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Nem tudo vai bem no Palácio

Meses depois...

Guilhem de Craon esteve no Castelo dos Saint-Martin, para verificar pessoalmente como andava a rotina de seus criados e moradores da aldeia. Afinal, eles dependiam de que o castelo continuasse exercendo suas funções administrativas e econômicas. Por essa razão, ele escolheu um de seus companheiros para cuidar do local. Averiguar como andavam as coisas, foi a justificativa que o rei deu a si mesmo para ir até lá... Tentou se convencer, várias vezes de que não foi até lá para estar entre as coisas de Joana.

No palácio de Aachen, as coisas não iam muito bem. Ele não sabia precisar a origem de seus problemas. Não era algo exato e específico; que um guerreiro como ele pudesse combater com as próprias mãos. Era como se uma negatividade sem tamanho estivesse se espalhando pelo seu reino. Os problemas se avolumavam: a seca devastava as plantações; uma misteriosa peste assolava seus súditos; as fronteiras estavam ameaçadas; e no litoral, o crime organizado proliferava...

Os povos de diferentes reinos sob seu poder, estavam assustados...

Os monges obreiros o haviam alertado para o perigo. Ele não quis acreditar que uma presença maligna o estivesse perseguindo. Eles também o alertaram para as reais intenções dessa criatura. O necromante almejava obter o seu corpo para que pudesse se materializar em uma posição de poder. Como fez com o La Chapelle. Guilhem não queria acreditar em tais influências, mas...

Ele próprio tivera sua cota de experiência com o sobrenatural, na adolescência, para saber que era possível. O éter influenciava no mundo concreto. As provas estavam aí, por toda a parte.

O rei foi recebido com alegria por Revêche, o cavalo de Joana. Ele sempre o cavalgava, quando estava lá.

Desassossegado, ele refletiu enquanto se afastava pela trilha, com os guarda–costas a pequena distância. Guillhem soube que os obreiros encontraram algumas das pedras da invocação no Castelo dos Saint-Martin. Mas ainda faltavam três. Segundo eles, eram as únicas coisas que poderiam deter ou favorecer o necromante, dependendo de como fossem utilizadas. Acreditava-se que elas estariam escondidas no castelo. O lugar foi verificado de ponta a ponta.

Onde estariam elas? Os obreiros achavam que estavam com Joana. Isso significava que ela estava em perigo, onde quer que estivesse.

–––

Durante a estada do rei no castelo, ocorreu um fato inusitado: um intruso todo vestido de preto foi flagrado investigando os cômodos superiores. Seus guarda-costas quase conseguiram capturá-lo. Durante a fuga caótica, ele saltou pela janela e desapareceu nas árvores, como uma maldita aranha escaladora... Porém, deixou cair um camafeu que um dos guarda-costas avistou sobre o tapete e trouxe para o rei. Guilhem analisou o objeto e teve certeza de já tê-lo visto antes. Mas onde? Com quem?

A identidade do fugitivo foi impossível de descobrir, já que o sujeito usava capuz e capa por sobre os trajes indefinidos – que pareciam trapos costurados. O rei imaginou que se vestisse assim para encobrir qualquer marca no corpo que o identificasse, como uma tatuagem ou cicatriz.

Cansado de todo esse suspense, ele decidiu retornar ao palácio, em Aachen, e convocou os seus companheiros, entre conselheiros, generais e governadores, para uma reunião secreta.

–––

Não demorou para que todos, no palácio, ficassem sabendo do retorno do rei... Um mensageiro foi despachado na frente, para que o prefeito tivesse tempo de preparar as acomodações reais de acordo com os gostos e necessidades de Guilhem. Ele também foi orientado a preparar a sala de reuniões.

Lady Yona soube da chegada do rei pela criada que designaram como sua camareira pessoal. Ela também lhe contou que uma importante reunião foi convocada e estava prestes a acontecer. Guilhem de Craon rumou diretamente para lá, junto com seus homens de confiança. Alguns deles haviam chegado antes mesmo que a caravana do rei entrasse pela ponte levadiça. Yona recompensou a ávida camareira e se apressou pelas passagens secretas a fim de não perder a oportunidade de escutar o conciliábulo.

