I - Maggie
Maggie
1 ano atrás
Eu sempre gostei de primeiros dias de aula. É tão bom abrir a mochila e sentir o cheiro de materiais novos, sério, acho que tenho alguma tara por isso. Passar as férias maratonando séries é a melhor coisa, sério, mas sério voltar às aulas é muito bom. Costumo sempre estar no meu quartinho. Mas encontrar as amigas é muito bom. A escola não é tão grande, a cidade é minúscula, então sim, quase todo mundo da minha idade já estudou com todos os outros da mesma idade, todos nos conhecemos.
No corredor tem uma mesa de recepção, a presidente do Grêmio estudantil está sentada distribuindo panfletos com as saladas de cada matéria e informando o armário de cada um. Meu Deus, Ensino médio! O sonho de qualquer criança. Espero que meu armário seja perto de alguém que eu conheça. Vou andando em direção ao armário que está escrito no meu papel. "78". E sim vejo que tem uma pessoa muito conhecida que ficará perto do meu armário. É a Sarah Bates.
- Oi Sarah! - Falo com entusiasmo.
- Oi amiga!
Apesar de não termos mantido contato nas férias, acho que férias é justamente isso, sei que aquele abraço não foi com falsidade.
- Como foi suas férias? - Ela pergunta.
- O mesmo de sempre amiga. Assistindo séries, lendo livros, lendo o blog da Norman.
A Norman. Uma das minhas melhores amigas, menina doce, sonhadora, e escritora. Acho que escrever é uma das mais belas artes, a criatividade é ampla para essa profissão.
Nós rimos juntas.
- E as suas férias amiga?
Ela ri.
- Você nem vai imaginar! Miga, eu estou namorando com o Clark.
O Clark era o capitão do time de futebol americano da escola. O cobiçado. Não sei o que as meninas tanto enxergam em caras machistas, altos e fortes. Confesso que a parte de algo e forte também me encanta, mas a outra não. A Sarah sempre tem dessas surpresas.
- E não conta para a Katie agora, ela é minha amiga mais próxima, mas não aguentei esperar até o almoço e já estou contanto para você.
Tenho medo da Sarah se magoar, o Clark é muito mulherengo.
- Me conta com Detalhes como isso aconteceu. - Peço, eu quero saber todos os detalhes possíveis desse acontecimento, preciso me revestir de argumentos para defender ou não esse relacionamento.
- Foi em um retiro da igreja, você tinha que ver como ele chorava nos momentos. Ele falou até o testemunho de vida miga, foi emocionante. Quando estávamos arrumando as malas para ir embora, rolou. Ele falou que sempre olhava para mim e eu disse o mesmo, começamos a nos encontrar toda semana e hoje mesmo ele já irá jantar com minha família.
É... A coisa é realmente séria.
- Que bom amiga. Desejo tudo de bom para você.
O sinal toca.
- Qual sua primeira aula? - Pergunto.
- Gramática! E a sua?
- Espanhol.
- Poxa, acho que o nosso horário não vai chocar em nenhuma matéria.
- Impossível miga, essa escola é minúscula.
Rimos juntas, andando apressadamente pelo corredor e desviando das pessoas que estão andando contra a nossa direção.
- Qual matéria extracurricular você escolheu? - Pergunto.
- Biologia Aplicada. Você sabe que o meu sonho é fazer medicina, e ser voluntária nos países pobres da África, eu sonho em ajudar as pessoas que NÃO são tão lembradas.
Eu fico tão feliz por ter amigas assim. A Sarah é um anjo.
- Amiga, eu espero que o seu sonho se realize.
- Eu também espero que você consiga fazer a faculdade que você deseja. Afinal qual matéria extracurricular você escolheu? Eu nem sei qual a facul você quer ir.
Eu também não. Quando vim fazer minha matrícula era o último dia, costumo deixar tudo para os últimos momentos, talvez isso seja um defeito, mas a prioridade é aproveitar ao máximo as férias.
- Quando eu fiz minha matrícula só tinha disponível o grupo de Líder de torcida e o Coral da Escola, e eu escolhi o Coral, ano passado eles ganharam as nacionais, então espero que esse ano eles também ganhem. Aquela drag é um sucesso e canta muito.
Não sei se esse é realmente o meu pensamento, mas saiu na hora, então né!
- Entendo!
- Menos conversa garotas e vamos apressar os passos e vão para a sala de aula imediatamente, só não entrego uma advertência pois é o primeiro dia. - O inspetor da escola é muito chato, porém hoje foi um pouco legal.
