O Castelo de Carmin-Sur
Poster de Juna, estilo mangá/ Ilustrado por: Michelle Domit
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–Acho que vamos testar agora os teus conhecimentos, Félix O'Shea. – Juna olhou sugestivamente para o rapaz.
Félix alegremente se posicionou ao lado de Domênico, junto ao leme. O Loba do Mar alcançou a costa recortada da Irlanda. Os rochedos que escondiam a baía logo foram ultrapassados, revelando a passagem.
De volta às minhas origens, pensou Félix. Ele se perguntou como estaria Maire, e Darcy, seu tio ganancioso, ou a pequena Caitlin. Agora deveria ser uma mulher feita... Provavelmente, casada.
Ele fitou o magnífico castelo acima da neblina. A construção resplandecia em dias ensolarados e enfrentava a fúria das tempestades em dias tormentosos. Em dias de neblina, como aquele, parecia um feixe de flechas apontadas para o céu, com suas torres escuras e salientes.
Carmim-Sur destacava-se contra um céu cor de chumbo, em meio ao sinuoso e recortado penhasco que descia, dramático, logo abaixo de sua base. Uma paisagem desolada – à beira de um mar bravio.
Não havia praia, exceto uma entrada recuada dos rochedos que, se o navio conseguisse transpor, daria para uma baía e uma pequena aldeia que lá se escondia. Para chegar ao castelo, era preciso passar pela aldeia e subir o penhasco íngreme.
As casas eram rústicas, meras choupanas com telhados de palha; pareciam maquetes frágeis à mercê das intempéries da Natureza. Pelo menos, esta foi a impressão dos piratas, enquanto transpunham a passagem para a baía.
Uma estrada de terra precária e acidentada cortava a aldeia ao meio. Ninguém poderia imaginar que, outrora, a fortaleza desolada tivera os seus dias de glória – quando o clã O'Shea governava a região e protegia o povo que vivia ao pé do penhasco.
Mas não era essa a fase que os piratas contemplavam, ao se deparar com as choupanas aparentemente abandonadas.
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A reputação de Carmin-Sur como residência amaldiçoada, teria se consolidado mediante um trágico evento, envolvendo a morte misteriosa de Darcy, o chefe do clã O'Shea, e de sua consorte Maire. O casal deixou órfã, aos 16 anos, a única filha, Caitlin.
Ninguém sentiria falta de Darcy O'Shea, porque ele agia mal com os empregados e os demais parentes, menos abastados, expulsando-os do castelo e das terras. Isso atraiu um péssimo augúrio, conforme a tradição irlandesa de que parente não deve se voltar contra parente.
A propriedade e as moedas de ouro teriam que ser divididas em partes iguais entre os primos ainda vivos. Mas Darcy apropriou-se de tudo. Não encontrou resistência por parte dos dois primos, Sean e Liam, que o consideravam cruel e não queriam passar a vida temendo serem envenenados ou apunhalados – eles, suas esposas e filhos.
Liam partiu e se estabeleceu no norte da ilha, onde teve quatro filhos, dentre os quais, Félix, nome dado em homenagem à família da esposa galesa.
Apenas uma vez, Liam levou a esposa e os filhos para conhecerem o castelo. O garoto Félix encontrou Caitlin, a filha do homem que usurpou a fortuna deles. Infelizmente, o tempo de convivência para ambos não duraria, nem se repetiria.
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Alguns dos aldeões acreditavam que a maldição do castelo realmente começou quando o senhor do clã McFlint, Malcolm, casou-se com a bela órfã Caitlin O'Shea, cujo dote – o castelo – foi lhe dado por ocasião das núpcias.
A festa de casamento foi luxuosa. Todos tiveram a oportunidade de comemorar, de uma forma ou de outra – do camponês mais pobre aos senhores de terras vizinhas aos O'Shea. A comida foi fartamente distribuída entre os súditos do clã que viviam no povoado.
A jovem e ingênua Caitlin não tinha ninguém por ela, nem para orientá-la, muito menos protegê-la. Os primos sequer foram informados dos trágicos episódios, uma vez que Darcy havia designado em testamento um administrador para os bens e, ao mesmo tempo, tutor para a filha. Tudo para que os primos não aproveitassem sua morte para recuperar o que lhes foi tirado.
O casamento de Caitlin foi arranjado pelo tutor. Ela nem imaginava que o noivo queria apenas a fortuna dos O'Shea. Flutuando em seus sonhos, a jovem almejava tornar-se mãe e um pilar para aquela comunidade – tal como Maire, quando era viva.
Os convidados relataram ter visto a noiva confiante e feliz, mediante as atenções do marido. Porém, logo após ter bebido da taça de vinho que ele lhe serviu, a jovem caiu desacordada. Nem todos viram a sequência completa dos fatos. Havia quem contasse que, quando conseguiram acudi-la, seu olhar já estivesse vítreo. Havia quem contasse que o esposo ficou parado, com uma expressão satisfeita no rosto. Não parecia temer ser descoberto, uma vez que não existiam provas concretas contra ele.
Enfim, Malcolm se apossou do castelo e da fortuna da esposa. Não demorou a trazer sua amante, Sheila O'Connor, para viver com ele.
Anos mais tarde, os aldeões contariam um final diferente para essa história. Ou melhor, um começo diferente... Porque foi aí o começo de tudo.
De tempos em tempos, qualquer andarilho, viajor, ou residente do vilarejo, poderiam jurar ouvir os gritos do senhor do castelo. O que acontecia dentro de suas lúgubres paredes? Ninguém sabia ao certo. Mas as pessoas podiam adivinhar que fosse algo aterrador.
Os aldeões evitavam sequer passar pela ponte levadiça, e era cada vez mais difícil para Malcolm conseguir empregados que aceitassem trabalhar no castelo.
Aos poucos, a aldeia começou a se esvaziar.
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