Durante a ausência do rei, ela havia aproveitado para mapear todas as passagens secretas a fim de escutar conversas e juntar informações importantes para seu senhor, Alan de La Chapelle. Naturalmente, ela sabia que seu verdadeiro senhor era aquele que estava por trás de seu senhor. Uma criatura poderosa que já se descolou do corpo físico apodrecido e agora precisava de outro. Ela estava apavorada o bastante para não tentar fugir ou contrariar a criatura. Sabia que a encontraria onde quer que tentasse se esconder.

Assim sendo, Yona se esforçou para se aproximar o máximo possível e ouvir o que estava sendo dito na sala de guerra do rei.

As paredes eram grossas e apesar do quadro falso facilitar a acústica, pois cobria uma fenda para quem quisesse olhar pelos olhos da ilustração, apenas algumas frases soltas, ditas em momentos mais exaltados, chegavam até ela... Foi difícil entender o sentido geral. Ela planejava repassar o que ouviu ao seu mestre, palavra por palavra, pois ele tinha uma habilidade estranha de entender o que ficava nas entrelinhas.

Dando um passo para trás, ela sem querer faz rolar uma taça velha, esquecida lá por algum antigo espião, como ela (ou algum folião picardiando pelo lado proibido do palácio). No entanto, o barulho rápido e inofensivo teve o poder de reverberar por aquelas paredes. Os homens do rei silenciaram e se moveram arrastando cadeiras... Yona saiu correndo, carregando consigo todas as teias de aranhas que evitou quando esteve lá dentro. Derrubou a tocha, que se extinguiu em contato com o piso molhado e frio... Encontrou a saída; pulou para o corredor externo, espanando as teias que ficaram grudadas no cabelo e no vestido.

Fechou a porta secreta atrás de si, abaixou a alavanca e correu. Correu como louca, mas o corredor era muito longo. De modo que ela parou, respirou fundo e contrariando o instinto de fuga, caminhou corajosamente na direção dos passos que soavam como tropel de cavalos. Tirou os últimos vestígios de teias de aranha dos cabelos e procurou serenar a expressão.

O grupo surgiu no extremo oposto, liderado pelo próprio rei. Ao avistá-la vindo ao seu encontro, ele parou. Seus homens o imitaram. O silêncio dominou o corredor. Procurando ostentar uma calma que estava longe de sentir, ela sorriu castamente, enquanto eles a encaravam, desconfiados. Quando estava perto o bastante, o rei perguntou:

–O que fazes aqui, milady?

–Estava no meu quarto. – Por sorte, ficava na direção oposta e ela sorriu. – Soube que chegueis de viagem há pouco e quis vos saudar.

Guilhem respondeu, sem sorrir.

–Pois cá estou.

Ela se aproximou para beijar sua mão. Ele gesticulou para que enão o fizesse. Detestava aquele tipo de saudação real – um beija-mão que se originava dos templos clássicos e que os gregos chamavam de proskinesis. Craon acreditava piamente que esse tipo de ato de veneração foi um dos pregos no caixão de Alexandre, o grande.

Diante do seu gesto, Yona mostrou-se sem jeito.

–Bem, vejo que estais ocupado! – O sorriso dela se ampliou, dando-lhe um aspecto de simpatia forçada. – Vou para a sala de costura.

Ela se afastou... Os homens se entreolharam e lhe deram passagem. Guilhem ergueu a mão para que se calassem, enquanto esperava a jovem sumir completamente de vista. Então apontou para a porta secreta. Eles testaram a engrenagem. Estava trancada como deveria estar.

Guilhem olhou fortuitamente para o chão e viu a poeira espalhada sobre o mármore polido escuro, o que fazia o pó se destacar. Havia restos de teias de aranha também. Só poderiam ter caído por uma recente movimentação da porta falsa. No entanto, para ser justo, a passagem poderia ter sido aberta e fechada antes de Yona ter atravessado o corredor. Possível, mas não provável.

