Chave fúcsia
Jungkook
Eu tinha feito o clima mais chato pairar por todo o apartamento, Jimin estava calado, apenas assistindo um filme qualquer que tinha colocado, eu havia estragado a nossa noite com minha boca grande que deveria ter ficado fechada e não dizendo qualquer coisa que tinha vindo na minha mente.
Ele até havia tentado puxar papo quando o filme começou, mas a verdade era que ambos estavam envergonhados demais para continuar aquele assunto e respostas monossilábicas não nos levaria a um diálogo prolongado, apenas a mais silêncios.
Onde eu estava com a cabeça? Era óbvio que ele iria me encarar como um idiota por ter falado de beijo enquanto ainda estou preso no corpo da melhor amiga dele, e nem tive como contornar o momento, fazer alguma brincadeira, simplesmente ficamos estranhos um com o outro.
Nesse momento eu amaria ter o poder de ler mentes, pois queria saber o que ele estava pensando de mim naquele instante, talvez se arrependendo de ter me chamado para passar o final de semana em sua casa, pois eu já havia estragado tudo em menos de trinta minutos desde que tinha chegado.
Por que eu tive que escolher logo aquele dia para decidir ser um cara sincero? Não podia simplesmente elogiar o poder que ele tem e ficar quietinho na minha? Não, tinha que falar que estava louco para dar um beijos nele, parabéns Jungkook!
Acho que nunca tive tanta vontade de dar uns tapas em mim mesmo por conta de uma besteira, a vontade era de levantar e ir embora sem olhar para trás apenas para fugir daquele constrangimento, porém isso deixaria um clima ainda mais esquisito, eu não poderia piorar nossa relação.
Por um breve instante, eu tinha me esquecido em qual situação estava, me esquecido do corpo que não pertencia a mim e do fato de que o rosto que Jimin estava encarando não era o meu, e me assustou perceber que eu havia começado a me acostumar com aquele corpo.
A culpa de não ter conseguido voltar a ser eu mesmo havia sido realmente minha, eu estava me ligando a aquele corpo mais do que deveria, não sabia uma forma de me desprender completamente, mas precisava.
— Me desculpa. — Murmurei ganhando a atenção do rosado.
— Oi? — Ele indagou se virando para mim.
— Por ter falado aquilo, não estava pensando direito. — Falei e notei sua expressão murchar.
— Então não teve vontade de me beijar? — Questionou arqueando uma de suas sobrancelhas.
— Não isso. — Balancei a cabeça para os lados. — Eu não estava pensando em quem sou no momento.
— E quem você é, Jungkook? — Perguntou sério.
— Sou a Yumin. — Afirmei e fiquei confuso com a rapidez da minha resposta, por que eu tinha dito aquilo?
— Não, você não é. — Exclamou me dando um susto pela elevação de sua voz. — Quando você me revelou o que tinha acontecido, a primeira coisa que me disse foi: "eu não sou a Yumin", e você vai continuar dizendo isso, pois pode estar no corpo dela, mas você não é ela, e não pode perder sua própria identidade dessa forma.
— É por minha culpa que a gente não consegue voltar ao normal. — Comentei o que já tinha constatado antes.
— Você realmente está querendo voltar? — Indagou meio desconfiado, isso me deixou confuso.
— Como assim? — Expressei me virando de frente para ele.
— Não sei, só pensei aqui que talvez você não estava com tanta vontade assim de voltar ao seu corpo. — Falou e desviou o olhar. — Talvez há coisas na vida dela que te cative...
Jimin me calou depois dessa fala, me fazendo abrir os olhos para uma coisa que eu não tinha notado desde o princípio: o que estava me prendendo no corpo de Yumin era as coisas na vida dela que me agradavam, eu não queria perder tudo aquilo, mesmo que despropositadamente.
Antes eu nem via a possibilidade de ter uma longa conversa com Jimin, e agora eu o tinha ali por perto a todo momento, sem contar todas as outras coisas na vida da Yumin que parecia mais interessante do que na minha, como por exemplo o fato dela ter uma família unida e cuidadosa, algo que eu nunca tive realmente.
Minha mãe se esforçou para nos dar uma boa casa, um bom estudo para mim e tudo que precisei durante meu crescimento, mas sempre fui bem sozinho, pois além de ser filho único, meu pai faleceu quando eu ainda era bem pequeno, praticamente não tenho lembranças dele.
Durante a infância apenas tinha companhia quando estava no colégio, mas depois eu não tinha mais ninguém para brincar ou conversar, pois mesmo que houvesse uma babá, não era alguém da minha família, era apenas uma pessoa sendo paga para me dar as refeições e cuidar para que eu não me machucasse.
