VI - O Encontro
Katie
Enfim! Chegamos ao galpão. O Motorista do caminhão parou o carro.
- Podem descer crianças! - Queria saber o motivo das pessoas com mais de 50 chamar os adolescentes de crianças.
Olho para o Carlos que está abaixado ao meu lado, atrás de um montante de guardanapos. Ele retribui e o meu olhar. Descemos, é uma estrada de areia, afastada um pouco da cidade. O galpão é enorme, paredes enormes de madeiras totalmente desgastadas, a porta está escorada. Parece um antigo celeiro. Ficamos parados olhando para aquele local, sem saber quem irá ter coragem de ter a iniciativa e ir na frente, eu queria abraçar meu pai e resgatar ele, mas o medo de encontrar algo que eu não quero é enorme.
Carlos pega na minha mão e coloca suas mãos em meu queixo.
- Vai dá tudo certo! - Dá um selinho em meus lábios, me transmitindo coragem e vontade de vencer tudo isso que está acontecendo.
Eu dou o primeiro passo, seguido de outros passos do Carlos. Corremos, e nos abaixamos em uma árvore ao lado do galpão. Ficamos por um tempo em silêncio tentando escutar algum barulho dentro do galpão, mas não escutamos nada, apenas as folhas e galhos balançando nas redondezas, por conta do vento.
- E aí? Quem vai primeiro? - Pergunta o Carlos.
- Eu achava que iríamos juntos! - Olho espantada para o Carlos.
- Desculpas! Foi uma piada.
O senso do humor de sempre.
Ele pega na minha mão e mais uma vez tenta me acalmar. Nós levantamos juntos de onde estávamos abaixados e vamos em direção a porta do balcão.
__________
Anos antes
- Minha filhinha está crescendo e estou muito emocionado com isso. - Meu pai fala no meu aniversário, antes do parabéns, onde todos meus amigos estavam ao redor da mesa do bolo.
- Pai! POR FAVOR! - Falo envergonhada.
- 14 anos em! Quem diria? - Minha mãe não consegue ficar calada.
Dá para vocês pararem de ficar me envergonhando na frente dos meus AMIGOS? Aff que raiva.
- Seus pais são sempre animados assim? - Pergunta a Sarah, rindo da vergonha que eu estava passando.
- Quer eles para você?
- Eu aceitaria, mas acho que você deve ser mais torturada por esse casal fofo.
- Casal fofo?
- Olha! - Grita meu pai. - Vamos parar de ficar falando mal de nós dois em nossa própria casa. Tá bem? Acho que já está na hora de cantarmos parabéns.
E todos começam a cantar parabéns para essa princesa aqui, mais um ano e eu já posso me considerar independente, sei que não mudará muitas coisas, mas pelo menos estará mais perto da vida de adulta. Não vejo a hora de ter as minhas próprias coisas, sempre que eu falo isso me falam que não é fácil. Eu sei, e odeio quando falam isso, eu vou conquistar as minhas coisas.
O Carlos entra na sala, segurando o Bolo, com as 14 velinhas acesas e todos começam a cantarolar a musiquinha clássica em minha homenagem. Assopro as velinhas e peço que todos os meus sonhos sejam realizados, já que só posso pedir uma coisa. Acho que corrompi o destino, fui mais esperta que as próprias regras.
Depois dos parabéns, começamos a distribuir os doces, os refrigerantes.
- Katie, um Boff entrou carregando o seu bolo, em? - Norman sempre procurando noticiais.
- Para, acabo de completar 14, ele é muito bonitinho, mas já pegou umas 5 meninas e não quero ser mais uma da lista! Sou diferente.
- Você está muito madura para sua idade. - Completa Sarah.
- Ata! Olha para o lado e vejam por si só. - Falo.
O Carlos estava no cantinho da parede competindo com os amigos quem dava o arroto mais alto.
- É verdade que amadurecemos mais rápido. - Falo rindo de minhas amigas.
- HORA dos PRESENTESSSS - Meu pai grita mais uma vez.
Pra que animadores de festa se tenho um pai assim? Porém, confesso que esse é o momento que eu mais espero em um aniversário, principalmente quando é o meu. Abro todos os presentes, todos me deram coisas legais, menos o Carlos que me deu um par de calcinhas, quem é que dá roupa íntima em um aniversário? E ainda mais: EU GANHEI DE UM MENINO. Meu Deus que podre. E chegou o momento dos presentes dos meus pais.
- Assim! Eu fico triste e feliz ao mesmo tempo em ver que a minha filha está crescendo. - Minha mãe inicia mais um discurso que me envergonha. - E sei que ela odeia esses momentos em seus aniversários, então eu vou ser breve, há muito tempo que ela está pedindo esse presente e eu resolvi ceder de uma vez por todas, acho que está na hora dela ficar mais conectada.