Desconfiado, ele decidiu colocar todas as passagens secretas do palácio de Aachen, sob vigilância. Enquanto as providências eram tomadas, informou aos seus companheiros e homens de confiança:

–Continuaremos nossa reunião em minha sala íntima.

Ele avançou a passos largos rumo à suíte real, seguido pelo grupo. Rapidamente alcançaram os aposentos recentemente reformados conforme as instruções do rei. O local abrigava o seu quarto, a casa de banho, a sala de música, a biblioteca pessoal, uma sala de estar e uma sala íntima, onde o rei fazia suas refeições. Estas últimas estavam mais para salas seguras do que lugares destinados ao entretenimento ou aos encontros fortuitos, como muitos cortesão palpitavam.

Na sala de estar, dita íntima, o mordomo passou trabalho para acomodar toda aquela gente. Correu para cima e para baixo, arranjando assentos extras para a mesa de refeições. E quando finalmente todos estavam acomodados, os guarda-costas se postaram à entrada. Ninguém entrava, nem se esgueirava para colar os ouvidos à porta.

O rei o dispensou o mordomo pelo resto da manhã e o lorde sentiu-se enxotado. Mas, por outro lado, ficou inquieto diante de tantas medidas cuidadosas. Tais medidas significavam que coisas graves estavam acontecendo nos bastidores do palácio.

Sem rodeios, como era de seu costume, Oderich tomou a palavra.

–Muito bem! Minha equipe de engenheiros trouxe esses projetos para sua aprovação.

Ele desenrolou os pergaminhos para mostrar o plano criado para dar andamento à expansão militar no norte, contra os saxões. Eles aperfeiçoaram as máquinas de cerco e Oderich queria colocá-las de maneira estratégica em determinadas áreas.

Craon levantou-se e debruçou-se sobre eles, para examiná-los. – Vejo que fez bom uso da engenharia macedônica e os manuais militares romanos.

–Para alguma coisa os piratas servem – Oderich fez piada. O rei lhe lançou um olhar atravessado. O amigo e gênio militar limpou a garganta e se calou, mas sem esconder um quê de divertimento no olhar.

Todos sabiam, ali, que Oderich estava se referindo ao fato de terem contratado piratas, no Egito, para contrabandear os pergaminhos da antiga Biblioteca de Alexandria, a qual caiu em desgraça diante de cristãos fanáticos que a queimaram e arrasaram a biblioteca até o chão. Aquele não foi a primeira tentativa de destruir conhecimentos ditos pagãos, nem tão pouco foi o primeiro incêndio arrasador.

Muitas seitas secretas tentaram salvar os conhecimentos preservados na biblioteca. Os piratas locais também tentaram lucrar, contrabandeando vários documentos para ávidos colecionadores particulares, dispostos a pagarem o preço. Guilhem de Craon era um desses colecionadores.

Durante o tráfico dos últimos documentos sobreviventes, Alexander, o famoso contrabandista de Gaza, foi apanhado pela frota franca. O curioso é que ele não foi preso por causa do contrabando, mas, por roubar uma antiguidade sacra de um monastério – em pleno território franco. Foi um disparate. A honra das tropas de elite reais estava em jogo. A caçada varreu todo o território e o bandido foi apanhado antes que conseguisse se aproximar do cinturão sem lei do litoral.

Craon era católico e devoto à Igreja, mas não concordava com tudo o que o papa determinava. Assim, ele devolveu o artigo sacro, mas não entregou o bandido... Pois este possuía um passado um tanto controverso. Foi adotado por um conde muito amigo de seu pai... O rei não desejava executá-lo. Ao mesmo tempo, sabia que não podia libertá-lo.

O papa suspeitava que o rei não costumava seguir suas ordens à risca, mas fingia não perceber, pois não lhe convinha perder o filho mais poderoso da Igreja.

No fundo, Guilhem não acreditava em doutrina ou fanatismo. Ele acreditava que, se a civilização chegou a algum lugar, foi graças aos antigos. Portanto, os antigos não eram pagãos desprovidos de razão e juízo, comandados pelos demônios – como a Igreja queria que acreditassem. Os antigos eram os responsáveis pela civilização chegar onde chegou. Mas, graças ao fanatismo, a civilização estava regredindo em seus conhecimentos.

