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Capítulo 17 | A caravela do pergaminho/Partida

"Fizemos uma parada em uma pequena ilha, ao pé de um vulcão. Necessitávamos novas provisões para partir à Ilha da Estrela Caída, onde esperava-nos nosso correspondente. Os colonos, três famílias de jovens casais com nosso mesmo sangue, não hesitaram em prover-nos de todo o necessário. Pudemos partir, um dia depois, graças a eles."

- Diário de Bordo de Lien Hud, o segundo


Na noite em que Edali partiu de Okinto, a lua estava solitária no céu. Fria, distante. Quase como se estivesse testemunhando o ocorrido contra a própria vontade. Como se não quisesse se envolver diretamente. A brisa se colava nas laterais do barco, fazendo-o balançar com as ondas.

– Ei, hmm... Vyeda – murmurou Edali, tentando não demonstrar o nervosismo que sentia. E falhando. – Digo... vamos partir essa noite, não é? Agora, quero dizer. Então, como é que, exatamente...

– Cale a boca – disse a assassina, com a voz cavernosa da máscara. – Não me chame de Vyeda. Kasir, ou Makot. Nada de Vyeda.

– Tudo bem...

Ainda assim, tornava-se difícil não sugerir que era melhor se apressarem, quando estavam vadiando no convés dessa forma. E não estavam? Depois de fecharem aquele acordo, ouvira essa mulher falar alguma coisa para um de seus homens, e então sair para o convés. Edali a seguira, é claro. Mas ali, expostas à noite, Vyeda ficara apenas recostada no mastro. Com a cabeça baixa. O tempo todo, com aquela máscara horrível voltada para o chão. Não dissera nada.

Em qualquer outro momento, a garota teria ficado com raiva por ser ignorada tão deliberadamente. Mas não ali, com essa mulher que matava as pessoas como se não fossem nada. E não agora, que estava prestes a fugir, mas não fugira, e por isso ainda haviam chances de todos os seus esforços fracassarem se algo errado ocorresse.

Foi com alívio que ouviu os passos de mais subindo ao convés. Ainda assim, o sorriso que surgira no seu rosto pareceu não surtir efeito em Hakk, que a ignorou, indo direto para Vyeda. Edali franziu os lábios, aborrecida.

– De alguma forma, esse foi o único que encontrei – disse o erdaviano a ela, num tom de desculpas. Aquilo era um rolo de pergaminho? – Não sei o que pode ter acontecido com os outros. Na verdade, até tenho uma ideia. Mas não gosto de pensar que aquele inútil tenha feito uma coisa dessas...

– É... tenho a impressão que algum dia o benefício de tê-lo a bordo será negativo. Se já não o é. Mas, nesse dia, vou ter a certeza de matá-lo.

Os dois tinham aberto o pergaminho. Hakk parecia preocupado ao olhar para ele.

– Esse é quase um dhow – ouviu-o dizer. – Pelos ursos de Kallyeva, agora estou preocupado. Vamos ficar bem com isso?

– Se não ficarmos, o mar terá que se contentar com o palito Capp.

Dhow? Kallyeva? Do que é que estão falando?, se perguntou e, não conseguindo conter a curiosidade, aproximou-se deles para espiar por cima do ombro de Vyeda. À luz da lua, viu, no pergaminho, a imagem de um barco. Um veleiro, um barco como qualquer outro – não sabia diferenciá-los. Mas era um desenho meio estranho, admitia. Parecia como se alguém tivesse tido todo o trabalho de desenhar à perfeição a silhueta da embarcação, apenas para preencher o meio com essa tinta preta que cheirava a polvo. Sem nenhum detalhe. Um desperdício.

– O desenhista disso deve ser um idiota – comentou a garota.

Hakk a olhou como se ela é que fosse a idiota.

– Essa caravelinha terá que bastar – disse a assassina, dando uma batidinha no papel com os dedos. Voltou-se para Hakk: – Faça os outros prepararem-se para partir. Que arrumem as coisas deles, ou o que for. Não devem demorar mais do uma morte por envenenamento de esporão-estrela.

Edali ficou pensando que era a medição de tempo mais bizarra que já ouvira alguém pronunciar.

***

Aquelas eram noites estranhas, pensava Ponec, observando, sentado na crista de uma colina, toda a agitação na feira dos Barqueiros Viajantes logo abaixo. As noites em que esses mercadores atracavam na ilha que não ousava chamar de sua. Os archotes do cais brilhavam nas tendas montadas ali, revelando uma infinidade de cores, movimentos, sorrisos e brilhos. Parecendo revelar também os ruídos distintos e a música que emanavam da multidão.

Animação. Por diversos motivos, naquele momento não conseguia partilhar desse sentimento com eles.

Deu um trago no cachimbo aceso, sentindo o gosto amargo daquela variedade menos tóxica de nyan preencher a sua boca. Alcançar os seus pulmões. O que aquele velho, seu tio – que agora descanse em paz –, tivera na cabeça ao passar para ele o título de prefeito de Okinto? Nunca tivera pretensão nenhuma ao cargo. E talvez... nem competência. Por isso mesmo, desde que ascendera ao cargo, há muitos anos, parecera apenas natural não interferir no curso dessa ilha e sua gente. Deixá-los ir, e guiar o leme como bem entendessem. E dera certo por muito tempo. À exceção de alguns poucos momentos, abstivera-se de exercer qualquer controle sobre Okinto, limitando-se a assinar papéis e dar o seu aval a empreendimentos cuja aprovação de um prefeito fosse necessária.

Então, semanas atrás, chegara a carta imperial. Aquele havia sido o início dos seus dissabores.

Quando o fumo do cachimbo terminou, Ponec deu meia-volta, descendo pelo lado oposto da colina. Andou por uma quieta trilha que bordeava um pequeno bosque de eucaliptos, do qual ouviam-se apenas os grilos e o rumor surdo das folhas ao vento. A trilha bifurcava-se mais à frente, levando ao curral das ovelhas ou ao centro da vila. Optou pelo caminho da esquerda, que não muito depois desembocava nos fundos de sua casa.

Abriu a porta e entrou. Arrastou-se pelo corredor parcialmente escurecido, ouvindo a sua mulher cantarolar uma melodia qualquer de algum lugar da casa. Sentou à mesa, pensativo e incomodado. Havia uma vela de pedra ali, acesa. Um pequeno cilindro de cera endurecida naedi, tanto quanto uma pedra, cuja chama existia apesar da escuridão ao redor. Haveria esperança nela?

Dali a pouco, sua mulher apareceu à sala, segurando ela mesma um castiçal com uma vela acesa. Pareceu surpresa ao vê-lo.

– Quando chegou, querido? Não o ouvi entrar.

– Agora pouco – respondeu Ponec, apoiando a cabeça nas mãos que entrelaçara sobre a mesa. Suspirou, fechando os olhos. Num tom hesitante, perguntou: – Não veio... ninguém enquanto estive fora?

– Os soldados? – A mulher captou o sentido com rapidez. – Não, eles não voltaram. Innin também já foi embora.

– Ah. Entendo.

Com os olhos ainda fechados, Ponec não percebeu a sua mulher aproximando-se a passos curtos, rodeando-o. Percebeu apenas quando os braços dela já estavam nos seus ombros, e o perfume dela nas suas narinas.

– Yanni, o que foi? – perguntou, surpreso.

– Eu é que pergunto – a voz dela veio por trás, com suavidade. Sentiu os braços dela enlaçarem-no ainda mais. – O que o aflige, sr. prefeito? Por acaso, está ressentido com o que houve? Foi uma casualidade. Uma infeliz casualidade, mas apenas isso. Não poderia ter previsto que aconteceria algo assim.

Ela está falando do assassinato do soldado Telmo, que é apenas o ornamento dos meus problemas, pensou. Como se não bastasse o transtorno do novo decreto, que seria um baque repentino e desagradável sobre todas essas pessoas, e que poderia situar Okinto no conflito que se alastrava em Pandora... havia ainda a questão do assassinato. Quem havia feito isso? Quem assassinara um soldado de fronteira de uma ilha tão... irrelevante, e por qual motivo? Podia ocorrer de novo? A esse problema, acrescentaria-se o anúncio que, como prefeito, Ponec faria em um par de dias. Seria aquele a avisar pessoalmente os moradores de que, a partir daquele momento, uma importante fração do que conseguiam com a venda de peixe, camarão e moluscos pertenceria, sem remédio, ao governo-central da Confederação. A troco de quase nada. E não haveria muito o que pudessem fazer quanto a isso. Nenhum dos oitocentos colonos de Okinto ficaria feliz com quaisquer das notícias.

