirar o órgão cuidadosamente, ela notou que eles estavam inchados demais, cobertos por pintas vermelhas em um tom arroxeado que indicava asfixia por um afogamento.
Cada vez que analisava, mais confusa ela ficava. Eram muitas informações que seriam cruciais para a investigação, no entanto, também poderia ser apenas paranóia de uma moça esfomeada e cansada. Ela já estava a um bom tempo na sala de necrópsia. Hyun Jin notou o mal estar da amiga, e se ofereceu para concluir o trabalho enquanto Ji Soo toma um ar. Ela não negou, realmente precisava.
Pela primeira vez, em tempos de trabalhos, ela estava viajando. Sua mente a levava para um lugar desconhecido com sentimentos já esquecidos.
Sentia melancolia ao analisar aquele corpo, no mesmo que no fundo surgia uma ponta de alegria. Ela não conhecia a mulher, tão pouco poderia pois estava desfigurada, mas tocar naquele corpo a despertava uma mistura de sentimentos que a tempos estavam guardados.
...
Hi Lorena!
Fiz esse capítulo com muito carinho para vocês. Prometo ser suave no próximo, tanto quanto fui nesse.
Notas: Detetive Kang no gif. Não fiz capítulo com elenco, então gradualmente irei apresentando.
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