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Bate-mar

O livro que continha um compilado de poesias de Fernando Pessoa era uma forma nívea frente ao céu azul logo atrás dele.

Deitada nas alinhadas rochas do bate-mar, deixei-me sentir mais uma vez a onda subir pelas pedras e escorrer do outro lado, molhando-me e me empurrando para o lado.

Naquela maré baixa, as ondas não batiam ferozes contra a muralha — nós duas estávamos em um dia calmo. As gaivotas pareciam cantar mais alto naquele dia em especial, como se estivessem animadas por um desfecho.

— Não tem medo de molhar o livro? — uma voz soou.

Aquela voz eu conhecia muito bem. Kaldur'Ahm parecia sentir e conhecer cada parte daquele mar como a palma de sua mão — a prova era que havia me encontrado ali, num local tão inóspito.

Aquele livro já havia me acompanhado em muitas viagens, filas e consultórios de médicos: estava surrado o suficiente para não se importar com alguns respingos de água salgada.

— Livros são para ler — fechei-o, sentando-me na pedra molhada e observando o rapaz que tinha apenas a cabeça para fora da água. — Devem ser carregados por aí, por toda sorte. Devem nos acompanhar em aventuras e contar suas histórias enquanto leem as nossas histórias. Desconfie de quem os trata como enfeites: esses estão deixando de aproveitar o verdadeiro espírito libertador que oferecem.

Com um riso soprado, achegou-se e subiu na rocha, fazendo comentários sobre esta ser uma ideia bem fora de moda, de acordo com o que os outros amantes de livros pensavam.

Ele me disse que água e livros não combinam. Eu disse a ele que muitas coisas não combinam; isso não quer dizer que é errado as juntar.

Ele disse que a água destrói os livros. Eu disse que tudo um dia será destruído; o que importa é que esteja gravado no coração e na mente daqueles que amaram passar momentos com o que foi destruído ou partiu.

Ele me chamou para nadar, queria me mostrar Atlantis. Eu disse que não sabia se conseguiria conhecer a cidade, pois preciso de ar. Ele disse que estaria ao meu lado: se eu precisasse, ele nadaria mais rápido do que nunca para me trazer à superfície.

Eu o perguntei se ele achava que as nossas diferenças nos separariam. Ele me disse para viver com ele tempo o suficiente para descobrir.

Eu larguei o livro no bate-mar e pulei no oceano junto ao atlante, deixando-o me trazer o horizonte.

De cima, boiando, pudemos ver as luzes da cidade do mar — era assim que se sentiam os pássaros quando estavam no céu, olhando para nós?

Eu brinquei sobre termos encontrado o nosso próprio céu. Ele me beijou.

E, longe dali, o livro afundou no mar. E eu também.

"Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu."
— Fernando Pessoa

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