Capítulo 2
Todos nós viemos ao mundo com um propósito.
Quando recebi o chamado, ele veio claro e alto, em um dia ensolarado, na minha tenra idade de seis anos.
" — Vamos bebê, me dê a mão... — Ela sorriu para mim, enquanto equilibrava as sacolas no braço direito e me estendia a mão contrária.
— Eu fiz um desenho hoje e pedi para a professora escrever; mamãe e eu. — Segui seus passos, minha mão segurando firmemente a sua.
— Aposto que ficou lindo! Quando a gente chegar em casa você me mostra, certo?
— Tá, mamãe. — Atravessamos a rua em direção ao quarto e sala em que morávamos na época, no segundo andar. O andar de baixo abrigava uma padaria.
O dono do lugar era um velho português, que cobrava aluguel mais do que eu julgava necessário.
— Não esqueça que estas a me dever dois meses de aluguel e ainda por cima come de graça aqui.
— Seu Manuel, eu já lhe paguei o aluguel do mês passado hoje de manhã, esqueceu? — Ela me puxou escada acima enquanto falava.
O homem xingou baixo e por último gritou: — Preciso de mais farinha, vá comprar pra mim, sim?
Mamãe bufou e largou as sacolas, com roupas que as pessoas pagavam para ela lavar, no chão, perto da cama.
Me ergueu nos braços e me pôs sentada na cama.
Levei minhas mãos até tocar seu cabelo preto carinhosamente. Ela parecia uma boneca, daquelas bonitas e caras.
— Quer ver o desenho, mamãe?
— Agora não, benzinho. Eu vou comprar a tal farinha para o velho e você vai ficar quietinha aqui. Lembra o que a mamãe te ensinou?
— Não abrir a porta para estranhos. Não falar com os estranhos. Não sair daqui. Trancar a porta e... — Pulei da cama e corri até a pia do banheiro, onde eu escondia o spray mágico, que segundo mamãe a traria de volta pra mim o mais depressa possível. Depois eu descobri que aquilo era spray de pimenta. — Apertar isso na cara dos estranhos.
Ela me deu aquele sorriso, o mais lindo do mundo, e que pertencia só a mim.
— Isso mesmo, estou orgulhosa de você! — Depositou um beijo no topo da minha cabeça. — Amo você! — Cantarolou antes de bater a porta.
Eu passei a chave na porta como ela tinha mandado, mas depois de um tempo resolvi falar com seu Manuel. Eu até gostava dele, era um homem bom e me dava pão quentinho as vezes.
Desci os degraus com cuidado para não deixar cair o potinho mágico do meu bolso. Quietinha eu sentei atrás do balcão, num banco alto pra poder olhar a rua. "Uma criança chama a freguesia, sorria", lembrei-me do seu Manuel me ensinando.
— Onde foi que a inútil da sua mãe se meteu? Está demorando muito!
— A mamãe não é inútil! — respondi prontamente.
— Para mim ela é, agora cale a boca.
Coloquei a língua para fora e depois sorri comigo mesma. Vou trocar os potinhos de tempero, como fiz semana passada, ou melhor, vou trocar o xampu dele por óleo. Ninguém chama a minha mamãe de inútil!
Eu a vi de longe. Mamãe vinha com os braços carregados de sacolas. Avisei Manuel para ajudá-la e tudo que ele fez foi sair na calçada e gritar com ela, mandar que se apresasse.
Por um segundo ela olhou para ele, tentando ouvir o que dizia. Nesse maldito segundo ela continuou a sua caminhada e não viu o carro que vinha em alta velocidade.
O meu mundo ainda está congelado nessa imagem, quinze anos depois.
Ainda posso ouvir seu grito agudo, e ver com clareza seus olhos prendendo os meus pela última vez.
As sacolas foram arremessadas para todos os lados e o corpo dela, tão frágil e agora coberto de sangue também foi lançado no ar.
Senti um crepitar dentro de mim, um sentimento me preencheu, algo maior do que a raiva, algo grande demais para uma criança sentir.
Me joguei do banco aos prantos e tentei correr até lá, para ajudá-la. Porém o velho me impediu.
