- XI -
— Por que eu deveria confiar em vós, raça traiçoeira, e revelar assuntos que só dizem respeito a meu país e a meu rei? — Obstinou-se o general Zolath. Com um olhar louco e gestos desarticulados, ele exprimia todo ódio que havia em seu coração. — Vejo que Thalindari não passa de um ninho de ratos. Por que vindes importunar-me com essas perguntas? Devíeis ir atrás de Isoutur e Edril, esses dois vermes que foram bater em nossas portas sem serem chamados e nos ofereceram o céu e a terra em troca do nosso aço... Desabalei-me para cá com a promessa de firmar uma aliança e sou traído e afrontando numa demonstração de desonra e desrespeito às leis da hospitalidade.
— De nossa parte, general — contestou o grande decano Albion, — não faltamos contigo em hospitalidade como nos acusa, nem tampouco te traímos. Mas vejo que em parte tens razão se um de nós, como dizes, fora bater na vossa porta com promessas falsas cujo conteúdo ignoro. Por isso, como representante de Thalindari, a quem puseste a própria honra à prova, exijo que esclareça tudo: Que espécie de trato é este que te fora ofertado e qual a contrapartida dele?
— Está bem, decano! Vejo que nada sabes desses assuntos e pelo zelo de honrar a casa de Shwali, direi... — Nesse momento, o general Zolath hesitou, mas não por uma dúvida que tivesse, afinal restava claro que mais do que uma questão que exigisse segredo de estado, o trato celebrado pelo rei Shwali com Isoutur não passava na verdade de um terrível imbrólio dos maghim e se alguém deveria resolver essa situação eram eles mesmos. No entanto, avaliando melhor todas as possibilidades, percebeu que talvez o que antes era um caminho pantanoso figurava uma oportunidade única.
Zolath odGrihzah sorriu, havia nesse instante uma serenidade profunda em seus pensamentos e mesmo sendo pequenino diante do Arquimago, sentiu-se grande e poderoso, porque estava de posse dEla.
Sob seu manto de gala, na bainha amarrada ao cinturão, estava o presente que Isoutur lhe concedera em troca da primeira carga de dragonita desembarcada aos cuidados de um de seus representantes no porto de Laghtar, ao norte, próximo à fronteira de Nofanhil, quando ainda se dirigiam a Thalindari.
O artefato com que selaram aquele primeiro acordo e que servia de adiantamento para os tratos futuros, que viriam depois da promitente aliança com a Confraria, era um refinado produto da armoaria thalindariana da primeira era.
Além disso, essa belíssima espada teria sido usada pelo próprio Isoutur quando confrontara os primevos, o que a tornava ainda mais especial. Tanto que o Forjador, orgulhoso da sua obra, dera-lhe o nome de Erdorigantor, a Dominadora de Mundos.
Mas agora aquela espada lhe pertencia, pensou Zolath, e com ela, ele haveria de honrar a casa de Shwali e inscrever seu nome no Livro de Erdamemna como aquele que derrotara os próprios maghim.
Era certo que Zolath era um homem mais presunçoso do que tolo e mais hábil do que sábio, por isso seu movimento ao se lançar do chão, da inércia à ação, foi de maestria rara. Somava-se a isso o fato de aquela espada ser imbuída de magia que aperfeiçoava o golpe do espadachim, sendo assim ele pode romper a circunscrição mágica do Arquimago e cravar definitivamente sua espada no coração dele, ante o olhar incrédulo e desolado da princesa Alaya.
*
Houvera sido outra espada e não aquela e o resultado teria sido outro!
A face lívida de Albion não denunciava sua dor e nem o esvair de sua milenar existência, apenas uma vaga reação se percebia em seus dedos tensos e rijos que arqueados em garras tentaram traçar os movimentos de um feitiço em vão.
Em seu coração estava fincada uma das mais célebres espadas de todas as eras: Erdorigantor, capaz de render primevos e até mesmos deuses... Qualquer esforço agora era fútil.
E assim suas mãos se espalmaram e seu corpo ruiu sobre os próprios joelhos, enquanto Zolath ria por sua própria glória, tentando arrancar a espada mágica do corpo inânime do Arquimago.
Então subitamente o general teve a justa noção do perigo em que estava e, sobretudo, do mal que acabara de fazer. Nesse instante, suas mãos que seguravam com toda força a empunhadura de Erdorigantur cessaram a carga. Enquanto o semblante do general mudava da loucura para o mais profundo e verdadeiro desespero.
— Como eu posso ter sido tão insano a ponto de cometer tal crime? — Ele dirigiu seu olhar para a princesa Alaya como se buscasse o seu perdão, mas ela, transida pela perplexidade, sequer podia enxergá-lo. — Um dia, eu quis ser um herói e ver meu nome celebrizado por meu povo, mas fui somente um tolo afinal...
Seus olhos percorreram novamente o salão de conferência buscando uma saída. Erdorigantor não poderia ser arrancada facilmente do corpo de Albion e agora, com toda a nitidez que era possível, ele apenas constatava que os olhos vermelhos de Nerail, com sua tênue e tétrica luminescência, observavam-no.
— Não era à toa que te chamavam de Traidor...não é mesmo? — disse, por fim, o general Zolath odGrihzah, resignado com seu destino e encarando o Retor pela última vez...
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro