- VIII -
A sala de reuniões era um amplo espaço onde cabiam facilmente duzentas pessoas. Fora construído de forma que as últimas cadeiras do imenso semicírculo ficassem mais elevadas que suas precedentes e o pequeno púlpito do centro fosse visto por todos. O lugar era elegante e sóbrio, e bastante adequado aos debates intrincados e às importantes decisões que ali eram tomadas pela Confraria.
Mas naquele momento, apesar de não estar plenamente ocupado como era habitual durante discussões tão sérias para o mundo de Aldamā, reuniu-se ali um pequeno mais não menos importante grupo de pessoas, composto por Albion, Alaya e Nerail por conta das estranhas palavras proferidas por Zolath há pouco no salão do banquete.
— Pois bem! — o Retor foi quem tomou a palavra, enquanto Albion o observava circunspecto, pois evidentemente não gostava do uso desse tipo de magia tão característica de seu confrei.
O poder de dissuasão de Nerail fazia com que os dois convidados não conseguissem agir por conta própria e era por coisas assim que ele era temido e até mesmo difamado por toda parte.
Com efeito, levando-se em conta o famoso episódio do encontro que tivera com Aythila, muitos entre os thalindarianos e, inclusive por povos de outras terras, consideravam-no como o mais terrível entre os magos da Cidade Lótus.
— Fiquei à vontade, caríssimos. Não quero me intrometer mais na vossa conversa. - Concluiu, entretanto, o maghi com profundo respeito, assumindo humildemente o lugar de mero observador, assim que desfez o efeito de seu encanto.
Logo os dois estrangeiros como que despertaram do pequeno transe e como naturalmente não estavam acostumados a esse tipo de magia, ficaram bastante confusos com a decisão tomada há pouco, que os levara a acompanhar aquele estranho maghi sem duvidar de suas intenções.
Agora, no entanto, já livres para conduzir seus próprios pensamentos, não lhes parecia nada clara a razão de estarem ali, naquela ampla sala de reuniões na calada da noite. Apesar disso, o lugar evidentemente se provava bastante adequado à suposta conversa que travariam.
— Zolath! — Tomou a palavra Alaya, num tom bastante ríspido, demonstrando que já estava recuperada e que não se esquecera da razão de estar bastante irritada com o general. — Em nome de Seylon, general, diz logo o que sabes, pois a vida de um homem pode estar em jogo e até mesmo o futuro de toda Aldamā!
— Queira desculpar-me, yunē. O que me pedes todavia vai além do que está ao meu alcance decidir. São assuntos sigilosos da Casa de Shwali e só teu pai pode ordenar-me que os trate abertamente na presença de estrangeiros.
— Mas como uma conduta dessas pode ser considerada honrosa, General? — retrucou Alaya. — Para mim não passa da mais pura vilania e de modo algum corresponde aos valores da Estirpe de Shwali e dos reis aslabadianos. Pois estamos aqui em embaixada, sendo recebidos graciosamente por meu senhor e Arquimago, na cidade eterna de Thalindari, a título de tratarmos de assuntos e interesses comuns a nossas nações e na intenção de celebrarmos uma aliança perene entre nossa pequena Aslabad e a grande Confraria que governa Maghidom e protege todas as raças quer sob aliança quer por deliberada compaixão... e então simplesmente te negas a esclarecer uma situação que pode prejudicar tanto a nós como a nossos anfitriões. Que tipo de embaixador és, general?
— Yunē... — Zolath esboçou algumas palavras mas se calou no fim, com os olhos ejetados de fúria. Queria evidentemente retrucar aquela garota tola que tinha a pretensão de achar que entendia dessas questões, mas que, no fundo, era imatura demais para perceber que a realidade não era tão conveniente quanto ela se acostumara. O que estava em jogo ali não era somente ferir o idealismo pueril da garota nem tampouco o sentimentalismo aparentemente causado pelo desaparecimento do rapaz, um mero aprendiz de metalurgia.
— Eu te peço, general Zolath! — adiantou-se Albion nesse momento. — Pelos deuses de Aslabad, se há alguma coisa que precisamos saber, diga-nos voluntariamente, pois meu confrei - e olhou nesse instante para Nerail que os acompanhava, - meu confrei é capaz de obter essa informação por meios não tão gentis.
Albion assumira subitamente um tom grave, um tom bastante diverso da sua habitual serenidade, uma aura dimanava dele agressiva e hostil. Era um lado do Arquimago que o aslabadiano supunha existir e sobre o qual o alertaram, mas ainda não havia confrontado naquela visita.
Certamente não era à toa que ele ocupava o mais alto posto entre os de sua raça e evidentemente não fora apenas com palavras macias que vencera a antiga guerra contra os primevos.
Agora, entretanto, ele não passava de um ancião, um ancião poderoso obviamente, o mais longevo dos homens, mas seu coração era brando, suas decisões cheias de melindre, como se se envergonhasse das glórias de seu passado.
De toda maneira, Zolath hesitou um instante, olhando para a princesa como se buscasse nela a ajuda de que necessitava, mas logo se lembrou de que Alaya certamente não o ajudaria nesse caso; pois não estava do seu lado.
Seus olhos então correram pelo grande salão, buscando uma resposta e só pararam ao encontrar-se com o olhar tétrico de Nerail que emitia uma luminescência vermelha que lhe causava arrepios. Não havia escapatória se aquele homem decidisse agir e o ultimato de Albion deixava bem claro que certamente o Retor não se importaria de usar seu terrível poder.
"Como são terríveis estes malditos maghim!" - pensou consigo mesmo. — "Queiram os deuses que seu tempo chegue ao fim! Quando esta maldita Thalindari cair, aqueles que tem o aço tomarão deles o segredo da metalurgia mágica... Ah! A guerra virá e Aythila, que já está a postos esperando seu novo turno de poder, promoverá um mundo em que os poderosos não precisarão se submeter e nem se importar com os fracos por conta de manter a odiosa paz de Kanda".
Não demoraria, disso tinha certeza, o mundo se renovaria e surgiria uma era em que as diferenças seriam resolvidas em embate e sangue, aço e fogo do dragão, não em pomposas e inúteis conversas, sussurradas em covis de covardes como aquele em que se encontravam naquele momento.
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