Nós despedimos e vamos para a aula. O almoço foi muito legal, altas risadas. Carlos sempre trazia o UNO, jogávamos muito. O Billy sempre arranjava um jeito de esconder as cartas ou de trapassear. A Norman nunca aprendeu a jogar direito o jogo, a Katie não parava de rir na rodada inteira. O melhor de tudo era a Sarah e o Clark se beijando ao lado da gente. Tem como a nossa vida de adolescentes dá errado? Vamos realizar nossos sonhos, e todos nós vamos estar brindando nossas conquistas daqui 10 anos, em Paris na França, ao lado da torre Eiffel. Eu sei que vamos.
Hoje
Em um ano as coisas mudam? Sim! Mudam! A minha vida se transformou da água para a lama, eu poderia falar em vinho, mas vinho é bom. A dor de ser desmentida pela própria família é muito forte. Confesso que chorei muito nos primeiros dias que fiquei nesse local, mas já estou me acostumando, é só eu me comportar e começar a negar todas as coisas que eu falei sobre as coisas estranhas que eu vi.
A rotina no hospital psiquiátrico é estranha. Aproximadamente às 5 da manhã soa um alarme para todos levantarem. Não temos relógio, mas em cada quarto pálido há uma pequena janela e toda vez eu olho para o sol e deduso que é esse horário. O quarto é totalmente Branco, repleto de espumas, a cama é de plástico maleável, lençóis brancos, tudo é branco. Acho que depois desses dias aqui irei desenvolver racismo inverso. O café da manhã é horrível, folhas verdes com frutas e depois todos entram em uma fila para tomar remédios, confesso que sempre escondo Debaixo da língua e cuspi no pia do banheiro. O almoço não é diferente. E antes que o sol vá embora o alarme toca para todos se recolherem. Que bom que esse hospital é bem cuidado, há alguns muito acabados.
Fazer amizade em um local assim é complicado. Os enfermeiros, psicólogos e médicos pensam que você quer algo a mais. E todos que aqui estão, estão definitivamente piores que qualquer coisa que você consiga imaginar. Só consigo ter umas breves conversas com uma senhorinha que senta na mesa do canto da parede no refeitório e não larga uma boneca do braço.
- Oi menininha. O que você faz aqui em um lugar tão chato? - Toda vez que eu sento perto dela é como se fosse a primeira vez que ela me visse e sempre faz a mesma pergunta. Confesso que é engraçado, mas é bom. Você tem a chance de concertar o que falou de errado no outro dia. Queria que as pessoas da minha família que me magoaram pudesse voltar no tempo.
Se eu já pensei em cometer suicídio depois que vim para cá? Claro que já. Mas essa velhinha me encorajou de uma forma incrível.
- Como é seu nome? - Pergunto.
- Candelária!
Eu sei que esse não é um nome real. Mas a Senhora demonstra sinais de lucidez e me devolve a pergunta.
- E o seu?
Acho que a melhor forma de conversar com pessoas que não vivem em seu mundo é entrando no mundo delas.
- O meu é Frigorífico.
Sério! Eu não pensei em um nome melhor.
- Prazer senhora Julie.
Oi? Eu falei frigorífico? De onde veio Julie? Acho que até para essa senhora frigorífico foi muito ruim e a cabeça dela concertou automaticamente. Afinal, Julie não é um nome feio.
- Quem é essa no seu braço?
- É a minha filhinha. A minha filhinha que foi embora. Ela foi embora para lá - Ela aponta para os céus. - Ela virou anjinho. E eu fico tão triste.
- Triste? - Questiono - Não precisa, ela está feliz onde ela estiver, e nao precisa ficar assim.
- Não! Não é por ela que eu estou triste.
- E qual o motivo de sua tristeza?
- Vocês Jovens. Não valorizam a vida, eu estou chorando, minha menina perdeu a dela e vocês desperdiçam o que muitos queriam ter. Eu queria ver ela correndo, ela caindo, queria buscar ela na escola, queria deixar de castigo, queria abraçar e fazer surpresinhas de aniversário. Mas ela foi embora. Garota, deixe os outros fazer surpresas, deixe. Nós precisamos de pessoas para dá presentes e eu não tenho ninguém.
Doeu. Doeu no fundo do coração essa primeira conversa que eu tive com a Senhora Candelária. E foi forte. E me motivou a sair desse lugar e nunca mais olhar na cara da minha mãe. Um dia aprenderei a perdoar, mas não será agora.