Foi ele quem a mandou comprar a maldita farinha, foi ele quem gritou com ela e a fez se distrair. Foi tudo culpa dele, o velho a matou.
— Você matou a mamãe — gritei alto, querendo que o mundo ouvisse.
— Santo Deus! Eu...Eu vou cuidar de você pequena...
Eu não queria nada dele, muito menos seus cuidados.
— Você matou a minha mãe. — O urro daquela voz infantil assustou o bolo de pessoas que se aglomerava em volta do corpo.
Eu era uma criança, mas quis machucá-lo e matá-lo. Era algo maior do que eu.
O potinho cutucou meu corpo pelo casaco e então me veio a ideia. Peguei-o e apertei com toda força aquele spray, bem na cara do velho.
Meus olhos também arderam um pouco, mas foi ele quem gritou e pôs as duas mãos na garganta.
Na época eu não sabia que algumas pessoas eram alérgicas. Acabou que o velho era mortalmente alérgico a pimenta. Não me arrependi do resultado. O deixei se contorcendo e fui para junto de minha mãe.
Ela não estava mais entre nós, só me restou a dor e um desenho que nunca seria visto por ninguém."
Desde então eu vivi de orfanato em orfanato, fazendo justiça com as próprias mãos. Isso me liberta, alimenta.
Desde os seis anos de idade, eu soube que a vingança me alimentaria. Eu podia não saber o significado da palavra, mas a sentia nos ossos. Toda a vez que via uma injustiça, eu agia, fazendo o responsável por tal, pagar.
Com oito anos raspei a cabeça de uma das monitoras do orfanato, no mesmo mês coloquei aranhas em sua bolsa. Ela nos batia e como recompensa transformei sua vida em um inferno.
Aos nove eu encontrei uma amiga de verdade, que se parecia comigo em alguns aspectos. A diferença era que eu não dissecava nem matava os animais que me irritavam. Juntas nós erámos implacáveis. Uma explosão de raiva e vingança. Éramos a dupla perfeita, uma justiceira e uma psicopata.
Nós fizemos cada pessoa pagar por seus atos no orfanato, até os treze anos, quando ela se foi.
Ninguém nunca ficou comigo em sua casa por mais de dois dias, porém com Ana foi diferente, ela foi levada e permaneceu lá por um bom tempo. Até um fatídico dia, quando ela foi recolhida da família, pela assistente social responsável pelas visitas.
Abuso físico e psicológico, eles disseram.
Eu fiquei feliz por ter Ana de volta, só que ela veio diferente.
Além das cicatrizes, ela ganhou raiva, raiva de tudo, inclusive de mim.
Aquilo me queimou, aquele sentimento me fez descobrir os responsáveis por machucá-la e ir atrás deles.
Foi difícil não ser vista enquanto roubava o arquivo de Ana, com seus dados completos e os relatos do ocorrido com ela. Foi pior do que eu pensava, a assistente social fotografou o estado em que a deixaram e em vez de sentir pena, só consegui pensar em um castigo para os cretinos.
Ela foi amarrada, mutilada, humilhada e tudo isso por culpa da família perfeita que a adotou. Um casal acima de suspeitas que na verdade era uma dupla de psicopatas nojentos.
Só consegui realmente concluir os preparativos do meu plano com quinze anos. Ana descobriu o que eu estava tramando e se prontificou a me seguir nessa empreitada. Eu sempre fui racional, ela estava sempre dominada pelo ódio. Não a culpava, afinal, seus motivos eram pessoais.
Fugimos durante a noite, pulamos o muro com nada mais que dois revólveres carregados, cordas, um rolo de fita e uma dívida alta com um traficante local.
Ana sabia o endereço e fomos até lá.
Entramos na casa sem muitos problemas, já que ela conhecia o local e eles esqueceram uma janela aberta. Além disso, minha amiga conhecia a casa, já tinha explorado o local na tentativa de fugir.
Coragem, ódio e desejo de punição. Era tudo que nos alimentava.
Meu plano era mata-los enquanto dormiam, todavia Ana espumava de raiva e me pediu para vê-los sofrer.
Nos movemos meticulosamente pela casa, no escuro, tomando cuidado com os móveis.