Apesar disso, preferiu falar de uma aflição que era mais próxima a ele. Uma que compartilhava, mais intimamente, com a sua esposa.

– Sabe – murmurou, enquanto aferrava-se ao abraço de Yanni –, tenho pensado bastante a respeito, e entendo o porquê da minha filha me odiar. E não tiro a razão dela.

Yanni puxou os braços de volta, afastando-se.

– O que está dizendo, Ponec? Edali não te odeia!

– Ah, odeia sim – disse ele, e se levantou da cadeira. Apoiou-se nas beiradas da mesa, de braços cruzados, olhando para a mulher. – Se não odeia, ao menos desgosta bastante de mim.

– Mas, isso é... Quer dizer...

Ponec suspirou. À exceção das duas velas, a escuridão e o silêncio reinavam nos cômodos da casa. Mas Edali bem que podia estar ouvindo. Ainda que não dissesse nada, sabia que, com frequência, ela os ouvia.

Com essa possibilidade em mente, continuou:

– No fim, o meu pai estava certo. Tentei proteger demais a garota. Com medo de que... ocorresse o mesmo que com a minha irmã – Afastou aquelas lembranças desagradáveis com um meneio de cabeça. – Tentei mantê-la a salvo, isolada, longe de qualquer um que quisesse chantageá-la e... abusar dela. Mas esqueci que a nossa situação não é como a daqueles tempos. Não estou, não estamos... tão vulneráveis como antes. Foi um erro que cometi. Um grande erro.

Era estranho o que o levara a perceber isso, depois de tanto. Uma iminente mudança a caminho, possivelmente nociva, naquilo que se acostumara a ver como vida. O cotidiano, o comum. Fazia-o pensar que, frente aos ventos do conflito a caminho, precisava de algo que o ajudasse a superar as adversidades. Algo, alguém... sua família. Graças a isso, tivera a súbita e triste realização da verdade.

Sentiu os dedos da esposa aconchegarem-se junto ao seu rosto. Apoiou a sua cabeça com a dela.

– Vá falar com ela – disse Yanni, num tom suave e reconfortante. – Converse com Edali. Explique tudo, sem reservas. Ela te entenderá.

– Não acha que pode ser... tarde demais? Ela vai mesmo...

– Não é tarde ainda. Confie em mim.

Ponec desviou os olhos para o corredor, escuro, que levava ao quarto de sua filha. Silêncio. Talvez não seja tarde....

Yanni assentiu, instigando-o. Ponec segurou o castiçal com a vela acesa e, afastando-se da esposa, seguiu em direção ao quarto da sua única filha. Um quarto já vazio, onde o pequenino boneco entalhado de um cervo de quatro chifres repousava no umbral da janela, beijado pela lua.


É como mágica!, pensara Edali, vendo a coisa emergindo de um pedaço de papel e tomando forma no mundo real. Materializando-se na direção contrária ao recuo do seu portador, como um reflexo que segue os movimentos da pessoa no espelho. Tinha a impressão de estar observando as ações de um herói. Alguém guiado pelos deuses para realizar proezas inimagináveis.

Não. Não era necessário pensar muito para perceber que essa ideia estava muito longe da verdade. Muito longe.

Alguns metros à sua esquerda, Vyeda respirou fundo, deixando a mão coberta pela manopla cair aos lados do corpo. A caravela terminou de desprender-se do pergaminho e caiu no mar, soando como se a mão de um gigante tivesse estalado contra a superfície das águas. Não que existissem gigantes. Mas, se existissem, e por algum motivo precisassem espalmar o mar, o ruído que produziriam com certeza seria esse.

