- XIII -
Também o corpo do general Zolath desfaleceu ante o olhar aterrorizado da jovem princesa Alaya de Aslabad.
Do chão, o velho general a fitava com olhos vidrados como se pedisse o seu perdão, o perdão da filha de Shwali odShwali, seu adorado rei. Mas era tarde demais e, no fim das contas, crime e perdão, perdiam-se na intrincada trama de conspirações que colocavam Alaya diante daquele ser monstruoso que desde antes de todos os reis e nações era chamado de o Traidor.
— Irônico não é? É isso que tu deves pensar agora: As coisas não podiam ser mais evidentes, não é mesmo? Agora estás aqui bem diante de mim, de um ser tão pérfido que todo mundo nem sequer se constrange de chamar de Traidor e o que é que faço? Ei-lo: uma bela e trágica carnificina! — Nerail a observou por um momento, como se esperasse que dissesse algo, mas ela estava assustada demais para qualquer coisa.
— E por quê? Tu deverias dizer. — Proferiu, por fim, um tanto desanimado com a falta de reação da jovem princesa. — Bom! É uma longa estória! Não sei se devo me apressar, de outra maneira, seria bastante sem graça tirar tua vida aqui, yunē. Afinal, meu objetivo já foi cumprido quando Albion morreu e Zolath, posso dizer que fora apenas ossos do ofício.
— Tu és desprezível, Nerail! — balbuciou entre lágrimas Alaya.
— Oh! Na verdade, sou um artista, minha cara. E falta-me o reconhecimento devido pelo meu trabalho. De todo modo, julgo muito entediante essa mania de dizerem que isto é bom ou que isto é mau. Por exemplo: nem mesmo houve algo de interessante em meu colóquio com Aythila, quando "eu a traí", mas as conjecturas, as suspeitas e suposições de todos, ah!, como me agradavam! Mas sabes o que eu disse a ela de verdade? — E observou Alaya, reparando que ganhara a atenção da jovem. — Nada surpreendente! Apenas disse que ela estava fraca demais para uma luta contra Kanda e que o melhor seria que recuperasse seu poder e quando isso acontecesse, ela poderia voltar a Thalindari que eu mesmo a receberia de portas abertas!
Ele gargalhou. Parecia se divertir bastante com tudo aquilo.
— Então, aí vem o melhor de tudo! — prosseguiu. - Isoutur, que desconfiava de Albion, porque ele se opusera a que tomássemos partido na disputa entre Kanda e Aythila, criou um plano para matar o Arquimago e governarmos Thalindari. Assim quando Aythila voltasse para nos confrontar, estaríamos armados até os dentes e ela não nos venceria. E imaginando que eu partilhasse da sua obsessão em derrotar a Rubra, por causa das estórias que contavam ao meu respeito, ele me convidou para cooperar em seu plano de sedição. Bom! Aqui estou eu! E em poucos dias um exército de homúnculos criados por meu confrei deverá marchar até a Cidade Lótus e tomá-la. Na verdade, achei essa parte do plano bem enfadonha, porém felizmente, um pouco mais cedo, tu nos trouxeste uma notícia interessante: Aythila já está de volta a esse mundo! E isso veio bem a calhar. Então decidi que, assim que limpar toda essa bagunça, vou recebê-la de portas abertas e entroná-la novamente como soberana de Thalindari. Pode aplaudir, princesa! É uma estória magnífica e digna das páginas do Erdamemna!
E esperou novamente alguma reação dela, mas Alaya permanecia com o corpo todo encolhido sobre uma das cadeiras, fitando-o com olhos esbugalhados do mais vívido temor.
— Infelizmente o tempo evanesce diante dos olhos, yunē! E já não há razões para eu esperar mais. Em breve, todos os maghim saberão da desonra de Zolath odGrizah que ousara assassinar nosso Decano às suas ordens e que tive de matá-los pois minha vida também estava em risco, já que ele estava de posse da divina espada Erdorigantor! Inclusive, segundo eu irei apurar quando fizer o inquérito, os traiçoeiros aslabadianos haviam usado essa mesma arma para dar um fim a vida de nosso jovem confrei Erastos, quando ele descobrira sua maldita conspiração. E obviamente que ao acusar a senhora Aythila de tê-lo raptado, vós apenas queríeis esconder vosso crime além de difamá-la evidentemente.