Não, se dependesse de Craon.

E nesse aspecto – ele tinha que aceitar o fato de que os mercenários e piratas contratados fizeram um bom trabalho. Ele escolheu Nahim, o olho de tigre para seus serviços fora dos "padrões elevados" da Igreja. Por dois motivos: Nahim era muito competente e principalmente, era o rival de Juna, a capitã do Lobo do Mar.

Ao ouvir Avraed elogiar o serviço bem feito do pirata, sob os desígnios da Coroa franca, Guilhem retrucou:

–Nahim, o olho de tigre, foi bem pago para isso. Ele não fez pelo bem estar da civilização, acredite.

Avraed meneou a cabeça, Sabia que o rei não gostava dos piratas desde que Juna roubou a frota. Sabia também que ele não deixaria que Nahim se tornasse uma espécie de herói... Quando seus serviços não fossem mais úteis, ele seria descartado. Ou melhor, preso.

Mas Avraed ouviu dizer que a rivalidade entre Juna eNahim não fosse pra valer, mas inventada para enganar o rei. Certamente, Craon também estava ciente disso.

Craon voltou a se sentar. Oderich enrolou o pergaminho e fez o mesmo.

– O aqueduto das terras baixas da Saxônia está quase pronto – explicou. – Isso deve apaziguar os líderes das vilas locais, pois vai ajudar a minimizar a seca da região. Desta maneira, duvido que se unam aos líderes do norte, contra nós.

–E a guarnição que irá proteger a região?

–Já foi instalada.

Guilhem assentiu.

–Queremos que a população nos veja como benfeitores e protetores, não como controladores... – argumenta Guilhem. – Temos que proteger as plantações, custe o que custar...

Ele voltou-se para Avraed: – Como está sendo feita a logística de transporte da produção agrícola.

Avraed, por conhecer a região como a palma de sua mão, sabia onde, como e com quem contar para conseguir fazer as manobras necessárias de escoação da produção agrícola – e, assim, evitar os rebeldes.

– Nós estamos aproveitando as sobras da construção naval, no litoral norte do Reino, para criar carroças mais resistentes. Os navios já estão quase prontos para fazer a patrulha do litoral, no sentido sul. As carroças também estão quase preparadas para rodar. Iremos selecionar soldados de regiões opostas. Assim, não se sentirão tentados a se unir.

–O que queres dizer? – Indagou Anicet.

–Alguns soldados são de famílias de agricultores locais. Temos que enviar soldados que executem a coleta e o pagamento de maneira imparcial. Por isso, o sistema de troca. Cada um vai para a região oposta à sua. Fazem a coleta e levam para os armazéns de distribuição provisórios, que Oderich já mandou erguer, pelo caminho. O que não for para alimentar a população das cidades maiores, vai ser exportado para outros territórios. Preferencialmente, os nossos protetorados. Portanto, os portos... – ele se calou diante do problema que constantemente os cutucava: os portos.

Craon virou-se imediatamente para Arnaud, responsável pelo funcionamento dos portos. – Precisaremos deles, claro. Os portos do cinturão fora de lei deverão estar limpos de criminalidade, até lá.

Arnaud sentiu o peso do problema e da sua incumbência. Os francos tentavam combater a criminalidade do cinturão sem lei, desde Pierre. Nenhum rei conseguiu eliminar completamente o crime organizado daquela região afastada do império. Por que Guilhem acreditava que conseguiria? O pior é que a tarefa era sua. Desde que Guilhem dividiu a inteligência entre interna, para questões territoriais, e externa, para assuntos internacionais, ele vinha competindo com Avraed para mostrar que fazia jus à segurança nacional tanto quanto Avraed cuidava da segurança e da espionagem em cortes estrangeiras.

Arnaud teria que pensar em estratagemas mais astutos do que os lordes que o precederam.

Craon voltou a se manifestar, questionando Avraed: – Agora diga, temos alguma notícia de Helmuth?