Acabei esbarrando em uma mesa de canto, fez um leve ruído e eu xinguei baixo, pela força do habito: — Droga! Será que alguém ouviu?
Ela não me respondeu, não foi necessário. Logo escutamos passos na escada.
Não movemos um único músculo, nem tivemos a audácia de respirar.
A mulher parou na metade da escada e analisou em volta.
— Agora! — sussurrou Ana, se lançando com uma velocidade quase sobrenatural para a mulher, a coronha da sua arma atingiu a nuca da mesma e ela caiu, já desmaiada.
Tentei amortecer o impacto jogando meu corpo de encontro ao seu, tentando segurar a vadia e não chamar atenção com o barulho. Impedir que nossa presença fosse notada.
— A corda — cochichei.
Minha parceira me estendeu o objeto e acompanhou meus movimentos com os olhos, enquanto eu amarrava as mãos da vaca, da melhor maneira possível. Finalizei passando uma fita em sua boca e sobre os nós em suas mãos.
Uma já foi, agora falta o outro. Deixamos o corpo no mesmo lugar, mais tarde cuidaríamos dela.
Chegamos ao quarto do casal, a porta estaca entreaberta.
Paramos, receosas, e nos entreolhamos. Concordei com a cabeça e Ana correspondeu a meu gesto.
Entrei primeiro, devagar e com o revólver em punho.
Não fui esperta ou sequer rápida, quando dei por mim uma mão já me agarrava pelo cabelo, me sacolejando violentamente. Acabei deixando cair a arma, contudo não desisti de lutar, a nossa vida estava em jogo.
Tentei socá-lo enquanto ele me manipulava como uma boneca de pano.
— O que uma pirralha faz na minha casa no meio da noite?
Lutei contra ele, minhas mãos tentando alcançar seu rosto.
— Pensando pelo lado bom, eu vou me divertir um pouco com esse seu corpinho suculento. — No segundo em que falou isso me aplicou uma rasteira e eu cai, com seu corpo me prensando contra o chão.
Senti nojo dele e raiva de Ana, que estava olhando a cena de algum lugar, sem interferir.
Lutei com minhas unhas em sua pele, forcei meus dedos em um caminho para o seu cérebro, pelos olhos. Sua mão alcançou a minha garganta e apertou, levando o ar dos meus pulmões embora.
Meus ganidos pareciam o de um animal agonizante, o monstro em cima de mim deslizou sua mão pela minha barriga.
Foi quando eu a vi. Ana apareceu atrás dele, com os olhos de um tom avermelhado, assustador, lhe acertando com uma barra que supus ser de ferro. O maldito tombou para a esquerda, me libertando.
Ainda assustada e sem fôlego, levantei e massageei meu pescoço. Agradeci a ela em silêncio, por ter me livrado das garras sujas daquele animal.
Dessa vez ela fez o trabalho com a corda, o amarrando bem. Eu estava ocupada demais tremendo e tentando engolir minha própria saliva.
— Vamos arrastar a prostituta para cá. Vê se relaxa. — Ela mandou com que eu me acalmasse? Logo ela?
Resolvi que não era o momento para uma discussão.
Passamos um mal bocado para arrastar aquela piranha, ela não era gorda, mas nós não éramos exemplos de força. No orfanato a comida não era suficiente para deixar alguém forte, ela nos mantinha vivos, porém não servia para o desenvolvimento de massa muscular que era esperado na nossa idade. Parecíamos duas frangas de rinha, magras e ágeis.
Cuidei dos dois enquanto Ana buscava seus utensílios na cozinha. O aparelho de churrasco não desapontou, estava afiadíssimo. Notei esse detalhe quando minha cúmplice passou a faca sobre o braço esquerdo do homem, que acordou de seu desmaio, com seus gritos abafados por conta da fita cobrindo sua boca.
— Isso foi por ter falado aquilo para a minha amiga. Ninguém machuca a minha família — disse, olhando quando um filete de sangue escorria calmamente do corte. — Sabe qual é o significado disso?
E tornou a riscar-lhe a pele.