Enquanto estou recordando essa conversa e estou olhando para as flores um enfermeiro vem até o local que eu estou.
- Maggie. Você tem visita!
Visita?
Eu odeio quando há visitas. A última vez que eu tive uma e a única vez foi um psicólogo particular que minha família contratou para elaborar um diagnóstico geral. Eu odeio muito, os enfermeiros não deixam eu andar sozinha e seguram os meus braços um em cada lado, como se eu fosse sair correndo daquele local, é uma vontade, mas não irei correr esse risco.
A sala de visitas é enorme, há diversos seguranças. As pessoas entram descalços e sem qualquer acessório. Há uma mesa redonda com duas cadeiras para cada pessoa. Tento procurar uma mesa com apenas uma cadeira ocupada para descobrir quem é a minha visita, mas tem muita gente na sala. Os enfermeiros continuam me levando pelo braço e parece que eu sei perfeitamente quem está me visitando. É ela! Eu sento na mesa e não consigo fazer contato visual. Afinal... Quem conseguiria?
- Filha! - É minha mãe, e começa a soluçar e chorar quando me ver ali na frente dele. Arrependimento? Não quero saber. - Espero que esteja se recuperando. - Não, não é arrependimento.
- Você veio aqui para reforçar a hipocrisia que você fez comigo? - Falo evitando fazer contato visual. Ela tenta pegar nas minhas mãos, mas desvio e coloca as duas debaixo da mesa.
- Não me toque. Uma mãe nunca duvidaria da filha.
- Você tem noção de como eu me senti quando descobri que você se cortava? Nós, mães, nos sentimos incapacitadas, sentimos que não fizemos o suficiente, que não fomos mães de verdade, nos sentimos culpadas. E quando eu vi você naquele estado no seu quarto, sangrando, eu não pensei duas vezes e resolvi proporcionar esse tratamento para você.
- Eu já te falei mil vezes que eu sei o que eu vi. Eu sei. E espero que um dia você também veja, o que está acontecendo naquela cidade vai além das forças humanas.
Minha mãe começa a chorar novamente.
- Filha você não teve nenhuma melhora.
- Quer saber? Você falhou mesmo em ser mãe. Você é uma péssima mãe e TOTALMENTE incapacitada - Percebo que os seguranças então se aproximando. - Você Merece a morte. Você é uma vadia que não sabe acreditar em seus próprios filhos. Espero que você queime no fogo do inferno. IFERNO. Levanto da cadeira e dou um tapão no rosto da minha mãe, fazendo com que os seguranças venham correndo em minha direção e me coloquem no colo. Vejo que enfermeiros estão correndo com seringas de injeção na mão. Sei que daqui uns segundos estarei dormindo como uma princesa devido ao calmante, mas continuo meu discurso. - E não ouse mais vim me visitar enquanto eu estiver aqui, tudo que eu menos quero é ter náuseas nesse muquifo. Você não fale o nome que carrega em minha certidão de nascimento, e quer saber? Você quer me proteger, me proteger de mim mesmo, mas quem me matou foi você. Você me matou, matou minha alma. Afinal, acho que você bem sabe o que é uma alma.
Sinto a agulha entrando em meu braço, meus olhos ficam pesados.
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Maggie
Acordo com o barulho da porta do meu quarto, ou projeto de quarto, se abrindo. É o gestor geral do hospital, eu só vi ele uma vez . Quando eu fui internada ele fez uma longa entrevista comigo e eu acabei falando tudo, acho que isso reforçou a ideia que eu realmente estava maluca.
- Como você está? - Pergunta.
- É meio irônico perguntar isso para uma pessoa sã que está presa em um hospital psiquiátrico por sua própria mãe e conversando com um babaca. - MEU DEUS, onde eu aprendi a ser tão irônica?
Ele fica um momento em silêncio e depois prossegue.
- Maggie, a estrada para a sua cidade de origem sofreu com uma grande ventania hoje a noite. Inclusive danificou a prefeitura e outros prédios da cidade. E infelizmente sua mãe sofreu um acidente voltando para casa.
Oi? O que?
- O carro capotou e ela não resistiu. Sinto muito. Amanhã você será liberada para o velório. Tente ficar bem. - Ele fecha a porta e vai embora.
Eu fico em choque. Me ajoelho no chão e começou a socar as espumas, vejo que não está aliviando minha raiva então começo a socar minha perna. Minha mãe morreu? No mesmo dia em que eu falei um monte de merda para ela? Como isso é possível?
Começo a chorar e gritar.
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