Helmuth era um mercenário e assassino profissional de origem obscura, que ofereceu seus serviços para capturar ou trazer a cabeça de Juna, a pirata. O rei ofereceu uma fortuna por ela, preferencialmente viva... Porque desejava levá-la a um julgamento público. Mas se não fosse possível... Aceitava receber a cabeça. Afinal, nada mais justo, já que lhe trouxe muitas dores de cabeça. Desde que roubou a frota e se fez anunciar na vida de Craon, a pirata vinha aprontando horrores pelo litoral de seu reino.

Helmuth saiu em sua caçada há mais de um ano e ainda não deu notícias – nem de que estava próximo de concluir a missão, nem para informar se ainda estava vivo.

Portanto, foi com pesar que Avraed respondeu:

–Nenhuma notícia de Helmuth, majestade.

O rei tamborilou os dedos sobre a mesa. – E quanto à pacificação das cidades do cinturão sem lei? Fizemos algum progresso?

A questão do cinturão sem lei era crítica... Arnaud engoliu em seco e então informou: – Majestade, todas as tentativas de desbaratar as organizações criminosas foram rechaçadas. Eles se escondem... Em algum lugar... E então retornam. Acho que contam com a conivência dos vilarejos locais. Quem sabe, devamos construir novos portos, com guarnições posicionadas estrategicamente.

– Muito caro. Não temos dinheiro. – Guilhem rejeitou a ideia com um gesto. – Eu teria que zerar os cofres públicos, que já sofreram com a seca, com a peste, com os piratas, com a manutenção das fronteiras e dos protetorados além das fronteiras. Só uma guerra, por meio do butim, nos traria algum dinheiro para coisas mais extravagantes. Não esqueçam:não somos romanos. Mesmo que usássemos a guerra para lucrar, ainda teríamos que investir no exército, para depois lucrar com a vitória. Não temos dinheiro e não estou a fim de sair matando ninguém para enriquecer o reino. Manter as fronteiras conquistadas já é caro o bastante para mim.

Arnaud não tinha mais ideias, portanto, disse a primeira coisa que lhe passou pela cabeça:

–Talvez tenhamos que adotar medidas drásticas. Um ataque direto, queimar as cidades portuárias, saquear os próprios bandidos e começar do zero.

Avraed disfarçou o divertimento, enquanto Guilhem se mostrava realmente chocado.

–Ficou louco? Acha que arrasar as cidades litorâneas irá resolver o problema?

–Não, mas não estou vendo mais qualquer saída. Se Vossa Majestade tiver alguma ideia, sou todo ouvidos.

Silêncio.

–Eu acho que tenho uma ideia – disse Craon, de repente. – Infiltração.

–Já tentamos isso e...

–Não qualquer tipo de infiltração, feita às pressas... Temos que criar uma personagem verossímil. O espião deve assumir uma vida que, se for verificada, realmente exista... Alguém que os bandidos conheçam e respeitem, ou, ao menos, aceitem... Alguém que tenha um cartão de visitas.

–Cartão de visitas?

–É modo de falar... Ainda não tenho a ideia muito bem definida, mas a terei, à medida que vocês me derem mais informações. – Virou-se para Cleto, que cuidava das prisões e quaisquer outras instituições mantidas pela Coroa. – Aquele bandido que tu capturaste...

Cleto quis dizer que Arnaud capturou, tentando levantar o ânimo do amigo com um elogio, mas Guilhem prosseguiu, sem lhe dar margem a comentários.

–Há quanto tempo ele está nas masmorras do palácio? Ainda está vivo?

–Está na masmorra do lado leste, há uns... Seis meses. – Cleto o informou, sentindo-se desconfortável. Afinal, eles não tinham por costume verificar o bem estar e a saúde dos prisioneiros das masmorras. – Acho que ainda está vivo.

Craon ficou muito sério, de repente. – Alguém sabe que ele está conosco? Quero dizer, alguém entre os bandidos que trabalham com ele.

–Creio que não. – Cleto respirou fundo. – Mas sabem que ele está desaparecido.

–Desaparecimento pode ser atribuído a uma viagem qualquer – Craon gesticulou, animado. – Ou qualquer coisa que eu consiga improvisar.