"Quanto ao meu amado confrei Isoutur, o fato de os Aslabadianos estarem de posse de sua própria espada demonstra claramente que ele nos traíra. E felizmente sua chegada daqui a alguns dias com um exército de homúnculos, só irá corroborará essa suspeita que tratarei de espalhar por aí, lançando seu maldito nome no opróbrio.
"Imagino, de outro modo, que Imeral e Edril, que foram para Kēndapradiz devem ter encontrado Aythila. Suponho isso, por causa das configurações astronômicas que demonstram a posição ascendente do orbe de Rubra. O que parece um cenário nada auspicioso para quem ousar ficar contra a deusa da tragédia. E tendo em consideração que Kanda tem um grande apreço por aquele lugar, não é de se estranhar que uma grande batalha esteja ocorrendo ali nesse mesmo momento.
"Enfim! Creio que me estendi demais nessas explicações! Chegou a hora de te despedires, princesa! Posso dizer que foi um imenso prazer conhecer-te, mas tudo nesse mundo chega ao fim! - E voltou novamente um olhar grave na direção da princesa Alaya.
— Essa é a história mais abjeta que ouvi em toda minha vida, maghi! — Lançou-lhe a princesa, agora com o corpo tremendo de raiva e já não tão acuada. - Então tu ousaste colocar em risco todas as vidas de Aldamā, inclusive tua própria raça somente movido por um sórdido desejo de vingança contra teus próprios irmãos? Tu és um monstro, Nerail!
— Doces palavras as tuas, yunē! Mas não me entendas mal. Meus atos nada tem a ver com algum tipo de vingança em razão da triste sorte que teve Nerail e por sua fama deliberadamente maculada por todos através da negligência covarde da Confraria. Na verdade lastimo por ele, pobre Nerail, seu espírito jamais conseguirá atingir o sossego eterno!
— Então tu não és Nerail? — Espantou-se a jovem Alaya sem entender aquela revelação absurda e assustadora. Como era possível que alguém se passasse por um dos altos magos de Thalindari, sem que sobre si recaísse alguma suspeita? Bom, a não ser que sobre o próprio Nerail existisse outra suspeita tão grande e escandalosa que ninguém desse fé do impostor. Concluiu a princesa consigo mesma.
— Quem és tu então?
— Digamos que sou e não sou. Ou pelo menos, tenho sido por toda uma era. Talvez nem eu mesmo possa saber quem sou. Já fui contado entre os primevos, mas não era um deles, estive nas florestas yemir, fui rei nas neblinas eternas de Nuiphdom e tomei o corpo e os poderes de Nerail quando o matei... Bom! Eu posso dizer que tenho todos os nomes, mas sou chamado o Sem Nome!
"É um estória longa, mas devo abreviá-la já que me perguntaste, princesa: Quando souberam que Aythila voltava a Thalindari derrotada pelo dragão, isso muitos e muitos ciclos atrás, a Confraria decidiu enviar Nerail para que a acompanhasse no retorno à Cidade Lótus.
"Então ao chegar à Muralha Viridente, eu estava lá por acaso, recém desperto de meu longo sono, vagando lentamente em uma forma abjeta de existência, na direção de Seylon. Decidi então me apropriar de seu corpo. Lembro que ele tentou me dissuadir e que ficou mesmo apavorado quando seu poderes falharam diante de mim. Pois não é possível convencer pela persuasão quem é o oposto de todo propósito.
E ele riu convulsivamente. Era uma gargalhada antinatural, primitiva, que ecoara um dia nas profundezas do caos sem forma e nenhuma razão de ser.
E nesse momento, Alaya se resignou de seu destino. Não havia nenhuma possibilidade de se salvar, pois estava lidando com uma força absurda e que contrariava qualquer racionalidade. Dessa maneira, parecia que esse era realmente seu fim.
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