Olhou para Vyeda, que torcia o pescoço no convés, como se toda essa proeza não tivesse feito mais do que entendiá-la. Olhou para o grupo de homens não muito respeitáveis, rindo, cuspindo no convés, enrolando de volta o pergaminho que estiveram segurando para a chefe deles. Balançou a cabeça em negação profunda. Se havia algo que não podia admitir, era ficar admirando-os como se fossem respeitáveis marinheiros de algum lugar bem longe dali. Haviam matado o soldado, o sr. Telmo. Haviam feito ela e Alina de reféns e, talvez, quase coisas piores. Eram bandidos, assassinos. Fizera um acordo com eles, mas isso não queria dizer que deveria gostar deles por isso.

Eram o seu meio de sair de Okinto. E só.

Pensou nos seus pais, por alguns breves instantes. Não soube porque pensou neles, mas não conseguiu afastar o pensamento. Quando deu por si, o erdaviano de touca de meia-idade estava à sua frente. Se havia conseguido entender direito a pronúncia, o nome dele era Hakkel. Hakk. Braço-direito da mulher perigosa, sr. Hakk. O bandoleiro Hakk.

– Aí está a sua saída, filha do prefeito – disse Hakk, sem nenhuma emoção na voz. O alto erdaviano, de cabelo ruivo escuro, desviou o olhar na direção dos homens que, aproximando-se da balaustrada no convés, espiavam o barco vizinho com curiosidade. – É uma saída, e, considerando o que nos pagou para isso, é justo que tenha uma. Mas acredite que estou sendo sincero, quando digo que não é das melhores. Talvez tenhamos alguns problemas no caminho até Estrela.

– Problemas? – Edali ouviu-se engolindo a própria voz.

– Problemas tão grandes quanto baleias, e que dizem feder quanto estão prestes a devorá-lo. É porque estamos no mês da Névoa, afinal. Tudo isso que chamam de Rota dos Pinheiros pode ficar bem perigoso, nessa época. Embora a chance de morrermos não seja tão significante – Ponderou um momento. – Talvez hajam outros problemas, também. Mas de outro tipo.

Edali franziu as sobrancelhas, entre preocupada e irritada. Que tantos problemas eram esses que esse homem dizia?

Dali a pouco, os homens começaram a subir na grade do navio, e, tomando impulso, pularam para o convés da caravela. Eram uns treze, a garota percebeu. A escassa iluminação, em conjunto com o fato de que não tivera tempo para observá-los com cuidado, não a deixava perceber muito sobre eles. Apenas que uns eram mais altos que outros, uns de pele mais clara e outros, mas escura, e que nenhum deles vestia nenhum tipo de peitoril ou elmo tão evidentes. Como teria esperado de um grupo de homens metidos à luta. Não estavam se metendo em brigas a cada instante de suas vidas?

– Vamos, então, filha do prefeito – disse Vyeda, não lhe trazendo nenhuma segurança ao apoiar a mão no seu ombro. Voltara a cobrir-se com um longo manto preto, cingido na altura do pescoço.

– Meu nome é Edali. Edali Hazennan.

– Que seja, criança. Não há diferença alguma.

Edali franziu as sobrancelhas, mas não discutiu. Seguiu a assassina até as bordas do navio, o ponto onde as duas embarcações se tornavam mais próximas. O balaústre. Uma fila de pilarzinhos de madeira que, teoricamente, devia servir para impedir as pessoas de caírem inadvertidamente no mar.

Quando se olhou por cima dele, seu coração parou. Entre os dois, havia um espaço muito maior do que pudesse ter imaginado, à primeira vista. E uma queda enorme, quase um precipício. Nem que fosse louca, pularia aquele abismo! Haviam... haviam metros e metros de altura. Mal conseguia ver as cristas das ondas, lá embaixo. E a queda parecia ficar maior a cada instante.

Como se não fosse nada, viu Vyeda apoiar-se na grade, tomar impulso, e pular. Caiu no convés do outro navio, quase sem fazer barulho. Edali engoliu seco. Quase todos os homens já haviam pulado. Era das últimas que faltavam.

– Eu não sei... – murmurou, receosa – quer dizer, podemos trazer uma escada para colocar aí? Ou uma corda. Uma tábua, ou uma prancha... também servem.

Vyeda não respondeu. Os homens do outro lado olharam para ela com um sorriso zombeteiro.

– Isso não é... apropriado! Não é apropriado. Eu sou uma mulher, estou de saia. Olhem só! – Seus dedos apertaram a saia, que terminava pouco abaixo do joelho, chacoalhando-a. – Vão me submeter a uma humilhação dessas? – Na verdade, não se importava realmente com esse fato, mas queria ter alguma desculpa que pudesse usar para não ter que enfrentar aquele abismo.