Inconscientemente eu invejei a vida de Yumin e desejei ter algo como ela, tantos amigos, uma família acolhedora, um poder que a fazia especial, a aparente vida completa. Da mesma forma que Jimin cobiçou a vida que eu vivia quando minha mãe o mostrou tantas coisas sobre os humanos, o quão irônico isso era?
— Acho que entendi tudo. — Eu disse após uns minutos ficando reflexivo.
— O quê? — Jimin questionou me encarando.
— Eu mesmo estou me prendendo no corpo dela. — Afirmei suspirando frustrado.
— Então você tem que se desprender disso. — Ele disse e franzi o cenho, como poderia fazer algo assim? Eu não entendia nada da magia das fadas.
— Como posso conseguir isso? — Indaguei esperançoso.
— Faça com que sua personalidade esteja mais viva do que qualquer outra coisa, seja você mesmo, não importando se está num corpo que não pertence a você. — Explicou, mas aquilo não me deixou realmente entendido.
— Mas eu não deixei de ser eu mesmo. — Exclamei confuso.
— Sério? — Arqueou as sobrancelhas e olhou para baixo, apontando para mim. — E você sempre se senta assim? — Também olhei, notando minhas pernas estavam perfeitamente alinhadas uma a outra e a coluna retinha... Eu não costumava me sentar daquela forma composta.
— Acho que não. — Disse meio incerto, era verdade que comecei a tomar mais cuidado com minha postura depois de começar a fingir que era a Yumin.
— Jungkook, você até passou batom. — Apontou novamente, agora para meu rosto.
— Eu apenas faço as mesmas coisas que acho que ela faria. — Me defendi, levando os dedos até os lábios e tirando de lá um tanto do batom vermelho que havia passado.
— Sei que teve que fazer isso para ir na faculdade, mas por que está se comportando assim estando comigo? — Perguntou, abrindo novamente a realidade na minha cara.
— Caramba... — Murmurei arregalando os olhos. — Eu nem havia notado. — Disse surpreso comigo mesmo. — O que faço para não me prender mais tanto assim a vida dela?
— Bem, se foque na coisa que você continuou mantendo mesmo quando estava fingindo ser a Yumin. — Falou dando de ombros.
— Acho que só tem uma coisa. — Levei meu olhar novamente a ele e o rosado me encarou curioso.
— E o que é? — Questionou rapidamente.
— O que sinto por você. — Soltei de uma vez, mais uma vez sendo impulsivo.
— Como assim? — Ri soprado de sua pergunta, começando a achar que as vezes Jimin se fazia de desentendido de propósito.
Não era numa conversa como aquela que eu queria começar aquele assunto, muito menos naquele clima ainda estranho que mantemos, Jimin parecia meio bravo comigo de certa forma, e era bem compreensível já que até eu mesmo estava irritado comigo, mas já que eu tinha começado aquele papo, iria até o fim.
— Quando você entrou no colégio naquele ano, eu não conseguia nem disfarçar que queria saber mais sobre você, mas como qualquer adolescente orgulhoso, eu insistia que apenas queria ser seu amigo, colega de laboratório ou qualquer coisa que fosse um pretexto para conversar contigo. — Sorri nostálgico ao me lembrar de certas coisas. — Mas a verdade era que eu não conseguia parar de pensar no aluno novo que parecia olhar para todos menos para mim
— Eu me lembro que veio falar comigo nos meus primeiros dias, eu praticamente corri de você. — Riu para disfarçar o seu aparente constrangimento em falar sobre aquilo.
— Agora entendo bem os seus motivos, porém me irritava muito o fato de você me ignorar, eu pensava que você não me achava bom o suficiente para ser seu amigo e comecei a te achar um cara metido. — Ele me olhou surpreso após essa minha afirmação. — Uma hora eu percebi que aquilo não me deixava com raiva, e sim magoado.
— Lamento ter passado uma impressão ruim. — Disse, fazendo uma expressão culpada.
— Não precisa me pedir perdão, eu te julguei antes mesmo de saber qualquer coisa sobre você. — Expressei o acalmando. — Mas sabe de uma coisa? Mesmo que aquilo me magoasse, eu continue gostando de você por todo esse tempo, até pensei que tinha o esquecido quando o ensino médio terminou, mas te ver na faculdade apenas trouxe tudo de novo.
— De que forma você gosta de mim? — Perguntou se aproximando um tanto mais.
— Ainda não está claro o suficiente? — Murmurei e em seguida também fui mais para perto dele, segurando suas mãos e o encarando firmemente, mantendo o olho no olho. — Eu realmente gosto de você, Jimin.
— Oh... E-eu... — Abaixou o rosto, suspirando. — Que raiva, eu não consigo falar olhando para o rosto da Yumin.
— Quer que eu cubra o rosto? — Brinquei e Jimin riu divertido.