Sentei com as costas apoiadas na parede, enquanto ela lhes explicava o significado das palavras: família, amor, cuidar, proteger e por último, em minha homenagem, vingança.
Com um sorriso no rosto eu presenciei as atrocidades que ela cometeu, senti uma satisfação sem comparação quando a maldade que estava neles escorria para fora de seu corpo, em um carmesim encantador. O sangue daquelas aberrações, que não merecem o título de pessoas, lavando o piso envernizado.
Tudo isso sendo feito apenas com a claridade da lua cheia, que entrava pela grande janela, criando sombras delicadas no chão. Um espetáculo para os olhos.
Eu senti aquela paz quando acabou, eles estavam mortos, Ana tinha sido vingada. No instante em que minha velha amiga me olhou e sorriu, eu soube que valeu a pena.
Encontramos na garagem do casal, um tambor com gasolina e uma lixeira plástica. Transportamos os objetos de volta para o quarto, ainda no escuro, e lavamos o aposento com o liquido malcheiroso. Passei um pano nos revólveres, os limpando bem e os joguei na lixeira, junto com nossas luvas de lã, a corda que sobrou e o restinho de fita.
Arranquei o cobertor da cama e lancei para Ana, que o apanhou no ar, colocou-o sobre os cadáveres e molhou com o restante do combustível. Riscou o fósforo e o jogou ali.
Tiramos alguns segundos admirando as chamas azuladas se alastrarem lentamente pelos corpos e depois pelos objetos. Depois deixamos o local a passos largos, pulando a mesma janela e saindo para o vento frio da noite.
De alma lavada e sorriso no rosto nós gargalhamos pela rua.
Mais à frente demos um mergulho em um rio sujo, o fedor não nos incomodou, nada tiraria nossa alegria naquela noite. Nada.
Aos dezoito saímos daquele inferno e nos separamos. Nunca mais a vi.
A vida, que nunca foi fácil, ficou ainda pior com a maior idade. Sem um lugar para cair morta e sem uma faculdade, a minha perspectiva era terrível. Dois meses fora do orfanato e eu me vi com fome, em frente a um mercadinho. Tive que roubar para matar a fome, o dono me pegou, tentou cobrar de mim uma coisa que eu não lhe daria nunca. Precisei esfaqueá-lo e dessa vez fui parar na prisão.
As únicas coisas que arrumei por lá foram brigas e informações desnecessárias. Pelo menos aprendi a me defender, fiquei verdadeiramente boa nisso. Sobrevivência.
Felizmente minha pena durou dois anos, em regime fechado, por homicídio culposo. O meu defensor público era bom, devo admitir. Tão bom que me convidou para morar em sua casa, o que com certeza recusei. Mesmo ele sendo um velhinho simpático, não acredito que ele não tenha segundas intensões.
Agora eu estou aqui, livre, com o vento a me açoitar o rosto.
Sabe aquele sentimento que não me deixa dormir à noite?
Aquela sede de justiça?
Esse sentimento está me sufocando, ainda mais por a pessoa lesada nessa história ser eu.
Quando sai procurei por um amigo, que também era órfão e saiu três anos antes de mim. Agora Petrus era lutador, se libertava do ódio acumulado e ainda lucrava com isso. Ele me estendeu a mão e me deu algumas condições, como por exemplo, estar sempre disponível.
Eu estou sempre disponível e em troca tenho um teto sobre minha cabeça e um empego como bartender.
Rondei por dias o responsável pela minha prisão. O dono daquela espelunca, que para a minha alegria, sobreviveu. Anotei o horário em que saia de casa, quando chegava, decorei em que bolso ele guardava as chaves, que dia da semana ele ia para alguma orgia.
Na segunda semana eu o esperei na porta de sua casa. A princípio ele não me reconheceu, todavia depois de uma análise rápida seus lábios crisparam de raiva.
— O que faz aqui?
— Se lembra de mim? — Fiquei parada e ele avançou rapidamente a meu encontro.
Deixei que seu corpo batesse contra o meu para depois afastá-lo com as palmas das mãos abertas no seu peito flácido.
— Saia da minha porta, cadela. Nunca volte a pisar aqui.
Me encolhi.
— Certo, não me machuque, tô dando o fora. — Ele ameaçou vir atrás de mim.