Ninguém disse nada.

– Vá logo – ouviu a voz sentenciosa de Hakk, às suas costas. – E tire os seus calçados antes de pular. Posso segurá-los, se quiser.

O vento balançava o navio dos shenzianos, fazendo as madeiras mais soltas rangerem. Edali olhou mais uma vez para o abismo, e a visão a fez soltar um gritinho. Droga, era por isso que nunca havia gostado de subir àquele vulcão desgraçado. Preferia realizar suas fugas-passeios nas trilhas e nos bosques, evitando sempre aquele cume que marcava a paisagem. Aquele declive onde os corajosos camponeses passavam grande parte do dia. Depois de tudo o que fizera para chegar ali, ainda havia isso?

Mas não era o momento para ter medo. Infelizmente, recuar era perder.

Ante o olhar dos homens do outro lado, e de Vyeda, Edali tirou as alpargatas e as entregou a Hakk. Apoiou os braços na felizmente sólida madeira da balaustrada, erguendo-se lentamente naquilo. Ficou de pé, tentando não se desesperar. Concentrando-se mais nos pés descalços que a uniam ao barco, do que no vento, que tentava separá-la dele. Então, evitando ao máximo pensar, dobrou os joelhos e tomou impulso para frente. Pulou.

Pareceu uma eternidade. Flutuando no vazio, a escuridão por cima e por baixo dela. Fechou os olhos. Que incômodo era. Essa era a sensação da liberdade? Não era uma sensação agradável. Não era nada agradável. Como havia terminado dessa forma? Como, como? Que burrice. Voar era uma burrice; a mulher não havia sido feita para voar. Ouvia vozes ao longe. Vozes que vinham de algum lugar além da escuridão. Um lugar onde pessoas podiam voar...

Alguma coisa bateu contra o seu rosto. Algo grande, e duro. Dor. Abriu os olhos, ainda sentindo a sensação de vazio no estômago. Mãos a seguravam no ar. Braços agarravam as mangas do seu vestido, e as suas próprias mãos, levantadas para o alto, impedindo-a de cair. Dois rostos surpresos a olhavam, de cima.

– Que menina estranha – disse um deles, com um bigode mal-aparado, grosso, delineado num rosto moreno e ossudo. – Pelo manto de Duj, por que alguém fecharia os olhos no meio do salto?

– A garota é uma estúpida, Imashir.

Erguera-na por cima das grades da nova embarcação. Edali deixou-se cair no convés, de costas, sentindo a vida retornar a si. Ofegando, sentindo o ar raspando na sua garganta, que se contraía de uma forma que não conseguia controlar. Percebendo que, de algum modo não havia morrido. Estava viva.

Entre a garota e o céu enluarado, o grupo se congregara para observá-la com curiosidade. Não sorriam mais, ou riam. Tinham, quase todos, uma expressão contemplativa no rosto. À exceção, é claro, de Vyeda, cuja máscara servia como meio permanente de separação e isolamento.

– Eu não vou... fazer isso de novo – disse Edali, direcionando os olhos para a assassina. – Eu... não vou... nunca mais...

O silêncio durou mais um instante.

– E pensar que uma menina dessas seria a nossa contratante – murmurou o de antes, do bigode. Imashir.

– Por quinhentos, até um bekkorit caolho seria o meu contratante – respondeu o outro, de pele mais clara, amarelada, e traços mais redondos. – E eu não reclamaria.

– Quinhentos? Você vai ver no máximo trinta serpentes, e olhe lá.

Olharam todos para Vyeda, que ainda estava no meio deles.

– É claro que não estou me queixando, chefe – disse Imashir, num tom mais tímido. – Trinta ghods estão mais do que suficiente para cada um de nós.

– Que seja – respondeu a voz cavernosa, sem inflexão alguma.

Edali continuou deitada por mais alguns momentos, vendo o grupo se dispersar. Ouvindo um estrépito, ao que se seguiram ruídos de botas contra a madeira. Ao levantar a cabeça e os olhos na direção do ruído, percebeu, com indignação, que haviam largado uma tábua, como ponte entre os dois navios. E que os dois últimos homens terminavam de usá-la para atravessar o vão.