Ela me entrega uma enorme caixa, e dentro dessa caixa há outra caixa e assim sucessivamente, até chegar em uma caixa minúscula, quando abro é um celular novo. Eu sabia que a minha mãe estava cheia de dívidas, o emprego dela atual não dava tão certo. Mesmo assim ela me presenteou com algo tão caro, pelo menos para a minha família. Eu levanto do chão e dou um abração em minha mãe. Fico esperando meu pai falar algo, porém ele não fala e a festa continua sem o discurso do meu pai e sem ele me dá nenhum presente. Acho que o celular foi um presente conjunto, só que minha mãe não mencionou nada sobre isso. Fico magoada. Queria escutar o meu pai falando, porém não acontece.
A festa acaba, dou Thau para os meus amigos e vou para o meu quarto organizar os meus presentes, menos as calcinhas que ganhei do Carlos, essas eu jogo no lixeiro do meu banheiro. Quando termino de editar as fotos do dia em meu notebook, percebo que os meus olhos estão pesados e meu corpo está cansando. Coloco o meu pijama e vou dormir.
A porta do meu quarto se abre. É o meu pai. O meu pai está com um pacotinho na mão e senta na beira de minha cama.
- Pai? - Pergunto.
- Sim! - Fala ligando o abajur e clareando a parte que estávamos. - Você pensou que eu tinha esquecido de te dá seu presente não foi?
Foi.
- Não! Óbvio que não, você não comprou o celular junto com a Mãe?
- Com a Jessica? Não, não. Você sabe que é tradição dela ambos darem presentes diferentes. - Minha mãe e suas tradições. - Então, o presente que eu vou te dá não tem nem a metade do valor do presente que sua mãe te deu, em dinheiro, pois, em sentimentos esse presente que eu te darei é o mais valioso que você irá ganhar.
Tento focar nos olhos do meu pai, mas estou com muita vergonha do caminho que essa conversa está seguindo.
- Sabe, eu sempre esperei que o meu primeiro filho fosse um menino, era o meu sonho. Jogar futebol, ler histórias de super heróis.
- Mas meninas podem gostar de HQs pai! - Falo interrompendo esse comentário Machista.
- Eu sei, eu sei. E eu só consegui saber disso depois que você nasceu. Foi mais difícil criar amor por você do que qualquer pessoa da família, não que seja grande. Minhas expectativas foram quebradas, inicialmente de forma negativa e hoje de forma positiva. - Percebo uma lágrima escorrendo na face de meu pai. - Você está se tornando uma mulher e do jeito que qualquer pai gostaria de ter, inteligente, legal, criativa e tantas outras qualidades que eu duvido muito que tenham palavras para descrever. - Ixii acho que eu vou chorar também. - Quando eu completei 14 anos o meu pai me deu uma coisinha que agora te entrego. É um livrinho que colocamos as nossas digitais e as digitais de nossos filhos, já têm diversas e espero que seja feito com um dos seus filhos ou filhas. A tradição inicialmente era apenas com homens, mas eu estou quebrando, pois você é mais forte do que qualquer um que marcou o dedo nesse livro.
Ele me entrega o pacote e abro, além de um pingente de coração está o livro. Aparentemente velho, mas dá para perceber que ele lutou para cuidar do livro e da tradição de sua família. Eu acho muito interessante, porém não sei se quero ter Filhos, talvez eu quebre ainda mais essa tradição.
- Muito Obrigado pai!
- Esse presente é para você saber o quanto é importante para mim. Eu sempre estarei ao seu lado, sei que agora está mais perto de você arranjar um namoradinho. - Nós Rimos - Mas, saiba que sempre estarei por perto, eu te amo.
Acredito que a Palavra Eu Te Amo só recebe o seu valor merecido quando sai da boca dos pais para os filhos ou dos filhos para os pais. É o eu te amo que mais trava na garganta, que mais acelera o nosso coração. É o que eu acho. Naquele dia foi complicado responder ao meu pai, conforme o tempo vai passando vamos perdendo o costume de corresponder dessa forma.
- Eu também te amo. - Falo evitando contato visual.
Meu pai vai até o corredor e entra com uma caixa maior.
- O Que é isso? - Pergunto.
- Seu outro presente.
Outro? Não falo nada, pois eu estou gostando desse monte de presentes. Abro a caixa e é um ursinho de pelúcia que afe hoje está na prateleira de meu quarto.
___________
Agora
Eu vejo o que nunca esperei ver.
Eu estou correndo em direção ao meu pai, eu quero abraça-lo, quero pedir desculpas por desconfiar dele, quero dizer que o Exorcismo talvez deu certo, quero falar que ele é importante pra mim e que vamos vencer esses miseráveis juntos. Eu queria que essa cena fosse mentira. O Carlos fica sem reação, não está correndo comigo, ficou na porta do galpão aterrorizado com a cena que nos deparamos.
Meu Pai!
Meu pai, está jogado no chão, no chão sujo, o sangue dele está espalhado por uma boa parte de todos os cantos. Eu quero que meu pai levante, quanto mais eu me apresso para chegar até onde meu pai estar eu tenho mais certeza que a situação é grave.
Abraço o corpo dele, vejo que o sangue já está cristalizado no chão, meu pai estava ali a algum tempo. Vejo que ele está sem pé, cortes por todo o corpo, o corpo dele está frio, olhos abertos e sem reação. Eu não posso acreditar que isso aconteceu, isso não poderia ter acontecido, meu pai foi embora sem as minhas desculpas, ele foi embora sem saber se estamos salvas.