Apressei-me para longe.
Um sorriso escancarou meus lábios. Eu tenho outro talento, que é o de bater carteiras.
Estou com suas chaves, babaca.
Rebolei em meu caminho até o chaveiro, pedi cópia de todas as chaves. Paguei uma pechincha por isso e voltei para a caverna do idiota, deixei o molho de chaves perto da porta, pelo lado de fora.
Amanhã ela vai pensar que deixou cair...
No dia seguinte esperei que ele fosse para o mercado, que agora tinha crescido de tamanho e entrei em sua casa. Tomando o cuidado de usar uma roupa preta e larga, escondendo meu rosto e me deixando parecida com um homem.
Assoviando eu coloquei um saco com ANFO* no meio da sala. Segui para a cozinha, abri o forno do fogão, liguei o gás de todas as bocas e rompi o lacre do botijão reserva, que também estava no ambiente.
Em alguns minutos o velho chegará em casa e acionará o interruptor de luz, criando uma explosão que vai ser amplificada pelo ANFO. Tudo vai virar cinzas.
Deixei o local e voltei para o nosso apartamento, no último andar de um prédio, que me daria uma visão privilegiada. Tomei um banho rápido e me posicionei no terraço, sentada na cadeira de praia.
Vesti a cor preferida de Petrus, um belo vestido branco.
Era deslumbrante o fato de que todas as minhas libertações acontecessem em noites de lua cheia. Além de me sentir leve eu podia ver um mundo bonito por alguns minutos.
Acendi um cigarro e o levei aos lábios, saboreando seu gosto mentolado e soltando a fumaça lentamente.
— O que faz aqui em cima? — A voz de Petrus surgiu atrás de mim.
— Apreciando a noite. — Bati no espaço atrás de mim na cadeira.
Ele veio desconfiado e sentou-se, me oferecendo sua cerveja.
É incrível como ele mantém seu olhar de menino assustado, não aprendeu a disfarçar seu medo. Meu pobre menino.
Apanhei a garrafa e bebi um gole do liquido deliciosamente gelado, ofereci meu cigarro em troca. Petrus tragou e manteve a fumaça em seus pulmões até o último segundo que suportou. Seus lindos olhos azuis se estreitaram e sua boca soltou a fumaça, de um jeito elegante que só ele era capaz de fazer. Fiquei encantada com a visão.
Me recostei em seu peito.
— Gosta de fogos de artificio?
— Quem não gosta? — Senti que ele sorria.
Com a lua a nos iluminar, o calor de seu corpo no meu e o meu querido cigarro entre os dedos, eu esperei.
Ouvimos o som e logo uma bola de fogo apareceu no horizonte, de onde estávamos era uma pequena faísca, mas aposto que fez um belo estrago.
Soltei a fumaça em uma risada leve.
Meu corpo chegou a ficar mole, tamanha a paz que senti naquele momento. Esqueci-me da sujeira do mundo, as lembranças ruins sumiram. Só vi a lua e as estrelas.
Petrus pareceu sentir que eu estava em outro mundo, em um torpor bom, mágica pura.
— Você não existe, Lilian. — Me entregou a garrafa e eu bebi. Meu nome real, que poucos conheciam, saindo de seus lábios, me proporcionou sensações incríveis.
Talvez eu não existisse mesmo, não naquele momento. Só restava a minha casca ali, me senti humana, queria ficar assim para sempre.
Mas logo eu voltaria a sentir o desejo de vingança queimar em mim, precisaria punir alguém e deixaria o pior sentimento me guiar. Deixando um rastro de dor e destruição por onde passasse.
— Você tem razão, baby. Eu não existo.
A verdade é que eu nunca quis existir desse modo. Sempre desejei ser apenas Lilian, uma garota normal. Nunca quis ser a personificação do pecado, não escolhi isso para mim.
Eu só quero apreciar o meu momento de inexistência, com a perfeição me rondando.
Senti os lábios gelados de Petrus fazendo cócegas em meu pescoço.
Meu torpor duraria por muito mais tempo essa noite, fosse pela vingança ou pelo efeito que Petrus causava em mim.
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