— Não, Kookie. — O apelido saiu de seus lábios de forma doce, como se fosse um costume me chamar assim. — É, quero dizer... Jungkook.
— Eu gostei do apelido. — Afirmei, e sua face se suavizou.
— Não podia imaginar que você sentia algo nesse nível também. — Comentou sem me olhar.
— Acho que falar sobre te beijar tinha sido uma boa dica. — Comentei tentando manter o bom humor para que a conversa não se tornasse constrangedora para ambos.
— Realmente foi. — Riu junto comigo. — E não pense que esqueci daquele selinho que você me deu.
— Ah não, Jimin! Nada de ficar relembrando os meus momentos de mico. — Retruquei, me sentindo corado apenas em lembrar daquele meu outro momento de impulsividade.
Ambos sorrimos, até a graça momentânea desaparecer e aquele silêncio retornar, porém agora ele não parecia mais incômodo, era apenas comum, mesmo que eu esperasse que ele dissesse mais alguma coisa relacionada ao fato d'eu ter me declarado daquela forma, mas entendia que para Jimin era difícil se abrir.
— Mas pensei que fosse apenas aquele tipo de impulso passageiro que vem quando estamos frágeis ou sensíveis, sabe? Alguém começa a nos tratar muito bem, então começamos a pensar que estamos afim dela, mas na verdade era apenas a carência falando mais alto. — Expressou, parecia estar falando por experiência própria talvez, porém preferi não o questionar.
— Posso dizer com toda certeza que não é algo momentâneo. — Afirmei voltando a lhe encarar e recebendo o mesmo olhar de volta, mas nem um de nós dois conseguiu sustentar por muito tempo e logo nossos olhos voltaram a mirar o sofá.
— Você me perguntou semana passada qual a cor dos meus olhos... — Jimin murmurou, ganhando minha atenção novamente. — Quer saber?
— Claro que sim. — Respondi rapidamente, era tudo que eu mais queria saber.
O Park se ajeitou sobre o estofado, ficando bem em minha frente, em seguida ele abaixou seu rosto e começou a tirar sua lentes de contato, as mesmas que ele revelou que tinham o poder de esconder sua verdadeira aparência.
Eu me corroía em ansiedade enquanto o assistia retirando as mesmas, e quando enfim ambas saíram de seus olhos, Jimin fechou suas pálpebras, mantendo o suspense por mais alguns segundos antes que uma luz foscas tomasse seus corpo por um rápido instante, sumindo enfim e me possibilitando de ter o vislumbre de sua real fisionomia.
Meu queixo foi ao chão talvez.
Os fios de seus cabelos tomaram a cor azul, um tom bonito e brilhoso, era bem diferente da coloração que se adquire quando se colore o cabelo com tintas, parecia tão vivo, macio, caia sobre seu rosto com toda a sua leveza, chegando a cobrir seus olhos e chegar suas pontas até sobre o seu lábio inferior por ser um tanto mais comprido do que seu cabelo de antes.
A tonalidade de sua pele tinha se mantido a mesma, porém assim como eu já tinha notado em Yoongi, Jimin também possuía alguns pequenos brilhos por toda sua derme, quase não eram perceptíveis se não prestasse bastante atenção.
Me aproximei um pouquinho mais, apenas o suficiente para que minhas mãos chegassem até seu rosto e eu conseguisse tirar as madeixas que cobriam sua face, ansioso para finalmente ver seus olhos.
Ele sorriu quando sentiu minha aproximação, mas segurou minha mão assim que toquei em seus cabelos, afastando devagar minha destra, mantendo nossas mãos juntas sobre suas pernas, tomei a liberdade de entrelaçar os dedos após isso.
— Está tão ansioso assim por isso? — Perguntou sorrindo de lado.
— Não imagina o quanto. — Respondi sincero, aumentando seu sorriso.
E enfim ele abriu suas pálpebras, e acho que perdi a habilidade de respirar e raciocinar por alguns segundos.
Eram azuis, mas não qualquer outro tipo de azul que eu já tinha visto em minha vida, eu não conseguia definir aquela cor em palavras, ainda mais após notar que suas íris pareciam duas jóias, cheias de detalhes emitindo um brilho diferente e deslumbrante, eu estava embasbacado.
E seus cílios realmente longos e levemente azulados apenas deixava seu olhar ainda mais marcante e expressivo, um tanto lascivo, afiado e voraz, a perdição para quem o encarasse demais, pois seria fácil se afogar nas águas que pareciam colorir suas íris.
— Jungkook... — Me chamou, me tirando daquele magnetismo que vinha de seus olhos que havia me travado por completo.
— Sim? — Indaguei, ainda aéreo.
— Preste atenção em mim. — Pediu e encarou nos fundos dos meus olhos com aquelas suas duas turmalinas.