- Meu Paiiiii - Eu grito, fazendo ecoar meus gemidos de dor por todo o balcão. - Não pode serrrrrrrrrr. Ele nãooooooo. Malditosssssss. - Grito até minha garganta travar e nada mais sair de minha voz. As minhas lágrimas escorrem como cachoeira em minha face, os pingos do meu choro caem no sangue do meu pai e pelo rosto dele. Beijo seu cabelo e volto a gritar. - ELES VÃO ME PAGAR. Eles vão me pagarrrrrr.
É incrível como a morte nos surpreende, nunca sabemos quem será o próximo. Meu pai foi levado da maneira mais triste que poderia ter acontecido, ele não teve uma morte rápida, vejo sinais de ferimentos por todo o corpo, o rosto está repleto de sangue, suas mãos estão com marcas de corda. Meu pai sofreu para morrer, ele sofreu e esse pensamento revela um lado de minha personalidade que eu não sabia que existia até esse momento, eu quero vingança, eu quero que o Oliver sofra da mesma maneira que meu pai sofreu.
Eu fico parada, com o corpo do meu pai em meu colo, eu não me importo com o corpo que está pendurado em um guincho de carne ao meu lado, eu nem olho se o Carlos está mais próximo de mim ou ainda na porta. Eu só fico segurando o corpo do meu pai em meus braços, gravando em minha memória os últimos minutos ao seu lado. As minhas lágrimas acabam, meu coração está silencioso. E eu fico ali parada olhando para o teto e escutando as árvores das redondezas fazerem barulhos.
- Katie? - Escuro o Carlos me chamando, ele está mais perto.
Eu não consigo responder.
- Precisamos ir, contar a alguém. Eu não sei quem chamar, pra quem ligar.
Pra quem ligar? A polícia está corrompida pelos marmanjos do Oliver. Minha mãe teria um treco antes de chegar aqui.
- Esse homem era um policial. Eu já vi ele em algum lugar.
Eu não estou com paciência para olhar outro corpo. Mesmo assim levanto os meus olhares e fico analisando aquele corpo totalmente desconfigurado, sem pele, com o tórax perfurado por um guincho. E sim. Sim. SIM! Era o Policial Jeff, morto, juntamente com o meu pai. Minha voz não sai, eu não consigo confirmar ao Carlos que realmente era um policial. Só fico ali abraçada com o meu pai.
Derrepente, escutamos barulho de polícia. Mais uma vez eu estou em uma cena de crime, ao lado de cadáveres.
- Vamos embora. - Fala Carlos.
Eu não consigo me levantar, eu lembro da ameaça do Xerife Jhon, se ele me visse aqui em mais uma cena iria me mandar diretamente para o hospital psiquiátrico. Eu sei que é melhor eu sair correndo daquele local, eu sei.
- VAMOS KATIE. - O barulho das viaturas ficam cada vez mais próximas.
Eu consigo colocar a cabeça do meu pai devagar no chão e me levantar com a ajuda do Carlos. Eu quase não consigo ter forças.
- Carlos... Meu pai - Falo, contemplando o corpo do meu pai jogado no chão.
- Katie eu sei, mas precisamos ir!
Eu não queria deixa meu pai ali, jogado no chão. Sozinho. Eu sabia que quem iria encontrar ele nesse estado foram os mesmos que fizeram isso, que Hipocrisia, que mentes são essas que conseguem mentir para as pessoas que estão sofrendo com os acontecimentos. Isso é doença. Eles são doentes. Eles são neuróticos. Quem realmente precisa de um hospital psiquiátrico são eles, ou melhor, merecem o mesmo sofrimento que eu estou sentindo nesse momento. Merecem uma morte tão dolorosa como todos que foram embora, como todos que partiram.
- Vamos. - Falo.
Ele pega no meu braço e me dá forças para correr. Nós corremos e fugimos por uma pequena brecha que tem no fundo, vamos correndo por uma ladeira de terra, com galhos secos que arranham nossas pernas. Achamos umas pedras grandes e nos escondemos atrás, até o barulho dos carros desaparecerem. Ficamos ali parados e sentados vendo o sol se pôr, vendo e percebendo que o meu estado não era legal.
Enfim, vamos caminhando pela estrada de terra em direção a minha casa, onde eu sei que a minha mãe já terá recebido a notícia.
Quando chego na minha casa o Carlos me dá um beijo em minha testa, começo a chorar novamente ao lembrar que meu pai nunca mais irá subir as escadas para entrar em casa, ao lembrar que ele nunca mais irá me beijar antes de dormir. A dor é indescritível, meu coração está apertado. Carlos abre a porta de minha casa e me leva até o meu quarto para eu me lavar e limpar todo o sangue. Enquanto estávamos subindo às escadas vi minha mãe sentada na mesa da cozinha com a foto do meu pai, possivelmente lamentando a sua morte.
Quando desço às escadas, minha mãe me abraça e começa a soluçar de tanto chorar.
Nós choramos juntas, lamentando o inevitável.
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