–Vossa Majestade, improvisar? Nós não estamos acompanhando o vosso raciocínio.

– Explicarei tintim por tintim no devido tempo. Verifica se ele ainda está vivo, sim? ...E o traga até mim, o quanto antes.

Craon sorriu como o gato que comeu o canário. Cleto imaginou que deveria fazer isso, agora mesmo. Levantou-se, fez uma mesura breve e se retirou da reunião.

– Não sei se estou acompanhando, mas quero crer que sim. Se ele tiver sobrevivido às nossas masmorras... E vós quiserdes algo dele... – Tuemano, o cético, argumentou. –O bandido vai querer um acordo. Deve estar desesperado.

–Quem garante que ele não vai nos trair, assim que deixar a prisão? – Gerard contrapôs.

–E quem disse que ele vai sair da prisão? – Craon rebateu, erguendo a mão, com pouco caso, a fim de evitar uma discussão inútil entre os dois companheiros. – Se eu for bem sucedido e retornar vivo, ele vai receber um acordo de exílio. Digamos que ele vai se esforçar para ser útil. Qualquer coisa para ele agora é melhor do que as masmorras. Em troca, ele vai me ensinar.

–Ensinar a vós? – Tuemano adivinhou a ideia do rei, enquanto os demais continuavam no escuro. – Não pode... Quer dizer, Vossa majestade...

–Eu já fiz isso antes – cortou o rei, em tom de advertência.

–Mas viajar disfarçado é diferente de assumir uma vida de bandido. Os criminosos do cinturão farejam os homens do rei a quilômetros de distância. Imagineis vós, o próprio rei! Vós sois educado, não sabeis falar como um bandido vulgar. Não conheceis os códigos que usam, o dialeto, a etiqueta entre eles...

–Tudo isso eu vou aprender... Além do mais, o nosso prisioneiro não é um bandido vulgar... Lembram de suas origens, não lembram? E é por isso que vou assumir mais do que sua identidade. Assumirei a sua personalidade. Vou estudá-lo como a um animal no zoológico.

–Mas e os comparsas dele? – Questionou Oderich. – E a própria Juna? Eles provavelmente se conhecem. Saberão que vós não sois ele.

Craon levantou a sobrancelha. –Antes de vós todos sentenciardes que o plano não dará certo, primeiro vamos ver de perto esse bandido... De repente, com as devidas artimanhas, faremos com que eu me pareça com ele. Tudo vai depender do que veremos sair daquela masmorra, certo?

–Majestade, não podemos arriscar o soma real!

–Quem decide o que fazer com minha pessoa, sou eu mesmo – disse o rei, encolerizado. Os homens se calaram.

Naquele instante, o monge Bernardo irrompeu na sala íntima, vindo direto da ilha de Conta. O rei credenciara os monges obreiros com passe-livre, portanto, os guarda-costas não o detiveram. Mesmo assim, por respeito ao rei, o monge parou à entrada e fez uma breve mesura.

–Perdão, Majestade. Eu estava fora da cidade, quando me mandardes chamar. Retorno com informações importantes.

O rei gesticulou para que ele viesse se juntar ao grupo.

–Conta.

–Eu e meus irmãos obreiros estamos monitorando as ações nefastas de Norhemreb. Pelos níveis de energia e magia que castigam os vossos domínios... E considerando o camafeu que vós nos destes para investigação, deduzimos que pertence à Ordem de culto dele. Uma forma de identificação entre seus membros. Sendo assim, imaginamos que os adeptos da seita têm trabalhado em fornecer brechas de energia dimensional para que seu amo transite entre os vivos sem ser detectado. Suspeitamos, ainda, que a seita tenha seguidores infiltrados no palácio. Ao menos dois.

Embora não tenham compreendido toda a explanação, o final ficou bastante claro. O impacto da notícia tirou o ar dos pulmões de Arnaud. Ele era responsável pela governança de Aachen.

Craon nem se preocupou com isso. Ao contrário, gracejou:

–Vistes? Infiltração é a palavra do dia! Se ele pode, eu também posso.

O obreiro franziu o cenho. – Perdão?