Minha respiração descompensou, eu não conseguia desviar o olhar, era tão lindo que sequer parecia real, e por esse fato fiquei hipnotizado por aquelas íris tão incomuns, sentia como se ele pudesse enxergar minha alma, ou talvez até mesmo pudesse, pela forma como encarava o fundo dos meus olhos.
— Eu gosto muito de você, Jungkook! Mas preciso que esteja em seu verdadeiro corpo para que eu possa fazer algo que tenho vontade há muito tempo. — Murmurou e soltou minha mão, pegando a mesma em seguida e levando até sua boca, deixando com que meus dedos passassem sobre os seus lábios.
— Tudo o que eu mais quero nesse momento é poder voltar para o meu corpo. — Afirmei ainda sem desviar a atenção dele.
— Então volte. — Sua voz soou bem séria quando disse essas palavras, quase pude jurar que vi as suas íris se acenderem ainda mais, mas ignorei isso.
— O que você... Aí! — Exclamei levando a mão até o peito após sentir uma queimação estranha, era onde o meu crachá estava, o mesmo que Yumin encantou, eu não havia tirado aquilo do meu pescoço desde que ela despertou. — Esse negócio começou a esquentar do nada. — Comentei tirando o objeto de dentro da minha blusa, examinando o mesmo.
— Está andando com isso? — Jimin perguntou franzindo a testa.
— Sim, acho que numa esperança dele funcionar por conta própria. — Ri soprado. — Yumin também está usando o dela, a gente tentou contar com a sorte.
— A magia é apenas um meio, você tem que dar a impulsão para ela. — Afirmou sorrindo.
Aquilo me fez ficar pensativo mais uma vez, se a magia era apenas uma ferramenta, significava que era necessário que o manuseador tivesse a vontade e consciência do que queria fazer, eu não sabia como usar magia, mas tinha o desejo de a fazer funcionar, já era um começo.
— Acho que você é a minha chave. — Proferi com certeza em minha palavras, Jimin poderia ser de grande ajuda naquilo.
— Como assim, Jungkook? — Expressou confuso.
— Me prendo do corpo da Yumin porque inconscientemente acho que é a única forma de estar perto de você, mas eu preciso ter a certeza de que não é. — Expliquei e ele sorriu novamente, de forma tímida, antes de segurar minhas mãos mais uma vez, e segurar seu olhar grudado no meu.
— Kookie, eu queria estar perto de você antes mesmo de você saber da minha existência, então acredite quando digo que o motivo de estar quebrando tantas barreiras em mim mesmo para te contar tantas coisas sobre mim não é apenas porque você trocou de corpo com minha melhor amiga. — Afirmou me hipnotizando com seus olhos mais uma vez, eu poderia me acostumar com isso.
— Eu acredito nisso. — Murmurei soltando uma de suas mãos e segurando o crachá entre meus dedos. — Sei o que fazer.
Fechei os olhos, respirando fundo e focando meus pensamentos apenas em mim mesmo, nas lembranças da minha infância, nos meus gostos pessoais, nas minhas comidas preferidas, nas músicas que costumava ouvir no caminho para a faculdade e até nas memórias de momentos marcantes que ocorreram no decorrer da minha vida.
Suspirei pesado, tentando fazer vividos até mesmo os meus sentimentos pelo Park, não deixando de recordar sobre minha mãe e meu melhor amigo, o Namjoon, que eram partes tão importantes e significativas em minha vida.
Não esqueci de ir focando também na imagem do meu corpo e rosto que tomaram minha mente, tentei pensar em detalhes, pintinhas pelo corpo, antigas cicatrizes, marcas de nascença, tudo que parecia uma pequena parte da minha história.
Em algum momento o aperto da mão de Jimin começou a afrouxar, mas não me importei com aquilo, continuando a manter minha cabeça focada, até alguns sons ao meu redor começaram a se tornar mais altos, eram vozes e outros barulhos que não consegui identificar bem de primeira, até me questionei se Jimin tinha mudado o canal da tevê.
Preferi não perguntar, resolvi matar minha curiosidade por mim mesmo ao abrir as pálpebras novamente, porém o que vi não foram os olhos majestosos do Park e o seu apartamento ao redor, mas sim me deparei com um teto e paredes brancas.
Me levantei no susto, ficando sentando e sentindo um pouco de dor de cabeça, logo olhei em volta ainda confuso de como tinha ido parar ali, só então notando que antes estava deitado numa cama, em um quarto vazio, o qual percebi que conhecia muito bem.
Era o quarto de hospital em que Yumin estava internada, ou melhor, em que meu corpo se manteve em coma, e eu havia retornado a ele.
~♥~
O Jungkook comparou os olhos do Jimin a uma turmalina, e é essa pedrinha aqui caso não conheçam:
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