Ergueu-se, insultada. Ignorando a vertigem e as náuseas que ainda não a haviam deixado por completo.

– Olha só! – esbravejou, olhando para Vyeda, e depois para Hakk e o outro, de chapéu-pluma, que acabavam de por os pés no novo convés. – Eles... então havia uma tábua para usar! Por que não a usaram? Eu quase morri nesse pulo!

Teve a forte impressão que aquele ruído estranho, que escapou da máscara, era uma risada contida. O que a irritou ainda mais.

– O que eu falei de engraçado?

– Ah, não... preste atenção, filha do prefeito – O braço de Vyeda surgiu, de dentro do manto, apontando na direção dos dois homens. – Aquele é Wagyu. Ele, como pode ver, é coxo. Sabe o que estou querendo dizer?

– É claro que eu sei o que significa coxo. Consigo...

– Então, deveria ser óbvio – cortou-a Vyeda. – Facilidades servem aos que não podem com a normalidade. Àqueles que lhes falta alguma parte do corpo, e aos estúpidos – Viu-a, então, cruzar os braços. – Ossadas. Não me diga que esperava que fôssemos dar-lhe quaisquer comodidades? É você coxa, ou estúpida?

Wagyu, que já chegara perto o suficiente para ouvi-las, ganiu.

– É... um pouco rude comparar o seu velho amigo com os estúpidos, Vye – disse, cruzando os braços em fingido desacordo. Era um naedi franzino, embora, de alguma forma, a barriga protuberante se pressionasse contra a camisa de linho branca. As roupas que levava – uma jaqueta aberta de algodão fino com bordados, roxa, e um chapéu-pluma de veludo – eram mais do que o suficiente para torná-lo quase que uma anomalia entre o grupo. – Está me devendo um favor. Posso aceitar isso como desculpa.

– Ela não falou especificamente de você, seu velhaco – retrucou Hakk.

Foi com incredulidade que Edali os observou se afastarem, murmurando piadas sobre coisas que, para ela, não faziam sentido algum. Logo depois, sumiram nas profundezas de um alçapão que devia dar para o interior do navio. Estavam zombando dela. De novo! É claro que não esperava nenhum passeio num campo florido, mas aquilo era extremo. Quase morrera ali, naquele salto. E ainda agiam como se estivesse fazendo birra!

Ao dar o primeiro passo, percebeu que estava descalça. Aproximou-se do alçapão, resmungando. Um motivo extra para fazer contato com essas pessoas. Droga.

O lance de escadas descendente a conduziu para um recinto único, amplo, iluminado por uma mistura amarela e vermelha – pedras-lanterna emolduradas no alto das paredes. Não haviam mesas ou cadeiras. O grupo dispersara-se pelo cômodo, deitados sobre grandes tapetes coloridos que cobriam o chão, ou sentados junto às paredes. O ambiente estava tomado pelas conversas (num tom bem mais baixo e controlado do que esperaria), e pelo cheiro de verniz e suor.

– Quem é o próximo a conduzir? – uma voz, que não era a de Vyeda, elevou-se acima das demais.

– O palito Capp!

– Que ele assuma o leme, então. Estamos apenas perdendo tempo aqui.

Edali ignorou o sujeito alto e franzino, de feições chupadas, que passou ao seu lado em direção às escadas. Foi direto para o trio que congregava sobre um tapete, onde estava aquele que possuía o que era dela.

– Minhas alpargatas – disse, levantando a palma da mão num gesto pedinte.

Hakk voltou o olhar para ela. Jogou-lhe os calçados num movimento desinteressado.

Edali aparou-os e abaixou-se para vesti-los, resmungando qualquer coisa. Depois parou. Refletiu por um breve momento. Então sentou-se naquele tapete, junto ao trio, que não pareceu nada lisonjeado em recebê-la. Bem, ela também não estava lisonjeada em ter que dividir espaço com eles. Mas, ao menos, conhecia dois daqueles três. Os nomes, pelo menos. Era um tanto melhor do que não saber nada.

Pouco depois, sentiu um solavanco embaixo de si. Um rápido tremor. A caravela partia.

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