–Nada. Continua... Conheces a identidade dos infiltrados?

–Ainda não. Por isso, voltei. Para investigar.

Craon acredita conhecer a identidade de um deles.

–Pois, então, investigues... Nossa pequena reunião na sala de guerra foi espionada. Tenho minhas suspeitas... Voltaremos a elas, depois que encerrarmos aqui. Fato é que, enquanto não identificarmos os traidores, as reuniões deverão ser feitas todas aqui. Graças a Avraed, após a reforma, minha sala íntima passou a não ter passagens secretas por perto – com exceção de uma saída de fuga estratégica que só Guilhem, sua mãe, Avraed e o pedreiro saxão escolhido para construí-la, conhecem. – De modo que, se alguma informação deixar esta sala, será pela presença de um traidor entre meus companheiros.

Ele observou, satisfeito, seus homens trocarem olhares indignados; então, acrescentou: – Absolutamente, não creio que haja.

Nos próximos minutos, ordens foram expedidas para serem executadas antes do próximo chamamento. Craon se levantou, dando por encerrado o encontro. Todos se retiraram. Ficaram na sala apenas o rei e o monge obreiro.

–Acho que já vi o tal camafeu antes... – comentou o rei, pensativo.

–––

Mais tarde, o rei usou as mesmas passagens secretas para desembarcar no andar onde ficavam os aposentos de Yona. Segundo lhe informaram, ela estava no jardim, trabalhando em sua tapeçaria. Assim, ele entrou e vasculhou tudo. Finalmente, quando abriu a caixa de jóias, encontrou o camafeu idêntico ao encontrado no Castelo de Saint-Martin. O camafeu do qual ele se lembrava de ter visto antes, era o dela! Sinal de que Yona pertencia à Seita de Norhemheb. Agora só restava descobrir se era a única espiã, ou se havia um segundo infiltrado à serviço do necromante.

Ele precisava decidir se iria fingir que nada sabia, a fim de surpreender os dois ratos; ou se mandava prender e torturar a mulher, até que confessasse o paradeiro do necromante.

Se é que ela sabia do seu paradeiro. Talvez, o monstro não deixasse seus seguidores saberem onde ele estava escondido.

–––

Naquela noite, enquanto todos dormiam, Yona se viu caminhando pelo longo corredor de uma tumba egípcia. Ela se deparou com o necromante, sentado num trono de pedra corroído pelo tempo. Ao seu redor, havia caveiras e corpos cobertos por vestes arruinadas, que lá jaziam em decomposição.

Assustada, ela levou a mão aos lábios.

O necromante tudo via e sabia sobre os alvos de seu interesse, pois abriu passagens dimensionais e assim se conectava às energias dos corpos e/ou lugares onde viviam as vítimas que planejava dominar. As passagens eram semelhantes às do palácio, só que no mundo espiritual.

Ele não tinha, ainda, um corpo saudável para conduzir seus assuntos com mais frequência, no mundo físico. Perdera o anterior e o rei dos francos revelava-se um alvo difícil de manipular. Mas os adeptos de sua seita estavam trabalhando para que conseguisse tomar o corpo dele e assumir o seu lugar.

–Por que me trouxeste aqui? – Yona perguntou, apreensiva.

Em resposta, ele sorriu.

–Por que tu não me serás útil se fores apanhada. Deves fugir, Yona. Foste descoberta. Os obreiros vão tentar usar-te para chegar até mim.

Ele faz um gesto com a mão cinzenta e podre. Yona sente-se arremessada de volta ao corpo. Acorda atordoada e se descobre na cama, em seus aposentos, no palácio real.

Que incrível! Ela sentia como se tivesse estado no longínquo Egito.

–Fuja! – Soou uma voz inumana em seu ouvido. Foi tão nítida, que ela teve um sobressalto; pois não havia ninguém no quarto, além dela.

Respondeu à ordem, por impulso. Saiu da cama e começou a se vestir atabalhoadamente... Os pensamentos frenéticos e desorganizados. Tudo o que sabia era que precisava partir! Agora!

–––

Ela bem que tentou fugir, mas foi apanhada antes de alcançar qualquer uma das saídas do palácio...

Avraed estava varando a madrugada, para organizar os planos conforme as ordens do rei, quando o soldado da guarita chegou, puxando a dama pelo braço. Depois de analisar a cena, por um instante, Avraed imprimiu o tom certo de indignação: – O que é isso? O que está acontecendo?

O guarda endireitou as costas e relatou:

–Tentativa suspeita de uma saída não autorizada.

Ora, um divertimento como saideira, depois de horas de trabalho árduo, cairia bem... Avraed refletiu, sabendo que não poderia dormir sem antes acordar o rei e relatar o fato inusitado. Mas até lá, o divertimento...

–Mas ela é uma dama da corte!

Incentivada pelo tom revoltado do chefe de segurança, Yona puxou o braço com violência, endireitou o "vasto" vestido e depois, tentou colocar a cabeleira no lugar, sem muito sucesso.

O rapaz baixou a cabeça, mas Avraed piscou discretamente. Meio confuso, meio aliviado, o soldado esperou os próximos acontecimentos. Avraed limpou a garganta e anunciou: – Podes voltar para o teu posto, que eu assumo daqui.

O guarda girou nos calcanhares e se mandou.

–Não sei o que deu nesse guarda – disse Yona, tentando parecer ultrajada e não apavorada.

– Pois é... E que mal te perguntes... – Ele disse suavemente. – O que deu em ti para passear fora do palácio, de madrugada...?

–Eu quis colher flores... – Só depois que falou, é que Yona percebeu a besteira. Agora não dava para voltar atrás.

Avraed sorriu até franzir todo o rosto.

–De madrugada?

–S-sim... É o melhor momento para colhê-las.

–Sei, claro... – Ele se posicionou entre ela e os pergaminhos sobre a mesa, para que não os visse. – Então, milady saiu para colher flores de madrugada, porque é o melhor momento, e com... Uma bolsa de viagem?

Ele tirou a bolsa do ombro dela. – Não precisas explicar, eu adivinho: é para colocar as flores dentro.

Ele olhou dentro da bolsa, remexeu um pouco; estava cheia de roupas, um saco gordo de moedas, outro de jóias. Ele franziu o cenho.

–Como as flores iriam caber aqui dentro? – Indagou, cheio de falsa inocência.

–––

Guilhem de Craon estava com pressa! Precisava se preparar em um curto espaço de tempo para se transformar em um bandido profissional nativo da região das cidades sem lei. Ou, ao menos, um bandido profissional forasteiro. Só então, poderia viajar incógnito para o litoral.

Mas, eis que a surpreendente tentativa de fuga de Lady Yona –surpreendente nem tanto –, trazida até ele pelo seu chefe de segurança... Ao invés de interpelar imediatamente a dama em fuga, Guilhem decidiu deixá-la em "banho-maria" em uma das salas de interrogatório, no subsolo... O local possuía agradáveis acomodações: paredes de pedra escuras e cheias de limo; nenhuma cadeira para se sentar; janelas pequenininhas, com grades bem grossas; e ratazanas enormes, peludas e gorduchas, versadas na arte das boas maneiras, pois passeavam de um lado a outro a fim de entreter e fazer companhia aos visitantes... (As ratazanas eram escovadas e alimentadas diariamente por Tuemano, mas ninguém precisava saber disso.) A equipe do palácio as considerava moradoras e trabalhadoras vitalícias e honoríficas – afinal, cumpriam bem o seu papel, num ambiente nefasto como aquele.

Guilhem deixaria Yona lá, por enquanto... Até que estivesse tão apavorada que, ao vê-lo surgir, cantaria como um canário tudo o que ele quisesse saber.

...Ou assim ele esperava.

Enfim, o rei tinha uma agenda para o dia e a prioridade era ver de perto o preso que conhecia os meandros das cidades sem lei. Mandou trazê-lo e enquanto aguardava, estudou o arquivo da Inteligência a respeito dele. O resto, ou seja, as lacunas de informação, ele pretendia extrair do próprio prisioneiro.

Quando abriu a pasta de couro e começou a ler, teve uma surpresa.

–––

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